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Natureza jurídica dos embargos monitórios

Natureza jurídica dos embargos monitórios

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SUMÁRIO: 1- INTRODUÇÃO; 2- CONCEITO; ESPÉCIES DE PROCEDIMENTO MONITÓRIO; 4- PROVA DOCUMENTAL E OBJETO DO PROCEDIMENTO MONITÓRIO; 5- PETIÇÃO INICIAL NO PROCEDIMENTO MONITÓRIO; 6- CITAÇÃO NO PROCEDIMENTO MONITÓRIO; 7- PROCEDIMENTO,NATUREZA JURÍDICA DO PROVIMENTO INICIAL E MANDADO MONITÓRIO; 8- EMBARGOS MONITÓRIOS:CONCEITO,NATUREZA JURÍDICA E PROCEDIMENTO; 9- RELEVÂNCIA PRÁTICA DA DEFINIÇÃO DA NATUREZA DOS EMBARGOS MONITÓRIOS; 10- REFERÊNCIAS.


1. Introdução

            Em 1985, uma comissão nomeada pelo então Ministro da Justiça apresentou anteprojeto de modificação do CPC. Entre as inovações sugeridas, estava o procedimento monitório. Só em 1995, com a reforma do Código de Processo Civil, da qual fez parte a Lei 9.079, de 14-07-95, foram introduzidos três artigos no CPC regulando a ação monitória. O procedimento da ação monitória é chamado de procedimento monitório ou de injunção, e está regulado nos artigos 1.102 a, 1.102 b e 1.102 c.

            Há uma crise na efetividade dos processos. São muitos os direitos garantidos, inclusive constitucionalmente, que não se efetivam, ou, quando muito, isso se dá após longas batalhas judiciais.

            Decididamente não é por falta de instrumentos processuais que continua tão insatisfatória a situação nacional nesse terreno. Escusado insistir em que nem tudo pode ficar na dependência da atuação dos mecanismos da Justiça. Há que contar com uma ação enérgica das instâncias administrativas; e há que contar , sobretudo, com a colaboração constante dos próprios membro da comunidade. [01]

            Por conta dessas dificuldades, a reforma do Código de Processo Civil importou do direito europeu o procedimento monitório, que confere ao autor, rapidamente, um título executivo judicial, sem retirar do devedor suas garantias, mas regrando sua utilização de maneira mais concentrada, dispensando o moroso processo de conhecimento.

            Antes, credores que possuíam apenas começo de prova escrita teriam que enfrentar todo um processo de conhecimento para somente então poderem executar seus créditos; com a Ação Monitória, esse começo de prova escrita torna-se título executivo mediante célere e abreviado processo.


2. Conceito

            "Pode-se conceituar o procedimento monitório como o procedimento especial destinado a permitir a rápida formação de título executivo judicial" [02]. Em linhas gerais, é o instrumento processual que permite ao credor de quantia certa, coisa fungível ou móvel determinada a expedição de mandado de pagamento ou de entrega de coisa. No Brasil, exige-se que o credor tenha prova material escrita (documento) da dívida, o STJ já se pronunciou a esse respeito.

            A cognição é sumária, ou não - exauriente, porque o juiz expede o mandado monitório initio litis. O juiz só poderá expedir o mandado de pagamento ou de entrega de coisa após formar um juízo de probabilidade acerca da existência do direito afirmado pelo autor em sua petição inicial. O juiz tem que verificar se o documento do autor mostra que o direito por ele invocado é de existência provável. Se o juiz achar que o demandante tem o direito de crédito, ele expedirá o mandado monitório. Se achar que não, deverá indeferir a petição inicial, por falta de interesse de agir, já que o procedimento monitório não é a via processual adequada para a obtenção da tutela pretendida pelo autor.

            No procedimento monitório, o contraditório é eventual. O procedimento ordinário inicia-se segundo o princípio do contraditório com a citação do demandado, o juiz só se pronuncia depois de ouvida a parte demandada. No procedimento monitório, o autor pede diretamente ao juiz a expedição do mandado monitório sem prévio contraditório, dando o juiz um prazo para o demandado, se quiser, provocar o contraditório mediante oposição. Se o demandado não se opuser, o mandado monitório adquire, ao fim do prazo, eficácia de título executivo. A eficácia imediata do título está sujeita ao não oferecimento de embargos pelo réu. Essa inversão do contraditório se dá porque o procedimento monitório é utilizado nas hipóteses em que a possibilidade de o demandado nada opor é grande.


3. Espécies de procedimento monitório

            3.1 Existem duas espécies:

            3.1.1 Procedimento monitório puro, adotado por quase todas as legislações do direito romano-germânico, não é aceito no Direito Brasileiro. O demandante não precisa alegar com base em documentos. O juiz analisa as alegações produzidas pelo autor, a cognição é superficial, fundada em juízo de verossimilhança. O demandado tem três opções: 1- cumprir a obrigação no prazo; 2- oferecer defesa, convertendo o mandado de pagamento em mandado de citação, passando a seguir o procedimento ordinário; 3- pode o demandado nem cumprir o mandado de pagamento, nem oferecer defesa, caso em que se forma o título executivo.

            3.1.2 Procedimento monitório documental, adotado pelo Direito Brasileiro. Difere do procedimento monitório puro porque o demandante tem que fazer suas alegações baseado em prova material escrita da dívida ou crédito. "O procedimento identificado como documental encontra suas origens, ao contrário do puro, no procedimento documental-executivo desenvolvido na Idade Média, também com raízes no direito italiano". [03] O mandado de pagamento expedido pelo juiz é fundado em cognição sumária. O demandado tem as mesmas opções do réu do procedimento monitório puro, a diferença é que no procedimento monitório documental a resposta do demandado não converte o mandado de pagamento em citação, como ocorre no procedimento monitório puro. Em vez disso, o oferecimento de resposta suspende a eficácia do mandado de pagamento, convertendo o procedimento monitório em procedimento ordinário.


4. Prova documental e objeto do procedimento monitório

            A prova tem que ser escrita e sem eficácia executiva, pois nosso procedimento monitório é documental. Não pode ser qualquer prova documental, ela tem que ser escrita. Não caberá, portanto, prova sonora ou visual. A prova escrita pode ser constituída de qualquer documento que mereça fé quanto à autenticidade e tenha eficácia probatória do fato constitutivo do direito, como por exemplo,

            os títulos de crédito (nota promissória ,cheque) depois de prescrito o direito cambiário que corporificam. A cártula é documento que oferece excelente probabilidade da existência do crédito subjacente ainda não prescrito. Outro exemplo é a sentença meramente declaratória em que, reconhecida definitivamente a existência do direito, não se contém a criação de título executivo (v.g., a que julga improcedente uma ação declaratória de inexistência de obrigação cambial). [04].

            A lei brasileira nada diz a respeito, mas o documento a ser utilizado no procedimento monitório não pode ser produzido unilateralmente pelo credor. Quanto maior a participação do devedor na construção do documento escrito, maior a sua força probatória. No entanto,

            as contas expedidas pelas empresas de água, luz e telefone, os saldos bancários,com prova do contrato do correntista são também, exemplificativamente, formas hábeis de se presumir, em um primeiro momento, a existência da dívida e permitir a instauração do procedimento monitório. [05]

            A prova escrita desprovida de eficácia executiva pode ser chamada de título monitório ou título injuntivo. Não é necessário que haja apenas um documento para provar o direito de crédito do demandante, podem ser juntados vários documentos que, reunidos, permitam ao juiz valorar a prova.

            A prova escrita está vinculada à obrigação de: pagar dinheiro (a obrigação tem que ser líquida ); entregar coisa móvel determinada. Bens imóveis não podem ser reivindicados através do procedimento monitório. Os semoventes são bens móveis com movimento próprio, enquanto os outros bens são removidos por força alheia. Importante ressaltar que o domínio das coisas móveis não se transfere pelo contrato antes da tradição. Se o demandante objetiva, através do procedimento monitório, a entrega de determinado bem móvel que ainda se encontre com o vendedor, isso não será admitido; coisa fungível, ou seja, coisa móvel que pode ser substituída por outra da mesma espécie, qualidade e quantidade.

            A obrigação tem que ser exigível, estar vencida. É assim não só no procedimento monitório, mas em qualquer outra via, exceto a meramente declaratória da existência da obrigação.

            A obrigação tem que ser certa quanto à sua existência e determinada quanto ao seu objeto. Não é admitido o acertamento do débito no curso dos embargos eventualmente opostos pelo devedor.

            Se faltar algum documento, ou algum não for idôneo, a petição inicial será indeferida e o processo, extinto, devendo o juiz dar oportunidade para o autor sanar o erro.


5. Petição inicial no procedimento monitório

            Salvo raras exceções, o processo civil só se inicia com a demanda da parte. O autor provoca a jurisdição através de petição inicial, devendo esta estar de acordo com os artigos 282 e 283 do Código de Processo Civil. No procedimento monitório, a exordial se amoldará, no que for cabível, ao artigo 282 do CPC, que contém os requisitos da petição inicial no procedimento ordinário. O procedimento monitório nunca será instaurado de ofício, sempre começará por iniciativa da parte, desenvolvendo-se, no entanto, por impulso oficial.

            A petição inicial tem que conter os documentos indispensáveis à propositura da ação. No caso do procedimento monitório, tem que ter a prova escrita da obrigação. Na sua falta, o juiz determinará sua exibição no prazo de dez dias, sob pena de indeferimento da inicial. No caso dos títulos de crédito que perderam a eficácia executiva, a petição inicial tem que vir acompanhada com o título original, não podendo ser cópia xerográfica.

            Caso a petição seja indeferida pelo juiz, cabe recurso de apelação a ser interposto no prazo de quinze dias, devendo-se fazer o respectivo preparo no momento da interposição do recurso.

            Deverá o juiz verificar a capacidade processual e a regularidade da representação das partes em juízo. Caso alguém seja incapaz processualmente ou não esteja devidamente representado, o juiz suspenderá o processo e dará um prazo para as partes sanarem o defeito. Indeferida a peça inicial, a parte não poderá juntar novo documento em grau de recurso para melhor fundamentar sua pretensão.

            A parte não pode propor a ação sem estar representado por um advogado, salvo se tiver habilitação legal.

            5.1 Requisitos

            O principal requisito é a existência de prova escrita sem eficácia de título executivo. "Precisamente porque a prova escrita de que trata o art. 1.1102a não é ‘título’, e o processo monitório não é ‘paraexecutivo’, não se pode usar ‘credor’ e ‘devedor’ para designar suas partes". [06]

            Tem a petição inicial que indicar o juízo ao qual é dirigida, devendo o juízo ser competente para a causa, de modo que

            o juiz fiscalizará também a sua própria competência absoluta, determinando a transferência do processo para o juiz que entenda competente - Justiça Federal ou Estadual, varas especializadas (CPC,art.113,caput e par 2.). A incompetência territorial, que em princípio é eminentemente relativa, não será objeto de controle nessa oportunidade - a não ser a competência fórum rei sitae, disciplinada no art. 95 do Código de Processo Civil, porque essa é absoluta.

            A inicial tem que identificar as partes, qualificando-as e fornecendo seus endereços. O autor tem que indicar o endereço do réu para que ele seja citado, mas não precisa o demandante comprovar o endereço da parte contrária.

            O demandante tem que indicar os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido. Não precisa citar os artigos de lei, pois cabe ao juiz conhecê-los.

            O autor deve pedir a expedição do mandado monitório no prazo de quinze dias. O pedido imediato é a condenação do réu; o mediato é a satisfação do crédito (ordem de pagamento ou entrega de coisa ).

            À causa tem que ser atribuído um valor, ainda que ela não tenha conteúdo econômico imediato. No procedimento monitório não há espaço para nenhuma fase de liquidação. A inicial tem que conter o demonstrativo do cálculo da quantia devida. A falta de indicação do valor da causa determinará o indeferimento da inicial, se o demandante não cumprir a determinação do juiz de atribuir um valor à mesma. Se o demandado quiser impugnar o valor da causa, deverá fazê-lo nos embargos, em peça autônoma.

            O autor tem que indicar os meios que utilizará para provar seu direito, pois se o réu embargar, poderá haver lugar para a produção de provas.

            O autor tem que requerer a citação do réu, para que ele pague ou entregue a coisa objeto do pedido dentro de quinze dias, advertindo-o de que se ele não embargar, será considerado revel e constituir-se-á, imediatamente, um título executivo judicial.


6. Citação no procedimento monitório

            O réu é cientificado do mandado monitório, é nesse momento que ele toma conhecimento da demanda. O demandado é citado para pagar ou entregar a coisa objeto da ação no prazo de quinze dias.

            A citação pode ser feita pelo correio, caso em que a correspondência deve ser entregue diretamente ao demandado, ou por oficial de justiça, se o autor requerer de tal forma ou a citação pelo correio não se realizar.

            É controvertido se cabe citação por edital na ação monitória. Há quem diga que não pode, porque se o réu embargar, não haverá problemas, mas se não embargar, será nomeado para ele Curador Especial, e este apresentará embargos, transformando o procedimento monitório em ordinário. Segundo João Roberto Parizatto, a citação por edital não é possível. "Se a monitória for ajuizada e não se conseguir a citação do réu, por correio ou por oficial de justiça, caberá a nosso ver, a extinção do processo (CPC, art.267, IV), pela impossibilidade de se determinar à citação por edital". [07]

            Não há vedação legal, o CPC só não permite a citação por edital no rito executivo. A súmula no 282 do Superior Tribunal de Justiça diz que cabe citação por edital na ação monitória.

            6.1 O demandado tem quinze dias para:

            6.1.1 Pagar a quantia reclamada pelo autor ou entregar a coisa objeto da ação monitória, ficando, em ambos os casos, isento do pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios. O autor deverá pagar os honorários contratuais, não tendo o advogado direito a honorários de sucumbência;

            6.1.2 Oferecer embargos, que suspenderão a eficácia do mandado inicial. Se a citação não disser o prazo que o demandado tem para opor embargos, ela será nula, a menos que o réu embargue a execução e alegue outras matérias de defesa. Também

            deverá constar do ofício ou mandado, ficando o réu devidamente advertido,de que não sendo efetuado o pagamento (ou a entrega da coisa) e nem oferecido embargos no prazo de quinze (15) dias, contados da forma prevista pelo art.241 do Código de Processo Civil, constituir-se-á,de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o tal mandado inicial, em mandado executivo, com o prosseguimento da ação para entrega da coisa (CPC,art.621) ou penhora (CPC,art.652), sendo o caso, quando a ação prosseguirá sob forma de execução. [08]

            O comparecimento espontâneo do réu supre a falta ou nulidade da citação feita sem observância das prescrições legais. Mas se o advogado do réu ingressar aos autos sem poderes especiais para receber a citação, esta não será dispensada. Se o réu morar no exterior, a citação será feita por meio de carta rogatória.

            Se a citação for feita pelo correio, o prazo de quinze dias será contado da juntada aos autos do aviso de recebimento; se por oficial de justiça, da data da juntada aos autos do mandado de citação, pagamento ou entrega.


7. Procedimento, natureza jurídica do provimento inicial e mandado monitório

            O procedimento é a seqüência de atos que compõem o procedimento monitório. Inicia-se quando o autor apresenta a petição inicial em juízo. O juiz verificará se estão presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, mandando emendá-la se for necessário. Se estiver tudo certo, o juiz vai valorar a prova escrita. Se ela não for suficiente para convencê-lo, o juiz indeferirá a petição inicial, dando antes a oportunidade de o autor apresentar novos documentos que o ajudem no seu convencimento.

            A sentença extintiva não fará coisa julgada, não ficando afastada a repropositura da mesma demanda.Isso porque a decisão do juiz é fundada em mero juízo de verossimilhança.

            É controvertida a natureza jurídica do provimento judicial que determina a expedição do mandado monitório. Há varias correntes doutrinárias:

            Há uma corrente doutrinária que entende ser o provimento inicial um despacho de mero expediente, que o mandado monitório não possui conteúdo decisório relevante. É a única corrente que acredita não haver conteúdo decisório; todas as outras concordam que há. Essa corrente não pode ser aceita, porque o juiz exerce cognição sumária sobre as alegações do autor, e só pode determinar a expedição do mandado monitório se considerar provável a existência do direito do autor.

            Há quem entenda ser o provimento judicial inicial uma decisão interlocutória, pois só existem dois tipos de provimento judicial com conteúdo decisório, que são as sentenças e as decisões interlocutórias. A sentença põe termo ao processo; por exclusão, esse provimento inicial seria uma decisão interlocutória. Mas a lei define a decisão interlocutória como "o ato pelo qual o juiz,no curso do processo, resolve questão incidente" (art 162, § 2,do CPC). Mas o mandado monitório não é um incidente processual, é parte essencial do procedimento monitório. Nesse caso, essa corrente não pode ser aceita.

            A terceira corrente entende que o provimento inicial é uma decisão interlocutória com conteúdo de sentença, sendo esta definitiva ou não; isso fica a depender de o devedor opor ou não embargos. Mas não pode se aceitar que a natureza jurídica do mandado monitório dependa do comportamento do demandado posterior à expedição do mandado.

            Há quem diga que o mandado monitório é um provimento judicial destinado a dirigir uma ordem ao demandado. Os doutrinadores que defendem isso tentam definir a natureza do provimento inicial por seus efeitos, e não por seu conteúdo.

            A quinta corrente entende que o provimento inicial tem natureza jurídica de sentença condenatória. Essa posição é insustentável, porque a sentença é o ato judicial que põe termo ao processo, e o procedimento monitório não se encerra com a expedição do mandado monitório.

            Há doutrinadores que afirmam ser o provimento inicial uma sentença condenatória condicional, o que não é admissível, já que não é aceitável a prolação de sentenças condicionais.

            A última corrente doutrinária diz que o provimento preambular tem natureza de sentença liminar. "O conceito de sentença liminar é encontrado na obra de notável jurista gaúcho, que define tal espécie de pronunciamento judicial como o provimento que, emitido antes do momento propício para a prolação de sentença final, resolve o mérito da causa." [09]


8. Embargos monitórios: conceito, natureza jurídica e procedimento

            É controvertida a natureza jurídica dos embargos no procedimento monitório. Essa divergência tem interesse prático, e não apenas acadêmico. São três as correntes:

            A primeira corrente defende que os embargos têm natureza de recurso. Isso não pode ser aceito, pois existe o princípio da taxatividade dos recursos, segundo o qual só é recurso o que a lei diz que é.

            A segunda corrente, com a qual concordo, considera que os embargos têm natureza jurídica de demanda autônoma, como nos embargos à execução. Se o demandado embargar, surgirá outro processo de conhecimento, incidente ao procedimento monitório. Essa parte da doutrina alega que se os embargos fossem defesa, deveria, em qualquer caso, haver sentença. Mesmo que não fossem apresentados os embargos, deveria haver sentença. Não há, contudo.O procedimento monitório restringe-se à análise da petição inicial e do documento escrito. Expedido o mandado, não há mais nada a ser feito. Com a inércia do réu, o mandado injuntivo, independentemente de sentença (que não há), será transformado em título executivo. Se houver embargos, haverá uma sentença para julgar os embargos, e não a ação monitória. Ora, se os embargos fossem defesa, haveria sentença sempre, mesmo que não houvesse embargos. Somente há sentença, contudo, se houver. Logo, os embargos não constituem uma defesa.

            Os embargos, como identificou Liebman, constituem ação de natureza declaratória ou constitutiva negativa, não havendo razão para considera-los, no caso, somente defesa. São ação, como eram ação os embargos do devedor na ação executiva do Código de 1939. Se o legislador se utilizou da figura dos embargos foi para dar à defesa do devedor a forma de ação, com todas as conseqüências que daí resultam, em especial a inversão do ônus da iniciativa e da prova. Além disso, a sentença somente será proferida nos embargos se forem apresentados, e dela caberá apelação sem efeito suspensivo, como preceitua o art. 520, V. Nos moldes do que ocorre na execução por título extrajudicial, não há sentença sobre o título ou constituição do título. Se se entendesse o contrário, ou seja, que os embargos são apenas defesa, o juiz teria de proferir sentença no pedido monitório e não nos embargos. [10]

            O juiz determina a expedição do mandado, que já produz efeitos. Os embargos irão suspender a eficácia do mandado, não precisando ser autuados, nem devendo ser seguro o juízo. Por isso mesmo, é uma ação. Se fosse defesa, não suspenderia o mandado, nem precisaria o CPC dispensar a autuação (defesa não é autuada) nem dispensar a penhora (defesa não precisa de penhora). Além disso,

            o fato de serem os mesmos autos não significa rigorosamente nada, porque não se pode confundir autos com processo. Pode-se ter nos mesmos autos mais de um processo como ocorre, por exemplo, com um processo de conhecimento onde o autor formule um pedido genérico. Com a condenação dá-se início ao processo de liquidação por artigos (o segundo processo) e, depois, tem início a execução, o terceiro processo nos mesmos autos. [11]

            Assim entende Antonio Carlos Marcato: "Na minha visão particular, entendo que esses embargos têm natureza jurídica de ação, dando origem a um processo de conhecimento com plenitude do contraditório, provas e assim por diante." [12]

            Os doutrinadores que defendem que os embargos têm natureza de contestação alegam que se os embargos fossem ação, não haveria respeito ao princípio do contraditório. Esse argumento não é, no entanto, suficiente para que se considere os embargos como defesa, pois isso:

            não implica o rebaixamento de um título considerado judicial por força de lei a uma categoria inferior (porque atacável com outros fundamentos) ao do título judicial sentencial. [13]

            A terceira e última corrente, com a qual concorda o STJ, considera que os embargos são uma resposta do demandado, de natureza idêntica à de uma contestação, sem que tal impugnação dê origem a um novo processo. Criticam a segunda corrente dizendo que se os embargos tivessem natureza de ação, não haveria contraditório no procedimento monitório, o que afrontaria a Constituição Federal.

            O argumento básico de quem sustenta que os embargos têm natureza de contestação é o de que o próprio Código impõe o rito ordinário se o réu embargar.Mais ainda:os embargos processam-se nos mesmo autos.Se se trata dos mesmos autos,evidentemente se trata do mesmo processo.Há,por assim dizer,uma transformação procedimental.O processo monitório,que tinha um rito especial até então,passa a ser,com os embargos,um processo de conhecimento pleno,de cognição plena,de rito ordinário. [14]

            Outro argumento utilizado pelos defensores dessa corrente é que, se os embargos fossem ação, não seriam processados nos mesmos autos da ação monitória. Segundo Nelson Nery Júnior, os embargos "têm natureza jurídica de defesa, de oposição à pretensão monitória, não se confundindo com os embargos do devedor, somente cabíveis no processo de execução stricto sensu. A oposição dos embargos não instaura novo processo." [15]


9. Relevância prática da definição da natureza dos embargos monitórios

            Quais as decorrências práticas de se entender que os embargos têm natureza jurídica de contestação ou de ação?

            Art. 188 do CPC: "Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público". Se se entender que os embargos têm natureza de ação autônoma, a Fazenda Pública, o Ministério Público e os litisconsortes com procuradores distintos não terão direito a esse prazo do art 188. Os prazos só se multiplicam se os embargos tiverem natureza de contestação.

            Procedimentalmente, a questão possui relevância para a definir se o autor da ação monitória será intimado para responder aos embargos e, em caso positivo, em qual prazo. Sendo os embargos ‘ contestação’, a resposta se dará pela forma e no prazo da ‘réplica’ (e se for o caso de réplica- arts. 326 e 327). Vale dizer se os embargos forem considerados ‘contestação’, caso eles não veiculem defesas processuais nem materiais indiretas não se abrirá oportunidade para manifestação do autor (ressalvada a aplicação do art. 398 caso os embargos estejam acompanhados de documentos novos).Sendo os embargos ‘ ação’, o embargado terá sempre a possibilidade de resposta, mediante contestação, em um prazo de quinze dias. [16]

            Uma das conseqüências mais importantes é a delimitação da causa de pedir.

            Caso considerados ‘contestação’, os embargos teriam apenas o condão de transformar o próprio processo monitório, já em curso, em processo comum de conhecimento, de rito ordinário. O ato postulatório principal, delimitador do objeto desse processo, continuaria sendo a demanda formulada pelo pretenso credor. Já se constituírem ‘ação’, gerando novo processo, os embargos é que estabelecerão o objeto de tal processo. [17]

            Se os embargos forem considerados contestação, o réu da demanda monitória terá que apresentar todas as defesas possíveis na contestação, pois não terá outra oportunidade para fazê-lo. Art. 474 do CPC: "Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido".

            Eu concordo com os doutrinadores que entendem que os embargos têm natureza de ação, e portanto, cada alegação que o réu fizer constituirá causa de pedir diversa. "Se alguma delas não for apresentada, poderá ser formulada através de outra demanda, autônoma e independente. A sentença dos embargos só fará coisa julgada em relação às causas de pedir que forem postas". [18]

            Não há inversão do ônus da prova, a inversão é apenas da posição processual das partes. Observar-se-ão, portanto, as regras comuns do art. 333 do CPC: "O ônus da prova incumbe:

            I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

            II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor."

            Contra a sentença proferida nos embargos caberá recurso de apelação. Depois de interpostos e decididos os embargos ao mandado, poderá haver, na fase executiva, espaço para a interposição de embargos do devedor? Há divergências a respeito. Há quem entenda que não, pois a lei não fala em citação do devedor, mas tão-somente em intimação, o que revelaria "a opção legislativa de atuação do provimento injuntivo em uma nova fase, integrante do próprio processo monitório, e não por um processo executivo autônomo, eliminando, dessa forma, a via dos embargos do devedor." [19]

            Entre os adeptos da posição oposta, alguns entendem que quando houvessem embargos ao mandado, os embargos à execução se restringiriam à matéria do art. 741 do CPC. Outros entendem que, não havendo embargos ao mandado monitório, os embargos executivos seguiriam o tratamento do art. 745 do CPC, ou seja, seria mais amplo. Essa última posição não pode ser aceita, pois seriam dadas duas oportunidades ao devedor de ampla discussão da dívida reclamada, num mesmo processo, o que não se coaduna com à efetividade e celeridade, características da ação monitória.

            Acredito que possa haver embargos à execução, desde que tenha havido penhora ou depósito da coisa, sempre com fundamento no art. 741 do CPC, já que se trata de embargos à execução de título executivo judicial.


10. REFERÊNCIAS

            CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 8. ed. Vol III. Rio de Janeiro: Lumem júris, 2004. 658 p.

            DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. 327 p.

            GRECO FILHO, Vicente. Comentários ao procedimento sumário, ao agravo e à ação monitória. São Paulo: Saraiva, 1996. 66 p.

            NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 7 ed. Ver. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, 1855 p.

            MACEDO, Elaine Harzheim. Do procedimento monitório. São Paulo: RT, 1999. 186 p.

            MARCATO, Antonio Carlos. Ação monitória: seu regime jurídico e a Fazenda Pública. In: SUNDFELD, Carlos Ari e BUENO, Cássio Scarpinella. Direito processual público: a Fazenda Pública em juízo.São Paulo: Malheiros, 2003. 280 p.

            MORAES, Marcelo José de Guimarães e. Procedimento monitório. Disponível em:<http://www.pge.ac.gov.br/novapge/monografias/%F4%20PROCEDIMENTO%20MONIT%CBRIO%20%F6.pdf>. Acesso em 10 de mar.2005.

            MOREIRA, José Carlos Barbosa Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 8, 294p.

            PARIZATTO, João Roberto. Ação monitória. 6. ed. São Paulo: Edipa, 2004. 273 p.

            TALAMINI, Eduardo. Tutela monitória.A ação monitória-Lei 9.079/95. 2. ed. São Paulo: RT, 2001. 382 p.

            VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 2003. 350 p.


Notas

            01 MOREIRA, José Carlos Barbosa Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 8, p 17.

            02 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 6.ed.ver. e amp. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.Vol.3, p.40.

            03 MACEDO, Elaine Harzheum. Do procedimento monitório. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999, p. 89.

            04 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil. 3. ed. Ver. e amp.São Paulo: Malheiros, 1996. p. 236.

            05 MORAES, Marcelo José de Guimarães e. Procedimento monitório. Disponível em:<http://www.pge.ac.gov.br/novapge/monografias/%F4%20PROCEDIMENTO%20MONIT%CBRIO%20%F6.pdf>. Acesso em 10 mar. 2005.

            06 TALAMINI, Eduardo.Tutela monitória. 2. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2001. p.77.

            07 PARIZATTO, João Roberto. Ação Monitória.6.ed. [S.l.]: Parizatto, 2004. p.176.

            08 Idem, p.168.

            09 SILVA, apud CÂMARA, 2004, p. 547

            10 GRECO FILHO, Vicente. Comentários ao procedimento sumário, ao agravo e à ação monitória. São Paulo: Saraiva,1996. p. 54.

            11 MARCATO, Antonio Carlos. Ação monitória: seu regime jurídico e a Fazenda Pública. In:SUNDFELD, Carlos Ari; BUENO, Cássio Scarpinella. Direito processual público: a Fazenda Pública em juízo.São Paulo: Malheiros, 2003. p. 208.

            12 MARCATO, 2003. p. 206-207

            13 FILHO, Op. Cit., 1996,p. 55.

            14 MARCATO, 2003, p.207.

            15 JUNIOR; NERY, 2003, p. 1212.

            16 TALAMINI, 2001, p. 150- 151.

            17 TALAMINI, 2001, p. 151.

            18 TALAMINI, op. Cit. 2001, p. 152

            19 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Efetividade do processo em face da Fazenda Pública. São Paulo: Dialética, 2003. p. 291.


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CÉSAR, Laís Espírito Santo. Natureza jurídica dos embargos monitórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 978, 6 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8066. Acesso em: 23 abr. 2024.