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Nova lei de recuperação de empresas (Lei nº 11.101/2005).

Alguns aspectos

Nova lei de recuperação de empresas (Lei nº 11.101/2005). Alguns aspectos

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A legislação falimentar funciona como um minimizador dos impactos das incertezas econômicas, pois sinaliza aos agentes a forma como serão resolvidos os conflitos quando a empresa entra em situação de insolvência.

Resumo: As empresas e seus gestores tomam decisões de investimentos e produção em função de suas expectativas de lucros futuros. Estas estratégias são traçadas em ambiente de incertezas, não havendo possibilidade de serem protegidos todos os riscos, pois os contratos são incompletos e há assimetria de informações. Neste cenário, a legislação falimentar funciona como um minimizador dos impactos desta incerteza, sinalizando aos agentes econômicos as formas de solução dos conflitos quando a empresa estiver insolvente. O mecanismo que a lei gera é fundamental para definir o comportamento dos agentes e o funcionamento de toda a economia, pois afeta os resultados esperados em caso de insucesso. Sendo os contratos que regem as relações entre devedor e credor incompletos, cabe ao sistema legal de insolvências criar condições que permitam a recuperação efetiva da empresa viável e, por outro lado, estabeleçam as bases para a liquidação eficiente da empresa falida, maximizando o valor dos ativos e possibilitando aos credores recuperarem, ao menos, parte de seu crédito. É de se ressaltar que esse balanceamento deve atender a requisitos de eficiência pois as soluções devem, no longo prazo, gerar o maior retorno possível para o devedor e os credores, mas, igualmente, coibir comportamentos imprudentes por parte dos administradores que possam a vir a comprometer as perspectivas de desenvolvimento da empresa. É impossível citar, nos limites desta monografia, toda a gama de razões que justifique a Nova Lei de Recuperação de Empresas, mas todas são inspiradas no ideal de eficiência. O sistema jurídico pátrio regulador das relações emergentes da insolvência empresarial estava em franca dissonância com o moderno perfil da empresa e as características da economia globalizada. Era latente a necessidade de preservação da instituição empresarial. A empresa exerce papel fundamental na sociedade moderna: geração de empregos, criação de divisas, entre outros itens de suma importância. O fio condutor da nova Lei é construtivo: cifra-se na primazia da recuperação empresarial sobre a inexorabilidade da falência, visando recuperar empreendimentos produtivos e, simultaneamente, eliminar do mercado empresa inviáveis e evitar utilização abusiva. É condescendente com a prevenção da falência, mas implacável quando esta se materializa. A Lei 11.101/2005 não é um corretivo para todos os males, porque acabou incorporando um pouco do que já existia na antiga Lei de Falências e Concordatas. Qualquer leitura da LRE deixa à calva a significativa redução do papel do Estado na solução das crises econômico-financeiras empresariais. Muitos fatores devem ser levados em conta, antes de se arriscar quaisquer respostas às indagações sobre a nova lei concursal: a globalização em andamento, o fato de que o Brasil não poder perseverar isolado das atuais legislações concursais, uma reengenharia das regras de direito creditício, o emagrecimento do aparato administrativo do Estado, a reforma judiciária, as mudanças no direito trabalhista, a redefinição das prioridades tributárias, a necessidade de equalização entre o preço do crédito e os resultados de sua aplicação, e sobretudo, uma crescente tendência à superação da dicotomia capital-trabalho, processo em que a mediação estatal pode contribuir muito se partir do princípio que deve interferir não mais que o necessário. Não se pode esperar que a nova Lei, por si só, possa disciplinar todos os conflitos advindos da pulsante dinâmica social, mas que seja forte alicerce para dirimir os conflitos e possibilitar desenvolvimento seguro das relações estabelecidas.

Palavras-chave: Função Social da Empresa; Mecanismos de Recuperação de Empresas; Redução da intervenção do Estado na atividade econômica.


INTRODUÇÃO

A existência de uma legislação falimentar eficiente é fundamental para o ambiente econômico, e vem sendo bastante discutida pelos estudiosos de Direito e Economia. Essa importância surge a partir da constatação teórica de que um sistema de resolução de insolvências que cria um mecanismo ordenado de resolução de conflitos e coordenação de interesses para empresas com problemas financeiros ou até mesmo falidas gera resultados eficientes do ponto de vista econômico. O papel desempenhado pela legislação falimentar é sinalizador aos agentes econômicos sobre os possíveis resultados a serem obtidos em suas estratégias empresariais.

As empresas e seus gestores tomam decisões de investimentos e produção em função de suas expectativas de lucros futuros. Como as estratégias são traçadas em ambiente de incertezas, não há a possibilidade de se proteger de todo o risco, pois os contratos são incompletos e há assimetria de informações. Neste cenário, a legislação falimentar funciona como um minimizador dos impactos desta incerteza, pois sinaliza aos agentes econômicos a forma como serão resolvidos os conflitos quando a empresa entra em situação de insolvência.

Dependendo da natureza da legislação falimentar, as empresas seguirão estratégias com maior ou menor risco. Se o arcabouço legal estimular a manutenção de empresas inviáveis a todo o custo e permitir que administradores preservem seu patrimônio depois da falência, esses gestores implantarão projetos e realizarão investimentos sem maiores cuidados para se precaverem contra a possibilidade de fracasso. Essa situação gera um resultado ineficiente do ponto de vista econômico, pois implica em perda de valor, perda de bem-estar, além de piorar as condições de crédito para toda a economia, pois o maior risco dos negócios diminui a perspectiva de recuperação do crédito. Se a legislação falimentar tender em demasia para o lado dos credores, a aversão ao risco dos empreendedores será maior, o que prejudicará a realização de investimentos rentáveis, inviabilizando o aproveitamento de oportunidades e comprometendo a geração de emprego e renda.

Mudanças na legislação de falência devem, portanto, ser realizadas levando em consideração seus impactos não apenas nas empresas que venham a tornar-se insolventes. O mecanismo de incentivos que a lei gera é fundamental para definir o comportamento dos agentes e funcionamento de toda a economia, pois afeta os resultados esperados em caso de insucesso.

Do ponto de vista econômico, a legislação falimentar tem como objetivo criar condições para que situações de insolvência tenham soluções previsíveis, céleres e transparentes, de modo que os ativos, tangíveis e intangíveis, sejam preservados e continuem cumprindo sua função social, gerando produto, emprego e renda. Com isso, busca-se também minimizar os impactos das insolvências individuais sobre a economia como um todo e, dessa forma, limitar os prejuízos gerais e particulares. Cabe, portanto, ao sistema de insolvências, papel fundamental na busca de resultados econômicos eficientes. 1

No curso normal, uma empresa financia a sua produção sob a premissa de que a renda auferida com venda de seus produtos ou serviços será suficiente para pagar seus credores e também remunerar adequadamente o capital e trabalho próprios invertidos. Os credores, por sua vez, só se prestam a financiar a empresa se existir expectativa de que o devedor conseguirá quitar suas obrigações ao final do ciclo. Se este fosse o resultado em qualquer situação, a legislação falimentar seria desnecessária, pois o devedor sempre conseguiria cumprir com suas obrigações, não havendo espaço para incertezas. Mas não é isto que se observa na prática, tampouco o que a teoria econômica prevê, pois as empresas, como os demais agentes, estão sujeitas à crises de natureza diversa e mesmo à problemas de gestão, que impactam negativamente sua capacidade de honrar compromissos. Estas crises são fonte de incertezas que tem efeito direto na disponibilidade do crédito a atividade produtiva, tanto em termos de quantidade como, principalmente, de custo.

O impacto da incerteza sobre o curso normal dos negócios de uma empresa se dá a partir da incapacidade de se elaborar contratos que contemplem todas as ações em todas as contingências possíveis. Ou seja, os contratos que regem as relações entre devedor e credor são incompletos, cabendo ao sistema legal de insolvências criar condições para que essas imperfeições possam ser reduzidas.

Assim, a função da legislação falimentar é a de prover o sistema econômico com um conjunto de regras de coordenação, alinhando incentivos de forma a maximizar o resultado global. Além disso, na medida que a legislação sinaliza com normas claras que preservem o direito de propriedade, regulem o cumprimento dos contratos e, em caso de insolvência efetiva, minimizem as perdas, as incertezas são mitigadas, proporcionando maior segurança para a atividade econômica, para as relações comerciais e para o mercado de crédito em particular. O desenho de um sistema eficaz de insolvências engloba uma serie de aspectos que podem, em última instancia, determinar resultados mais ou menos eficientes. Dentro deste contexto, o marco legal falimentar deve oferecer as empresas e seus credores (fornecedores, trabalhadores e instituições financeiras) condições para buscar uma solução que gere o melhor resultado possível para todas as partes envolvidas, quais sejam:

  • a recuperação da empresa e, conseqüentemente, de seu negócio;

  • a preservação do negócio sob o comando de um novo controlador (falência do antigo devedor);

  • extinção do negócio, com a realização dos ativos, individualmente.

É papel do sistema de insolvências criar condições que permitam recuperação efetiva da empresa viável ou, por outro lado, estabeleçam as bases para a liquidação eficiente da empresa falida, maximizando o valor dos ativos e possibilitando que os credores recuperem, ao menos, parte de seu crédito.

A lei falimentar deve, então, criar um ambiente formal de negociação e cooperação, estimulando credores e devedor no sentido da solução mais eficiente, seja ela a tentativa de recuperação ou, se isto não for possível, a falência da empresa.

Para que a recuperação da empresa seja possível é fundamental o estabelecimento de incentivos corretos, a partir de balanceamento adequado de direitos entre devedor e credores e de justa divisão do risco. 2

Um arcabouço legal que privilegia em demasia a falência e aborta tentativas de reestruturação de empresas viáveis, gera perda econômica em termos de renda e emprego em favor do ganho individual dos credores.

Um sistema legal de orientação excessivamente favorável aos credores tem impacto sobre as ações dos devedores. Prejudicam a qualidade da seleção dos projetos financiados, além de piorarem a divisão do risco ao incentivar os devedores a transferir renda dos estados de falência (onde não recebem nada) para os estados pré-falimentares aceitando, por exemplo, taxas de juros mais elevadas ou se voltando para projetos de alto risco.

Há, portanto, que se ressaltar que esse balanceamento deve atender à requisitos de eficiência pois as soluções devem, no longo prazo, gerar o maior retorno possível para o devedor e os credores, mas devem, igualmente, coibir comportamentos imprudentes por parte dos administradores que possam a vir a comprometer as perspectivas de desenvolvimento da empresa.

O regime anterior de falências e concordatas brasileiro, regulado pelo Decreto-Lei 7.661/45, apesar de ter sido um marco para a sua época, estando em plena consonância com os princípios econômicos e empresariais então em vigor, na ausência de adequações, já não era mais compatível com a dinâmica econômica atual, tampouco atendia os anseios inerentes a uma legislação falimentar moderna. Talvez seja mais do que coincidência o fato do Decreto-Lei 7.661/45 ser contemporâneo à Conferencia de Bretton Woods, de julho de 1945, marco da instauração da ordem mundial capitalista no pós-guerra, que vigeu, práticamente inalterada até o início dos anos 70. O pós-guerra, do ponto de vista econômico, pode ser caracterizado, em uma abordagem concisa, como um período de previsibilidade e de forte regulação.

A lei deve guardar consonância com a realidade social e econômica da época em que é elaborada, prevendo estímulos à comportamentos desejáveis no futuro. Sobre a tentativa de moldar a sociedade aos desenhos da lei deve prevalecer o movimento no sentido oposto: o conhecimento desenvolvido pelas ciências sociais deve ser integrado a lei, servindo-lhe de base. A lei deve espelhar o conhecimento do mundo, ao mesmo tempo que deve infundir, na dinâmica social, os valores sociais prevalecentes. O conhecimento do mundo progride, amplia-se e não estará nunca limitado ao circulo do conhecimento jurídico momentâneo. E mais, quando consideramos as ciências sociais, o próprio objeto do conhecimento está em constante mutação. Dessa forma, devemos abandonar velhas crenças e antigos modelos de salvaguarda jurídica e resolução de conflitos, que podem ter-se tornado obsoleto, a despeito de terem funcionado bem em época anterior. Se estivermos prontos a aceitar o dialogo com as demais áreas de conhecimento e tivermos a humildade de confrontar nossas certezas doutrinárias com as evidencias que nos cercam, estaremos aptos a atingir o objetivo mais elevado do legislador-jurista: fazer da lei um instrumento da sociedade para atingir, com menor esforço e maior justiça, o bem estar social condizente com a etapa de desenvolvimento em que nos encontramos. 3

Certamente, é impossível citar, nos limites desta monografia, toda a gama de razões que justifique a Nova Lei de Recuperação de Empresas, mas algumas delas são de menção obrigatória. Sem exceção, todas são inspiradas no ideal de eficiência.

Eficiência, sob o ponto de vista dos processos de insolvência, não é noção simples. Não pode estar restrita a simples celeridade processual; não se confina nos domínios da satisfação creditícia; não se exaure, singelamente, no atendimento das prioridades e privilégios legais; não se cifra na especial atenção dedicada ao pessoal da empresa insolvente e não pode ser, apenas, expediente sancionatório da má administração empresarial. Precisam ser a síntese de todas estas facetas. Um processo de recuperação eficaz é o capaz de atender a todas estas metas.

Cumpre considerar que o acesso aos remédios jurisdicionais para debelação da insolvência deve ser eficiente, barato e rápido, seja para atender as expectativas da empresa em crise econômico-financeira, seja para atender a coletividade de credores. A eleição de esquemas operacionais flexíveis e até mesmo fungíveis é a atitude mais adequada para oportunizar a escolha de soluções mais produtivas. Da eficiência instrumental deriva a eficácia substancial.

É intuitivo que, ao se falar de celeridade e eficiência, não se pode olvidar da necessidade, em contrapartida, de fixar salvaguardas para a proteção dos procedimentos da insolvência contra sua utilização abusiva. Nem o credor deve utilizá-lo como veículo de cobrança, nem o devedor deve se valer deles para a procrastinação de soluções sobre seu estado deficitário.

Não foi raro ocorrer, na vigência do sistema de concordatas, que o empresário lançasse mão do processo de insolvência sem que, efetivamente, se encontrasse nessa conjuntura, tão-somente para beneficiar-se da suspensão dos vencimentos de seu passivo quirografário e da dilação dos pagamentos.

Também foi freqüente o uso do pedido de falência por credores que, antevendo a possibilidade da concordata, se apressaram em competir pela percepção de seus créditos, acelerando as dificuldades do empresário devedor ou desfalcando-lhe o patrimônio mediante a imposição de transações leoninas.

A questão é tão sensível quanto complexa, até porque põe em evidencia a função assecuratória do Direito, cujas soluções não podem quedar-se presas da singela relação bilateral credor-devedor, sem atentar para a repercussão do estado de insolvência do setor das relações trabalhistas e na projeção sócio-econômica da empresa, cuja debilidade financeira e eventual saída do mercado podem disponibilizar outras quebras.

Proteger o crédito público não implica, necessariamente, na eliminação da empresa em crise. Por outro lado, de nada adiante garantir a sobrevivência de empresas inviáveis. Combinar, de forma eficiente, as infinitas possibilidades que se intercalam entre estas duas verdades, é, justamente o papel maior a ser desempenhado pelas alternativas contidas nas regras na nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas.

A eficiência não deve ser medida a partir do famigerado "pagar todos os credores". Urge resolver a situação de insolvência com o mínimo possível de efeitos residuais para o mercado e para os interesses sociais paralelos.

O instituto da recuperação da empresa tem sentido, assim, no capitalismo para corrigir disfunções do sistema econômico, e não para substituir a iniciativa privada.

A recuperação judicial não pode significar, portanto, a substituição da iniciativa privada pelo juízo na busca de soluções para a crise da empresa.

A recente vigência desta Nova Lei e, portanto, de ainda restrito espaço de ocupação doutrinário e jurisprudencial, provocam desafios ao estudioso do tema e é esta a razão principal de sua escolha, sem qualquer pretensão de esgotar o tema.

Pretende-se no desenvolvimento desta monografia, abordar alguns dos temas mais importantes tendo em vista a Nova Lei de Recuperação de Empresas.

O tema será abordado em capítulos assim distribuídos. No Capítulo I será feita a comparação do novel instituto de recuperação de empresas no direito brasileiro com os institutos equivalentes no direito estrangeiro, bem como uma breve análise de sua introdução em nossa legislação pátria, seus principais princípios e disposições, a evolução da concordata para a recuperação judicial e extra-judicial e vigência de suas normas. No Capítulo II discorrer-se-á sobre os institutos mais significativos da nova Lei 11.101/2005, ou seja, o Administrador Judicial, a Assembléia de Credores o Comitê de Credores e o papel do Ministério Público. No Capítulo III serão vistos os conceitos e procedimentos materiais indispensáveis para a recuperação de empresas, os meios de recuperação, o papel do gestor judicial, outra das novidades e as restrições impostas ao recuperando. Será dedicado o Capítulo IV especialmente à recuperação judicial das micro e pequenas empresas, de tão grande relevância no cenário sócio-ecônomico cuja importância, de certa forma, foi ignorada pelo legislador.

Pretende-se ao longo desta monografia demonstrar que o novel instituto de recuperação traz uma importante inovação ao direito concursal brasileiro, bem como a criação do Administrador Judicial, a mudança de perfil da Assembléia de Credores, a figura do Gestor Judicial buscam dar maior isenção e participação do devedor no compromisso de soerguer seu negócio. A revitalização da participação dos credores nos destinos da empresa em recuperação, ou falida, visa criar possibilidades de manutenção de atividades efetivamente produtivas.


1. RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS

1.1. A recuperação de empresas no Direito Comparado

Serão abordados, neste capitulo, sucintamente, algumas das principais legislações falimentares na França, Portugal, Estados Unidos e Alemanha.

1.1.1 Direito falimentar na França

Com as evidentes diferenças procedimentais, introduzidas por diversos povos em épocas diferentes, os traços romanos permaneceram marcantes até a Ordenança de Colbert, de 1673. Essa legislação unificou os procedimentos falimentares na França, que variaram bastante durante a Idade Medida por toda a Europa - embora sempre focados sobre os bens do falido e da execução forçada de seus bens - e disciplinou as nulidades por fraudes durante o período suspeito, isto é, preparatório à bancarrota, as condições para a declaração judicial da falência, as penalidades impostas ao comerciante. Introduzia um instituto novo, o da "lettre de repit", no qual muitos vislumbram as origens da concordata. Por ela, o comerciante de boa-fé poderia obter um prazo adicional de até seis meses, para reorganizar seu negócio, desde que comprovasse que a cessação dos pagamentos aos credores não havia sido ocasionada por culpa sua e, sim por problemas externos, como depressão econômica, força maior, etc.

Nesse período de tempo, o comerciante deveria procurar compor-se com os credores e, obtido um acordo com todos, seria homologado pelo juízo.

O Código de Comércio francês, de 1807, continha normas rigorosas em relação ao falido, provavelmente inspiradas por Napoleão, que se mostrara bastante indignado face aos movimentos especulativos realizados por comerciantes que contratavam com a Administração, particularmente os fornecedores de bens e equipamentos as forças armadas. Conta-se que o Imperador teria intervido pessoalmente nas discussões travadas no seio do Conselho de Estado para exigir imposição de penalidades severas, a fim de moralizar as falências que ocorriam, sem controle por parte do Estado.

O comerciante podia ser condenado por "banqueroute simple" ou "banquerote frauduleuse". No último caso, o Code previa pena de até 20 anos de trabalhos forçados se ficasse demonstrado o excesso de despesas pessoais ou com a moradia. A reabilitação era prevista, mas a lei impunha severas condições para sua concessão, dentre elas o pagamento integral das dívidas. 4

Uma lei de 1889 introduz a liquidação judicial, mais amena, no qual o procedimento do comerciante é minuciosamente analisado pelo tribunal, considerada como benefício concedido aos empresários infelizes e de boa-fé, que poderão continuar seus negócios. Apenas em caso de insucesso da concordata, será decretada a falência, mas fica definitivamente excluída a morte civil do ordenamento jurídico francês.

Outra lei, de 30.12.1903, levando em consideração o elevado número de encerramento de atividades de pequenas empresas, reduz as exigências legais para a reabilitação do devedor que fechou as portas, não declarados fraudulentamente falidos.

Hoje, na França, como na maioria dos paises industrializados, a legislação inspira posicionamento diferente do Poder Público, os quais por intermédio dos Comitês de Reestruturação, promovem a adequação das empresas em dificuldades, utilizando métodos modernos de Administração de Empresas, com o concurso de executivos qualificados, que tudo fazem para manter a empresa "viva". Além disso, regulamentam-se as demissões, quando inevitáveis, para minimizar o desemprego, mediante retreinamento de funcionários, planos de compensação e outros mecanismos de alcance social, que transcendem não apenas os limites físicos e patrimoniais das empresas, mas alcançam pessoas e empresas envolvidas, diretas ou indiretamente.

Criou-se o Assurance pour la Garanties des Salaries. Trata-se de um seguro, mantido pela contribuição do empregador, contra o risco de não-pagamento dos créditos trabalhistas... Não se fala em massa falida porque visa preservar a empresa. Fala-se na própria empresa preservada continuando no mercado competitivo. 5

1.1.2 Direito falimentar em Portugal

A legislação portuguesa procura atingir os seguintes objetivos essenciais:

  • contribuir para a melhoria da preparação técnica de todos os intervenientes nos processos de recuperação ou falência, permitindo, assim, maior celeridade e qualidade das decisões tomadas neste âmbito;

  • tornar mais célere o processo falimentar, diminuindo o tempo de pendência, permitindo, assim, não só mais rápida satisfação dos credores, como, sempre que possível, também uma célere mudança na titularidade das unidades produtivas envolvidas;

  • assegurar que os processos se iniciam atempadamente, fazendo com que a apresentação da empresa à recuperação ou à falência ocorra em momento adequado, por forma a tutelar os interesses dos credores e permitir uma eventual viabilização econômica;

  • criar condições para que o processo de recuperação possa fazer com que haja efetiva recuperação das empresas com viabilidade econômica, impedindo, todavia, que este sirva para manutenção de situações de concorrência desleal ou perpetuação de má gestão das respectivas unidades produtivas;

  • adequar o Direito nacional às exigências comunitárias e harmonizar a legislação falimentar com as disposições do novo Código do Trabalho;

  • reserva do foro dos tribunais apenas para os processos de insolvências relativos a empresas, assim conferindo maior eficácia aos processos com mais importantes conseqüências sociais e econômicas. Os processos relativos à pessoas singulares não titulares de empresas serão remetidos aos tribunais comuns;

  • agilização da atuação judicial, retirando ao juiz qualquer intervenção na decisão concreta quanto ao destino da empresa, reservando a sua intervenção para domínios efetivamente jurisdicionais. O juiz deixa de tomar qualquer decisão no que respeita à viabilização da empresa, cabendo tal decisão aos credores. Este objetivo é também evidenciado na reclamação de créditos, que passa a ser dirigida ao administrador da insolvência, só tendo o juiz intervenção na medida em que haja impugnações;

  • reforço dos deveres de apresentação atempada das empresas, dever esse que não recai sobre as pessoas singulares. Consagração de uma única forma de processo, o especial de insolvência, no âmbito do qual cabe aos credores, em assembléia realizada no prazo de 45 a 75 dias, decidir quanto à recuperação ou liquidação da empresa incluída na massa insolvente;

  • eliminação de atos inúteis, como o da duplicação justificação/reclamação de créditos, assim como de outros atos com efeitos gravosos para a credibilidade das empresas: fim dos anúncios de convocação de credores quando a insolvência é requerida por um credor, por forma a preservar a imagem da empresa no mercado até efetiva decisão judicial de reconhecimento da situação de insolvência;

  • imediato reconhecimento da situação de insolvência, quando o processo é requerido pelo devedor, e restrição dos recursos, de modo geral, a apenas uma instância. Reforço do regime de encerramento imediato de processos sem bens, poupando o sistema judicial à pratica de atos inúteis, assim reservando os recursos existentes para os processos com efetivas perspectivas de obtenção de resultados para os credores;

  • caráter facultativo da comissão de credores em processos de menor dimensão, podendo ser dispensada quando os credores assim o entenderem, ao mesmo tempo em que impõe a representação obrigatória de um representante dos trabalhadores sempre que houverem créditos laborais;

  • atribuição de caráter urgente a todo processo de insolvência, que goza assim de prioridade sobre os restantes e igual caráter aos registros (civil, comercial, predial ou outro) requeridos no âmbito destes processos. O despacho liminar deve ser proferido no prazo máximo de três dias úteis;

  • concessão aos credores de papel relevante na nomeação do administrador da insolvência, não só através da obrigação de o juiz ponderar as indicações deles quando da nomeação, como ainda pela possibilidade de estes procederem à substituição daquele nomeado pelo juiz, por outrem que entendam mais qualificado;

  • reforço dos incentivos ao bom desempenho do administrador, através de sistema remuneratório adequado, garantido, em primeira instancia, pela massa insolvente e não pelo Cofre Geral dos Tribunais. Definição mais precisa do tipo de atos que necessitam de autorização da comissão de credores, por forma a libertar de tal formalismo os atos menos relevantes;

  • manutenção dos privilégios creditórios do Estado relativos as dívidas aos 12 meses anteriores à declaração de insolvência, assim conjugando de maneira mais justa os interesses do Estado com os interesses dos restantes credores, pois os privilégios não se extinguem totalmente como atualmente sucede no processo de falência. Mas, por outro lado, a inércia do Estado na cobrança dos seus créditos não penalizará os demais credores;

  • prevê-se a manutenção das hipotecas legais, desde que registradas, pelo menos, 2 meses antes do inicio do processo;

  • concessão de privilégio creditório ao credor requerente da insolvência, correspondente a ¼ do seu crédito (Max: 40.000 euros), por forma a compensar os custos incorridos por este em sua instrução;

  • criação de uma nova categoria de créditos: créditos subordinados, por forma a relegar para segundo plano os créditos detidos por pessoas especialmente relacionados com o insolvente, designadamente pessoas com estreitas relações familiares ou, no caso de sociedades comerciais, sociedades do mesmo grupo. Este regime permite afastar boa parte das suspeições que hoje surgem relativamente à efetiva existência de determinados créditos em sede de falência.

  • facilita-se a resolução de negócios prejudiciais à massa insolvente, procurando evitar os que visam dilapidar o patrimônio em prejuízo dos credores;

  • atipicidade das medidas de recuperação, podendo os credores escolher livremente, o melhor modo de viabilização da empresa;

  • maior facilidade dos rateios parciais;

  • maior responsabilização do devedor e seus administradores, através da instituição de um incidente obrigatório de apreciação de conduta. 6

1.1.3 Direito falimentar nos Estados Unidos

O Direito Falimentar americano pauta-se pelas seguintes regras:

Nos Estados Unidos da América, em virtude do sistema político federativo, existem leis estaduais que asseguram aos credores garantias de recebimento de seus créditos, por meio de injunctions, que são ordens judiciais dando início a intervenção estatal sobre os bens e direitos das empresas.

A lei federal em vigor atualmente e o Bankruptcy Reform Act, de 1978, que modificou o United States Codes, e que também foi objeto de emendas em 1984 e 1986.

O Code prevê dois mecanismos de intervenção para assegurar os pagamentos aos credores: a liquidação e a reorganização. A liquidação apresenta aspectos e conseqüências jurídicas diversas conforme seja realizada sob a égide do Capitulo 7, Capitulo 13 ou Capitulo 11 (o mais freqüentemente citado).

Segundo o Capitulo 7, todo ativo do devedor que pode ser objeto de repartição entre credores é supervisionado por uma espécie de síndico, denominado trustee, que promove a venda desses bens e direitos. O resultado da alienação é dividido entre os credores, agrupados em ordem de preferência em sete níveis diversos, procedimento que, em regra, libera o devedor de qualquer obstáculo ou entrave posterior ao desenvolvimento de suas atividades. O trustee restitui os bens isentos ao devedor e vende o saldo. O produto da alienação de bens, sobre os quais terceiros tem direitos reais, é distribuído entre eles conforme a qualidade de seus títulos, segundo sejam resultado de direitos obtidos por outras vias que não o próprio processo falimentar. As dívidas das partes cujos créditos estão garantidos são pagas mediante a execução da própria garantia. Os quinhões dos condôminos são distribuídos após a venda completa dos bens comuns. Após a distribuição, um devedor, enquanto pessoa física, fica liberado de suas obrigações em relação a qualquer crédito não pago antes do depósito do balanço em juízo.

Um efeito interessante da liberação é a criação de uma barreira legal erga omnes, erigida contra o ajuizamento de qualquer ação judicial nova, ou o prosseguimento de um processo já existente relacionado ao passivo do devedor, desde que represente uma obrigação pessoal.

Os Capítulos 9, 11 e 13 do Code permitem que o devedor possa conservar seus ativos, total ou parcialmente. Contudo, após a reorganização financeira da empresa em dificuldades, cada credor poderá valer-se de uma nova ação contra o ativo preexistente e, de forma delimitada pela norma jurídica, deduzir em juízo pretensões acerca do ativo futuro do devedor.

O Capitulo 13 é uma via colocada à disposição dos devedores capazes de demonstrar que tem boas possibilidades de receber receitas futuras, podendo optar por forma diversa de liberação e recuperação, pela qual são autorizados a conservar seus bens não isentos, pagando os credores a medida que essas receitas esperadas se materializem.

Difere, portanto, do Capitulo 7, mecanismo no qual as liquidações ocorrem com prejuízo aos credores, em razão da probabilidade mínima de recuperação da empresa, exatamente o inverso do Capitulo 13, em que a demonstração da elevada probabilidade de recuperação da empresa constitui requisito essencial para que possa ser autorizada.

A peça essencial para que o devedor possa ser amparado pelos benefícios do Capitulo 13 é a aprovação judicial de um programa de pagamentos (plano de recuperação), proposto pelo próprio devedor, que incluam pagamentos a todos os credores que se habilitarem e cujos créditos sejam reconhecidos como legítimos. O mecanismo do Capitulo 13 é facultativo ao devedor, mas a autorização para que possa utilizá-lo depende do atendimento a determinados requisitos.

O assédio dos credores é automaticamente suspenso enquanto durar o plano,que é estabelecido, em regra, pelo prazo de três anos a contar da data da submissão deste ao juízo. O Devedor conserva a posse de seus bens, alienando apenas os estritamente necessários para a execução do plano, supervisionado pelo trustee, que distribuirá o valor arrecadado entre os credores.

A liberação do devedor sómente é concedida pelo juízo quando todos os pagamentos previstos no plano tiverem sido efetivamente realizados.

As normas do Capitulo 11 são consideradas mais amplas é flexíveis entre todas as soluções oferecidas pelo sistema norte-americano é são freqüentemente, invocadas pelas empresas em épocas de crise econômica, o que as torna mais conhecidas do grande público.

O procedimento previsto no Capitulo 11 consiste, fundamentalmente, num instrumento concebido para a reorganização e/ou reestruturação da empresa, com o objetivo de assegurar sua continuidade. Prevê que a administração da empresa permaneça em mãos do devedor. Esta regra tem dois fundamentos principais: a) necessidade de dar continuidade aos negócios já em curso; b) economia de custos do processo falimentar. O juízo pode, se assim desejar, designar um inspector (fiscal), cuja função consiste em avaliar e elaborar relatórios sobre a conduta e administração do devedor em posse dos ativos.

A lei americana estabelece, ainda, um mecanismo adicional de supervisão dos atos do devedor, facultando ao magistrado a constituição de um ou mais comitê de credores. Este(s) comitê(s) tem poderes não apenas para examinar detalhadamente todos os aspectos e documentos da empresa, mas também para assessorar o devedor a elaborar seu plano de recuperação. Em regra, são nomeados para integrar o comitê principal os sete maiores credores da empresa. Podem, também, serem constituídos comitês auxiliares, caso o juízo vislumbre a necessidade de garantir representação apropriada aos demais credores, especialmente se forem numerosos.

Dando continuidade a sua empresa, o devedor devera elaborar, no prazo máximo legal de 120 dias, a contar do depósito do balanço em juízo, um plano de reorganização dos negócios. Esse prazo, conforme o caso, poderá ser dilatado. Ultrapassado este prazo, é aberta aos credores a possibilidade de submeter seus próprios planos. Além disto, em caráter excepcional, poderá o juízo admitir que sejam submetidos à apreciação planos de concorrentes e rivais. Os planos que forem aprovados pelo interessados serão ratificados pelo juízo após ouvir as partes. O efeito jurídico do plano ratificado é a liberação do devedor de todas as obrigações contraídas antes do depósito do balanço, e de substituí-las pelas previstas no plano de recuperação.

Em regra, cada credor com obrigação garantida por determinado privilégio pertencerá a uma categoria distinta, não se excluindo a possibilidade de que o plano preveja um sistema pelo qual os credores que detenham créditos residuais recebam participação nos benefícios futuros, na forma de ações de sociedade, quando comercial.

A ratificação do plano exige um mínimo de 51% dos membros de cada categoria e os titulares de, pelo menos, 2/3 do montante das dívidas de cada categoria devem ratificar o plano por meio de um voto.

As negociações geralmente se encerram quando os credores detentores de créditos privilegiados se dão por satisfeitos com a sistemática do plano 7.

1.1.4 Direito falimentar na Alemanha

Os alemães, em virtude de suas características culturais, adotaram outro procedimento. Segundo Jose Cretella Junior 8:

Após o termino da 2a. Guerra Mundial, o Reich alemão foi divido em dois Estados: a Oeste, a República Federal da Alemanha, ocupada por tropas da Grã-Bretanha, França e Estados Unidos; a Leste, a República Democrática Alemã ocupada pelas tropas da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas-URSS. A República Federal da Alemanha fez de Bom a capital provisória e a República Democrática Alemã manteve Berlim como capital, que, por sua vez, também foi dividida em duas partes (Berlim Ocidental e Berlim Oriental), cada qual ocupada de modo análogo ao restante do território, pelas potências vencedoras.

A República Federal da Alemanha, de orientação pelo livre mercado —temperado pela social-democracia— e a República Democrática Alemã, onde foi implantado o regime comunista, desenvolveram, como previsto, dois sistemas legais diversos, já que a criação jurídico-normativa constitui sempre matéria que depende de opção política do legislador.

A partir de 1999, institui-se um único regime falimentar, substituindo o duplo regime que vigorava: nos estados do Leste aplicava-se a Ordenança sobre a Execução Geral, de 09.06.1990 e nos estados do Oeste aplicava-se a Lei de Falências de 10.02.1877, bem como a Regulamentação Judiciária de 26.02.1935, cujos textos originais foram por diversas vezes alterados.

O regime anterior da República Federal da Alemanha, como o antigo direito falimentar francês, era relativamente severo e culminava, na maioria dos casos, com o desaparecimento da empresa atingida pela falência. O objetivo principal era a proteção dos interesses dos credores, garantidos aos estrangeiros direitos idênticos aos conferidos aos alemães.

O Direito falimentar alemão repousava sobre uma hierarquia de créditos, divididos em três categorias principais: a) créditos assegurados por garantias; b) custas e dívidas contraídas no período posterior a abertura do processo falimentar: e c) créditos ordinários.

Atribui-se a esta hierarquia a principal causa do funcionamento pouco eficaz do sistema falimentar alemão. Na prática, quando se decretava a falência de uma empresa, o que se conseguia apurar do ativo mal cobria as dívidas com os credores que detinham algum privilégio, nada restando aos credores simples e dificultando a eventual continuação das atividades da empresa. 9

A nova legislação falimentar alemã, definitivamente aprovada em 05.10.1994, caracteriza-se pelo fato de que, em aproximadamente 75% dos casos, não se dá início ao processo de falência por falta de patrimônio suficiente do devedor para cobrir as custas processuais e administrativas.

Seus principais objetivos são:

  • unificar o direito falimentar nos novos estados e nos que já existiam anteriormente;

  • unificar os procedimentos de falência e da organização judiciária;

  • tornar o regime jurídico-falimentar menos severo, para permitir, no âmbito de um plano de recuperação, a continuação das atividades das empresas em dificuldades;

  • reduzir o número de credores privilegiados, sobretudo o fisco;

  • introduzir normas que permitissem a um devedor de boa-fé liberar-se de dívidas não reembolsáveis durante o processo.

Os direitos dos credores aptos a recuperar seus bens não foram substancialmente modificados: estes não fazem parte da massa. O mesmo ocorre nos casos de insolvência do devedor civil, quanto aos bens gravados com reserva de propriedade.

Os demais credores da massa, especialmente o fisco e os empregados assalariados, passam a integrar a mesma classe dos demais credores quirografários, o que implica em aumentar a cota-parte que será, ao final do procedimento, atribuída a cada credor, ou seja, não se esgota o pagamento de todos os créditos de uma das inúmeras classes de credores para, só após efetuados todos os pagamentos, passar a classe seguinte.

Outra inovação consiste em responsabilizar os credores atualmente dotados de privilégios, em vez de lhes autorizar a obter a satisfação separada e integral de seus créditos de modo sistemático e prévio à liquidação da empresa em processo falimentar. Não se justifica, efetivamente, privilegiar esses credores, uma vez que estão autorizados a fiscalizar de perto as atividades desenvolvidas pela empresa, ficando comprometidos com seu bom desempenho econômico-financeiro.

A declaração de créditos deve ser depositada num prazo a ser fixado entre duas semanas e três meses. Em contrapartida, o depósito não será feito perante o Juízo de primeira instancia, mas junto ao Administrador.

O outro procedimento previsto na legislação é o de insolvência.

Pode ser instaurado em relação a qualquer pessoa física ou jurídica. Dentre estas últimas, especialmente, os seguintes tipos societários, inclusive alguns que não possuem personalidade jurídica, a saber:

  • sociedade em nome coletivo;

  • sociedade em comandita simples;

  • projetos ou colaborações temporárias (a semelhança das nossas sociedades civis anteriores ao Código Civil/2002);

  • sociedades em parceria, equivalentes as nossas sociedades uniprofissional;

  • sociedade em conta de participação;

O pedido de abertura do procedimento será acolhido quando fundado em duas situações de fato: a) cessação de pagamento ou b) excesso de endividamento (insolvência). No caso de insolvência, é preciso assinalar que a definição de cessação de pagamentos é mais ampla do que no processo de falência, a fim de que seja possível antecipar, ao máximo, a data de instauração do procedimento.

O pedido por ser de iniciativa do próprio devedor, ao considerar que existe o risco real de cessação de pagamentos. Nesse caso, as empresas em vias de se encontrar em dificuldades poderão beneficiar-se de proteção legal preventiva, evitando ações intempestivas de certos credores, antes que o volume de ativos seja reduzido de tal forma que impossibilite a reorganização da empresa. Acolhido o pedido, o juízo adotará as medidas necessárias para evitar o decréscimo do ativo disponível, tais como suspender eventuais processos de execução já em curso, promovidos por credores, com fundamento em título judicial ou extrajudicial, exceto se a execução recair sobre bens imóveis. Poderá, ainda, nomear um administrador provisório, bem como retirar do devedor o direito de dispor do patrimônio. Se estas duas últimas medidas forem tomadas simultaneamente, o juízo removerá os poderes de administração e disposição dos bens da empresa das mãos do devedor, transferindo-os ao administrador provisório.

O procedimento pode incluir uma espécie de período de observação.

Condição indispensável para a instauração do procedimento de insolvência é a existência de ativos da empresa cujo valor seja suficiente para cobrir os gastos com o procedimento. Se não o forem, o pedido será rejeitado por este fundamento. Note-se que não se exige que o valor dos ativos seja suficiente para satisfazer as dívidas da massa, já que, nada impede que, continuando a funcionar a empresa, estas dívidas sejam saldadas ao longo de determinado período de tempo, pro rata, à medida que a empresa for recebendo pagamentos.

A instauração do procedimento será decretada pelo juízo, que nomeará, no mesmo ato, o administrador da insolvência. Excepcionalmente, o próprio devedor poderá administrar o procedimento de insolvência, sob a supervisão de um curador.

Com relação aos contratos em curso, anteriormente firmados pela empresa, poderá o administrador decidir mantê-los, renegociá-los ou rescindí-los, segundo as regras gerais que disciplinam os contratos.

Com o intuito de aumentar o valor dos ativos, pode-se, em certos casos, contestar atos praticados no período de três meses anteriores ao pedido de abertura do processo de insolvência, o denominado período suspeito, tais como as garantias constituídas em favor de terceiros.

Dentro de prazo não superior a três meses, o administrador levantará a real situação do ativo e do passivo da empresa, para que possa analisar se um plano de reorganização, denominado pela lei de "plano de insolvabilidade" é viável. Se entender que o plano pode ser executado, deverá submetê-lo ao juízo o qual, se concordar, irá apresentá-lo aos credores cujos créditos foram admitidos. O plano permitirá alterar os direitos de credores que possuem uma garantia.

Os credores serão divididos em, pelo menos, três grupos:

  • credores que tem garantias, se seus direitos foram modificados;

  • credores quirografários;

  • credores quirografários subordinados, que podem ser subdivididos em várias classes.

O plano deverá nortear-se pelo princípio da igualdade de tratamento no seio de cada grupo, devendo ser aprovado pela maioria simples dos presentes em cada grupo de credores, representando pelos menos metade do total dos créditos dos participantes da votação. Nenhum grupo poderá opor-se ao plano se não sofrer prejuízo em virtude dele. Finalmente, o plano devera ser aprovado pelo devedor, após o que, será finalmente homologado pelo juízo, sempre resguardado os direitos dos minoritários.

O plano de insolvabilidade poderá ser proposto por iniciativa do próprio devedor. Para tal, deverá obter aprovação do administrador e, novamente, dos credores e dos empregados assalariados, antes de ser definitivamente homologado pelo juízo. Essa possibilidade é mais utilizada e, freqüentemente, melhor aceita pelos interessados, quando o sócio-gerente solicita a abertura de um processo de insolvência em casos em que a cessação de pagamentos é iminente, ou seja, o risco de que ocorra é efetivo e o prazo para que aconteça é curto.

O plano de reorganização indicará as modalidades de reorganização consideradas, e especificara, por cada classe de interessados, as conseqüências de seus direitos.

É necessário assinalar que o plano, se aprovado, tem o condão de derrogar todas as normas existentes sobre o procedimento de insolvência, para permitir maior flexibilidade na reorganização da empresa. Isso implica em que poderá adotar medidas restritivas sobre direitos de credores privilegiados e medidas assecuratórias de direitos dos quirografários, bem como imputar responsabilidade ao devedor após o termino do procedimento, a fim de realizar o ativo. Poderá, ainda, consistir em um projeto de cessão da empresa a um credor ou a terceiros ou, finalmente, ser um plano de remissão de dívidas.

No moderno Direito Falimentar alemão, relevam-se os seguintes pontos:

  • sensível esforço na participação dos empregados assalariados nos procedimentos, inclusive na elaboração do plano de reorganização;

  • adaptação da lei falimentar as normas derivadas das relações de trabalho (plano social, dispensa coletiva, transferência de contratos de trabalho, retreinamento, planos de demissão voluntária incentivados);

  • possibilidade de aceitação, pelos empregados, representados por sindicatos ou associações, de aceitar um compromisso global, submetido à prévia autorização da Justiça do Trabalho, se a execução do plano oferecer boas possibilidades de manter a empresa em atividade;

  • o devedor, enquanto pessoa física de boa-fé, poderá postular a instauração de procedimento especial, após o encerramento do procedimento de insolvência, a fim de liberar-se de obrigações ainda não cumpridas durante o procedimento; nesse caso, o devedor, poderá, no prazo de sete anos após o encerramento do procedimento de insolvência, pagar a parcela disponível de suas receitas a um fiduciário, que distribuirá os valores aos credores residuais.

A observação da experiência internacional sugere uma diversidade de ordenamentos legais, cada um deles cada um deles com estruturas que definem diferentes balanceamentos entre direitos de credores e devedor e que geram, portanto, diferentes resultados, sempre contingentes às particularidades de cada país. Verifica-se, entretanto, uma convergência no sentido de maior proteção dos direitos dos credores, preservação da empresa como ente produtivo e preservação do empreendedor como fator social de geração de empregos, sendo fruto de esforço recente, como pode-se observar linhas atrás, de reforma dos sistemas legais de insolvência em vários países.

1.2. O instituto falimentar no direito brasileiro

O Direto Falimentar Brasileiro desenvolveu-se dentro de uma trajetória de cinco etapas: a primeira inicia-se à época do descobrimento do Brasil em que as Ordenações Afonsinas regulavam, com forte conteúdo jurídico romano, as relações de insolvência; no particular, a falência era parte do Direito Criminal.

O Brasil, como colônia de Portugal, naturalmente, teve a aplicação do Direito consubstanciado nas Ordenações do Reino. A primeira ordenação foi a Afonsina, mais tarde revista por D. Manoel, passando a ser chamada de Ordenações Manuelinas, em que predominavam os princípios do Direito Romano, reproduzindo, através da falência, o Direito estatutário italiano, que submetia o devedor a rigor excessivo. As Ordenações Manuelinas previam que, ocorrendo à falência, o devedor seria preso até pagar o que devia aos credores. Por outro lado, levando em consideração a influencia do Direito italiano, poderia o devedor ceder seus bens aos credores, evitando, assim, sua prisão. Caso o devedor se tornasse insolvente, não poderia fazer nenhuma diligência, execução ou penhora, no prazo de 1 (um) mês, e, além disto, era encaminhado à prisão. Se fosse condenado por sentença transitada em julgado era determinado que se executassem seus bens e, caso não os possuísse em quantidade suficiente para saldar seus débitos, era mantido na prisão até que quitasse a quantia devida.

Nas Ordenações Filipinas, vigentes a partir de 1603, os bens de devedor condenado por sentença eram, automaticamente, penhorados e executados. Caso não se achasse bens, ele seria recolhido à cárcere privado até que pagasse, cabendo ao devedor optar por fazer a cessão de seus bens, sendo, assim, libertado.

E os que caírem em pobreza sem culpa sua, por receberem grandes perdas, no mar ou na terra, em seus tratos e comércios lícitos, não constando de algum dolo, ou malicia, não incorrerão em crime algum, E, neste caso, serão os autos remetidos ao Prior Cônsul do Consulado, que os procurarão concertar e compor com seus credores, conforme o seu regimento. 10

Na vigência das Ordenações Filipinas, inúmeros alvarás foram expedidos, sobressaindo-se o editado pelo Marques do Pombal, em 13.11.1756, quando tivemos o originalíssimo e autêntico processo de falência, em face do comércio mercantil, considerando-se o ponto de partida do instituto falimentar no direito pátrio, pois não só regulava a punição penal do crime falimentar, como também a falência culposa e a inocente.

Importante aduzir que tinha como procedimento que todos os falidos deveriam apresentar-se à Junta Comercial e jurarem a verdadeira causa da falência, devendo entregar as chaves de seu comércio, juntamente como o Livro Diário dos lançamentos de todos os assentos de mercadorias, discriminação das despesas e, também, fazer a declaração de todos os seus bens. Com este procedimento ficou mais fácil fazer a distinção entre os mercadores que davam causa a falência daqueles que empobreciam sem sua culpa. Assim sendo, os primeiros eram equiparados à ladrões públicos, inabilitados ao exercício do comércio, sendo sujeitos a sanções variadas, que poderia levá-los a morte. Feito o inventário do devedor, esse era levado à publicação por edital, para a convocação dos credores. Apurado o produto da arrecadação dos bens, eram destinados 10% para a subsistência do falido e de sua família e o restante dividido entre os credores. Verificado que a quebra havia sido fraudulenta ou dolosa, os devedores eram remetidos ao Juízo Conservador do Comércio que os mandava prender, seguindo processamento penal. Se fosse constatada a boa-fé do falido, era estabelecida a oportunidade de escolha entre penhorar, hipotecar ou ceder seus bens.

A Lei de Falências recebida de Portugal só passou a vigorar no Brasil após a Proclamação da Independência, conforme imposto pela Lei de 30.10.1823, a qual mandava aplicar a Lei das Nações Civilizadas, como também o Código Napoleônico de 1807.

Em 1850, foi promulgado o Código Comercial, que dedicou a sua terceira parte as "quebras" inaugurando, assim, a primeira fase histórica desse instituto em nosso Direito e que se estenderia até o advento do regime republicano.

Nesse período, o que caracterizava a falência era a cessação de pagamentos (art. 797). Alegava-se, contra o sistema do Código, ser ele lento, complicado, dispendioso, prejudicando, a um só tempo, credores e devedor; além disso, dava maior importância à apuração da responsabilidade comercial da falência, pois só com a ultimação do processo da quebra e qualificação da falência é que iniciava a liquidação da massa. Por outro lado, a aceitação da concordata, dependendo da maioria dos credores em número e que representassem pelos menos dois terços dos créditos sujeitos aos efeitos da concordata (art. 847, 3a. Al.) constituía obstáculos à obtenção deste favor. 11

Em 06.05.1882, com o advento do decreto legislativo 3.065, foi introduzida a concordata preventiva em nosso sistema falimentar.

Em 24.10.1890, com a edição do decreto no 917, iniciou-se outra fase, mudando a conceituação de falência da cessação de pagamentos para a impontualidade. Instituía, como meio preventivo da decretação de falência, a moratória, a cessão de bens e o acordo preventivo. Mesmo fazendo algumas mudanças importantes no sistema, este decreto não foi isento de críticas, sendo reformulado pela Lei 859 de 16.08.1902, regulamentada pelo decreto 4.855 de 02.06.1903. Sua principal novidade foi a nomeação do síndico dentro os nomes constantes de lista elaboradas pelas Juntas Comerciais, que visava acabar com as fraudes e vedar abusos ocorridos (principalmente no que dizia respeito às moratórias), não propiciando, porém, o alcance esperado para a solução dos conflitos entre as partes no processo falimentar.

A reforma foi um fracasso. O Congresso decidiu substituí-la, criando uma nova lei que evitasse as fraudes e as procrastinações processuais. Promulgou-se, então, em 17.12.1908, a Lei 2.024, de autoria de Carvalho de Mendonça, sendo considerada de grande importância para o Direito Falimentar brasileiro. Constituiu-se esta lei em notável aperfeiçoamento, tanto na parte substantiva como na processual, sendo seus pontos principais:

  • a impontualidade como caracterizadora da falência;

  • a enumeração das obrigações cujo inadimplemento denota a falência;

  • alinhou os chamados crimes falimentares;

  • suprimiu a concordata amigável, admitindo sómente a judicial;

  • conceituou os crimes falimentares e estabeleceu que o procedimento penal correria em autos apartados e, a partir do recebimento da denúncia (aquela época pronúncia) perante o juízo criminal;

  • determinou a escolha de até três síndicos, conforme o valor da massa, entre os maiores credores.

Esta Lei vigiu até 21.06.1946, quando foi promulgada a Lei 7.661, que apresentou as seguintes inovações;

  • abolição das Assembléias de Credores, diminuindo a influencia destes, reforçando os poderes dos magistrados;

  • a concordata (preventiva e suspensiva) deixou de ser um Contrato para ser um benefício concedido pelo Estado (o tal "favor legal"), ao devedor infeliz e honesto.

Uma das novidades desta Lei foi a extinção do liquidatário e, também, o fato de que a concessão da concordata preventiva não ficava mais a mercê dos credores. Instaurou-se, também, a marcha paralela do processo falimentar com o processo criminal.

Em 1993, iniciou-se a marcha do Projeto de Lei 4.376-A/93, que apresentou inúmeras novidades, destacando-se o instituto da recuperação da empresa, visando reorganizá-la, em vez de destruí-la, para a manutenção dos empregos e a preservação da produção e circulação da riqueza, tendo em vista o desenvolvimento e o bem estar sociais. O instituto da recuperação da empresa preenche o vácuo deixado pelo desaparecimento da concordata suspensiva. Na recuperação da empresa exige-se que o requerente apresente um plano de recuperação econômica e financeira da empresa, a demonstração da viabilidade de sua execução e um plano de solução do passivo, ao passo que na concordata suspensiva o devedor procura, tão somente, uma melhor forma de pagamento dos seus débitos quirografários, sem nenhuma obrigação de apresentar um plano de recuperação de seu negócio: "Quando o aparato estatal é utilizado para garantir a permanência de empresas insolventes inviáveis, opera-se uma inversão inaceitável: o risco da atividade empresarial transfere-se do empresário para seus credores". 12

O próprio relator da Comissão Especial destinada a emitir parecer ao Projeto, deputado Osvaldo Biolchi, admite:

A recuperação judicial pretende corrigir os erros de gestão dos administradores da empresa. Ainda que, na maioria das vezes, a crise da empresa não seja causada pela prática de ilícitos, o certo é que ela, muitas vezes, é o reflexo de equívocos na definição de estratégias ou no estabelecimento de prioridades, que se refletem sobre todos os agentes econômicos envolvidos, gerando passivos ilíquidos. 13

Com efeito, paralelamente à concretização dos objetivos e aspirações de seus proprietários, a empresa moderna reflete um interesse social maior pois ela é agente do desenvolvimento e da estabilidade econômica. Por isso é que convém ao Estado sua sobrevivência e prosperidade, se não por interesse imediato, no mínimo por sua responsabilidade quanto à proteção do interesse coletivo, representado pelas oportunidades de trabalho, distribuição de riquezas, estabilidade econômica e garantia do adequado fluxo econômico-financeiro, consubstanciado nas inter-relações entre produtores, intermediários, financiadores e consumidores. 14

Portanto, pode-se concluir que, se as estruturas do livre mercado estão, em termos gerais, funcionando de modo adequado, as empresas em crise tendem a recuperar-se por iniciativa de empreendedores ou investidores, que identificam nelas, apesar do estado crítico, uma alternativa de investimento atraente.

Não é bem assim, contudo. Quando as estruturas do sistema econômico não funcionam convenientemente, a solução de mercado simplesmente não ocorre. Nesse caso, o Estado deve intervir, por intermédio do Poder Judiciário, para zelar pelos vários interesses que gravitam em torno da empresa (empregados, consumidores, Fisco, etc.)

1.3. Princípios da nova Lei de Recuperação de Empresas

A Lei 11.101/2002 trouxe, em seu arcabouço, alguns princípios básicos e algumas alterações fundamentais, como veremos a seguir:

1.3.1. Preservação da empresa

Em razão de sua função social, a empresa deve ser preservada sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento social do País. Além disto, a extinção da empresa provoca a perda do agregado econômico representando pelos chamados intangíveis como nome, ponto comercial, reputação, marcas, clientela, rede de fornecedores, know-how, treinamento, perspectiva de lucro futuro, entre outros;

1.3.2. Separação dos conceitos de empresa e de empresário

A empresa é o conjunto organizado de capital e trabalho para a produção ou circulação de bens ou serviços. Não se deve confundir a empresa com a pessoa natural ou jurídica que a controla. Assim, é possível preservar uma empresa, ainda que haja falência, desde que se logre aliená-la a outro empresário ou sociedade que continue sua atividade em bases diferentes;

1.3.3. Recuperação das sociedades e empresários recuperáveis

Sempre que for possível a manutenção da estrutura organizacional ou societária, ainda que com modificações, o Estado deve dar instrumentos e condições para que a empresa se recupere, estimulando, assim, a atividade empresarial;

1.3.4. Retirada do mercado de sociedades ou empresários não recuperáveis

Caso haja problemas crônicos na atividade ou na administração da empresa, de modo a inviabilizar sua recuperação, o Estado deve promover, de forma rápida e eficiente, sua retirada do mercado, a fim de evitar a potencialização dos problemas e agravamento da situação dos que negociam com pessoas ou sociedades em dificuldades insanáveis na condução do negócio;

1.3.5. Proteção aos trabalhadores

Os trabalhadores, por terem como único ou principal bem sua força de trabalho, devem ser protegidos, não só com precedência no recebimento de seus créditos na falência e na recuperação judicial, mas com instrumentos que, por preservarem a empresa, preservem também seus empregos e criem novas oportunidades para a grande massa de desempregados;

1.3.6. Redução do custo do crédito no Brasil

É necessário conferir segurança jurídica aos detentores de capital, com preservação das garantias e normas precisas sobre a ordem de classificação de créditos na falência, a fim de que se incentive a aplicação dos recursos financeiros a custo menor nas atividades produtivas, com o objetivo de estimular o crescimento econômico;

1.3.7. Celeridade e eficiência dos processos judiciais

É preciso que as normas procedimentais na falência e na recuperação de empresas sejam, na medida do possível, simples, conferindo-se celeridade e eficiência ao processo e reduzindo-se a burocracia que atravanca seu curso;

1.3.8. Segurança jurídica

Deve-se conferir às normas relativas à falência, a recuperação judicial e a recuperação extra-judicial tanta clareza e precisão quanto possível, para evitar que múltiplas possibilidades de interpretação tragam insegurança jurídica aos institutos e, assim, fique prejudicado o planejamento das atividades das empresas e de suas contrapartes;

1.3.9. Participação ativa dos credores

É desejável que os credores participem ativamente dos processos de falência e de recuperação, a fim de que, diligenciando para a defesa de seus interesses, em especial o recebimento de seu crédito, otimizem os resultados obtidos com o processo, com redução da possibilidade de fraude ou malversação dos recursos da empresa ou da massa falida;

1.3.10. Maximização do valor do ativo do falido

A lei deve estabelecer normas e mecanismos que assegurem a obtenção do máximo valor possível pelos ativos do falido, evitando a deterioração provocada pela demora excessiva do processo e priorizando a venda da empresa em bloco, para evitar a perda dos intangíveis. Desse modo, não só se protegem os interesses dos credores das sociedades e empresários insolventes, que tem por isso sua garantia aumentada, mas também diminui-se o risco das transações econômicas, o que gera eficiência e aumento da riqueza geral;

1.3.11. Desburocratização da recuperação de microempresas e empresas de pequeno porte

Arecuperação das micro e pequenas empresas não pode ser inviabilizada pela excessiva onerosidade do procedimento. Portanto, a lei deve prever, em paralelo às regras gerais, mecanismos mais simples e menos onerosos para ampliar o acesso dessas empresas a recuperação;

1.3.12. Rigor na punição de crimes relacionados à falência e à recuperação judicial

É preciso punir com severidade os crimes falimentares, com o objetivo de coibir as falências fraudulentas, em função do prejuízo social e econômico que causam. No que tange à recuperação judicial, a maior liberdade conferida ao devedor para apresentar proposta a seus credores precisa necessariamente ser contrabalançada com punição rigorosa aos atos fraudulentos praticados para induzir os credores ou o juízo a erro.

Naturalmente, nem sempre é possível a perfeita satisfação de cada um destes enunciados, principalmente quando há conflito entre dois ou mais deles. Nesses casos, é necessário sopesar as possíveis conseqüências sociais e econômicas e buscar o ponto de conciliação, a configuração mais justa e que represente o máximo benefício possível à sociedade. 15

1.4. Principais dispositivos da nova Lei de Recuperação de Empresas 16

A medida judicial de preservação do devedor relativamente a falência deixa de ser a concordata (preventiva ou suspensiva) e passa a ser a recuperação judicial. As principais diferenças entre elas são:

  • a concordata era um direito à que tinha acesso todo empresário que preenchesse as condições da lei, independentemente da viabilidade de sua recuperação econômica, mas a recuperação judicial só tem acesso o empresário cuja atividade econômica possa ser reorganizada;

  • enquanto a concordata produzia efeitos sómente em relação aos credores quirografários, a recuperação judicial sujeita todos os credores, inclusive os que titularizam privilégio ou preferência (a única limitação legal é o pagamento das dívidas trabalhistas em no máximo um ano), exceto os fiscais (que devem ser pagos ou parcelados antes da concessão do benefício);

  • o sacrifício imposto aos credores, na concordata, já vinha definido na lei (dividendo mínimo) e da unilateral escolha do devedor, ao passo que, na recuperação judicial, o sacrifício, se houver, deve ser limitado no plano de recuperação, sem qualquer limitação legal, e deve ser aprovado por todas as classes de credores (se o devedor é microempresário ou empresário de pequeno porte, a recuperação judicial segue rito simplificado);

O pedido de falência perdeu, em parte, a característica de medida coercitiva utilizável na cobrança de dívida. Diversas alterações, na nova Lei, o indicam, entre elas:

  • só é cabível o pedido de falência se o valor da dívida em atraso for superior ao mínimo estabelecido em lei (40 salários mínimos);

  • a simples apresentação do plano de recuperação, no prazo da contestação, impede a decretação da falência com base na impontualidade injustificada;

  • amplia-se o prazo para a contestação (ou depósito elisivo) de 24 horas para 10 dias;

  • a venda dos bens do falido (realização do ativo) pode ser feita desde logo. Não está, como na Lei de 1945, condicionada a conclusão da fase cognitiva (verificação dos créditos e investigação dos crimes falimentares). A venda dos bens perecíveis, sujeitos a considerável desvalorização, de conservação arriscada ou dispendiosa, pode ser feita antecipadamente.

Ainda sobre a venda dos bens do falido, prevê a nova lei uma ordem de preferência: alienação da empresa com a venda de seu estabelecimento em bloco ou isoladamente; alienação em bloco dos bens que integram o estabelecimento; alienação parcelada ou individual dos bens. Cria-se, também, nova modalidade de venda, além das já existentes (leilão ou propostas), que é o pregão. A escolha da melhor forma e da modalidade de venda cabe ao juízo e não mais ao administrador judicial.

A nova lei expressamente prescreve que o adquirente dos bens do falido ou do requerente da recuperação judicial (neste último caso, se previsto no Plano aprovado em juízo) não é sucessor deles quando a alienação ocorre em hasta judicial.

Muda substancialmente a participação do Ministério Público na falência. Agora, ele não precisa intervir em todos os processos em que seja parte, ou interessada, a massa falida. Também não participa do pedido de falência. Salvo algumas intervenções específicas (impugnação a venda, rescisão de crédito admitido, etc.), o Ministério Público só deve participar do processo de falência quando houver fatos como indício de crime, desobediência à lei ou ameaça de lesão ao interesse público.

O síndico passa a chamar-se administrador judicial. Alteram-se os critérios de sua remuneração e define-se que ela é extraconcursal (será paga antes dos credores). A autonomia do administrador judicial é menor do que à do síndico. A definição da forma pela qual será feita a realização do ativo (que, na lei anterior, cabia ao síndico), passa a ser atribuição do juízo. Cria-se novo órgão na falência (Comitê) e amplia-se a função da Assembléia dos Credores.

O pedido de restituição de mercadorias entregues nos últimos 15 dias anteriores ao requerimento da falência não poderá ser atendido se elas já tiverem sido alienadas pelo próprio devedor (antes da falência). Antes, apenas a alienação da mercadoria da massa falida (na liquidação ou em venda antecipada) obstava a restituição.

1.5. A recuperação judicial face à concordata

A primeira concordata a ser introduzida no Direito brasileiro foi a concordata suspensiva, assim denominada àquela concedida no decorrer do processo falimentar, quando era restituída ao falido a livre administração de seus bens. A concessão da concordata ficava sujeita a concordância dos credores, não se admitindo a sua concessão ao devedor que fosse "julgado com culpa ou fraudulento" na dicção do art. 847 do Código Comercial Brasileiro de 1850.

Paralelamente a concordata suspensiva, nosso Código Comercial previa a concessão de moratória ao comerciante que provasse a "impossibilidade de satisfazer de pronto as obrigações contraídas" decorridas de "acidentes extraordinários imprevistos ou força maior". Assim, facultada a moratória, contava o devedor com até três anos para saldar seus débitos. Em 24.10.1890, pelo Decreto no 917 era introduzida a concordata preventiva, que era aquela requerida preventivamente, como modo de evitar a declaração de falência. Abrigava, este diploma legal, duas espécies de concordata; a extrajudicial, firmada entre o devedor e seus credores, exigindo-se sua homologação pelo juízo, e a judicial que era, desde logo, levada ao juízo: "O decreto-lei 7.661 de 21.06.1945 pôs fim à exigência de aprovação prévia dos credores, ‘assumindo a concordata feição de favor judicial concedido pelo juiz’". 17

Assim, independentemente da vontade dos credores, desde que atendidas às exigências legais, poderia o devedor comerciante obter sua concordata e, com o seu integral cumprimento, restabelecer seus negócios, recuperando o indispensável equilíbrio econômico-financeiro para a continuidade da atividade negocial.

Logo a concordata revelou-se como ineficiente para apresentar-se como solução viável para possibilitar ao empresário a recuperação de sua atividade econômica pela via judicial, pois a Lei não lhe dava nenhuma solução quanto aos débitos com garantias reais e trabalhistas, que são geralmente os grandes causadores da derrocada das empresas. Além do mais, as únicas alternativas que a lei disponibilizava para recuperação das empresas em dificuldades era o desconto e a dilação nos prazos de vencimento, limitando a criatividade do devedor e seus credores no sentido de encontrarem soluções alternativas para salvar o empreendimento. Se o devedor resolvesse vender um estabelecimento para recuperar-se, mas não saldasse suas dívidas trabalhistas e tributárias, o adquirente do referido estabelecimento, por mais que estivesse de boa-fé, responderia pelos débitos trabalhistas e tributários do alienante.

A concordata, portanto, malgrado constituir-se no instrumento jurídico indispensável à recuperação econômico-financeiro dos empresários, com o correr do tempo foi-se mostrando inadequada, entre outras coisas, por não assegurar ao devedor os recursos financeiros fundamentais para a manutenção dos estoques e continuação da atividade empresarial. De outro lado, sem garantia efetiva de receber seus créditos, as instituições financeiras recusavam-se, sistemáticamente, a financiar a atividade negocial dos concordatários, tornando impraticável o fiel cumprimento das obrigações destes, o que, na prática, culminava na convolação da concordata em falência, com prejuízos insanáveis para o devedor, fornecedores e empregados.

Não se olvide, igualmente, da utilização, não raras vezes, do instituto da concordata como meio de fraudar credores.

Na concordata, os credores quirografários tinham a incômoda posição de, compulsoriamente, ter que aceitar as condições impostas de recebimento de seus créditos, em geral, 40% após um ano e 60% após dois anos, com correção fixada, também pelo juízo da concordata, com taxas abaixo das praticadas no mercado. Os acordos com credores quirografários eram efetuados à margem da Lei, com o artifício das cessões de crédito, subterfúgio largamente utilizado e do conhecimento de todos, mas em desacordo com o princípio da Lei. A lei das concordatas determinava que acordos isolados eram caracterizados por privilégios a credores, sendo a empresa, por este ato, passível de ter sua falência decretada. Por outro lado, o credor que se submetesse à este acordo poderia ser enquadrado como cúmplice: "A realidade é que estes acordos ‘em paralelo’ era a única forma de dar sobrevida à maioria das empresas". 18

Principalmente quando eram altos os índices de inflação e os Tribunais apegavam-se a esdrúxulas fundamentações para negar a correção monetária dos débitos do impetrante da concordata, muitos devedores enriqueceram usando fraudulentamente o instituto. A "industria da concordata" existia e prosperava porque ao juízo não era dado, pela lei, a alternativa de denegar o benefício sem decretar a falência.

Os Tribunais pátrios, em alguns casos, não fecharam os olhos à obsolescência da Lei de 1945, o que permitiu a produção de decisões de extrema qualidade, e que serviram como fonte para os debates que culminaram na mudança da legislação falimentar.

No caso das exigências para as concordatas preventivas, algumas construções jurisprudenciais como o afastamento dos protestos como fator impeditivo à concordata, a criação da figura da desistência do favor legal, a aceitação de modernas regras contábeis oriundas da informatização, a desnecessidade de apresentação de certidões negativas fiscais, mesmo porque o Fisco não fazia parte do procedimento, e, talvez a mais importante, a concessão de prazo para que o devedor pudesse instruir o pedido de concordata feito emergencialmente, como quase sempre ocorria.

(...) a questão assume contornos ainda mais graves se consideradas as estatísticas: cerca de 87% (oitenta e sete por cento) dos pedidos de concordata preventiva não são cumpridos e as empresas acabam caminhando para um irreversível processo falimentar, situação esta que provoca a demissão de milhares de funcionários, gerando desemprego em massa e graves problemas sociais. 19

Tais aspectos, entre outros, foram as responsáveis pela alteração da legislação falimentar, com a adoção da denominada recuperação judicial, substituta da antiga concordata preventiva, sendo de todo extinta a concordata suspensiva. A alteração de nome dado ao instituto da concordata rompeu com tradição secular, assemelhando-se a vocábulo alienígena, pois não se coadunava com a exata natureza jurídica do instituto.

A Nova Lei de Recuperação de Empresas contempla duas medidas judiciais com o objetivo de evitar que a crise na empresa acarrete a falência de quem a explora. De um lado, a recuperação judicial; de outro, a homologação judicial de acordo de recuperação extra-judicial. Os objetivos delas são iguais: saneamento da crise econômico-financeira e patrimonial, preservação da atividade econômica e dos seus postos de trabalho, bem como o atendimento aos interesses dos credores. Diz-se que, recuperada, a empresa poderá cumprir sua função social. 20

O conceito põe em relevo a preocupação de preservar a empresa, vista esta como verdadeira instituição social para a qual se conjugam interesses diversos: o lucro do titular da empresa (empresário ou sociedade empresária); os salários (de manifesta natureza alimentar); os créditos dos fornecedores e os tributos do Poder Público.

A atual Lei de Recuperação de empresas, tal como a lei anterior, vincula o indeferimento da recuperação judicial à decretação da falência. Aparentemente, o argumento em prol da vinculação é lógico e inquestionável. O devedor não se arriscaria a pedir a recuperação judicial caso não estivesse realmente necessitado do benefício, tendo em vista o risco de decretação da falência.

Nosso modelo de recuperação judicial é vulnerável porque, ao manter a vinculação entre o indeferimento do benefício e decretação da falência, cria o ambiente propicio ao nascimento da "industria da recuperação" à semelhança da anterior "industria da concordata": O credor, na Assembléia Geral em que estiver em votação o Plano de Recuperação Judicial, tenderá a aprovar qualquer rabisco malfeito, porque, se não o fizer, o juiz tenderá a decretar a falência do devedor. 21

Por outro lado, percebe-se que a adesão dos credores às medidas preventivas de recuperação das empresas é de salutar importância, passando estes a ter papel relevante no procedimento de recuperação da empresa, na medida em que darão assentimento expresso em assembléia de credores, sobre as condições propostas no plano de pagamentos apresentado pelo devedor. O credor passa da condição passiva que lhe era imposta na Lei anterior, a ter voz ativa, participando do processo, concordando ou desaprovando as condições entabuladas no plano de recuperação apresentado pelo devedor. O acordo obedece aos princípios gerais dos contratos do direito comum, e, em caso de inexecução, ensejara até eventual quebra (parágrafo 1º do artigo 61).

1.6. A recuperação extrajudicial

Tradicionalmente, os credores brasileiros costumavam demonstrar certa resistência a qualquer forma de composição em grupo, preferindo negociar o pagamento de seus créditos diretamente com o devedor. Os reflexos das recentes crises da economia norte-americana e dos setores brasileiros de energia e telecomunicações promoveram evolução na forma de condução das negociações, por meio do rompimento do padrão de comportamento em processos coletivos de renegociação de dívidas. Credores e devedores passaram a trabalhar em conjunto para encontrar soluções no sentido de permitir o pagamento dos débitos de forma menos gravosa aos envolvidos: para os credores, no menor prazo possível e, para os devedores, de forma a garantir a continuação do negócio.

A introdução do instituto da recuperação extrajudicial no direito falimentar brasileiro tem a finalidade de dotar nosso sistema legal de mecanismos que tendem a viabilizar a negociação de acordos com grupos de credores escolhidos pelo devedor.

O Decreto-Lei 7661/45 (antiga Lei de Falências) não amparava esta forma de composição e ainda classificava a convocação dos credores pelo devedor, para apresentação de propostas de dilação, remissão de créditos ou cessão de bens, como "atos de falência", impedindo soluções de mercado.

Esta convocação de credores era feita de forma bastante comum pelos empresários em situação de crise: era a chamada "concordata branca", por meio do qual se tentava acordo com os credores, para os mais diversos tipos de acerto. Se houvesse êxito, a empresa em crise teria condições de se recuperar e retornar ao andamento normal de seus trabalhos; no entanto, se não houvesse acordo, sempre haveria o risco de ser requerida a falência por qualquer dos credores procurados para acordo, sob a alegação, fortemente correta, de que o devedor praticou o ato de falência previsto no inciso III do art. 2º da lei anterior.

A possibilidade que se oferece ao devedor para tentar o acordo extrajudicial, por meio da "recuperação extrajudicial" é aspecto benéfico da Lei. No entanto, não justificaria, por si só, a alteração legal. Como ocorre normalmente em direito comercial, ao contrário do que acontece em direito civil, o costume impõe-se no dia a dia, e só após, quando já consolidado o procedimento do empresário, vem a Lei trazer regras positivas. Exemplos disto são a franquia e o leasing, dentre outros.

Para simplesmente procurar seus credores e tentar encontrar, em conjunto com eles, uma saída negociada para a crise, o empresário ou sociedade empresária não precisa atender a nenhum dos requisitos da lei para a recuperação judicial. Estando todos os envolvidos de acordo, assinam os instrumentos de novação ou renegociação, assumindo, por livre manifestação de vontade, obrigações cujo cumprimento proporcione o reerguimento do devedor.

Se a recuperação extrajudicial é uma alternativa prévia à recuperação judicial ou à própria falência, a melhor hipótese é supor que a empresa com perfil para utilizar este instrumento estaria em situação condizente com a realização da negociação parcial, ou seja, com credores selecionados que sejam relevantes o suficiente para que sua aceitação de novas condições de pagamento permita a solução extrajudicial e simplificada das dificuldades por que passa a empresa solicitante. Essa situação permitiria um modelo de renegociação parcial que tornaria desnecessária a participação de todos os credores e, por isso, desnecessária também a imposição da vontade da maioria sobre a minoria dissidente fora do âmbito do processo judicial. (...) Se é com certa facilidade que se pode constatar a impropriedade de trazer critérios de maioria e de participação involuntária na recuperação extrajudicial, um pouco mais complexa é a defesa da utilidade da recuperação extrajudicial em bases voluntárias com apenas uma parcela dos credores. Uma primeira indagação seria sobre a eficácia de um mecanismo em que apenas parte dos credores participem, arcando com perda econômica, sem que esse peso seja distribuído entre os demais. Qual seria o incentivo para que essa minoria ativa abrisse mão de parte de seus direitos? A resposta é que o valor econômico de um crédito depende não apenas de seu valor presente, mas também da probabilidade de não-pagamento. Todo haver financeiro carrega certa probabilidade de risco. Quanto maior a probabilidade de risco, menor o valor econômico do crédito. Se, em função do peso específico de um determinado credor ou de um determinado grupo de credores, estes possam, por si só, criar condições de recuperação de uma empresa em dificuldades, longe da prática altruísta, essa providência ajusta-se à mais estrita racionalidade econômica. A perda relativa em termos de valor nominal de um título pode ser mais que compensada pela diminuição do risco de recebimento.(...) Propomos, portanto, um novo modelo de recuperação extrajudicial, em que o devedor pode selecionar e convocar seus credores para a apresentação de plano, que terá efeitos sómente sobre aqueles que a ele expressamente aderirem. Prevê-se, ainda, a homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial, a fim de conferir-lhe maior segurança jurídica. (...) Assim, reduz-se a possibilidade de que a maior liberdade concedida na recuperação extrajudicial abra margem a fraudes por parte do devedor e dos credores que selecionar. O plano de recuperação extrajudicial não poderá, por exemplo, implicar no reforço das garantias dos credores que participarem da renegociação, por tratar-se de ato falimentar, nos termos do art. 94, III, e, do Substitutivo. 22

Para ter direito à homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial, não basta o atendimento aos requisitos subjetivos, isto é, relacionados a pessoa do devedor. Também exige a lei o preenchimento de requisitos objetivos, que dizem respeito ao conteúdo do plano acordado entre o devedor e os credores envolvidos (ou parte significativa deles). São cinco os requisitos:

  • não pode ser previsto o pagamento antecipado de nenhuma dívida (art. 161, parágrafo 2º, primeira parte);

  • todos os credores sujeitos ao plano devem receber tratamento paritário, vedado o favorecimento de alguns ou o desfavorecimento de apenas parte deles (art. 161, parágrafo 2º, segunda parte);

  • só pode abranger os créditos constituídos até a data do pedido de homologação (art. 163, parágrafo 1º, in fine);

  • só pode contemplar a alienação de bem gravado ou a supressão ou substituição de garantia real se com a medida concordar expressamente o credor garantido (art. 163, parágrafo 4º);

  • não pode estabelecer o afastamento da variação cambial nos créditos em moeda estrangeira sem a anuência expressa do respectivo credor (art. 163, parágrafo 5º);

O credor que aderiu ao plano de recuperação extrajudicial não pode dele desistir após a distribuição do pedido de homologação judicial, a menos que os demais signatários concordem.

A anuência do devedor e de todos os credores é condição para a existência, validade e eficácia do arrependimento porque o plano de recuperação extrajudicial deve ser sempre considerado em sua integralidade. Se faltar qualquer de seus elementos, é possível que o objetivo de recuperação da empresa não seja alcançado. Atenta a isto, a lei exige a concordância tanto do devedor como dos outros credores aderentes para que um destes últimos possa se liberar do previsto no plano. Na verdade, a lei está acrescentando uma condição a mais para a existência, validade e eficácia da desistência, após a distribuição do pedido de homologação judicial do plano. O credor aderente assume com o devedor as obrigações que decorrerem do encontro de vontades, nos termos do acordado entre eles. De acordo com estas obrigações, o credor aderente não pode desvincular-se do plano sem a anuência do devedor em crise.

A recuperação extrajudicial não altera, nem mínimamente, os direitos de algumas categorias de credores. São sujeitos que não podem negociar os créditos que detém perante empresário ou sociedade empresária por meio do expediente da recuperação extrajudicial. A renegociação se faz exclusivamente por regras próprias da disciplina legal do crédito em questão ou, quando inexistentes, pelas do direito das obrigações.

Os créditos preservados na recuperação extrajudicial são;

  • - credores trabalhistas. Tanto os créditos derivados da relação empregatícia como os de acidente do trabalho não podem ser alterados. Salários, férias e indenizações por rescisão de contrato de trabalho, bem assim como as perdas e danos e outras indenizações devidas ao acidentado, não podem ser considerados no plano de recuperação extrajudicial;

  • - créditos tributários. Em razão do regime de direito público disciplinar dessa categoria de crédito, a renegociação do mesmo no plano de recuperação é inadmissível. O credor tributário sómente mediante lei pode conceder remissão ou anistia, ou prorrogar vencimento de obrigação de contribuinte, em virtude da indisponibilidade do interesse público. Prevê a lei própria a possibilidade de parcelamento, em determinadas condições. Atendidas estas, o empresário ou sociedade empresária terá direito ao benefício outorgado pela legislação tributaria.

  • - proprietário fiduciário, arrendador mercantil, vendedor ou promitente vendedor de imóvel por contrato irrevogável e vendedor titular de reserva de domínio. Estes credores, identificados no art. 49, parágrafo 3º da Nova Lei de Recuperação de Empresas, não se submetem aos efeitos da recuperação extrajudicial. Não significa que estejam impedidos de renegociarem, tal como acontece com o credor tributário (e, em certa medida, o credor trabalhista, em algumas hipóteses). Se esses credores considerarem de seu interesse, podem negociar com o devedor em crise, como o objetivo de contribuir para a superação desta. A exclusão significa apenas a absoluta impossibilidade da homologação judicial da recuperação extrajudicial atingir seus créditos, mesmo quando o plano tiver aprovação de 3/5 dos credores.

  • - instituição financeira credora por adiantamentos a exportação (ACC), estão preservados da recuperação extrajudicial, o que quer dizer, que não há hipótese de seu crédito ser alterado contra sua vontade, mesmo que a alteração seja essencial à superação da crise do devedor.

Quando todos os credores cujos créditos sejam alcançados pelo plano, alterando seu valor, vencimento, condições de pagamento, garantias, etc., estejam de acordo a homologação judicial não é obrigatória para sua implantação, pois a assinatura de todos os credores por ele atingidos já os obriga. O ato judicial não é necessário para que o crédito seja alterado.

Dois são os motivos que podem justificar a homologação judicial. O primeiro é revestir o ato de maior solenidade, para chamar a atenção das partes para a sua importância. O segundo é possibilitar a alienação por hasta judicial de filiais ou unidades produtivas isoladamente, quando prevista a medida. 23

Ao requerer a homologação facultativa, o devedor deve instruir o pedido com a justificativa do pleito e o instrumento de recuperação extrajudicial (plano, acordo, termo etc.), assinado por todos os credores aderentes. A instrução é, nesse caso, mais simples porque os efeitos da homologação têm menor alcance.

Ao lado da homologação facultativa (art. 162), prevê a Nova Lei a homologação obrigatória, que ocorre quando o devedor conseguir obter adesão de parte significativa dos credores ao plano de recuperação, mas uma pequena minoria destes resistir a suportar suas conseqüências. É injusto que a oportunidade de reerguimento da empresa do devedor se perca em razão da recusa de adesão ao plano por parte de parcela minoritária dos credores. Com a homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial, estendem-se os efeitos do plano aos minoritários nele referidos, suprindo-se, desta forma, a necessidade de sua adesão voluntária.

Para que haja esta homologação, o plano de recuperação judicial deve conter a assinatura de, pelo menos, 3/5 de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos.

São as seguintes as espécies de crédito:

  • crédito com garantia real;

  • crédito com privilégio especial;

  • crédito com privilégio geral;

  • credor quirografário;

  • crédito subordinado.

No calculo do percentual de adesões mínimas, duas regras devem ser observadas. Em primeiro lugar, os créditos em moeda estrangeira devem ser convertidos para a moeda nacional, segundo a taxa de câmbio da véspera da assinatura do plano pelos credores aderentes. Em segundo, não se computam os créditos de pessoas ligadas ao devedor, listadas no art. 43, ou seja:

  • os sócios do devedor;

  • as sociedades coligadas, controladoras, controladas;

  • as que tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% do capital social do devedor ou que o devedor ou algum de seus sócios detenham participação superior a 10% do capital social;

  • cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, colateral até o 2º grau;

  • ascendente ou descendente do devedor, administrador ou sócio controlador;

  • membros dos conselhos consultivos, fiscais ou semelhantes da sociedade devedora

  • sociedades em que quaisquer dessas pessoas exerçam suas funções.

A instrução do pedido de homologação obrigatória é mais complexa. Além da justificativa e do plano, com a assinatura da maioria aderente, deve o devedor apresentar em juízo (art. 163):

  • exposição de sua situação patrimonial;

  • demonstrações contábeis relativas ao último exercício;

  • demonstrações contábeis referentes ao período desde o fim do último exercício até a data do plano, levantadas especialmente para o pedido;

  • documento comprobatório da outorga de poderes para novar ou transigir para os subscritores do plano em nome dos credores;

  • relação nominal de todos os credores, com endereço, classificação e valor atualizado do crédito, além da origem, vencimento e remissão ao seu registro contábil.

Após receber a petição inicial devidamente instruída, o juízo determina a publicação do edital convocando os credores a apresentarem eventuais impugnações, no prazo dos 30 dias seguintes à publicação do edital. Neste mesmo prazo, 30 dias, o devedor requerente deve provar que comunicou, por carta, todos os credores sujeitos ao plano domiciliados ou sediados no Brasil, informando-lhes da distribuição do pedido de homologação extrajudicial, as condições do plano apresentado e o prazo para impugnação.

A impugnação deve ser instruída com prova do crédito do impugnante (condição que pode ser relevada pelo magistrado se não houver dúvida acerca da titularidade e extensão do título) e só pode versar sobre um dos fundamentos admitidos pela lei, que são (art. 94, III):

  • não preenchimento do percentual mínimo de 3/5 de cada espécie de crédito envolvido;

  • proceder à liquidação precipitada de seus ativos;

  • lançar mão de meio ruinoso ou fraudulento para realizar pagamentos ou realizar ato inequívoco com o objetivo de retardar pagamentos, fraudar credores, negócios simulados ou alienar parte ou a totalidade de seu ativo a terceiro, credor ou não;

  • transferir estabelecimento à terceiro, credor ou não, sem o consentimento de todos os credores e sem ficar com bens suficientes para solver seu passivo

  • simular transferência de seu principal estabelecimento com o objetivo de burlar a legislação ou a fiscalização ou para prejudicar credores:

  • dar ou reforçar garantia a credor por dívida contraída anteriormente sem ficar com bens livres e desembaraçados suficientes para saldar seu passivo;

  • ausentar-se sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar todos os credores;

  • abandonar o estabelecimento sem deixar representante habilitado e com recursos suficientes para pagar credores;

  • abandonar estabelecimento ou tenta ocultar-se de seu domicílio, do local de sua sede ou de seu principal estabelecimento;

  • deixar de cumprir, no prazo estabelecido, obrigação assumida no plano de recuperação.

Apresentada a homologação, o devedor será intimado para se manifestar em cinco dias. Após este prazo, os autos são conclusos ao juízo para deferir a petição inicial e homologar o plano ou acolher a impugnação e indeferir a homologação. Desta sentença cabe, em qualquer caso, apelação, sem efeito suspensivo (parágrafo 7º do art. 164).

Em caso de indeferimento da homologação, nada obsta a reapresentação do pedido, desde que, obviamente, afastado o motivo da decisão denegatória.

Rejeitada a homologação por qualquer motivo, o credor que havia concordado com a mudança de valor ou da forma de pagamento readquire os direitos anteriores à adesão, nas condições originais.

Caso seja previsto no plano de recuperação extrajudicial homologado a venda judicial de filiais ou unidades produtivas isoladas, esta se fará por hasta, através de leilão, propostas fechadas ou pregão (art. 142).

Cabe salientar que na recuperação extrajudicial, não é possível a venda total da empresa, pois objetiva, prioritariamente, recuperá-la.

Esta nova modalidade de acordo privado introduzida pela Nova Lei não impede que o devedor e seu credores celebrem outras modalidades de acordo privado. Os operadores do direito continuarão a utilizar os mesmos instrumentos de repactuação de dívidas utilizados até a aprovação da Lei 11.101/2005.

A principal vantagem da homologação do acordo extrajudicial foi retirada do texto do projeto da Nova Lei por emenda apresentada no plenário do Senado e consistia na proteção que seria dada ao acordo homologado, em juízo, contra eventuais ações revocatórias ou declarações de ineficácia de atos contemplados no plano homologado em juízo, salvo nas hipóteses de fraude. Por meio desta proteção esperava-se dar maior segurança aos negócios jurídicos celebrados com devedores em dificuldades financeiras, estimulando a celebração de acordos que evitassem demorados e custosos processos de recuperação judicial ou falência. Isso porque é comum, em casos de renegociação de dívidas que o credor só aceite conceder novos prazos e condições de pagamento mediante garantias adicionais. Por outro lado, não é raro um devedor oferecer bens em pagamento aos seus credores, sobretudo quando encontra dificuldade para transformar seu patrimônio imobilizado em dinheiro. Ocorre que, em muitos casos nos quais estas possibilidades são aventadas, os acordos não são celebrados por falta de disposição dos credores em aceitar o risco de futuras ações revocatórias. Uma vez retirada do texto da nova Lei a proteção contra estas ações, o único benefício dessa modalidade de recuperação em relação aos acordos privados, reside no fato de que a sentença homologatória é título executivo judicial.

Não há previsão legal na nova Lei que autorize o cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente a requerer a recuperação extrajudicial. É possível, entretanto, entender-se que, dada a natureza contratual do instituto, não haverá óbice para que seja reconhecida a legitimidade dessas pessoas para requerer a recuperação extrajudicial, aplicando, de forma analógica o parágrafo unido do art. 48.

Os credores, por mais que vislumbrem a necessidade do devedor se submeter a um processo de recuperação, permanecerão à mercê de eventual iniciativa do próprio devedor. Em contrapartida, se houver prova de que o devedor, por atos inequívocos, realiza ou tenta retardar pagamento ou alienar parte ou totalidade de seu estabelecimento com a finalidade de frustrar credores, estes poderão requerer a falência do devedor com a finalidade de submetê-lo ao processo concursal, preservando seu patrimônio e garantindo a aplicação do princípio da paridade de tratamento.

A Nova Lei de Falências eliminou um importante requisito negativo, ou impedimento, para o ajuizamento do pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial, qual seja a inexistência de protestos lavrados contra o devedor. O preenchimento desse requisito negativo era condição para que o devedor utilizasse o benefício legal da concordata preventiva. Muitos eram os casos em que o devedor tinha que contar com o beneplácito judicial para que a sua falência não fosse decretada. Por outro lado, o apontamento de algum título à protesto precipitava o ajuizamento de concordatas que poderiam ser evitadas.

Além desses requisitos negativos, que são comuns à recuperação judicial, o devedor não poderá requerer a homologação de plano extrajudicial, "se estiver pendente pedido de recuperação judicial ou se houver obtido homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de dois anos" (art. 161, parágrafo 3º. da Lei 11.101 de 09.02.2005). A redação deste dispositivo é de evidente má técnica, pois não há definição legal para o termo "pendente".

Por meio desta definição temporal, pretendeu o legislador evitar o ajuizamento de recuperação extrajudicial no interregno entre a propositura de recuperação judicial e sua concessão, visto que o procedimento de recuperação judicial é mais amplo e pode abranger todos os credores porventura sujeitos a recuperação extrajudicial. O legislador também pretendeu evitar o ajuizamento de sucessivos planos de recuperação extrajudicial, ainda que abrangendo credores distintos.

A limitação temporal para ajuizamento de novo pedido de recuperação extrajudicial contraria, de certa forma, o próprio princípio de manutenção da unidade produtiva. Não parece remota a possibilidade de um devedor, que tenha renegociado seus débitos baseado em fluxo de caixa elaborado em determinada realidade econômica, tenha que propor novo acordo a seus credores caso algum fato externo venha a comprometer sua geração de caixa. A crise na geração de energia elétrica (a chamada crise do apagão em 2001), que acarretou imediata redução do consumo de energia e provocou abrupta diminuição da receita das empresas geradoras e distribuidoras de energia, constitui bom exemplo de fato imprevisto que pode comprometer o fluxo de caixa de uma empresa e, portanto, influir na sua capacidade de honrar compromissos e obrigações. 24

Se a nova Lei tem como preceito fundamental a preservação da atividade produtiva, não parece razoável impedir o ajuizamento de nova recuperação extrajudicial, caso o devedor venha a sofrer novo abalo em prazo inferior a dois anos. A concordância prévia de todos, ou de, pelo menos, 3/5 dos credores, é condição para a propositura de recuperação extrajudicial. Logo, não havia razão para o legislador impedir nova recuperação extrajudicial mediante a concordância da maioria dos credores. Em termos práticos, o devedor que enfrentar esta situação terá, em princípio, que se valer de outras formas de composição amigável, enfrentando as mesmas dificuldades encontradas antes da nova Lei, a exemplo da inexistência de proteção contra credores oportunistas.

A existência de pedido de falência em curso contra o devedor não impede o ajuizamento de pedido de recuperação extrajudicial, bem como a distribuição do pedido de recuperação extrajudicial não elide a falência, nem impede que os credores que não tenham subscrito o plano, ou que não estejam à ele sujeitos, ajuízem pedido de falência. O ajuizamento da recuperação extrajudicial não tem o condão de elidir a falência, por falta de previsão legal. Entretanto, pedido de falência ajuizado por credor que tenha subscrito o plano de recuperação extrajudicial deverá ser extinto. Caso, todavia, o pedido de falência seja feito por credor que não tenha subscrito o plano, mas à ele sujeito por imposição, o ajuizamento da recuperação extrajudicial não suspenderá seu curso, que será processado em separado a recuperação. A sentença que homologar a recuperação extrajudicial, e impuser o plano aos credores, provocará a perda do objeto dos pedidos de falência formulados por credores sujeitos ao plano, independentemente do fato de terem sido ajuizados antes ou depois da distribuição da recuperação extrajudicial.

Os devedores que estavam proibidos de impetrar concordata preventiva na data de entrada em vigor da nova Lei, não puderam requerer recuperação extrajudicial. Trata-se de uma regra de transição. A título exemplificativo, o devedor que tiver impetrado concordata preventiva a menos de cinco anos, não poderá requerer recuperação extrajudicial, ou judicial, tendo que aguardar o decurso do prazo remanescente para completar o período de cinco anos para utilizar o novo instituto (art. 198).

1.7. Vigência das normas de recuperação de empresas

Em se tratando de tema jurídico que envolve o direito intertemporal, sempre possível e objeto de amplas discussões teóricas a respeito, entendemos importante tecer algumas considerações que auxiliem a enfrentar os dispositivos das Disposições Transitórias da Lei 11.101 de 09.02.2005.

Assim, sendo, pode-se afirmar, como o faz Caio Mario da Silva Pereira 25:

O problema do direito intertemporal consiste na indagação, se a lei tem efeito retroativo, não podendo ser aplicada em caso afirmativo. Nesta indagação, cumpre apurar, em face de uma lei nova que substitui com o seu domínio a lei anterior, como encontrou ela as situações jurídicas surgidas no império da lei caduca, e três hipóteses há: a primeira compreende os fatos que já produziram os seus efeitos sob a lei anterior; a segunda aparece, quando os efeitos dos fatos ocorridos na vigência da lei velha se estendem pelo período subseqüente a sua revogação; a terceira entende-se como a continuidade de fatos interligados, que vem ocorrendo desde o domínio da lei caduca e ainda se verificam no tempo de vigência da lei atual, em curso de produção de efeitos.

Não se pode olvidar o conhecido e sempre citado art. 6º. da Lei de Introdução ao Código Civil, já com a redação da Lei 3238/57 "A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada", sempre invocado em situações de direito intertemporal, ganhando relevância no tema ora abordado pois, embora caduco, o decreto-lei 7661/45 ainda será aplicável nesta fase de transição, e da mesma forma a nova Lei, que também se aplicará a determinadas hipóteses em processos iniciados sob a vigência da lei anterior. Assim há que se evitar os conflitos, visando a celeridade processual, como recomenda o parágrafo único do art. 75 e o art. 79 da nova Lei.

Por isto, o mesmo jurista Caio Mario discorre 26:

(...) os direitos adquiridos, oriundos de fatos que se realizam por inteiro em consonância com a lei velha ao tempo de sua vigência, e se incorporaram definitivamente no patrimônio do sujeito não são alcançados pela lei nova, e, portanto, continuam a reger-se pela lei antiga, que, desta sorte, estende o plano de sua eficácia por um tempo ulterior ao momento em que é revogada. As expectativas de direito, isto é, aquelas situações ou relações aderentes ao individuo, provenientes de fato aquisitivo incompleto, e, por isso mesmo, não integradas em definitivo ao seu patrimônio, são atingidas sem retroatividade pela lei nova, que passa a discipliná-las desde o momento em que começa a vigorar. Igualmente são reguladas pela lei moderna as faculdades legais, que haviam sido instituídas pela lei morta, mas de que não havia o individuo feito uso, embora estivesse à seu alcance.

Assim sendo, apesar do caput do art. 192 da nova Lei, determinar, categóricamente, que "esta lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei 7.661, de 21/6/1945", os seus parágrafos subseqüentes abriram as exceções, típicas das disposições transitórias, criando as controvérsias que deverão ser solucionadas pelas normas e princípios do direito intertemporal.

O parágrafo 1º, primeira parte, do art. 192 da novel Lei estipula que: "fica vedada a concessão de concordata suspensiva nos processos de falência em curso", isto é, que até o início de sua vigência qualquer requerimento de concordata suspensiva poderia ser concedido por sentença, nos termos do art. 177 e seguintes da Lei caduca e alcançará seus objetivos, mesmo após a entrada em vigor da nova Lei. Importa ressaltar que, até a entrada em vigor da nova lei, a concordata suspensiva tinha de estar definitivamente concedida, não sendo suficiente mero requerimento neste sentido.

Pergunta intrigante é se a sentença de concessão ou de indeferimento ainda não tiver transitado em julgamento até 09.06.2005, data de vigência da nova Lei. A melhor interpretação é que se deva prosseguir sob a regência da lei antiga, respeitadas as regras processuais pertinentes, pois, nesta hipótese, trata-se de continuidade de fatos interligados que vem ocorrendo desde o domínio da lei caduca e ainda se verificam no tempo de vigência da lei atual, em curso de produção de efeito 27

Entendendo como efeitos do transito em julgado da sentença proferida, sem ofensa ao novo dispositivo legal, e sem ferir a norma de direito material, mas aguardando apenas precluírem-se os ditames da lei processual, sendo este mais um efeito da ultratividade da lei, sem que ocorra sua aplicação retroativa que pudesse contrariar o art. 6º da LICC, pois aqui não se trata de expectativa de direito, mas de direito adquirido.

A segunda parte do supra mencionado parágrafo 1º, e imprimindo logicidade a proibição da concessão da concordata suspensiva nos processos em curso, conclui, com razão, que pode ser "promovida a alienação dos bens da massa falida assim que concluída sua arrecadação, independentemente da formação do quadro geral de credores" sempre tendo em vista a almejada, e raramente alcançada, celeridade processual antes referida. Sem dúvida salutar esta previsão legal, demonstrando, de forma cabal, a vontade do legislador de atender a toda sorte de reclamos, para desde logo realizar-se o ativo, que estará sempre em melhores condições sem deterioração pelo tempo, ao contrario da realidade anterior. Esta determinação legal se fez necessária para, objetivamente, abranger todas as falências em curso, que sómente poderiam realizar seus ativos depois de decidido o Inquérito Judicial, que dava início ao prazo para requerimento da concordata suspensiva e de publicado o Quadro Geral de Credores, o que representa adiantar em anos a finalização das falências existentes, e para as novas decretações significará, até pelo simples e mero bom senso, elevação no rateio dos credores, pois a realização far-se-á com ativo em boas condições, muito antes de estarem corroído pelo tempo.

Não perdendo o foco na recuperação da empresa, o legislador houve por bem dispor na primeira parte do parágrafo 2º do art. 192 que "a existência de pedido de concordata anterior à vigência desta Lei, não obsta o pedido de recuperação judicial pelo devedor que não houver descumprido obrigação no âmbito da concordata", pois seu objetivo é criar o ambiente e a oportunidade para a recuperação das empresas e, portanto, seria sumáriamente injusto que as atuais empresas em concordata, cujo instituto sabidamente não respondia mais aos anseios da modernidade, não tivessem também a possibilidade de socorrem-se de legislação mais moderna. Esta disposição legal há de ser interpretada levando-se em consideração a definição legal do art. 47: "a superação da situação de crise econômico-financeira" para permitir a "manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores", dos "interesses dos credores" para se alcançar a "preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica", respeitando o disposto no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil "na aplicação da lei, o juízo atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

A jurisprudência pátria, ante a reconhecida necessidade de reforma da anterior lei de falências, já vinha amenizando a interpretação literal de seus artigos, captando a necessidade de preservação da empresa, quando também analisada sob o ângulo da boa fé do empresário, afastando-se da letra fria da lei.

Um dos pontos mais polêmicos da antiga lei era o inciso I do art. 150 que dizia que "a concordata pode ser rescindida: I – pelo não pagamento das prestações nas épocas próprias ou inadimplemento de qualquer obrigação assumida pelo concordatário" e, conseqüentemente, não se tratando de regras de comportamento ético-comercial, mas sim de cumprimento de mera e importante obrigação de todo e qualquer empresário: pagar seus débitos!? A sua infringência, pura e simples, será suficiente para literalmente impedir o concordatário valer-se também da recuperação judicial? Como cediço, não se deve perder o foco da interpretação legal e, principalmente que a nova Lei veio para suprir a impossibilidade de sómente em dois anos cumprir-se o pagamento integral prometido. Seria absolutamente paradoxal, exigir-se de um concordatário que preencheu todos os demais requisitos do art. 150 da Lei anterior, tivesse também que cumprir o disposto no inciso I quando se sabe que não teria condições de fazê-lo, sem se esquecer, também, que o magistrado não pode permanecer alheio ao que ocorre à sua volta, encerrando-se em uma torre de marfim e infenso às necessidades sociais de seu tempo.

Justamente por isto é que foi promulgada a Lei de Recuperação de Empresas, para evitarem-se falências desnecessárias, recuperando-se empresas viáveis.

Se o concordatário superar todas as exigências legais, por que impedí-lo de alcançar a recuperação de seu negócio, se o reverso é a falência?

Também é importante ressaltar que o mesmo parágrafo 2º do art. 192, veda qualquer transposição da concordata para recuperação judicial, se "baseado no plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte à que se refere à seção V do capitulo III desta Lei" (arts. 70 e seguintes da Lei 11.101/2005). Equivocou-se o legislador, ao ignorar a realidade do imenso universo das microempresas e empresas de pequeno porte na economia nacional, distanciando-se de qualquer enfoque social ou econômico, ao vedar o acesso das mesmas ao plano de recuperação judicial que, assim, não encontram amparo legal, devendo solucionar suas dificuldades no âmbito da Lei antiga.

Outro aspecto que deverá ser analisado são as intercorrências processuais da transposição, pois o parágrafo 3º do art. 192, determina claramente que "se deferido o processamento da recuperação judicial, o processo de concordata será extinto", isto significando que durante certo tempo, existirão dois processos: o da concordata em andamento, que deverá ser extinto e o pedido de recuperação judicial em recuperação, que se iniciou.

Há que se intuir, ante o silencio legal, que prevalecerá a regra geral de competência, isto é, o foro da concordata tem sua competência preventa, eis que se tratam da mesma empresa e dos mesmos credores, sendo correto admitir-se que o juízo que decretará a extinção da concordata, deverá ser o mesmo que sentenciara a homologação da recuperação judicial, pois tem a mesma competência, ante o disposto no art. 106 do CPC, eliminando-se desta forma qualquer possibilidade de conflito decisório.

Além do mais o mencionado parágrafo 3º dispondo que "os créditos submetidos à concordata serão inscritos por seu valor original na recuperação judicial, deduzidas as parcelas pagas pelo concordatário" é nada mais correto então que tudo seja decidido e analisado pelo mesmo juízo, que até fisicamente conhece ambos os processos, facilitando a solução equânime e sem conflito quanto a sentenças diversas, envolvendo as relações entre o devedor e o credor, sob o mesmo tema.

Isto para não se dizer que eventuais impugnações de crédito, porventura não julgadas em definitivo no âmbito da concordata, segundo os conceitos de direito intertemporal, devera sê-lo pelo mesmo juízo, dentro do rito da lei antiga, e só aí inscritos pelo valor original na recuperação judicial, situações que ao se pleitear a transposição deverão ser devidamente explicitadas e, se o caso, fizeram parte do plano de recuperação.

Há ainda mais um efeito colateral da transposição da concordata para a recuperação judicial, qual seja o confronto do art. 147 do Decreto-Lei 7661/45 ("A concordata concedida obriga a todos os credores quirografários, comerciais ou civis, admitidos ou não ao passivo, residentes no país ou fora dele, ausentes ou embargantes") que, portanto, os credores privilegiados não estavam sujeitos à concordata, podendo, livremente, valerem-se dos seus direitos, inclusive, e especialmente, os credores hipotecários, a qualquer tempo. A nova Lei, na redação do parágrafo 3º do art. 49, prevê: "Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o parágrafo 4º. do art. 6º. desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade empresarial".

O credor hipotecário, como visto, foi excluído do parágrafo 3º do art. 49, certamente pelo descrédito do instituto da hipoteca como garantia real, pelas conhecidas dificuldades na sua execução para recebimento de débito, diferentemente do que ocorria na concordata, onde sempre foi soberano. Na lei nova foi, corretamente, incluído como sujeito a seus efeitos, induzindo este aspecto para que se alcance o melhor resultado na recuperação judicial.

Dentro das regras aqui adotadas quanto ao direito intertemporal imaginemos duas situações: na primeira o credor, não sujeito aos efeitos da concordata, já deu início à execução hipotecária, que então deverá seguir os trâmites legais, até decisão final, em face do direito adquirido deste credor, que, diligentemente, o exerceu dentro dos dispositivos da lei antiga, mas que na lei nova não teria esta prerrogativa, ante os ditames do mencionado parágrafo 3º do art. 49 que o incluiu na sujeição à recuperação, não poderá ser prejudicado por lei posterior, pois a vedação teria efeito retroativo, estando excluído, assim, dos seus efeitos; na segunda hipótese, o credor hipotecário que se manteve inerte no curso da concordata, ao ser requerida à transposição da concordata para a recuperação judicial, quando apercebeu-se que, daí em diante, o seu crédito estará irremediavelmente sujeito à seus efeitos, vedada a sua execução singular, pois sujeito ao plano de recuperação. É de entender-se que terá que se submeter aos ditames da Lei nova, pois se manteve apenas na posição de quem tendo "expectativa de direito", bem como, embora reunindo as necessárias "faculdades legais" deixou-as passar in albis não tendo assim direito adquirido, que pudesse confrontar como violação ao art. 6º. da Lei de Introdução ao Código Civil.

Certamente, estas questões serão colocadas em juízo.

Quanto ao parágrafo 4º do art. 192 da nova Lei, está definido, com clareza meridiana, que se "aplica as falências decretadas em sua vigência" sejam resultantes de convolação de concordatas em falências ou mesmo de pedidos de falências. Portanto, iniciado o período de vigência da nova Lei, toda e qualquer falência será regulada pela nova Lei, seguindo os ditames da rápida e eficiente realização de ativos, e do rápido pagamento aos credores, evitando-se a eternizacão dos processos falimentares.

Determina, ainda, que o rito processual para a decretação da falência, para aquelas situações pré-existentes à sua vigência, será regulada pela Lei antiga, evitando-se, com este dispositivo, eventuais alterações de regras num momento de extrema dificuldade para a empresa devedora.

Todavia, nas falências decretadas após o início da vigência da Lei nova, mesmo que o respectivo processo (de falência ou a convolação de concordata em falência) seja anterior, ao ser decretada a quebra, desde logo há de ser obedecido o art. 99, que, em seus itens I a XIII, contém todas as determinações que deverão ser cumpridas, visando, entre outros objetivos, dar publicidade ao fato, prevenir atos de disposição, decretar a prisão preventiva, se as circunstancias específicas recomendarem, nomeando também o administrador judicial.


2. PRINCIPAIS SUJEITOS INSTITUCIONAIS NA NOVA LEI

2.1. O administrador judicial

A tarefa do administrador judicial, numa empresa em crise, consiste em aplicar sua atividade no reerguimento do ente produtivo enfraquecido, não se submetendo a qualquer influencia do devedor ou dos credores, agindo sob critérios próprios de convicção:

Com base em pesquisas socioeconômicas, o que mais importa é preservar a empresa como ente produtivo, posto que a principal causa de seu insucesso reside na má gestão, busca restaurar o organismo desequilibrado, substituindo-se os causadores da crise. 28

Dessa forma, o administrador judicial assume papel fundamental na legislação brasileira, com a especialização de suas funções, posto que o art. 21 da Lei 11.101/2005 descreve que deve ser profissional idôneo com formação preferencial em direito, economia, administração de empresas ou contabilidade, inclusive autorizando pessoa jurídica especializada para exercer esta atividade.

A expressão "preferencialmente" dá a entender que o administrador, pessoa física, estará constrito a estas profissões, o que pode ser um erro, pois, por exemplo, o engenheiro civil, hodiernamente, é uma profissão multifacetada e, em muitos casos, sobrepõe-se aos demais, numa visão holística da administração empresarial.

Por outro lado, com a flexibilização da recuperação judicial, se comparada com a rigidez da concordata, a possibilidade de pessoa jurídica assumir o papel de administrador judicial neste novo contexto organizatório é um avanço considerável. Já é perceptível, no mercado, movimento de empresas especializadas na área de gestão empresarial, criando um novo e fértil nicho de atuação.

Ao se instituir a figura do administrador judicial na recuperação de empresas, o legislador o fez com objetivos concretos, reais, definidos, pois ao dizer que o mesmo deveria ser, preferencialmente, um profissional daquelas áreas citadas, é porque antevia uma missão que para ser bem feita, necessariamente teria que contar com os trabalhos de tais profissionais. Só mesmo diante do quadro concreto é que terá o administrador judicial a real visão do papel que terá de desempenhar no cumprimento de suas tarefas, disto dependendo uma serie de ocorrências, como por exemplo, a classificação do recuperando (pequena, media ou grande empresa), o seu passivo, a representatividade deste passivo pelo número de credores, pelas espécies de créditos e suas respectivas classificações, pelos documentos contábeis e fiscais do devedor, pelos documentos apresentados pelos credores quando de suas habilitações, etc.

O ônus da nomeação do administrador judicial é de competência exclusiva do juiz do feito, que pode entender recair sobre um profissional de outra área as mesmas ou talvez melhores condições de administrar um processo de recuperação judicial, e daí nomeá-lo, até mesmo por que ficará, permanentemente, sob a fiscalização do juiz.

Dependendo da complexidade que o administrador judicial vai enfrentar num determinado processo de recuperação, e independentemente, de qual profissão ele exerça, sem dúvida necessitará de auxilio de profissionais de outras áreas, que poderão ser contratados com a autorização do juiz do feito.

Esta flexibilização legal é sinal positivo do novo sistema. O legislador mostrou sensibilidade procurando colocar ao alcance do devedor em recuperação meios para que possa voltar a exercer, normalmente, sua condição de unidade produtiva no cenário nacional.

Se a hipótese de nomeação do administrador judicial recair sobre pessoa jurídica especializada nos fins exigidos pela lei, esta, de início, terá a obrigação de, comparecer, no prazo de 48 horas, na sede do juízo, e assinar o termo de compromisso de bem, e fielmente, desempenhar o cargo e assumir todas as responsabilidades inerentes a ele, declarar o nome do profissional integrante da citada empresa que será responsável pela condução do processo de recuperação judicial. Ou seja, todos os trabalhos poderão ser conduzidos por todos os profissionais da empresa nomeada como administrador judicial, mas perante o juiz apenas um responderá pela condução do processo. Caso haja a necessidade de sua substituição para estes fins, esta somente poderá ser feita com autorização do juiz do feito.

O art. 22 da Lei 11.101/2005 prescreve, com clareza, os deveres do administrador judicial, que são:

  • enviar correspondência aos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, comunicando a data do pedido de recuperação judicial, ou da decretação da falência, a natureza, o valor e a classificação dada a cada crédito;

  • fornecer, com presteza, todas as informações pedidas pelos credores interessados;

  • dar extratos dos livros do devedor, que merecerão fé de ofício 29, a fim de servirem de fundamento nas habilitações e impugnações de créditos;

  • exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quaisquer informações;

  • elaborar a relação de credores;

  • consolidar o quadro-geral de credores;

  • requerer ao juiz a convocação da Assembléia-Geral de credores nos casos previstos nesta Lei ou quando entender necessária sua ouvida para tomada de decisões;

  • contratar, mediante autorização judicial, profissionais ou empresas especializadas para, quando necessário, auxiliá-lo no exercício de suas funções;

  • manifestar-se, nos prazos previstos em lei;

  • fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial;

  • requer a falência do devedor no caso de descumprimento de obrigação assumida no plano de recuperação;

  • apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor;

  • apresentar o relatório final para o encerramento da recuperação judicial.

É de ressaltar-se que uma das principais características das novas atribuições do administrador judicial está explícita no item d) do inciso I do art. 22 que diz: "exigir dos credores, do devedor ou seus administradores quaisquer informações". Observe-se que não é dito que o administrador deve requerer ao juiz que o devedor, ou o credor preste informações; a Lei diz que o próprio administrador pode "exigir". Tais informações são necessárias para que possa o administrador inteirar-se de todas as causas e situações anteriores e concomitantes à recuperação judicial, ou à falência. Trata-se de medida de boa prática, impondo ao administrador agir com relação ao devedor e suas obrigações, diligenciando com prontidão, sempre que necessário. Caso haja recusa na prestação de informações, o devedor e seus administradores serão afastados da administração da empresa (inciso V do art. 64).

Diz a lei que, se o administrador judicial não apresentar, no prazo estabelecido, suas contas ou qualquer dos relatórios previstos na mesma, será intimado, pessoalmente, a fazê-lo, no prazo de cinco dias, sob pena de desobediência, com pena cominada de 15 dias a 6 meses de detenção, nos termos do art. 330 do Código Penal.

Agravando a situação do administrador judicial omisso, o juiz o destituirá, nomeando-lhe substituto para o desempenho das tarefas não concluídas por aquele.

De ofício, ou a requerimento fundamentado de qualquer interessado (devedor, credores, Ministério Público, etc.) o juiz poderá determinar a destituição do administrador judicial ou de quaisquer os membros do Comitê de Credores assim que verificar qualquer ato de desobediência aos preceitos legais tais como descumprimentos de deveres, omissões, negligências ou práticas de atos lesivos às atividades do devedor ou mesmo a terceiros.

O administrador que, bem e fielmente, cumprir sua funções será remunerado com percentual nunca superior a 5% do valor devido aos credores submetidos à recuperação judicial. A fixação desta remuneração será, também, de competência exclusiva do juízo do feito, tendo como parâmetros:

  • capacidade de pagamento do devedor;

  • grau de complexidade do trabalho;

  • valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes.

Caso o juiz condutor do feito, ao fixar as remunerações tanto do administrador judicial quanto de seus auxiliares, o fizer em níveis insatisfatórios ou que fuja dos padrões que a lei lhe impõe, nada impede que o interessado, em petição devidamente fundamentada, acompanhada de documentação que se fizer necessária, como, por exemplo, tabelas de preços, esclarecimento do grau de complexidade, envolvimento do número de profissionais e auxiliares para a realização das tarefas, a real capacidade de pagamento do devedor (após analise de sua vida contábil, econômica e financeira), etc. reivindique melhoras, e até mesmo se recuse a assumir as respectivas funções.

O administrador judicial substituído será remunerado proporcionalmente ao trabalho realizado, salvo se renunciar sem relevante razão ou for destituído de suas funções por desídia, dolo, culpa ou descumprimento das obrigações fixadas na Lei de Recuperação de empresas, hipótese em que não terá direito a qualquer remuneração. Também não terá direito a remuneração, o administrador judicial que não tiver suas contas aprovadas.

O legislador também previu alguns impedimentos para o exercício do cargo de administrador judicial. Dessa forma, não poderá exercê-la quem, nos últimos cinco anos, no exercício deste cargo, ou de membro de Comitê em falência ou recuperação judicial anterior foi destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais ou teve prestação de contas desaprovada.

A questão do parentesco também se constitui em motivo impeditivo. A função de administrador judicial, diz a Lei, não poderá ser exercida por quem tiver relação de parentesco ou afinidade, até 3º grau, com o devedor, seus administradores, controladores, ou representantes legais, ou deles for amigo, inimigo ou dependente.

Também não pode ser administrador judicial quem não pode ser empresário, tais como funcionário público, militar, quem tiver contra si mandados de prisão ou tenha sido condenado por crime falimentar, de prevaricação, de peita ou suborno, de concussão, de peculato, contra a econômica popular, a fé publica ou crimes contra a propriedade alheira, como roubo, furto, apropriação indébita, estelionato e outros semelhantes. Também é vedada a nomeação de quem tenha sido condenado por prática de crime que vede, ainda que temporáriamente, o acesso à cargo público.

Na mesma linha de seriedade que o legislador direcionou ao exercício das funções de administrador judicial, bem como aos motivos impeditivos destas mesmas funções, abriu ainda ao devedor, à qualquer credor e ao Ministério Público a faculdade de requerer ao juiz a substituição, se nomeados em desobediência aos princípios da Lei 11.101/2005, tanto o administrador como qualquer membro integrante do Comitê de Credores. O prazo que o juiz tem para decidir requerimentos desta natureza é de apenas 24 horas (parágrafo 3º do art. 30).

É possível, não obstante tantos critérios e cuidados que o legislador tenha usado para que o administrador judicial seja efetivamente idôneo, exerça com profissionalismo e seriedade suas funções, tenha as devidas cautelas que deve preceder o desempenho das atividades de qualquer profissional que se preze, etc., que ainda assim, em algum caso, possa o mesmo, por qualquer motivo, causar algum prejuízo a massa falida, ao devedor ou aos credores por dolo ou culpa.

Nesta hipótese, a lei determina que o administrador judicial e os membros do Comitê responderão pelos prejuízos causados à massa falida, ao devedor ou aos credores, por dolo ou culpa, devendo o dissidente em deliberação do Comitê consignar sua discordância em ata para eximir-se da responsabilidade (art. 32).

Além de estarem explícitas na lei todas as responsabilidades do administrador judicial, e dos integrantes do Comitê de Credores, tem eles ainda a obrigação de, logo que nomeados e após a respectiva intimação, no prazo de 48 horas, assinarem, na sede do juízo, o termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar os cargos e assumir todas as responsabilidades a eles inerentes. E específica a lei ao dizer que, se o administrador judicial não assinar o termo no prazo legal, o juiz nomeará outro (art. 34).

2.2. Assembléia geral de credores

2.2.1 Composição

Segundo o art. 41 da Lei 11.101/2005, a Assembléia Geral de Credores será composta por três classes de credores, a saber:

  • titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho;

  • titulares de créditos com garantia real;

  • titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.

Há duas observações relevantes: a primeira, no parágrafo inicial do artigo, indica que os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho votam com a classe dos trabalhadores, independentemente do valor. A justificativa é que a representação do trabalhador não se pode dar em face do valor de seu crédito, que é definido por muitas variáveis (tempo de serviço, etc.), o que acarretaria a elitização do crédito trabalhista se o valor fosse utilizado como critério único, até porque as categorias gerenciais e de diretoria, numa empresa, teriam maior valor de créditos do que os trabalhadores de nível mais baixo, gerando privilégio inadmissível. A segunda, contida no parágrafo 2º, é que os titulares de créditos com garantia real votam com a classe dos credores com garantia real, mas sómente até o limite do valor do bem gravado; aquilo que superar este limite passa a valer para a classe dos credores quirografários pelo restante do valor de seu crédito.

Ao distribuir os credores em classes, a lei incorreu num gravíssimo erro. Falo da inclusão, na mesma classe, dos credores quirografários e dos titulares de privilégio geral. Em tese, as classes deveriam agrupar os credores com interesses convergentes. O objetivo da divisão dos credores reunidos em Assembléia de classes é o de impedir distorções na formação da vontade da comunhão. Se os créditos de maior importância pertencem à credores de uma certa classificação, a indistinção em classes levaria a prevalência dos interesses deles, nem sempre conciliáveis com os das demais. Pois bem, a reunião, numa mesma classe de credores com interesses divergentes, representa a negativa deste objetivo. Os credores quirografários tem interesses diversos dos titulares de privilégio, especial ou geral. Enquanto estes últimos, exatamente por gozarem de preferência na falência, tendem a ser menos receptivos às propostas de alteração, novação ou renegociação de seus créditos no âmbito da recuperação judicial, os quirografários em geral se abrem mais facilmente a tais propostas. Isso porque a falência do devedor certamente impedirá que os quirografários tenham os seus créditos atendidos. Em outros termos, é muito diferente o risco de não recebimento do crédito que enfrentam os quirografários, de um lado, e os titulares de privilégio, de outro. O mais correto seria classificar os titulares de privilégio geral junto com os credores com garantia real e privilégio especial. Há maior convergência entre esses credores do que entre um deles e os quirografários. 30

2.2.2 Convocação, quorum, voto e deliberação

A Assembléia de Credores, nos termos do art. 36 da Lei 11.101/2005, deve ser convocada pelo Juiz por edital publicado no órgão oficial e em jornais de grande circulação nas localidades da sede e filiais, com antecedência mínima de 15 dias e com indicação de local, data e hora do evento em primeira convocação, não podendo a segunda convocação ser realizada a menos de cinco dias após a primeira. O Edital deve também ter a ordem do dia, e o local onde os credores poderão obter cópia do plano de recuperação judicial a ser submetido à Assembléia, para que o credor possa ir analisando o plano sem ser pego de afogadilho nas diversas questões que podem ser suscitadas.

Foi oportuna a inclusão, pelo legislador, da previsão de que, além do mecanismo de convocação ex officio pelo Juiz, poderão os credores que representem no mínimo 25% do valor total dos créditos de uma das classes (trabalhistas, privilegiados ou quirografários previstos no art. 41), requerer ao Juízo a convocação da Assembléia, pois pode, o devedor, em alguns casos, não se interessar por nenhuma solução para o seu negócio, sendo importante que o credor, verdadeiro interessado nos destinos da empresa em crise, seja ele quem for, possa querer participar mais ativamente do processo e agir com cautela. Entretanto, é necessário que este credor seja minimamente representativo para movimentar todo o processo de convocação e instalação da Assembléia.

As despesas com a convocação e a realização da Assembléia Geral correm por conta do devedor, saldo se convocada em virtude de requerimento dos credores, exatamente para não impor maiores ônus ao credor, além dos prejuízos da inadimplência. Uma segunda hipótese em que o credor arca com tais custos é quando o Comitê de Credores, por qualquer razão, convoca a Assembléia, desestimulando sua convocação por razões pífias.

A Assembléia Geral de Credores é presidida pelo Administrador Judicial, que designara um secretário entre os credores presentes (art. 37, caput). O legislador optou pela mesma solução da antiga Lei de que o Administrador é pessoa de confiança do Juízo, e, assim sendo, não poderia ser de escolha do credor. É o Juízo quem o nomeia e só ele pode substituí-lo.

O Presidente da Assembléia dirige os trabalhos, dá a palavra para que os interessados se manifestem e ordena as votações. É papel importante e, não raro, acaba decidindo pela aprovação de uma ou outra proposição do Plano. Porém, nas deliberações sobre o afastamento do Administrador Judicial ou em outras em que haja incompatibilidade deste, a Assembléia será presidida pelo credor presente que seja titular do maior crédito.

A Assembléia Geral de Credores é instalada, em primeira convocação, com a presença de credores titulares de mais da metade dos créditos de cada classe, computados pelo valor, e, em segunda, com qualquer número, medida destinada a evitar procrastinações. Igualmente está previsto o modo de registro da participação dos credores, devendo assinar a lista de presença, que será encerrada no momento da instalação.

O credor poderá ser representado em Assembléia por mandatário, ou representante legal, desde que entregue ao Administrador Judicial, até 24 horas antes da Assembléia o documento hábil que comprove seus poderes, ou a indicação das folhas do processo em que se encontre o documento (parágrafo 4º do art. 37).

Os sindicatos dos trabalhadores poderão representar seus associados titulares de crédito derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente do trabalho que não comparecerem, pessoalmente ou por procurador (parágrafo 5º do art. 37). O intuito é fazer com que o trabalhador seja representado: se não puder estar presente, ou se optar por uma representação coletiva, o sindicato poderá agir como representante legal. Há, neste formato, vantagens e desvantagens. Por um lado, o sindicato, entidade coletiva e legítima, supõe-se mais organizado e preparado do quem um trabalhador individual, que, muitas vezes não dispõe de conhecimento especializado. No entanto, com esta representação, está trazendo para a Assembléia, um ator que poder ter interesses diferentes daqueles necessários ou mais adequado a um processo de recuperação, onde a todos são impostos sacrifícios.

De toda sorte, para exercer a prerrogativa legal, o sindicato deve apresentar ao Administrador Judicial, até dez dias antes da Assembléia, a relação dos associados que pretende representar, e o trabalhador que conste da relação de mais de um sindicato devera esclarecer, até 24 horas antes da Assembléia, qual o sindicato que o representa, sob pena de não ser representado por nenhum deles (parágrafo 6º art. 37).

Segundo o art. 39 da Lei 11.101/2005, terão direito a voto as pessoas arroladas no quadro geral de credores ou, na sua falta, na relação de credores apresentada pelo Administrador Judicial (publicados no Edital que contém a relação dos credores), ou na falta desta, na relação apresentada pelo próprio devedor nos termos do art. 51, incisos III e IV.

Como regra geral, portanto, votam todos aqueles que estejam habilitados na data de realização da Assembléia ou que tenham crédito admitido ou alterado por decisão judicial, inclusive os que tenham obtido reserva de importâncias. Aqui, os titulares de créditos retardatários, excetuados os créditos derivados da relação de trabalho, apesar de credores habilitados, não terão direito a voto nas deliberações da Assembléia (art. 39, caput).

Não terão direito a voto e não serão considerados para fins de verificação do quorum de instalação e deliberação, os titulares de créditos cujas obrigações são provenientes da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente comprador de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, nos termos do parágrafo 1º do art. 39, bem como os adiantamentos por contratos de câmbio (inciso II do art. 86).

O parágrafo 3º do art. 39 prevê: "No caso de posterior invalidação de deliberação da assembléia, ficam resguardados os direitos de terceiros de boa-fé, respondendo os credores que aprovarem a deliberação pelos prejuízos comprovados causados por dolo ou culpa".

O art. 40 da Lei 11.101/2005 prescreve: "Não será deferido provimento liminar, de caráter cautelar ou antecipatório dos efeitos da tutela, para a suspensão ou adiamento da assembléia-geral de credores em razão de pendência de discussão acerca da existência, da quantificação ou da classificação de créditos".

Este art. 40 é de duvidosa constitucionalidade por flagrante violação ao inciso XXXV do art. 5º da CF/88, in verbis: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito".

Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, no âmbito da Assembléia, todas as classes de credores (trabalhadores, credores com garantia real e quirografários) deverão aprovar a proposta. Ou seja, a regra geral é que a aprovação da Assembléia deva ser unânime.

No entanto, em cada uma dessas classes, a proposta deverá ser aprovada por credores que representam mais da metade do valor total dos créditos presentes na Assembléia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes.

Já na classe dos trabalhadores, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito.

Cumpre lembrar-se de que o credor não terá direito a voto e não será considerado para fins de verificação de quorum de deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito (art. 49).

Outrossim, os titulares de créditos com garantia real votam com a respectiva classe até o limite do valor do bem gravado, e com a classe dos credores quirografários pelo saldo do valor de seu crédito (parágrafo 2º do art. 41), enquanto que os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrente de acidentes do trabalho votam na mesma classe, independentemente do valor de seu crédito (parágrafo 1º do art. 41).

Os sócios do devedor, bem como as sociedades coligadas, controladoras ou controladas ou as que tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% do Capital Social do devedor ou em que o devedor ou algum de seus sócios detenham participação superior a 10% do Capital Social, poderão participar da Assembléia de Credores, mas sem ter direito a voto, tampouco sendo considerados para fins de verificação do quorum de instalação. Tais disposições também se aplicam ao cônjuge ou a parente, consangüíneo ou afim, colateral até segundo grau, ascendente ou descendente do devedor, do administrador, do sócio controlador, de membro dos conselhos consultivo, fiscal ou semelhante da sociedade devedora, e a sociedade em que quaisquer dessas pessoas exerçam essas funções (art. 43 e parágrafo único).

Sobre os quoruns de deliberação na Assembléia Geral de Credores, adverte Jairo Saddi:

O voto do credor será proporcional ao valor de seu crédito, ressalvado nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial. No entanto, o mecanismo de deliberação pelo voto é desnecessariamente complicado. Senão vejamos: cada classe vota individualmente. Os titulares de créditos derivados da legislação do trabalho votam com a sua classe, independentemente de valor; os titulares de créditos com garantia real votam com a respectiva classe até o limite do valor do bem gravado e com a classe dos credores quirografários com o saldo do valor de seu crédito. Considerar-se-á aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores que representem mais da metade do valor dos créditos presentes a assembléia geral, exceto nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial (que é o mais importante), e sobre a composição do Comitê de Credores ou forma alternativa de realização do ativo nos termos do art. 145. Nestas deliberações em específico (sobretudo acerca do plano de recuperação judicial) todas as classes de credores referidas no artigo 41 deverão aprovar a proposta. Contudo, a unanimidade de votos de cada classe tem um requisito. Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do artigo 41, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes a Assembléia e, cumulativamente, por maioria simples dos credores presentes. Ou seja, une-se o critério de voto qualitativo com o quantitativo, com exceção da classe dos credores trabalhistas em que a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, não importa o valor do crédito. 31

O Senador Ramez Tebet, em relatório apresentado à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, prestou importante esclarecimento sobre os critérios de votação em assembléia quando comentou:

A regra geral para a deliberação sobre propostas na assembléia geral de credores é o voto proporcional ao valor do crédito e a proporção pela maioria dos presentes, independentemente da natureza do crédito. Nas deliberações sobre o plano de recuperação judicial, contudo, as deliberações são tomadas por classe, observada a proporção do crédito de cada credor. Na classe dos trabalhadores, as diferenças entre os credores podem implicar inadmissível detrimento dos pequenos, que tem menor capacidade econômica para aceitar descontos ou diferimentos no recebimento, dado o caráter alimentar das parcelas trabalhistas e tanto maior quanto menor for o crédito. Propomos, assim que os votos dos trabalhadores nas votações por classe sejam tomados na proporção de um voto por trabalhador, e não em função do valor do crédito de cada um. Com esta medida, à todos os trabalhadores é dado igual peso na votação, o que protege os mais humildes. Em deliberações outras, que não as referentes ao plano de recuperação, os credores votam independentemente de classes e, nesse caso, não é possível mesclar os critérios de votação por valor do crédito e por cabeça. Assim, nas demais deliberações, e também para fins de verificação de quorum de instalação, os trabalhadores são contados e votam como todos os demais credores, ou seja, em função do valor de seu crédito. 32

Para cada matéria em apreciação, cabe à mesa diretora dos trabalhos delimitar com cuidado o conjunto dos credores envolvidos. Se a revisão do passivo trabalhista conste do plano de reorganização implicar, por exemplo, antecipação de pagamentos devidos aos trabalhadores, como ela impacta o fluxo de caixa da sociedade devedora, todos os credores sujeitos a recuperação judicial são interessados e não apenas os titulares de créditos trabalhistas. Neste caso, as três instâncias devem deliberar.

O privilégio concedido aos trabalhadores é exatamente para se compensar algumas limitações que a própria Lei dispensa a esta classe, como por exemplo, a de que o Plano de Recuperação Judicial não poderá prever o pagamento além de cinco salários mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores ao pedido de recuperação judicial (parágrafo único do art. 54), e mesmo a limitação de até 150 salários mínimos por cada trabalhador, no caso de falência (art. 83, inciso I).

A Lei não mostraria sabedoria, pois seria injusta caso determinasse que a votação da classe dos trabalhadores devesse ter por base a proporção de seu crédito, quando, em outro momento, o limita, o que não ocorre com as outras classes de credores. Daí, prescrever a lei que esta classe vota com o total de seu crédito, independentemente do valor. 33

A divisão da Assembléia dos Credores em classes tem lugar, unicamente, na colheita dos votos. Durante a fase de discussão, o credor presente tem sempre direito à voz, ainda que a matéria deva ser votada numa instancia classista a que não pertence.

2.3. O comitê de credores

2.3.1. Constituição e Composição

O Comitê de Credores não é uma figura nova em nosso diploma falimentar, pois existia no Decreto-Lei 7661/45, como se pode ver nos arts.122 e 123 daquele diploma legal, que previam a formação do comitê de credores para liquidar ou administrar a massa falida, da forma que viessem a propor ao juiz. No entanto, não houve interesse em usar tal prerrogativa legal, porque a recuperação econômica por meio de comitês é fenômeno de natureza econômica e não jurídica. Ou seja, embora já houvesse a previsão legal, não houve interesse econômico e, por isto mesmo, o sistema de comitês na legislação anterior não funcionou.

A instalação do Comitê de Credores é facultativa. Ele não existe, e nem deve existir, em toda e qualquer recuperação judicial, ou falência. Deve, ao contrario, ser instaurado pelos credores apenas quando a complexidade e o volume da empresa em crise o recomende. Não sendo empresa de vulto (seja pelo indicador da dimensão do ativo, ou do passivo) e não havendo nenhuma especificidade que justifique sua formação, o Comitê representará, apenas, burocracia e perda de tempo, sem proveito algum para o processo de recuperação ou falimentar.

Em nenhuma hipótese será obrigatório o Comitê, nem mesmo em macroempresas.

Quem decide se o Comitê de Credores deve existir são os credores através da Assembléia Geral de Credores. Cabe a eles verificar se existem meios para absorver, sem maiores conseqüências, os custos de implantação e funcionamento do Comitê e se a complexidade do passivo recomenda. Na falência, o Comitê pode ser instalado não só por deliberação dos credores, mas também por determinação do juiz em sentença (art. 99, XII).

Pela regra do art. 26 da Lei 11.101/2005, o Comitê é composto, por:

  • um representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com dois suplentes;

  • um representante indicado pela classe dos credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais, com dois suplentes;

  • um representante indicado pela classe dos credores quirografários e com privilégios gerais, com dois suplentes.

No processo de escolha dos representantes de cada classe no Comitê de Credores, sómente os respectivos membros daquela classe podem votar. Contudo, a falta de indicação de representante por quaisquer das classes não prejudicará a constituição do Comitê, que poderá funcionar com número inferior ao previsto (parágrafo 1º do art. 26).

A Lei também prevê a possibilidade de o juiz nomear o representante e os suplentes da respectiva classe ainda não representada no Comitê, independentemente de realização de Assembléia Geral de Credores, desde que haja requerimento subscrito por credores que representem a maioria dos créditos da classe requerente.

As mesmas causas que impedem a nomeação do administrador judicial também obstam a nomeação dos membros do Comitê, sendo que, em caso de indicação em desobediência aos termos da Lei, ou ocorrência de descumprimento dos deveres, omissão, negligência ou mesmo a prática de atos lesivos às atividades do devedor ou de terceiros, o Juízo poderá determinar a destituição dos infratores à pedido do devedor, qualquer credor ou do Ministério Público, convocando os suplentes.

Da mesma forma como previsto para o Administrador Judicial, o integrante do Comitê de Credores também presta compromisso em Juízo, mediante a assinatura do respectivo termo, assumindo todas as responsabilidades inerentes ao cargo, inclusive às decorrentes dos prejuízos que causarem, por dolo ou culpa, ao devedor, à massa falida, ou mesmo aos credores, e das quais sómente se eximirão se consignarem em ata a expressa discordância quanto à deliberação causadora do alegado prejuízo (art. 32).

2.3.2. Atribuições e Responsabilidades

As atribuições do Comitê de Credores, comuns tanto ao regime da recuperação judicial como da falência, são (art. 27, inciso I da Lei 11.101/2005):

  • fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador judicial;

  • zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento da lei;

  • comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou prejuízo aos interesses dos credores;

  • apurar e emitir parecer sobre quaisquer reclamações dos interessados;

  • requerer ao juiz a convocação da assembléia-geral de credores;

  • manifestar-se nas hipóteses previstas na Lei.

As tarefas específicas do Comitê de Credores na recuperação judicial são (art. 27, inciso II da Lei 11.101/2005):

  • fiscalizar a administração das atividades do devedor, apresentando, a cada 30 (trinta) dias, relatório de sua situação;

  • fiscalizar a execução do plano de recuperação judicial;

  • submeter à autorização do juiz, quando ocorrer o afastamento do devedor nas hipóteses previstas na Lei, a alienação de bens do ativo permanente, a constituição de ônus reais e outras garantias, bem como atos de endividamento necessário a continuação da atividade empresarial durante o período que antecede à aprovação do plano de recuperação judicial.

As decisões do Comitê são tomadas por maioria, e consignadas em livros de atas, rubricadas pelo Juízo, que ficará a disposição do administrador judicial, dos credores e do devedor. Como livro mercantil, deve respeitar as normas aplicáveis ao instituto, inclusive no que diz respeito à forma de escrituração e arquivamento na Junta Comercial. Por outro lado, seu conteúdo tem a eficácia probatória prevista no art. 226 do Código Civil/2002 e arts. 378 e 379 do CPC.

Se não for possível a obtenção de maioria em deliberação do Comitê, o impasse será resolvido pelo administrador judicial ou, na incompatibilidade deste, pelo Juízo: "Norma confusa, certamente irá provocar dúvidas desnecessárias (que incentivarão a não-formação do Comitê de Credores)" 34.

Se o Comitê é formado por três membros, é fácil supor que a maioria simples nem sempre é atingível; ora o administrador passará a ter voto decisivo sem participar do Comitê; se cabe a ele decidir o impasse (por exemplo, cada voto por uma opção diferente), no fundo a decisão pode caber sempre ao administrador, o que pode não ser desejável.

Se a existência do Comitê é facultativa, na hipótese de não haver Comitê de Credores, cabe ao administrador judicial (ou, na incompatibilidade deste, ao Juízo) exercer suas atribuições. Mais uma vez, é discutível a opção do Legislador optar por dar mais poder ao administrador judicial.

Prevê o art. 29 que os membros do Comitê terão sua remuneração custeada pelo devedor, no entanto, as despesas para a realização de diversos atos do processo, se devidamente comprovadas e com autorização do Juízo, serão ressarcidas, dentro das possibilidades de caixa.

Além de sua competência fiscal, por cujo exercício presta contas mensais, o Comitê pode, eventualmente, exercer também duas outras.

A primeira diz respeito à elaboração de plano de recuperação alternativo ao apresentado pelo devedor. A lei não a menciona especificamente, mas deve-se admití-lo em qualquer caso. Sempre que o Comitê tiver um plano de recuperação diferente do apresentado pelo devedor, pode, e até deve, tomar a iniciativa de submetê-lo a Assembléia de Credores. Convém que indique as diferenças entre seu plano e o do requerente, bem como as vantagens que lhe atribui.

A segunda competência do Comitê estranha à função de fiscalização tem natureza administrativa. Quando o Juízo determina o afastamento da administração da sociedade em recuperação judicial, cabe ao Comitê cuidar das alienações de bens do ativo permanente e dos endividamentos necessários a continuação da atividade empresarial, submetendo ao Juízo as medidas administrativas a eles relacionadas. Cessa o exercício desta competência de participe da administração da empresa após a aprovação do plano de recuperação judicial.

Diz a Lei 11.101/2005, em seu art 32, 1a parte que "o administrador judicial e os membros do Comitê responderão pelos prejuízos causados a massa falida, ao devedor ou aos credores, por dolo ou culpa (...)".

Sobre a eventual responsabilidade solidária dos membros do Comitê de Credores frente ao que dispõe o Código Civil Brasileiro, destacou o Advogado Manoel Ignácio Torres Monteiro:

Os membros do comitê de credores estariam sujeitos a responsabilidade civil por atos ilícitos, conforme o previsto no art. 927 do Código Civil, e poderiam ser responsabilizados por seus atos, especialmente aqueles contrários as suas atribuições e deveres, estes bem definidos no projeto de lei.

Mas estariam sujeitos a responsabilidade solidária entre eles, já que se trata de órgão colegiado, composto por três representantes, cujas deliberações são tomadas por maioria?

Em princípio, não. O novo Código Civil, em seu artigo 265, dispõe que não há presunção de solidariedade: esta resulta da lei ou da vontade das partes. Tanto a redação do projeto de lei aprovada na Câmara dos Deputados quanto a atual não dispõe expressamente sobre a responsabilidade solidária entre os membros do comitê de credores. Cada um responde individualmente por seu atos... omissis. Entretanto, o legislador, no Senado Federal, preferiu garantir possibilidade de membro do comitê de credores que, em princípio, não é solidáriamente responsável por seus pares, eximir-se de quaisquer responsabilidades, fazendo consignar sua discordância em ata...omissis...Certo é que os membros do comitê serão responsabilizados principalmente por omissão, ou seja, caso deixem de agir verificando ato irregular, especialmente do administrador judicial e do devedor. 35

2.3.3. Impedimentos, Substituição e Destituição

Com relação aos impedimentos, não poderão integrar o Comitê de Credores, assim como não poderá ser administrador judicial, quem, nos últimos cinco anos, no exercício do cargo de administrador judicial ou de membro de Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais ou teve a prestação de contas desaprovada. Tampouco poderá fazê-lo quem tiver relação de parentesco até terceiro grau com o devedor, seus administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente. (art 30 e parágrafo 1º da Lei 11.101/2005).

Tais impedimentos se justificam por razões de conflito de interesse.

No caso de prova de impedimento, o devedor, qualquer credor ou o Ministério Público, poderá requerer ao juiz a destituição de qualquer membro do Comitê nomeados em desobediência aos preceitos legais ou quando não forem cumpridas a contento suas funções legais. Neste caso, é obrigatório ao juiz decidir, no prazo de vinte e quatro horas, sobre o requerimento ajuizado e, óbviamente, são necessárias provas de que a nomeação se deu ao arrepio da lei. (art. 30, parágrafo 2º e 3º).

Sem prejuízo da boa intenção certamente insuflada pelo saudável princípio da celeridade, a Lei traz uma determinação de impossível cumprimento, ao estabelecer que o juiz decidirá em 24 horas sobre o requerimento. Antes de tomar a grave decisão de substituir o administrador, ou qualquer membro do comitê, deverá, no mínimo, abrir vista para a manifestação deste, não sendo recomendável tal tipo de decisão sem a ouvida dos interessados, a ser em casos especiais e graves, nos quais a comprovação do alegado já venha documentalmente comprovada, de forma suficiente. 36

A substituição, bem como a destituição, são sanções impostas aos membros do Comitê de Credores, assim como ao administrador judicial, que deixar de cumprir adequadamente suas obrigações na recuperação judicial, ou na falência. Destituído, o membro do Comitê de Credores fica impedido de ser eleito em outro Comitê de Credores.

Não se confunda a destituição com a substituição que é ato desprovido de caráter punitivo de cabível em casos como o de renúncia fundamentada, morte ou falência de qualquer membro do Comitê ou do administrador judicial.

Compete ao Juízo da recuperação judicial, ou da falência —agindo de ofício ou a pedido de qualquer interessado (inclusive o Ministério Público, tendo em vista sua função de fiscal da Lei)— decretá-la. Observe-se que, por se tratar a destituição de uma penalidade, tem o destituído o direito constitucional a ampla defesa, que deve ser assegurado pelo juízo antes de sua decisão.

Se o membro do Comitê foi negligente ou tiver praticado ato lesivo a administração da empresa em recuperação ou prejudiciais a credores ou terceiros, ele deve ser destituído de suas funções pelo juízo.

Se pela negligência ou lesão forem responsáveis todos os integrantes do órgão, o Comitê será dissolvido pelo Juízo.

Tem legitimidade para requerer a destituição, o Ministério Público e qualquer interessado.

A lei não define o procedimento a ser observado na hipótese, mas cabe ao Juízo garantir o exercício do direito de defesa aos acusados, tendo em vista que a destituição configura penas impostas aos membros do Comitê.

2.4. O representante do ministério público

O Ministério Público atua, a despeito do veto presidencial ao art. 4º. da Lei 11.101/2005 que dispunha que: "O representante do Ministério Público intervirá nos processos de recuperação judicial e de falência. Parágrafo único. Além das disposições previstas nesta Lei, o representante do Ministério Público intervirá em toda ação proposta pela massa falida ou contra esta", como interveniente e/ou como agente. Não há necessidade do Juízo remeter aos autos ao Ministério Púbico a cada passo da recuperação ou da falência, o que sempre ocorria na legislação anterior.

A atuação do Ministério Público como órgão interveniente decorre de sua intimação do despacho de processamento da recuperação (inc. do art. 52). Estabelece-lhe o dever de requerer, quando o caso, a substituição do administrador judicial ou de membro do Comitê (parágrafo 2º do art. 30), o que pressupõe, naturalmente, a sua atuação no processo. Da mesma forma, poderá impugnar a relação de credores e recorrer da decisão judicial proferida na impugnação do crédito, já que pode promover a ação prevista no art. 19; poderá recorrer da decisão que homologar a recuperação judicial (art. 59, parágrafo 2º), o que, por óbvio, pressupõe que esteja desempenhando seu papel no processo. Manifesta-se na prestação de contas apresentada pelo administrador judicial (art. 154). O Ministério Público deve ser intimado pessoalmente na apresentação do plano de recuperação, e poderá manifestar-se sobre ele antes da assembléia dos credores.

Estabelecida, pela lei, a atuação do Ministério Público, impende dizer que a sua atuação deve pautar-se pela fiscalização da legalidade e, ainda, pela eficiência do processo. Quanto menor a participação dos credores, mais intensa deve ser a atividade de Ministério Público. O que precisam os credores para tomada de decisão em relação à recuperação da empresa é de informações a respeito da empresa devedora e o Ministério Público deve trabalhar para que todos os dados da empresa estejam à disposição dos credores.

Do despacho de processamento da recuperação, o Ministério Público será intimado pessoalmente (parágrafo 2º do art. 236 do CPC); deverá examinar toda a documentação apresentada (art. 51 da Lei 11.101/2005), não somente no seu aspecto formal, mas, sobretudo, no significado econômico e jurídico.

A intimação do Ministério Público é sempre obrigatória, mas a intervenção deve ficar a critério da instituição, conforme o caso, como explicaram as razões do veto do Presidente da República ao art. 4º. "O Ministério Público e, portanto, comunicado a respeito dos principais atos processuais e nestes terá a possibilidade de intervir. Por isso, é estreme de dúvidas que o representante da Instituição poderá requerer, quando de sua intimação inicial, a intimação dos demais atos do processo, de modo que possa intervir sempre que entender necessário e cabível".

O Ministério Público não interferirá no conteúdo das decisões tomadas em assembléia por parte maiores e capazes, mas, se identificar abusos, poderá postular ao juiz sua superação; para tanto, após a decisão da assembléia, deve ser ouvido. "Entre credores-devedor há relação obrigacional debito-crédito. Para o Ministério Público há, subjacentemente à relação obrigacional, uma empresa cuja função social é ponto de exame". 37

Esta atividade do Ministério Público está em rigorosa consonância com a dicção constitucional. Com efeito, a sede constitucional do Ministério Público é o art. 127, caput da CF/88: "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".

A atuação do Ministério Público no processo de recuperação de empresas passa pela defesa da ordem jurídica e pela defesa dos interesses sociais, no estrito cumprimento, portanto, de sua missão constitucional.

Sempre que ocorra, pelo menos, ameaça de lesionamento a interesse público, evidenciado pela natureza da lide, é obrigatória a intervenção do Ministério Público, nos termos do art. 82, inciso III do CPC, considerando que, pelo art. 189 da Lei 11.101/2005, o CPC é aplicado supletivamente.


3. PROCEDIMENTOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

3.1. Definição

O legislador cuidou de trazer a definição da recuperação judicial, uma das espécies de recuperação de empresa, como a possibilidade que tem o devedor de superar a situação de crise econômico-financeira, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. É o que decorre dos termos do artigo 47 da Lei.

Depreende-se da conceituação legal, que a adesão dos credores às medidas preventivas de recuperação das empresas é de salutar importância, passando estes a ter papel de destaque, relevante no procedimento da recuperação de empresas, na medida em que darão assentimento expresso em assembléias de credores, sobre as condições propostas no plano de pagamentos apresentado pelo devedor. O credor passa da condição passiva que lhe era imposta na antiga Lei de Falências, a ter voz ativa, participando do processo, concordando ou desaprovando as condições entabuladas no plano de recuperação apresentado pelo devedor. O acordo obedece aos princípios gerais dos contratos de direito comum, e em caso de inexecução dos compromissos ensejará até eventual quebra (art. 61, parágrafo 1º).

A premissa maior do instituto é a reestruturação da empresa que se encontra em situação difícil, mas não irremediável, através da elaboração de um plano de recuperação aprovado por uma Assembléia de Credores. A Lei confere, ainda, relevância à função social da empresa e às circunstâncias de produção e trabalho e, por fim, apresenta grande preocupação com o crédito, que é uma das pilastras da economia moderna.

3.2. Requisitos materiais

A Lei confere ao devedor a faculdade de requerer a recuperação judicial desde que exerça regularmente suas atividades há mais de dois anos. Afora o devedor, poderão também requerê-la o cônjuge sobrevivente, seu herdeiro, inventariante ou sócio remanescente.

No artigo 48, estão enumerados os requisitos a que o devedor deverá atentar no momento do requerimento, de forma cumulativa, além de sua condição de empresário. São eles:

  • exercer regularmente sua atividade há mais de dois anos;

  • não ser falido e, se o foi, estarem declaradas extintas, por sentença transita e julgado, as responsabilidades daí decorrentes;

  • não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão de recuperação judicial;

  • não ter, há menos de oito anos, obtido concessão de recuperação judicial como base no plano especial para as microempresas e empresas de pequeno porte;

  • não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos em Lei.

Avanço positivo da nova Lei diz respeito à dispensa de apresentação de certidão negativa de protesto de títulos. Esta orientação já se refletia ma jurisprudência dos Tribunais Especializados. Vemos hoje, ao contrário do que dispunha a lei anterior, a certidão de protesto ainda que positiva, será importante elemento nas mãos do devedor para comprovar a crise financeira/econômica que o assola, justificando a necessidade do acolhimento do pedido de recuperação judicial.

A recuperação judicial tem lugar apenas se o titular da empresa em crise quiser. Se credores, trabalhadores, sindicatos ou órgão governamental tiverem um plano para a reorganização da atividade econômica em estado pré-falencial, não poderão dar início ao processo de recuperação judicial caso o devedor não tenha interesse ou vontade de fazê-lo. 38

São legitimados para o pedido de recuperação judicial as sociedades empresárias e o empresário individual. As sociedades em comum, de econômica mista, cooperativas ou simples não podem pleitear a recuperação judicial exatamente porque nunca podem ter a falência decretada. Nesse contexto, estão também excluídas do benefício, pois razões ligadas à regulação econômica, as instituições financeiras, integrantes dos sistemas de distribuição de títulos e valores mobiliários no mercado de capitais, corretoras de câmbio (Lei 6024/74), seguradoras (DL 73/66) e as operadoras de planos privados de assistência à saúde (Lei 7565/86). Também convém lembrar as entidades de previdência complementar, a sociedade de capitalização e outras equiparadas.(art 2º, inciso II da Lei desta Lei de Recuperação de Empresas).

A Lei anterior não previa a possibilidade de indeferimento do pedido de concordata, pois, se a inicial não estivesse regularmente instruída, seria decretada a falência, No entanto, a atual Lei de Recuperação optou por outro caminho, pois não prevê o decreto de falência em caso de instrução documental insuficiente. Não há dúvida de que esta foi a opção de legislador, pois, até as últimas versões do projeto, havia um inciso V no art. 73, estabelecendo que, se o Juiz julgasse improcedente o pedido inicial, deveria decretar a falência. Este inciso foi suprimido, não restando qualquer previsão de falência para o caso de instrução deficiente.

Quando, no inciso I do art. 48, a Lei diz "não ser falido", na realidade, está se referindo aos sócios de responsabilidade ilimitada que tiveram a falência de sua empresa anterior decretada e, na dicção dos arts. 81 e 190, estes sócios são considerados falidos. Aplica-se também esta restrição àquele que, como empresário individual, tece sua falência decretada. Em caso de aplicação da teoria de desconsideração da personalidade jurídica, a pessoa física que tiver seu patrimônio atingido estará na mesma situação do sócio de responsabilidade ilimitada e, portanto, também será considerado "falido".

Na contagem dos prazos previstos nos incisos II e III do art. 48 não devem ser confundidos o despacho que recebe o pedido de recuperação judicial com o que a concede, pois a somente este refere-se à Lei.

3.3. Créditos sujeitos à recuperação judicial

O art. 49 da Lei 11.101/2005 prevê: "Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos".

Este artigo, se efetivamente encontrasse correspondência na Lei, talvez trouxesse possibilidade de permitir a recuperação judicial. No entanto, é contraditado por inúmeros outros artigos, de tal forma deixa de ficar sujeita à recuperação uma série de créditos, aliás, os mais importantes e determinantes de qualquer tentativa de recuperação.

Os créditos que foram mais diretamente ressalvados são o de origem financeira, de tal forma que, quando da elaboração final da Lei, dizia-se que esta não seria a lei de "recuperação de empresas" e sim, a lei "de recuperação do crédito bancário" 39.

Efetivamente, a Lei não propicia grande possibilidade de recuperação.

Assim que, ao contrário do que estabelece o art. 49 estão fora da recuperação judicial:

  • os bens dados em garantia real (parágrafo 1º do art. 59);

  • ações que demandem quantia ilíquida, ações trabalhistas e execuções fiscais (inciso III do art. 52, c/c art. 6º);

  • créditos com garantia fiduciária de móveis ou imóveis, arrendamento mercantil, imóvel compromissado à venda em incorporações imobiliárias, com reserva de domínio (art. 52, III, c/c art. 49), com a dilação de modestos 180 dias, previstos no parágrafo 4º do art. 6º;

  • o adiantamento a contrato de câmbio para exportação (parágrafo 4º do art. 49);

  • débitos tributários (art. 57);

  • obrigações assumidas no âmbito das câmaras de compensação e liquidação financeira (art. 193).

A partir disto, o credor com garantia de terceiro (aval, fiança, etc.), mesmo sujeitando-se aos efeitos da recuperação, pode executar o garantidor.

3.4. Meios de recuperação

As dificuldades que atingem uma empresa são de tão diferentes ordens e complexidades que se torna impossível um diploma legal exaurí-las. Neste diapasão, a Lei 11.101/2005, de forma positiva, e após ampla discussão com diversos segmentos da sociedade brasileira, delineou algumas formas de recuperação, trazendo uma relação não exaustiva, de meios que o devedor poderá utilizar para organizar um plano de reestruturação da empresa. Além destes meios apresentados pelo legislador, o devedor poderá apresentar outros com características e formas diferenciadas que melhor atendam suas necessidades, já que o legislador lhe deixou o livre-arbítrio para expor a forma com que pretende sair da crise. Exige, no entanto, que o plano de recuperação projetado esteja convenientemente adequado às condições econômicas e sociais da empresa e que permita a continuidade das atividades empresariais. Ele deverá demonstrar a importância do objeto social no meio em que se encontra e sua capacidade de honrar os compromissos, demonstrando possibilidades de reerguer a empresa que atravessa uma crise de liquidez temporária.

Dentre outros, constituem meios de recuperação judicial (art. 50):

I - concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas e vincendas:

A lei pretendeu deixar às partes interessadas, ou seja, devedor e credores, a possibilidade de viabilização do plano de recuperação, sendo possível sua concessão na forma que as partes acordarem, desde que não ocorra impedimento legal de outra ordem. Pode o devedor, com a concordância dos credores, ser beneficiado pela concessão de prazos maiores para pagamento de suas dívidas ou de condições especiais, podendo até mesmo abater parte da dívida.

II - cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente:

Estas figuras estão previstas nos arts. 1113 e seguintes do Código Civil/2002, aplicáveis às sociedades em geral, e arts. 220 e seguintes da Lei 6404/76, para as sociedades anônimas. Cisão é a operação na qual a sociedade transfere parte de seu patrimônio para uma ou mais sociedade, extinguindo-se a sociedade original se houver transferência integral do patrimônio e permanecendo existente, se a transferência for parcial. Na incorporação, uma ou mais sociedades são absorvidas por uma terceira, que sucede as incorporadas de forma completa. Na fusão, duas ou mais sociedades se unem, formando uma terceira sociedade, uma sociedade nova. Transformação é a operação pela qual a sociedade passa de um tipo para outro, sem que haja necessidade de dissolução ou liquidação. A subsidiária integral é o único caso no qual a sociedade pode ser constituída com um único acionista, que deve ser necessariamente uma sociedade brasileira, para um determinado fim de interesse da sociedade brasileira original (art. 251 da Lei 6404/76).

III - alteração do controle societário.

IV - substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos.

V - concessão aos credores do direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar:

No regime do Decreto-Lei 7661/45, ocorreram casos em que verificou que a sociedade empresária estava sendo conduzida, por seus controladores ou administradores, para a falência certa, por motivos escusos, não havendo meios legais que permitissem o afastamento destas pessoas da direção das empresas. Com a Lei 11101/2005 esta alternativa é viável.

No entanto, como em vários momentos, aqui a Lei também ficou a meio caminho. O ideal seria, como constou do projeto em determinado momento e como ocorre em legislações estrangeiras, possibilitar o afastamento dos órgãos diretivos por iniciativa do grupo de credores ou mesmo por iniciativa do Ministério Público. No entanto, a previsão saiu do projeto e não trouxe a melhor diretiva para tais casos. 40

Esta idéia de participação mais efetiva na administração das empresas é tendência surgida a partir de 1997, com a mini-reforma da Lei das S.A pela Lei 9457/97.

VI - aumento de capital social.

VII - trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados.

O aumento, e a redução, do capital social das sociedades limitadas, estão previstos nos arts. 1081 e seguintes do CC/2002 e para as sociedades anônimas está estipulado nos arts. 166 e seguintes e a redução nos arts. 173/1784 da Lei 6404/76. Portanto, em nada inovou a Lei 6404/76.

O trespasse é negócio jurídico diverso da cessão de cotas na limitada e de alienação de controle na sociedade anônima; implica na venda do complexo de bens corpóreos e incorpóreos destinados a atividade comercial. Ou seja, é o negócio que envolve o complexo unitário de bens que possibilitam a atividade empresarial, com existência de aviamento objetivo, podendo envolver até a marca ou outro sinal distintivo.

O arrendamento é o negócio mediante o qual o proprietário assegura a outro o uso e gozo de seu bem (no caso, do estabelecimento), a outrem, mediante remuneração fixada, o qual deverá ser fixado na Junta Comercial, para produzir efeitos ante terceiros. Esta condição de eficácia, prevista no art. 1.144 do CC/2002, evidentemente deve sofrer temperanças tendo em vista a publicidade dos atos praticados nos autos, permanecendo, porém, obrigatório o registro público.

VIII - redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva:

Este artigo, como era de se esperar, indica que há necessidade de colaboração de todos os envolvidos. Sinaliza, portanto, no sentido de exigir certa dose de sacrifício dos empregados, o que, em tese, está correto. Entretanto, a comparação da previsão deste artigo como o texto do inciso XII, fica patente a pressão que o capital financeiro exerceu para que os sacrifícios fossem exigidos de outros interessados, menos ele.

IX - dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia próprio ou de terceiro:

É possível a dação em pagamento de dívida, desde que os credores concordem em receber determinados bens em substituição ao pagamento. A novação de dívidas (art. 360 e seguintes do CC/2002), ou seja, a substituição de nova dívida pela anterior, pode ser meio eficaz de recuperar o empresário. Pode interessar ao credor a redução do valor da dívida com o reforço de garantias, pelo próprio devedor ou por terceiros. Próximo da dação em pagamento está a cessão de créditos, que pode ser efetuada para fins de pagamento, de lastro para títulos mobiliários em operação de securitização para captação de recursos, etc.

X - constituição de sociedade de credores:

A indicação é no sentido das mais amplas possibilidades de constituição de sociedades de credores reunidos, deixando a Lei aberta aos interessados a forma e a finalidade de tais sociedades.

XI - venda parcial dos bens:

Os bens da empresa constituem seu patrimônio, garantia das obrigações assumidas ante os credores. A rigor, a venda de bens da empresa é livre, desde que sempre tenha condições de responder por suas obrigações. Estando a empresa em recuperação, presume-se que não estará com suas obrigações em dia e, desta forma, a alienação de bens poderia ser vista até como forma de fraude a credores. No entanto, dentro do plano de recuperação, esta venda é possível, desde que deferida a recuperação. Certamente, esta venda terá contado com a anuência dos credores ou terá ocorrido situação na qual houve condições de deferir a recuperação com autorização de venda.

O termo "parcial" também é genérico, não esclarecendo a Lei o que deve ser entendido por ele. A rigor, a empresa que vende 99% de seu patrimônio terá feito uma venda parcial de bens, não uma venda integral. No entanto, esta Lei, na forma do sistema também adotado pelo Código Civil/2002, traz uma série de cláusulas abertas, a serem preenchidas pelo acordo das partes ou pela atividade jurisdicional.

XII - equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contrato de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica:

A comparação deste inciso com o antes abordado VIII bem retrata a pressão do capital financeiro na estruturação desta Lei. No inciso VIII fala-se expressamente em "redução de salários". Neste inciso XII fala-se em "equalização", palavra equívoca que, em termos jurídicos, nada significa. Aliás, lendo-se o inciso XII não é possível afirmar-se com certeza o que pretendeu o legislador, ao contrário da clareza da redação do inciso VIII; mais ainda, parece que o objetivo da Lei é, efetivamente, deixar a matéria na penumbra, sendo seu disposição de difícil interpretação.

XIII - usufruto da empresa.

XIV - administração compartilhada:

A expressão "usufruto da empresa" pode ser entendida por mais de uma forma. É possível o usufruto do empresário (art. 1225, inciso IV do CC/2002), ou seja, em que pese as prioridades das quotas ou ações permaneça com os sócios do devedor, os credores receberão os dividendos sociais. O usufruto pode incluir a possibilidade dos credores elegerem administrador, ou administrarem os bens em lugar do devedor. Podem ainda os credores assumir a posição de usufrutuários de estabelecimento do devedor (arts. 1144 e seguintes do CC/2002), desta forma gerando recursos suficientes para a recuperação.

A administração compartilhada entre os administradores (nomeados pelos sócios do devedor —não sócios— ou sócios do devedor) com administradores nomeados pelos credores, ou por estes pessoalmente, permite acompanhamento direito dos atos realizados pelo empresário para sua recuperação.

XV - emissão de valores mobiliários.

XVI - constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamentos dos créditos, os ativos do devedor.

São várias as espécies de valores mobiliários que podem ser emitidos pela sociedade por ações ou por comandita por ações, prestando-se especialmente a tal atividade, as sociedades de propósito específico, cada vez mais comuns, destinadas a aumentar o respaldo patrimonial de tomadores de crédito, com separação dos ativos da sociedade captora e emissão de títulos mobiliários com lastro em tais ativos.

O valor mobiliário tradicional e mais conhecido é a ação social, cuja emissão pode gerar aumento de capital, com entrada de dinheiro na empresa, o que pode facilitar a recuperação pretendida. Também a emissão de debêntures, títulos comercializados no mercado ou conferido aos devedores, cujo resgate prevê remuneração do capital empregado, prestam-se a tanto.

Parágrafo 1º - Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia, ou a sua substituição, somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.

No parágrafo 1º do art. 49 desta Lei, foi mencionado, expressamente, a possibilidade de substituição ou renovação de garantias pignoratícias. Neste parágrafo 1º, a Lei fala sobre alienação, supressão ou substituição de garantias reais, todas dependendo da expressa aprovação do credor titular da garantia. Embora seja problemático a obtenção da anuência do credor, ainda assim a possibilidade existe em tese. É necessário existir um certo espírito de colaboração do credor, o que, normalmente, não se faz presente na atividade empresarial em geral.

Parágrafo 2º. Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação judicial.

A lei para efetivamente permitir possibilidade de recuperação às empresas em dificuldades, teria que talvez ser mais incisiva, possibilitando interferência mais direta nas relações estabelecidas entre devedor e credores. Perdeu esta possibilidade, não trazendo qualquer força determinante à este artigo, ficando à meio caminho, favorecendo o capital financeiro de forma acentuada e desigual, não se apresentando com a efetivamente que alardeava perseguir.

3.5. A sucessão das obrigações do devedor

Uma das mais significativas alterações introduzidas pela Lei 11.101/2005 diz respeito à negativa de sucessão na hipótese de alienação de estabelecimento empresarial (desde que não seja o único da empresa recuperanda) feita mediante hasta judicial.

Quando necessária à reorganização econômica do devedor, e, por isto prevista no plano de recuperação, a alienação em juízo do estabelecimento empresarial passível de distinção como filial ou unidade produtiva isolada não acarreta a sucessão Isto é, o arrematante não poder ser cobrado pelas dívidas do alienante requerente da recuperação judicial.

Muito embora num primeiro momento pareça ilógica a posição do legislador, a julgar pelo fato de que a sucessão trabalhista e tributária é uma constante no direito brasileiro, a realidade é que se despir a unidade produtiva ou os bens objetos de alienação dos pesados encargos que o mesmo estaria a garantir e, ainda, se se der ao adquirente a certeza e segurança jurídica de que ele não sucederá ou encargos de qualquer natureza o alienante, os negócios que envolvem a empresa em recuperação, ou falida, passam a ser atrativos e, com isso, se possibilitará a melhor colocação dos bens, o aumento da demanda e, principalmente, a revitalização das unidades produtivas com o implemento de dinheiro novo na economia e postos de trabalho, com o retorno tributário desejado.

Todavia, quando o arrematante for sócio da empresa em recuperação, ou falida, sociedade controlada por ele ou parente em linha reta ou colateral até o 4º. grau consangüíneo ou colateral, identificado como agente de sócio com o objetivo de fraudar a execução, não se aplicará o benefício estatuído no inciso II do art. 141.

Com relação aos empregados antigos da empresa em recuperação, se este forem contratados pelo adquirente dos bens ou da unidade produtiva, haverá novos contratos de trabalho, não respondendo este por obrigações contratuais anteriormente firmadas (art. 141, parágrafo 2º). Esta solução atende bem ao espírito da lei, onde o que se pretende é a viabilização de uma nova operação com estabelecimentos empresariais e viabilizará a possibilidade de recolocação dos antigos funcionários.

Quanto à chamada "sucessão trabalhista", certamente encontrará severa resistência da Justiça do Trabalho, ante a natureza alimentar do crédito trabalhista. O art. 448 da CLT estabelece que "a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados" e o art. 449 estipula que "os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa".

3.6. O gestor judicial

Via de regra, durante o procedimento da recuperação judicial, o devedor ou seus administradores, serão mantidos na condução da atividade empresarial, mas sob a fiscalização do Comitê de Credores, caso haja, e do administrador judicial. Cabe o afastamento dos administradores nas hipóteses do art. 64, ou seja:

I – houver sido condenado em sentença penal transitada em julgado por crime cometido em recuperação judicial ou falência anteriores ou por crime contra o patrimônio, a economia popular ou a ordem econômica previstos na legislação vigente;

II – houver indícios veementes de ter cometido crime previsto nesta Lei;

III – houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores;

IV – houver praticado qualquer das seguintes condutas:

a) efetuar gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situação patrimonial;

b) efetuar despesas injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital ou gênero de negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas;

c) descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seu funcionamento regular;

d) simular ou omitir créditos ao apresentar a relação de que trata o inciso III do caput do art. 51 desta Lei, sem relevante razão de direito ou amparo em decisão judicial;

V – negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelos demais membros do Comitê;

VI – tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial;

Parágrafo único. Verificada qualquer das hipóteses do caput deste artigo, o juiz destituirá o administrador, que será substituído na forma prevista nos atos constitutivos do devedor ou do plano de recuperação judicial.

Para o afastamento dos administradores da empresa em recuperação é curial que seja oportunizada o contraditório e a ampla defesa. Neste caso, a atuação do Juiz é negativa. A atuação positiva é da Assembléia de Credores. Vejamos o art. 65:

Quando do afastamento do devedor, nas hipóteses previstas no art. 64 desta Lei, o Juiz convocará a assembléia-geral de credores para deliberar sobre o nome do gestor judicial que assumirá a administração das atividades do devedor, aplicando-se-lhe, no que couber, todas as normas sobre deveres, impedimentos e remuneração do administrador judicial.

Parágrafo primeiro – O administrador exercerá a função de gestor enquanto a assembléia-geral não deliberar sobre a escolha deste.

Parágrafo segundo – Na hipótese de o gestor indicado pela assembléia-geral de credores recusar ou estar impedido de aceitar o encargo para gerir os negócios do devedor, o juiz convocará, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, contado da recusa ou da declaração de impedimento nos autos, nova assembléia-geral, aplicando o disposto no parágrafo 1º deste artigo.

O gestor não se torna, porém, o representante da sociedade em recuperação para todos os fins. Nos autos relativos à tramitação do processo de recuperação judicial, a sociedade devedora continuará sendo representada nos termos de seus atos constitutivos. Assim destituídos, por exemplo, todos os diretores, caberá aos sócios da limitada ou ao órgão competente da anônima (Assembléia geral dos acionistas ou Conselho de Administração) a eleição dos substitutos. A esses competirá, por exemplo, apresentar o plano de recuperação (se ainda não havia sido apresentado), prestar informações ao administrador judicial ou ao juiz, apresentar relatórios, etc. Esta duplicidade de representação prevista na Lei é desastrosa. Será, certamente, fonte de inúmeras disputas e indefinições capazes até mesmo de paralisar a empresa e comprometer o esforço despendido em sua recuperação. O representante legal eleito nos termos do ato constitutivo, por exemplo, não terá responsabilidade nenhuma pelos atos de gestão e, portanto, não será equiparado à sociedade falida para fins penais, caso ocorra a convolação da recuperação em falência. O gestor, por sua vez, terá sempre limitados os seus poderes de gestão, já que não fala pela sociedade devedora nos atos processuais. 41

É necessário que fique claro que, apesar de usar a denominação de gestor judicial, este gestor previsto na Lei não é indicado pelo Juiz como o administrador judicial, mas sim pelos credores.

A Lei 11.101/2005 não é feliz em várias de suas denominações.

3.7. Restrições sofridas pelo devedor durante a recuperação

A principal restrição sofrida pelo devedor em processo de recuperação é estar submetido à fiscalização de terceiros. Este simples fato, aliado à impressão, inevitável no meio empresarial, de que o empresário individual ou os administradores da sociedade em recuperação não foram competentes o suficiente para conduzir o empreendimento ao sucesso (visto que recuperação pressupõe crise), leva os credores, de uma forma geral, a evitarem ao máximo contratar com esta empresa.

Traz a Lei 11.101/2005, contudo especificidades que melhor demonstram as restrições que o empresário em crise sofre. Vejamos:

3.7.1. Impossibilidade de alienar ou onerar

Uma vez distribuído o pedido de recuperação, o devedor não mais poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo com autorização judicial, que será precedida da oitiva do Comitê de Credores (art. 66 da Lei 11.101/2005). Por óbvio, esta restrição não se aplica aos atos de alienação e oneração previstos no plano de recuperação aprovado, pois se lá constam já estão préviamente aprovados. Com esta restrição que a Lei preservar o patrimônio do devedor no sentido de evitar que este, utilizando-se do benefício da recuperação, ganhe tempo apenas se desfazer de seus ativos antes da decretação de sua falência.

Questão que nesse ponto se apresenta é a necessidade de outorga uxória para a alienação ou gravação de bens imóveis. Pode o empresário individual casado alienar, durante a recuperação, bens imóveis sem a outorga uxória ? Na recuperação, a regra é a inalienabilidade, salvo no caso de evidente utilidade, mediante autorização judicial. Isto não significa que a LRE revogou a regra civil da outorga uxória, prevista no art. 1.647, inciso I, do CC/2002. É que reclama também o plus da autorização judicial. 42

3.7.2. Identificação da condição de recuperando

O empresário, estando em recuperação, deverá acrescer ao seu nome empresarial a expressão "em Recuperação Judicial" com vistas a deixar clara a sua condição perante terceiros com quem entabular relações jurídicas. Nesse passo, ordena a LRE em seu art. 69 "Em todos os atos, contratos e documentos firmados pelo devedor sujeito ao procedimento de recuperação judicial deverá ser acrescida, após o nome empresarial a expressão ‘em Recuperação Judicial‘, condição que também deverá ser comunicado ao órgão competente do Registro do Comércio pelo Juiz".

3.7.3. Vinculação ao plano de recuperação judicial

Os limites da atividade empresarial ficam restritos durante a execução do plano de recuperação judicial, pois o devedor sómente poderá executar o que nele está previsto.

Estas restrições passam a ocorrer a partir do momento em que é deferido o processamento da recuperação judicial.

3.8. Convolação da recuperação judicial em falência

O sentido jurídico de convolação é mudança de estado jurídico. A convolação de recuperação em falência da empresa significa que ela mudou seu estado de solvente para insolvente.

A recuperação judicial é a fase da luta da empresa financeiramente abalada para recuperar-se, desde que ela apresente lastro suficiente para o soerguimento. No decorrer desta fase, porém, é possível que os germes da insolvência a tenham minado de forma tão profunda de não ser possível a volta ao estado de solvência. Em tal situação, continuar o trabalho de recuperação judicial pode ser até prejudicial à empresa e levá-la à bancarrota. Abre-se então o dilema: haverá conveniência em manter a recuperação judicial ameaçando prejuízos a todos, ou optar pela falência seria a melhor maneira de evitar aumento de prejuízos a todos?

A qualquer momento do processo, o administrador judicial poderá demonstrar a inviabilidade econômico-financeira da empresa. Sendo ele o acompanhante judicial do processo, caberá a ele a vigilância sobre os atos da empresa. Esta missão cabe também aos credores. Ao ser constatado que a empresa não consegue reunir forças para sua salvação, podem os credores requerer a rescisão, ou seja, a convolação. Será perda de tempo, e de dinheiro, esperar que fatores aleatórios venham socorrer a empresa que está caminhando para extinção. Outra causa é a ocorrência de prejuízos continuados, com a redução do ativo e aumento significativo do endividamento. O plano de recuperação deve planejar as atividades e os lucros que elas podem proporcionar, que deverão cobrir os "furos" do orçamento. Se não houver lucros, torna-se difícil a recuperação e se houver prejuízos, torna-se impossível. Os prejuízos acumulados vão engrossando o passivo, o que representa morte lenta da empresa.

A convolação da recuperação em falência está prevista nos arts. 73 e 74 da Lei 11.101/2005.

3.8.1. Deliberação da assembléia de credores

Art. 73 – O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial:

I – por deliberação da assembléia-geral de credores, na forma do art. 42 desta Lei;

A convolação em falência pode decorrer de deliberação da Assembléia de Credores. Se a maioria do plenário calculada proporcionalmente ao valor dos créditos dos presentes considerar que a situação de crise econômica, financeira ou patrimonial do devedor é de suma gravidade e que não há sentido em qualquer esforço de organização, a lei lhe confere a prerrogativa de abortar o processo de recuperação judicial. É óbvio que esta hipótese verifica-se durante as fases de postulação de deliberação. Depois de homologado, ou aprovado, o plano pelo juiz, sendo este cumprido pelo beneficiário, não têm mais os credores competência para, em Assembléia, votar a convolação em falência.

A vinculação do insucesso da recuperação judicial à decretação da falência não deveria existir. Ela propicia o uso fraudulento dos instituto por devedores que não se encontram em estado pré-falimentar e apenas desejam locupletar-se às custas de seus credores. O ideal, segundo meu ponto de vista, seria lei abrir ao juiz a possibilidade de negar a recuperação judicial sem necessariamente decretar a falência. Se o devedor estiver mesmo em estado pré-falimentar, a quebra virá logo, por força da tramitação dos pedidos que certamente já terão sido ajuizados contra ele. E se não estiver nesse estado, a tendência é o devedor procurar satisfazer os seus credores com o objetivo de manter a empresa ativa. 43

3.8.2. Não apresentação tempestiva do plano de recuperação

II – pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo do art. 53 desta Lei;

A lei estabelece que o requerente do benefício deve submeter ao juiz o plano de recuperação no prazo de 60 dias, contados do despacho que determinou o processamento da ação.

Qualquer razão que o devedor tenha para o atraso deve ser extremamente bem justificada, sob pena de decretação de falência. A perda injustificada do prazo é inadmissível e pode acarretar ao administrador responsável, e até ao advogado da devedora uma responsabilização pessoal, a ser proposta pelos proprietários da empresa.

3.8.3. Rejeição do plano de recuperação

III – quanto houver sido rejeitado o plano de recuperação, nos termos do parágrafo 4º do art. 56 desta Lei;

Convocada pelo juiz, a Assembléia dos Credores apreciará, na mesma oportunidade, o plano de recuperação apresentado pelo devedor, eventuais planos alternativos (credores, administrador judicial ou do Comitê) e as objeções articuladas em juízo. Se da deliberação resultar a inexistência de qualquer plano de recuperação judicial —em razão da rejeição tanto do elaborado pelo devedor quanto dos alternativos ou do acolhimento de objeção suscitada pelo devedor—, o juiz deve sentenciar a falência.

É a vinculação entre o insucesso da recuperação judicial e a decretação da falência que cria o ambiente propício ao desenvolvimento da "indústria da recuperação judicial". A atitude normalmente adotada pelo juiz e mesmo pelos credores é a de grande tolerância para com o devedor que busca o socorro da recuperação judicial. Se ele está em estado pré-falimentar, é merecedor desta atitude; mas se não está, conviria barrar-lhe o acesso indevido ao benefício, mediante o simples indeferimento da recuperação judicial. Como a lei não autoriza essa alternativa, todos os requerentes —bem ou mal-intencionados— acabam recebendo igual tratamento tolerante. 44

A falência muitas vezes é a pior alternativa aos credores, portanto, a deliberação de quebra terá de ter sido expressa neste sentido, com registro em ata.

Em alguns casos, pode não ocorrer rejeição ao plano como um todo, mas somente a alguns detalhes, e outras vezes o plano pode não ter sido aprovado por pequenas divergências entre credores, que brigam por mais direitos.

Se o plano for rejeitado por motivos diferentes por parte de alguns credores, inclusive em relação ao plano proposto pelos próprios credores (mas que não obtiveram maioria na assembléia em determinada classe, que deve ser de ao menos 1/3 da classe discordante), o juiz não deve decretar a falência se ficar claro que não é este o desejo da maioria. Deve usar seus poderes jurisdicionais e aplicar os princípios da Lei para que a empresa possa manter seis empregados e se recuperar. O magistrado deve se preocupar com a manutenção da unidade produtiva, tendo em vista a função social da empresa e, até mesmo, o interesse maior dos credores, que, em geral, saem prejudicados no caso de decretação da falência.

3.8.4. Descumprimento de obrigação constante do plano

IV – por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do parágrafo 1º do art. 61 desta Lei.

O magistrado deve se cercar das cautelas devidas antes da decretação da falência com base neste inciso IV, permitindo ao devedor que apresentar justificativa pelo descumprimento e, especialmente, ouvindo os credores, que podem não desejar a falência do devedor. O descumprimento pode ter ocorrido por motivo relevante e justo, e a maioria dos credores poderá deliberar e aprovar ajustes no plano para manter a empresa no caminho de sua recuperação.

Obviamente, se o devedor abandonar seu estabelecimento ou proceder a liquidação antecipada de seus ativos, estará também descumprindo o plano de recuperação e sua falência poderá ser decretada com base no art. 61 desta Lei.

Cria-se uma situação interessante: se o crédito: se o crédito não estiver sujeito à recuperação judicial e for extraconcursal, ou seja, se não se submeter também à falência, poderá o credor ter um instrumento hábil para requerer a falência nos termos do art. 94, se a recuperação judicial ainda estiver em andamento? Creio que resta ao credor insatisfeito requerer a convolação do procedimento em falência por estar o devedor descumprindo com as obrigações assumidas.

Por não estar sujeito aos efeitos da falência, o credor extraconcursal poderia somente exercer os seus direitos de cobrança de créditos por meio de ação individual, e não pedindo instauração de execução coletiva, como é o pedido de falência.

3.8.5. Efeitos da convolação em relação aos credores

Os efeitos da convolação da recuperação judicial em falência, em relação aos credores variam segundo sejam estes anteriores ou posteriores à impetração do benefício.

Os credores anteriores à impetração do benefício que tiveram seus direitos alterados no plano de recuperação judicial retornam à exata condição jurídica que desfrutavam antes da aprovação deste. Quer dizer, toda alteração, novação ou renegociação feita no bojo do Plano de Recuperação Judicial possui como cláusula resolutiva tácita o insucesso das medidas de reorganização da empresa. O direito do credor, em outros termos, é parcialmente sacrificado (com ou sem o seu consentimento) para que, em benefício de toda a coletividade, possa a empresa explorada pelo devedor se recuperar. Não atingido este objetivo, não há porque manter-se o sacrifício. Com a convolação da recuperação em falência, retornam os credores atingidos pelo plano ao status quo ante. Se, por exemplo, o plano estabeleceu, com a concordância do credor, a supressão de garantia real, essa renegociação do direito está condicionada à sucessão da reorganização da empresa. Frustrado este objetivo, desconstitui-se a supressão anteriormente acordada. Em decorrência, esse credor será tratado, na falência, como titular de garantia real.

Art. 74. Na convolação da recuperação em falência, os atos de administração, endividamento, oneração ou alienação praticados durante a recuperação judicial presumem-se válidos, desde que realizados na forma desta Lei.

Pretende tal artigo incentivar terceiros a participarem do plano de recuperação judicial, estabelecendo-se presunção de validade para os atos praticados antes da convolação em falência, o que encontra respaldo também no art. 131, que estipula que, em princípio, afasta a possibilidade de ajuizamento de ação revocatória para alguns outros atos.

A segurança jurídica relativa aos atos praticados licitamente durante o processo de recuperação judicial deve ser preservada de forma pétrea. Caso contrário, ninguém se interessaria em fornecer bens ou serviços para empresas em recuperação. "Esse é um dispositivo inútil. É evidente que atos —quaisquer atos— praticados na forma da lei – qualquer lei – presumem-se válidos. O legislador não precisa dizê-lo". 45


4. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DAS "ME" e "EPP"

O legislador dedicou os arts. 70, 71 e 72 da Lei 11.101/2005 para dar tratamento diferenciado as micro e pequenas empresas.

Art. 70. As pessoas de que trata o art. 1º desta Lei e que se incluam nos conceitos de microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos da legislação vigente, sujeitam-se às normas deste Capítulo.

§ 1º As microempresas e as empresas de pequeno porte, conforme definidas em lei, poderão apresentar plano especial de recuperação judicial, desde que afirmem sua intenção de fazê-lo na petição inicial de que trata o art. 51 desta Lei.

§ 2º Os credores não atingidos pelo plano especial não terão seus créditos habilitados na recuperação judicial.

Art. 71. O plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo previsto no art. 53 desta Lei e limitar-se á às seguintes condições:

I – abrangerá exclusivamente os créditos quirografários, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais e os previstos nos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei;

II – preverá parcelamento em até 36 (trinta e seis) parcelas mensais, iguais e sucessivas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de 12% a.a. (doze por cento ao ano);

III – preverá o pagamento da 1a (primeira) parcela no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial;

IV – estabelecerá a necessidade de autorização do juiz, após ouvido o administrador judicial e o Comitê de Credores, para o devedor aumentar despesas ou contratar empregados.

Parágrafo único. O pedido de recuperação judicial com base em plano especial não acarreta a suspensão do curso da prescrição nem das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano.

Art. 72. Caso o devedor de que trata o art. 70 desta Lei opte pelo pedido de recuperação judicial com base no plano especial disciplinado nesta Seção, não será convocada assembléia-geral de credores para deliberar sobre o plano, e o juiz concederá a recuperação judicial se atendidas as demais exigências desta Lei.

Parágrafo único. O juiz também julgará improcedente o pedido de recuperação judicial e decretará a falência do devedor se houver objeções, nos termos do art. 55 desta Lei, de credores titulares de mais da metade dos créditos descritos no inciso I do caput do art. 71 desta Lei.

4.1. Plano especial de recuperação judicial

A nova Lei de Recuperação de Empresas dedicou um capítulo especial às micros e pequenas empresa, que representam grande parte dos empreendimentos nacionais, conforme advertiu o Senador Ramez Tebet no Relatório apresentado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal:

(...) as micro e pequenas empresas representam a esmagadora maioria dos empreendimentos no Brasil e excluí-las da nova recuperação judicial seria condenar o regime à aplicação meramente excepcional. Admite-se, todavia, que o processo de recuperação judicial pode tornar-se excessivamente oneroso para algumas empresas, principalmente no que tange aos custos para a convocação e realização de uma assembléia geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação. Entendemos indispensável a previsão de um plano simplificado e preestabelecido na lei para a recuperação judicial de micro e pequenas empresas, que dispense a aprovação da assembléia geral de credores e, assim, reduza a onerosidade do processo. 46

Segundo dados do IBGE as micro e pequenas empresas do País respondem por 99,2% do total das empresas em atividade; as médias representam 0,5% e as grandes 0,2%, de tal forma que são aquelas que representam, em termos numéricos, o contingente determinante em matéria de geração de empregos. A complexidade do processo de recuperação judicial e extrajudicial demonstra que, efetivamente, tais tipos de procedimentos serão aproveitados apenas para empresas de grande porte.

4.2. Legitimados à apresentação do plano especial

Os legitimados a usufruírem deste plano especial são micro e pequenas empresas como tal conceituadas pela Lei 9841/99 (Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), cujo art. 2º inciso I, estabelece como "microempresa, a pessoa jurídica e a firma individual mercantil que tiver receita bruta anual igual ou inferior a R$ 433.755,14" e no inciso II, como "empresas de pequeno porte, a pessoa jurídica e a firma mercantil individual que, não enquadrada como microempresa, tiver receita bruta anual superior a R$ 433.755,14 e igual ou inferior a R$ 2.133.222,00" (valores atualizados de acordo com o Decreto 5029/2004). Esta legislação preenche a exigência constitucional do art. 146, III,d que prevê a "definição de tratamento diferenciado e favorecido" para as pequenas empresas.

A primeira pergunta que surge da leitura dos dispositivos da Lei 11.101/2005 é saber se este tipo de empresa pode optar pela recuperação judicial dos arts. 51 a 69 ou pela recuperação extrajudicial dos arts. 161 a 167, ou se, ao contrário, estariam limitadas apenas ao procedimento previstos nestes arts. 70 a 72. A complexidade do procedimento previsto para a recuperação judicial, em princípio, desaconselha seu uso pela pequena empresa. No entanto, não há qualquer impedimento legal e, se quiser, pode se valer dos demais tipos de recuperação.

Outrossim, mesmo que não ultrapasse os valores limitativos acima enunciados, não podem se enquadrar como micro e pequena empresa e, conseqüentemente, usufruir do plano especial, aquelas pessoas jurídicas em que haja participação:

  • a) de pessoa física domiciliada no exterior ou de outra pessoa jurídica;

  • b) de pessoa física que seja empresário individual ou sócio de outra ME ou EPP, salvo se sua participação não seja superior a 10% do capital social da outra empresa, e desde que a receita bruta global anual não ultrapasse os limites legais.

O enquadramento é feito perante a Junta Comercial. Desse modo, quando o empresário quiser fazer jus aos benefícios da Lei 11.101/2005, deverá (de plano) apresentar prova de sua condição de ME ou EPP, não cabendo ao juiz acatar plano especial apresentado por aquele que não apresente documentação comprovando sua condição especial.

4.3. Apresentação do plano especial

Inicia-se o processo com a petição do devedor expondo as razões da crise que atravessa e a apresentação de proposta de renegociação do passivo quirografário. Na expressiva maioria das vezes, a proposta é apresentada pela hipótese mais favorável ao devedor proponente, isto é, contemplando a divisão do passivo cível em 36 parcelas. Apresentado e recebido o pedido de recuperação judicial, o juiz já decide, de pronto, homologando a proposta apresentada pelo microempresário, ou empresário de pequeno porte, ou decretando sua falência. Há, também, a alternativa de determinar a retificação do plano especial, quando desconforme com os parâmetros da Lei, hipótese em que a decretação da falência caberá quando desobedecida ou não atendida a determinação.

Os requisitos para apresentação do plano especial são os previstos nos incisos do art. 71 antes transcrito.

4.4. Créditos não quirografários

A inclusão de créditos não quirografários, trazendo maior flexibilidade ao plano especial, ao contrário do que possa parecer, traria prejuízo, e não benefício, às micro e pequenas empresas, pois o risco envolvido em qualquer negócio realizado com elas seria sobremaneira agravado, na avaliação do mercado. "(...) os pequenos teriam o custo de seu crédito aumentado significativamente ou simplesmente perderiam acesso ao financiamento de sua atividade". 47

4.5. Procedimento para aprovação do plano especial

Desde o início do processo, cabe aos credores eventualmente interessados a iniciativa de suscitar em juízo suas objeções. Cumpre-se ressaltar que os credores quirografários não serão citados, ou intimados. Portanto sua aderência ao plano especial deverá estar manifestada já por ocasião da entrega do plano especial em juízo.

Em sendo suscitada objeção —cujo conteúdo só pode versar sobre a adequação da proposta à Lei—, o juiz determinará ao requerente que se manifeste, oportunidade em que poderá ser superado o desentendimento, mediante revisão da proposta por acordo entre as partes. 48

Se, porém, a microempresa ou empresa de pequeno porte devedora questionar a manifestação do credor e insistir na proposta inicial, o juiz deverá determinar seu aditamento ou homologá-la.

Se houver objeção de credores titulares de mais da metade dos créditos quirografários sujeitos aos efeitos da recuperação, o juiz deverá decretar a falência da empresa. Neste aspecto, há desvantagem para o pequeno empresário, pois, para os outros casos de recuperação judicial, se houver objeção dos credores, esta sempre poderá ser afastada pela assembléia geral que, no presente caso, não será convocada.

Com a sentença de homologação da proposta de parcelamento, operam-se os efeitos do benefício, como a suspensão das ações e execuções e a novação das obrigações compreendidas no plano especial.

Como ocorre normalmente para a empresa que está me recuperação, o devedor mantém a administração normal de sua empresa, sofrendo, porém, a limitação de aumentar despesas e contratar empregados, a não ser com autorização judicial. Parece extremamente problemática tal limitação, especialmente no que diz respeito à contratação de novos empregados, pois, se a empresa conseguir efetivamente recuperar-se, normalmente tenderá a contratar empregados, sendo demasiadamente complexo e moroso, à qualquer afastamento de empregado, requerer o suprimento judicial para nova contratação, retirando das micro e pequenas empresas uma de suas principais características, que á a agilidade.

No plano especial para micro e pequenas empresas não há suspensão de prescrição ou das ações e execuções por créditos não abrangidos pelo plano, ao contrário do que prevê o art. 6º da Lei para os casos de falência e de recuperação judicial geral. Em conseqüência, também não se concede ao pequeno empresário a manutenção, em sua posse, pelo prazo de 180 dias, de máquinas, equipamentos e veículos que estejam alienados fiduciariamente ou arrendados, enfim, quais bens que estejam nas situações previstas no parágrafo 3º do art. 49.

É importante salientar-se que ocorre a nomeação, por parte do juiz, do administrador judicial para o acompanhamento da recuperação dos micro e pequenos empresários. Também é de destacar-se que este plano especial somente poderá ser intentado pelo devedor que exerça regularmente suas atividades há mais de dois anos e que, cumulativamente com os demais requisitos anteriormente mencionados, não tenha, há menos de oito anos, obtido concessão de recuperação judicial nessa modalidade especial.

Trata-se de prazo maior que o fixado para as demais empresas, que podem, após cinco anos, requerer nova recuperação judicial e destina-se a evitar abuso por parte do devedor com sucessivos pedidos de recuperação, Não fosse assim, essas empresas poderiam, a cada período de três anos aproximadamente, obter nova recuperação judicial.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema jurídico pátrio regulador das relações emergentes da insolvência empresarial estava em franca dissonância com o moderno perfil da empresa e as características da economia globalizada. O Decreto-Lei 7661/45 tinha como alvo não a atividade economia organizada, mas a pessoa do empresário paciente das concordatas e falências.

(...) As questões suscitadas pela densificação de um regime jurídico de insolvência não são poucas e nunca foram simples. A incidência de um sistema normativo complexo, que envolve a interação finalística de diversas áreas do Direito, senão todas, implica procedimentos operacionais em que se misturam dúvidas incômodas quanto às melhores e mais justas soluções, bem como sobre o instrumento adequado para encaminhá-las. Conforme a perspectiva eleita pelo pesquisador, as prioridades oscilam entre a eficiência e a eficácia. Quando o objeto do estudo é a insolvência empresarial, essa gama de percalços interdisciplinares assume maiores proporções determinadas pelo envolvimento de interesses econômicos públicos e privados, sem prejuízo dos direitos sociais, cuja relevância é inegável. Se as crises econômico-financeiras que afetam as empresas são, em medida considerável, resíduos de políticas economias lúdicas, e estas, descendentes de rearranjos do capitalismo globalizado, também é verdade que o microssomo empresarial enfermo contribui para a disseminação de outros males, como o sobrepreço do crédito, a desconfiança do mercado, a incerteza dos consumidores, a insegurança trabalhista e o desemprego crônico. De uma perspectiva estritamente jurídica e, em especial, do direito positivado, o advento de uma lei de recuperação e/ou falência de empresas é a matriz de novas interrogações tanto no âmbito do direito material como na esfera instrumental. A substituição da desgastada concordata preventiva pelas opções de soerguimento da empresa, a eliminação da concordata suspensiva da falência, a transformação radical do elenco de delitos falimentares e de sua persecução, o enxugamento procedimental de liquidação falitária, a geração de novos órgãos deliberativos e administrativos dos concursos de credores – em síntese, as novas bases do regime jurídico brasileiro de insolvência empresarial justificam sobejamente o esforço para a aprovação da nova Lei (...). 49

Era latente a necessidade de preservação da instituição empresarial. Repita-se que a empresa exerce papel fundamental na sociedade moderna: geração de empregos, criação de divisas, movimentação da economia, exportação de produtos, entre outros itens de suma importância. Uma empresa em funcionamento fomenta ocupação e crescimento econômico. Não poderia mais se permitir que o único meio de recuperação empresarial previsto era a concordata —boa para quem tinha estoque e grande passivo quirografário, ruinosa para prestadores de serviço e demais pessoas jurídicas. Urgia, destarte, um novo código que fosse capaz de regulamentar a recuperação empresarial e dar ao empresário meios de salvar a sociedade em estado de insolvência.

A nova lei, sob o ponto de vista abstrato, logrou êxito ao privilegiar a recuperação da empresa em detrimento da satisfação do credor. Antigamente, por exemplo, um credor que possuísse uma duplicata de qualquer valor que não fosse paga no vencimento poderia requerer a falência do comerciante. Esta previsão fazia, na prática, com que o credor fosse a juízo pedir a falência da empresa para receber seu crédito.

O modelo da legislação concursal introduzido é profundamente diferente do padrão estruturado pelo binômio falência-concordata. O fio condutor da Lei nº 11.101 é construtivo: cifra-se na primazia da recuperação empresarial sobre a inexorabilidade da falência. Na mesma medida em que coloca como objetivo superior o soerguimento da empresa viável, elimina do reduto da falência as possibilidades de composições. Em outras palavras, a LRE visa recuperar empreendimentos produtivos e, simultaneamente, almeja eliminar do mercado empresa inviáveis. É condescendente com a prevenção da falência, mas implacável quando esta se materializa.

A nova lei concursal aproxima os agentes do Direito. Os patronos da empresa devedora e dos credores, os defensores dos empregados, os procuradores do interesse público, os fiscais da lei e os pretores —todos os agentes jurídicos envolvidos— têm em comum a necessidade de equalizar as possibilidades recuperatórias da empresa em crise e os interesses particular e público. Os meios de recuperação são os inúmeros expedientes jurídicos previstos na LRE e mais o que for possível, dependendo da criatividade de credores e devedores. A via extrajudicial da reestruturação empresarial, como uma súmula de negócios, oficializa a práxis das acordanças brancas, desde que lícitas.

Da atenta leitura da nova normação concursal verifica-se que uma certa solidariedade teleológica parece aproximar os agentes do Direito imbricados nas questões derivadas da insolvência empresarial. A LRE, de certo modo, impõe essa fraternidade finalística que longe de ser pós-moderna, remonta ao antigo brocardo forense que recomendava as vantagens de um bom acordo sobre a má demanda. Se os patronos de credores, empregados e devedor lograrem convergir nas recuperações propostas pela LRE, as possibilidades de êxito plurilateral são mais excitantes do que o egoísmo do tudo ou nada pode proporcionar.

Os magistrados têm influência muito menor na problemática concursal das empresas, mas podem desempenhar papel inestimável na condução dos processos de recuperação a seu cargo, se imbuídos dessa ideologia da recuperação empresarial em favor do crédito, do mercado e da sociedade, como se viu no recentíssimo comportamento do Juiz da Recuperação da Varig, talvez o exemplo primeiro da viabilidade da nova Lei. Os espaços para essa práxis estão confortados na LRE, estendendo-se aos representantes das Fazendas Públicas e do Ministério Público. O sentido compositivo ganha proeminência sobre o confronto improfícuo entre credores, e entre estes e o empresário em crise.

A legislação concursal brasileira de 1945 estava amarrada à Economia orientada pelo Estado paternalista da primeira República e ao sabor dos diversos "ismos" que o ornamentaram. Em outras palavras, a antiga Lei de Falências e Concordatas traduzia uma intervenção pseudo-corretiva do Estado no domínio das relações empresariais, por meio do Direito, com perfil nitidamente punitivo, desconstrutivo e alienado. Isso explica uma concordata sobre a qual ninguém concordava, um elenco de crimes falimentares revogado pela realidade e, o que é pior, um regramento falencial que transformava, morosamente, as empresas debilitadas em mausoléus de ativos abandonados, quando não dilapidados; credores titulares de pretensões insatisfeitas; devedores vilipendiados; empregados desempregados; e, enfim, haveres fiscais nem parcialmente solucionados. Fazia-se justo o processo concursal só porque operava o nivelamento de todos mediante a perda de tudo. Todos ficavam iguais em face da quebra: sem nada ou quase nada.

De outra parte, a concordata era o corredor da morte da empresa ou o passe de mágica de grandes estelionatos econômico-financeiros, danificando o mercado, desmerecendo o crédito e promovendo expectativas de uma reestruturação negocial só prometida, enquanto redigia-se o atestado de óbito da empresa, como unidade produtiva.

A LRE veio com o propósito de modificar essa escrita. No quadro de uma nova formatação econômica, sugere a devolução à esfera privada das pendências oriundas das relações creditícias inexitosas. Remete a terapêutica das síndromes de deficiência financeira das empresas para a órbita das próprias empresas, ensejando que as defesas do organismo empresarial mobilizem seus efetivos para debelar crises oriundas da má gestão, da má programação ou da falta de ambas. Sinaliza à inteligência empresarial e à participação dos credores nas decisões sobre o destino do empreendimento em crise, afastando o quanto possível a necessidade de subsídios estatais que não os estritamente ligados à chancela da oficialização. As soluções são negociadas pelos interessados tendo em vista o soerguimento da empresa em crise, na medida em que se evidencia como social e economicamente viável.

Sem dúvida, a LRE não é um corretivo para todos os males, porque sempre acaba incorporando um pouco do que já existia na LFC. É uma normação transitória e pedagógica. Transitória, no sentido de que será modificada pelas correções que sua própria vivência suscitar. Pedagógica porque, ao restituir ao segmento empresarial o deslinde de seus próprios problemas, transmite-lhe, ao mesmo tempo, a responsabilidade pelas opções decisórias que adotar.

Sai a concordata, agora apenas um dos "n" meios de recuperação empresarial, e abre-se espaço para a criatividade de credores e devedores. Se o objeto de toda atividade empresarial é a reprodução da empresa, como organização de interesses que afeta toda a sociedade civil, a preservação do crédito e da unidade produtiva, são os horizontes que presidem a nova conjuntura. Os instrumentos de reestruturação previstos na LRE não integram um elenco exaustivo, mas, simplesmente enumerativo. Destrava-se, gradativamente, o procedimento recuperatório de suas algemas burocráticas, não com o fito de "deixar como está para ver como é que fica", mas almejando "ver como é que fica, sem deixar como está".

Qualquer leitura diferencial da LRE e da LFC deixa à calva a significativa redução do papel do Estado na solução das crises econômico-financeiras empresariais. É atenuada a intervenção judiciária, restrita à necessária homologação das recuperações extrajudiciais e condução das recuperações judiciais. Estas só se entremostram numa perspectiva que pressupõe a impossibilidade daquelas, proporcionando espaço para deslindes informais e acordanças que traduzem o que deveria ser.

O preventivo das recuperações está informado pela representação da sobrevida empresarial e sacrifica o idealismo retórico em benefício do critério de viabilidade. Previne-se o risco de exício empresarial do objeto viável. E viável não é só o que tem aptidão para permanecer, mas o que, permanecendo, tem condições de servir à estrutura social, ou seja, o que é necessário para o equilíbrio econômico da formação social brasileira. Viável deve ser a empresa, nem sempre seus administradores congênitos.

As perguntas sobre as virtudes e deficiências da Nova Lei de Recuperação de Empresas são ditadas, no plano formal, pelas inovações jurídicas que introduz e, materialmente, pelas incertezas alimentadas no bojo de um núcleo empresarial que sempre arcou com os caprichos do Estado onisciente e suas guinadas político-econômicas formalizadas em pacotes que, da noite para o dia, sacodem qualquer esquema programático. As relações entre as empresas e o Estado brasileiro não autorizam que se cultive uma confiança recíproca irrestrita.

Muitos fatores devem ser levados em conta, antes de se arriscar quaisquer respostas às indagações sobre a nova lei concursal: a globalização em andamento, o fato de que o Brasil não poder perseverar isolado das atuais legislações concursais, uma reengenharia incontornável das regras de direito creditício, o emagrecimento compulsório do aparato administrativo do Estado, a reforma judiciária, as mudanças no direito trabalhista, a redefinição das prioridades tributárias, a necessidade de equalização entre o preço do crédito e os resultados de sua aplicação e, sobretudo, uma crescente tendência à superação da dicotomia capital-trabalho, processo em que a mediação estatal pode contribuir muito se partir do princípio que deve interferir não mais que o necessário.

A nova Lei não é uma poção miraculosa. Contudo é mais um ingrediente disponibilizado no incansável laboratório das relações empresariais, permitindo que, em harmonia com outros sais e sob a manipulação de químicos conscientes e competentes, o mercado sofra menos o impacto das crises setoriais e as empresas se refaçam de sucessivos pesadelos alimentados pelo recrudescimento da insolvência, porque esta inflaciona o custo do crédito e semeia juros elevados, desemprego, economia de guerra, perda de qualidade, obsolescência instrumental, improvisação administrativa e, sobretudo, ineficácia social.

Pior que a insolvência é um regime jurídico de insolvência ultrapassado. Se a nova lei concursal contribuir para desembaraçar os procedimentos pertinentes às crises financeiras das empresas viáveis estará, no mínimo, restituindo à expressão "crédito público" seu verdadeiro significado, como pressuposto da previsibilidade empresarial, sem a qual nenhuma formação social se equilibra e nenhuma política econômica funciona.

Para resumir, a nova lei concursal impõe aos profissionais das carreiras jurídicas o redimensionamento da relação custo-benefício na defesa das pretensões de seus patrocinados, o assessoramento jurídico voltado para o compartilhamento dos interesses comuns, o conhecimento dos meandros administrativos da empresa em crise financeira, a visão realista do mercado, o direcionamento prioritário de sua atividade aos procedimentos extrajudiciais e, sobretudo, o aprimoramento de seus conhecimentos jurídicos pela integração com os demais setores responsáveis pela gestão empresarial.

Se as possibilidades de recuperação empresarial são concretas; se as empresas em crise não são mais redutos indevassáveis; se a falência deixou de ser arrimo de cobranças e se tornou conjuntura irremediável; se as chances de negociação preventiva se ampliaram; enfim, se as regras do jogo estão mais dúcteis, o espírito zetético se afirma como opção prioritária sobre as intransigências dogmáticas, e aos juristas é franqueada a oportunidade de se imiscuir, construtivamente, nos mistérios das complexas relações empresariais.

Não se pode esperar que a nova Lei, por si só, possa disciplinar as complexas relações que se estabelecem no âmbito do direito empresarial e concursal porque não é dado a uma lei, apenas, a resolução dos conflitos advindos da pulsante dinâmica social, mas que ela seja forte alicerce para dirimir os conflitos e possibilitar o desenvolvimento seguro das relações estabelecidas.

Cumprirá aos empresários comprometidos com sua responsabilidade social, e aos operadores do direito, aplicar a nova legislação de forma que ela se torne em eficaz instrumento de fomento à atividade econômica em prol de uma sociedade mais humana e justa.


NOTAS

  1. COSTA, Ana Carla Abrão. Sistemas Legais de Insolvência, Incentivos e Mercado de Credito: uma abordagem institucional. In: XXXIV Encontro Nacional de Economia - Anpec, 2004. Anais... Disponível em: . Acesso em: 29 ago 2005.

  2. BECK, Thorsten; LEVINE, Ross, 2004 apud PAIVA, Luzi Fernando Valente de. Direito Falimentar e a Nova Lei de Recuperação de empresas. Quartier Latin, 2005. p.36.

  3. Relatório do Senador Ramez Tebet ao Projeto de Lei do Senado. In MACHADO, Rubens Approbato (coord.) Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.354-355.

  4. CRETELLA NETO, Jose. Nova Lei de falências e recuperação de empresas: Lei 11.101 de 09.02.2005. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.12-13.

  5. OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Comentários à nova Lei de Falências. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p.66.

  6. OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Comentários à nova Lei de Falências. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p.75-78.

  7. CRETELLA NETO, Jose. Nova Lei de falências e recuperação de empresas: Lei 11.101 de 09.02.2005. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.27-35.

  8. Idem, p.17-27

  9. CRETELLA NETO, Jose. Nova Lei de Recuperação de empresas: Lei 11.101 de 09.02.2005. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.19.

  10. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de empresas. 21a ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2005. p.8.

  11. LACERDA, Jose Candido Sampaio de. Manual de Direito Falimentar. 10a ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1971.

  12. COELHO, Fabio Ulhoa. Comentário à nova Lei de Falências e de recuperação de empresas. 2aed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.117.

  13. OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Comentários à nova lei de Falências. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p.224.

  14. Ibidem.

  15. 15MACHADO, Rubens Approbato (coord). Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.362-364.

  16. COELHO, Fabio Ulhoa. Comentários à nova Lei de Falências e de Recuperação de empresas: Lei 11.101, de 09.02.2005. 2ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.XXXIX/XLII.

  17. ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresas. 21a ed reform. São Paulo: Saraiva, 2005. p.296.

  18. MAC Nicol, Donald; SANNA, Murched Badih. In MACHADO, Rubens Approbato. Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.165.

  19. OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Comentários à Nova Lei de Falências. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p.235.

  20. COELHO, Fabio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falência e de recuperação de empresas. 2a ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. p.115.

  21. COELHO, Fabio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falência e de recuperação de empresas. 2a ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. p.116.

  22. Relatório do Senador Ramez Tebet ao Projeto de Lei do Senado. In MACHADO, Rubens Approbato (coord.). Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de EMPRESA. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.377-379.

  23. COELHO, Fabio Ulhoa. Comentários à Nova Lei de Falência e de recuperação de empresas. 2 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. p.398.

  24. PAIVA, Luiz Fernando Valente de (coord.). Direto Falimentar e a nova Lei de Falências e Recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.578.

  25. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil Forense. São Paulo, 2000. p.167.

  26. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil Forense. São Paulo, 2000. p.98.

  27. FERRAZ, Luiz Augusto de Souza Queiroz. In PAIVA, Luiz Fernando Valente de (coord). Direito Falimentar e Recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.655-656.

  28. PERIN JUNIOR, Erico. In PAIVA, Luiz Fernando Valente de (coord.). Direito Falimentar e a nova Lei de Falências e Recuperação de empresas. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.174.

  29. "A expressão um pouco superada "fé de ofício" coloca em duvida em qual sentida está sendo empregada, já que ela tem dois sentidos mais usuais. Num sentido, fé de oficio e um tipo de prontuário, o registro de fatos importantes na vida profissional de alguém. Acreditamos, contudo, que tenha o sentido de "fé pública" e deveria ter sido utilizada esta expressão. O que deve estar no espírito da Lei é que as informações fornecidas pelo administrador judicial e os extratos dos livros fiscais da empresa devedora merecem fé publica". (ROQUE, Sebastião Jose. Direito de Recuperação de EMPRESAS. São Paulo: Ícone, 2005. p.257).

  30. COELHO, Fabio Ulhoa. Comentários à nova Lei de Falências e de recuperação de EMPRESA: Lei 11.101 de 09.02.2005. 2a. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005. p.106-107.

  31. MACHADO, Rubens Approbato (coord.). Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de EMPRESA. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.146-147.

  32. Idem, pág. 147-148.

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Abstract: Companies and their administrators decide about investments and production according their expectation of future profit. These strategies are done in an uncertain ambient, without any possibility of being protect of all risks, because contracts are incomplete and there are asymmetries of information. In this scenario, the bankruptcy legislation works reducing impacts of this uncertain, signalizing to economical agents forms to solve conflicts when the company is insolvent. The mechanism generated by the law is fundamental to define agent’s behaviors and the working of all economy, because it affects results wanted in case of unsuccess. If the contracts rules relationships between incomplete debtor and creditor, it is function of legal insolvent system creates conditions which allows effective recuperation of the feasible company and, by the other side, establish bases to an efficient liquidation of the bankrupted company, maximizing the values of actives and making possible to creditors to recuperate, at least, part of the credit. It is necessary to emphasize that these balance must attend efficiency requirements, because solutions should, in a long term, generate the biggest return as possible to debtors and creditors, but, at the same time, restrict administrators imprudent behaviors, which could compromise perspectives of company’s development. It is impossible to say, in the limits of this monograph, all reasons that justify the New Law of Companies’ Recuperation, but all are inspired in the efficiency ideal. Brazilian juridical system, which regulates emergent relationships of business insolvency, was in clear dissonancy with the modern company’s profile and the characteristics of a global economy. It was latent the necessity to preserve the business institution. The company has a fundamental function on modern society: to generate employments, to bring foreign currency, among other items of great importance. The conductor of this new Law is constructive: it is summed up on the primacy of business recuperation over the bankrupt rigidity, aiming for productive undertaking recuperation and, simultaneously, to eliminate of the market impracticable companies and avoid abusive utilization. It is acquiescent with the bankrupt prevention, but implacable when it materializes. The Law 11.101/2005 is not a corrective for all problems because it incorporated some of the old Law of Bankrupt and Concordat. Any reading of the Law of Companies’ Recuperation cancels the significant reduction of Estate function on the solution of business economical and financial crises. Many factors must be considered before trying any answers to the questions about the new contest law: the going globalization, the fact that Brazil cannot persevere alone of actual contest legislation, a reengineer of the rules of the right of credit, the reduce of State administrative machine, the judicial reformulation, changes on work law, redefinition of tributaries priorities, the necessity of equalization between the price of credit and results of its application and, above all, a growth tendency to overcome the dichotomy capital – work, process in which the state mediation can contribute more if starts on principle that must interfere not more than necessary. It is not possible to think that this new law, by itself, can discipline all conflicts generated of the pulse social dynamics, but that it be strong to block conflicts and make possible a safety development of established relationships.

Keywords: Company’s social function; mechanisms for company’s recuperation; reduction of State intervention on economical activity.


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SOUTO JÚNIOR, Carlos. Nova lei de recuperação de empresas (Lei nº 11.101/2005). Alguns aspectos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1096, 2 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8587. Acesso em: 27 abr. 2024.