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Possibilidade de reconhecimento dos animais como sujeitos de direito

Possibilidade de reconhecimento dos animais como sujeitos de direito

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Apresenta-se uma nova posição sobre a situação jurídica que os animais ocupam na condição de seres vivos que necessitam de cuidado e proteção.

Resumo: Este artigo partiu da monografia defendida como pré-requisito para obtenção do título de bacharel em direito, junto à PUC Minas, estando, portanto, adaptado. O presente estudo ora apresentado tem por escopo tratar da possibilidade do reconhecimento dos animais como sujeitos de Direito na sua condição especial receptiva de direitos. No que tange à situação atual dos animais no ordenamento jurídico, há hoje indícios para que eles sejam respeitados na condição de sujeitos passivos especiais de direitos.

Palavras-chave: Possibilidade do Reconhecimento dos Animais como Sujeitos de Direitos. Sujeitos Especiais de Direitos


Introdução

O tema em questão nos remete a pensar, primeiramente, qual é a posição dos animais no ordenamento jurídico atual, e depois pensar sobre uma possível possibilidade de reconhecimento dos animais como sujeitos especiais de direitos.

No decorrer deste trabalho, verificou-se por que surgiu a preocupação com a possibilidade e qual a necessidade do reconhecimento de direitos aos animais. Diante de tal possibilidade observa-se que o Legislativo já está tratando do assunto, como é o caso do Projeto de Lei n° 351/2015 do senador Antônio Anastasia, bem como, dentre outros assuntos que constantemente estão referidos aos animais. O STF está sendo provocado a posicionar-se sobre a questão relacionada aos animais, como nas variadas práticas de crueldade, contrabando e outros assuntos relativos a eles.

No capítulo 2, referente à questão histórica, busca-se relembrar o conceito de sujeitos de direitos, e a quem poderia receber essa designação nos períodos históricos abordados. Trata-se de uma construção minuciosa do conceito para entender sobre a subjetividade em questão.

Em seguida no 3º capítulo após uma análise dos sujeitos de direitos, verifica-se que tipo de posição jurídica os animais ocupam no ordenamento jurídico atual. A categoria é importante ressaltar, uma vez que é neste ponto que o Judiciário precisa tratar da questão animal, visto que quando ele cita o animal como bem, fica a dúvida de o bem poder ser considerado sujeito de direitos. Portanto, neste capítulo trata-se da indagação de se ainda está o animal colocado como coisa móvel semovente estaria sujeito à proteção. Muito embora essa situação possa trazer uma ideia estranha, conforme apontada acima, seria o intuito deste trabalho, que começaria aqui neste capítulo a discutir a necessidade de revisão do Código Civil, pois, quando o Judiciário julga as questões que envolvem crueldade, ele faz a ressalva dos cuidados e proteção que a eles são devidos então poderia considerar a questão de fundo quanto aos direitos discutidos neste capítulo.

Estaria neste ponto o início da ideia do sujeito especial de direitos, uma vez que ele seria sujeito passivo, ou seja, estaria designado a receber os direitos de proteção e cuidados na condição de animal não humano.

Por conseguinte, a ideia que sustentará essa possibilidade será trazida no capítulo 4°, sendo neste ponto fundamental aprofundar-se na perspectiva da pós-modernidade sobre o assunto, uma vez que a ideia a ser considerada ganhou reforço com o passar do tempo, ou seja, nas novas mudanças de paradigmas da sociedade, refletindo nas questões a posição dos ativistas que defendem a causa animal, e, assim, o fluir das ideias que trazem a questão da condição animal como debatida na realidade atual em que eles se encontram.

O capítulo 5° traz os direitos fundamentais dos animais em questão, sendo assim, esses direitos estariam sendo levantados na questão do animal enquanto ser vivo, que necessita de proteção e resguardo de direitos, tal como os animais humanos precisam. Mas a questão abordada está na ideia de recepção desses direitos, demonstrar neste capítulo a necessidades das garantias dos direitos fundamentais dos animais, ao passo que a questão da individualidade é presente neste capítulo, uma vez que seria preciso uma separação para compreender os direitos dos animais, porque eles são vistos de forma integrada com o meio ambiente na CF/88. O capítulo procura mostrar a necessidade do reconhecimento, mas para isso fará uma pequena abordagem sobre o conceito de direitos fundamentais e como eles são designados aos sujeitos.

Por fim, o capítulo 6° trata da reflexão sobre a possibilidade de reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos. Como entender essa condição de seres especiais e passiveis de direitos? Entra aqui a questão da subjetividade, uma vez que se for compreendida como sujeitos especiais de direitos terá que ser revista a forma com que são considerados no ordenamento jurídico, visto que, no Código Civil, definem-se como bem. Intui-se que a análise entra em conflito com a situação vigente do ordenamento jurídico. O enfoque está voltado para a questão da autonomia desses animais, pois a CF/88 como já mencionado acima remete à ideia de tudo que está no meio ambiente, como a fauna e a flora, está contido na ideia de meio ambiente, como previsto no artigo 225, VII. Esse todo está designado ao ambiente, impossibilitando aos animais ser incluídos em qualquer outra categoria.

Este trabalho tem por intenção destacar a importância e necessidade de reconhecimentos dos animais como sujeitos especiais de direitos. A questão é levantada diante das perspectivas sociais e da dificuldade do Judiciário posicionar-se sobre o assunto.


2 O HISTÓRICO GERAL DA FORMAÇÃO DO CONCEITO DE SUJEITOS DE DIREITO

2.1 O conceito de sujeito de Direitos

Para se compreender a possibilidade do reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos no ordenamento jurídico é preciso fazer uma análise do conceito de sujeito de direitos e entender como era feita essa denominação aos seres.

O sujeito de direito está ligado às relações jurídicas onde ele é o possuidor dos direitos e deveres. São chamados de sujeitos de direitos, tanto as pessoas naturais quanto as pessoas jurídicas. Os animais não estão na categoria de sujeitos de direitos e são chamados de coisas, objeto do direito. Mas o direito as menciona a fim de resguardar a segurança que lhes é devida. (AMARAL, 2003, p.217).

Na visão de Francisco Amaral as relações jurídicas têm a peculiaridade de se voltarem sobre o ser humano, pois são eles os detentores dos direitos e deveres. Porém, além do homem, ainda tem-se as entidades, sendo essas aquelas também aptas a ser dotadas de personalidade jurídica, cabendo-lhes a titularidade de direitos e deveres na ordem civil. (AMARAL, 2003, p. 218).

O autor compreende que, quando se fala em pessoa não se está tratando exclusivamente do ser humano, pois é possível que a entidade abstrata, ou pessoa jurídica, tenha personalidade jurídica que também lhe confira a condição de sujeito de direitos e deveres. O termo “pessoa”, analisado na figura do ser humano, está no simples fato de nascer, e diante desse acontecimento já se teme um fato garantidor de ser considerado um sujeito de direitos no ordenamento jurídico. (AMARAL, 2003, p.218).

Nessa relação da pessoa como sujeito de direitos, Jairo José Gomes ressalta o exercício de direitos e deveres também quanto à capacidade, segundo o artigo 1º do Código Civil: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres da ordem civil”. E como ressaltado acima, é o nascimento com vida que resguarda os direitos e deveres das pessoas, conforme artigo 2º do citado Diploma Legal, salvo a questão do nascituro. (GOMES, 2006, p.141).

Compreende-se, com base no mesmo autor, que a personalidade é que designa a pessoa, sendo-lhes assim atribuída a condição de titulares de direitos e deveres. E, dessa forma, somente a pessoa detém a capacidade de direito. Além disso, a capacidade, como aptidão de forma genérica para atuar no sistema jurídico, abre-lhes a possibilidade para a participação em atos jurídicos, como os negócios cuja prática só é admitida às pessoas. Contudo, a personalidade e a capacidade são inerentes aos humanos, pois sendo assim estariam habilitados a exercer e atuar, nas situações jurídicas da vida social que somente são destinadas aos humanos, como esclarece Jairo José Gomes:

É desnecessário dizer que a personalidade e a capacidade de direitos são atributos exclusivos dos indivíduos da espécie humana, pois somente esta pode ser parte em relações e situações jurídicas. Os seres do reino animal, vegetal e os produtos de engenho humano são objeto de direito e não sujeitos. (GOMES, 2006, p.141)

O sujeito de direitos é, portanto, a pessoa, ou seja, aquele que tem a personalidade, e é sobre essa pessoa que recaem direitos e deveres, sendo tal o entendimento usual da Teoria Geral do Direito e dos civilistas tradicionalmente, como recorda Francisco Amaral: ”Pessoa é o ser humano como sujeitos de direitos” (AMARAL, 2006, p.218).

2.2 O histórico geral da formação do conceito de sujeitos de Direitos

Na história da formação de quem poderia ser considerado sujeito de direitos, ressalta-se que, primordialmente, a classificação da palavra pessoa, ou persona, surgiu na antiguidade clássica, era a máscara usada nos teatros pelos atores, utilizadas para fazer sobressair a voz, pois precisavam de um esforço maior para alcançar as inúmeras pessoas que os assistiam. Desse modo a palavra pessoa criou uma ligação com um personagem. Contudo, os personagens, apesar de fictícios no teatro, mostravam o lado da vida real de um ser humano, assim, essas relações apresentadas durante o evento nada mais eram que representações sociais e jurídicas (AMARAL, 2003, p. 219).

A pessoa jurídica era qualificada como sujeito de direitos e deveres, e o direito assim reconhecia a pessoa, como diz Rolim: ”com o tempo, persona passou a significar o ser humano, sujeitos de direitos e obrigações. ” (ROLIM, 2003, p.135)

Diante da classificação do termo pessoa, ficariam excluídos então outros indivíduos que não eram reconhecidos como pessoa, tais como os escravos civis e condenados. Somente mais tarde é que o direito moderno viria a tratar de outros tipos de pessoas, cujos conceitos não eram inerentes à pessoa do ser humano, como as fundações e as entidades (AMARAL, 2003, p. 219).

Abaixo consta um pequeno histórico da pessoa como sujeito de direitos, valendo ressaltar que não há menção aos animais na condição especial de sujeito de proteção legal.

No direito romano era considerado ser humano com dotado de personalidade jurídica aquele que preenchia os requisitos necessários de nascer com vida e ter forma humana. Neste segundo critério, a má formação do feto o descaracterizaria como humano. Além disso, havia outros critérios que eram ligados ao status como: status de liberdade, cidadania, família (libertatis, civitatis, familae). A personalidade estava ligada a uma liberdade que o escravo não podia ter naquela época, não gozando de nenhum direito, nem mesmos os estrangeiros, pois não tinham reconhecimento como cidadão em Roma. (AMARAL,2003 p. 219).

Já no período moderno, algumas evoluções foram feitas, assim a figura do escravo deixou de existir e, além disso, os estrangeiros que não eram considerados cidadãos no período precedente já haviam obtido um espaço social onde se reconheciam os seus direitos civis até então negados. No campo familiar adquirir ou não família não acarretaria em nada a capacidade jurídica; quem poderia ser sujeito de direitos era o homem, ou seja, a pessoa (AMARAL2003 p.219).

Há posições diversas dos teóricos com relação à personalidade, como as chamadas concepções naturalista e formal. Na primeira, são titulares apenas os indivíduos, havendo aqui a condição de ser humano como quesito fundamental, pois é o único ser dotado de vontade e razão. Já na concepção formal, advinda da escola positivista, considera-se a personalidade como uma peculiaridade do direito. Há o atrito entre pessoa e homem nesse sentido, pois para ser sujeito de direitos não precisaria necessariamente ser uma pessoa humana, mas ter ligação com a razão. (AMARAL, 2003, p. 219-220).

2.3 Histórico no Brasil

No Brasil o histórico de sujeito de direitos também não ressaltou os animais, somente tratou da pessoa dos humanos, como tal. De tal forma, o Código Civil de 1916 e o de 2002 trataram da pessoa natural e da pessoa jurídica como sujeitos de direitos. O artigo 1° do CC é que vai designar quem pode ter os direitos e as obrigações no ordenamento jurídico e declara que são as pessoas nascidas com vida. O artigo 2° e o antigo artigo 4° do CC/1916 também dispunham que a personalidade é um atributo para ser sujeito de direitos condicionada ao nascimento com vida, ressalvada a condição do nascituro, sujeita à controvérsia das posições naturalista e concepcionsta. (TARTUCE, 2014. p. 69).

Na visão doutrinária do Brasil, existem teorias sobre nascer com vida e o estado de ainda não nascido. É o caso do embrião e do nascituro, como abordada por diferentes autores. Dentre as teorias destacam-se a natalista e a concepcionista, as quais se situam em polos distintos, tendo cada uma seus argumentos sobre o momento da aquisição do status de ser sujeito de direitos e deveres.

A teoria natalista perdurou por anos entre os autores e dizia que o nascituro não poderia ser considerado pessoa, pois o Código Civil conserva a ideia de nascimento com vida como requisito essencial. Assim, a personalidade jurídica para os natalistas surge no nascimento com vida, não havendo como o nascituro poder ser considerado pessoa. Tal entendimento, porém, não era completo, pois não definia o que poderia, então, ser o nascituro ou sequer se poderia existir alguma classificação para ele. Deixou a dúvida se seriam coisas, deixando subentender que sim, pois não teriam a condição de sujeito de direitos ou mesmo uma expectativa de sê-lo antes de nascido (TARTUCE, 2014 p.70).

Apesar de não citada acima, ainda existe a chamada “teoria da personalidade condicional” que trata da expectativa de nascer, embora ainda defenda o nascimento com vida. Entretanto, essa expectativa constitui meramente a possibilidade de ter nascido, ou seja, se tivesse nascido surgiriam-lhe os direitos de personalidade. Ao mesmo tempo em que acreditam seus adeptos na eventualidade do nascimento, essa teoria é criticada, pois situa a personalidade em uma posição de condição, ou seja, como evento futuro incerto, ficando o nascituro sujeito apenas aos direitos eventuais. A esse respeito, esclarece Tartuce:

Com devido respeito ao posicionamento em contrário, consideramos que a teoria da personalidade condicional é essencialmente natalista, pois também parte da premissa de que a personalidade tem início com o nascimento com vida. Não há, portanto, uma teoria mista como querem alguns. Por isso, em uma realidade que prega a personalização do Direito civil, uma tese essencialmente patrimonialista não pode prevalecer. (TARTUCE, 2014, P. 71)

Em se tratando da teoria concepcionista, está orientada pela lei, visto que admite a aquisição e o exercício de direitos pelo nascituro a partir do argumento de que o nascituro é pessoa humana e tem garantido o direito sucessório, pois a preservação dos seus direitos surge ainda na sua formação junto à mãe. Essa posição é a que prevalece nos dias atuais, para alguns autores, além de alguns tribunais como o STJ (TARTUCE, 2014, p. 74).


3 A DISCIPLINA JURÍDICA DOS ANIMAIS NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO

3.1 Evolução do conceito de bem e coisa

Para entender qual é a posição atual dos animais não humanos no ordenamento jurídico, é preciso compreender o conceito de bem e coisa e a sua evolução.

Relaciona-se à coisa uma forma material de tudo o que possa existir e que tenha algum valor. Entende-se como coisa, ainda, tudo que seja uma realização pessoal humana, no sentido de objeto de posse. Assim a coisa tem designações distintas, ou seja, ora são chamadas de coisas úteis, coisas comuns, res communes, que não podem ser objeto de posse porque não há a possibilidade de serem possuídas, a exemplo do ar, mar e outras coisas insuscetíveis de apropriação que estão na natureza. Os animais podem ser classificados como objeto de propriedade, quando apropriados, como res nullius, quando livres na natureza ou nas cidades, e ainda,como res derelictae, quando tenham sido abandonados por um proprietário anterior, sendo,nesses últimos casos,passíveis de apropriação. Para alguns autores, como Amaral, os animais são coisas embora estejam sujeitos à proteção: ”. Os animais são coisas, porém objeto de proteção jurídica especial, por si mesmo e como salvaguarda dos sentimentos das pessoas“. (AMARAL, 2003, p. 309)

Enfim, a utilidade das coisas que possuem valor, e que de apropriação estão sujeitas, é que são os bens. Como o bem é associado valor, compreende-se a sua aceitação no ordenamento jurídico como interesse econômico e será visto como objeto de direito. A coisa tem relação com substância, sendo algo que existe embora o que importe para o direito não é esse sentido material, mas sim o tratamento que lhe é dado como objeto de posse (AMARAL, 2003, p. 309).

Assim, os animais, como coisa, estariam submetidos à posse humana e isso ocorre porque historicamente a ideia sobre o seu uso foi se desenvolvendo até chegar-se à ideia de conexão com o manuseio, ou seja, pela construção de uma relação entre a sua utilidade e a necessidade humana de possuí-la. Inicialmente, a coisa tinha uma utilização corriqueira na vida humana, e, com passar do tempo e da evolução da sociedade e das relações humanas, em diversos campos, o conceito sobre o que seria útil tornou-se mais presente, resultando disso um aumento de significados sobre o que seja bem. (AMARAL, 2003 p. 310).

Não há no direito brasileiro uma limitação do conceito de bem orientada para valores materiais apenas, admitindo-se sua classificação ainda na categoria dos valores imateriais. Assim, o Código Civil na parte geral cuida dos bens compreendidos como objeto de relações jurídicas, como esclarece Amaral: “As ações humanas são objeto dos direitos de crédito, obrigacionais, e denominam-se prestações. Devem ser lícitas, possíveis e determinados. Consistem em um comportamento do devedor (dar fazer ou não fazer)” (AMARAL, 2003, p. 310).

Nessa linha, entende-se que direitos estão ligados a outros objetos e até mesmo como objeto de outros direitos, como no caso do usufruto e da cessão de crédito, dentre outros.(AMARAL, 2003, p. 310).

Em se tratando do objeto, entende-se que no ordenamento jurídico ele é identificado em consonância com poderes e deveres, e essa denominação traz a figura do possuidor sobre esses objetos, que são os seus titulares, estando os animais sujeitos à mercê daqueles. A ideia de posse estaria presente nessa relação, uma vez que a posse é ligada ao domínio, e o titular exerce essa ação sobre o animal, assim hoje o homem mantém essa relação de domínio, ficando o animal na condição do código vigente como coisa sujeita à apropriação. (AMARAL, 2003, p. 310).

3.2 A classificação dos bens e a posição ocupada pelo animal nessa categoria

Os bens são classificados no Direito Civil com o intuito de serem objeto de relações jurídicas, tendo sido classificados pelo Código de 1916, como esclarece Lopes: “1° bens corpóreos e os incorpóreos; 2° móveis e imóveis; 3° fungíveis e infungíveis; 4º consumíveis e não consumíveis; 5° divisíveis e indivisíveis; 6º singulares e coletivos. ” (LOPES, 2000, p. 382).

Essa classificação foi parcialmente mantida no Código de 2002, que não se ocupou da categoria dos bens corpóreos e incorpóreos, e incluiu os animais na 2° categoria acima, como bens móveis, assim previstos nos artigos 82 a 84. Os bens móveis são aqueles suscetíveis de movimento, podendo ser deslocados sem sofrer danos em sua estrutura. Assim esclarece Flávio Tartuce:

São os bens que podem ser transportados sem qualquer dano, por força própria ou alheia. Quando o bem móvel puder ser movido de um local paranoutro, por força própria, será denominado bem móvel semovente, como é o caso dos animais. (TARTUCE, 2014, p. 170-171).

No código civil atual os animais são tratados como bens móveis. Os bens são classificados de acordo com a natureza, ligando-se sempre a outros bens, além de fazerem conexão com a pessoa, tratando o Código Civil de 2002 do animal como bem passível de locomoção e objeto de posse. Como os animais encontram-se na categoria de bens sujeitos à posse dos animais humanos, relacionam-se às teorias dos direitos das coisas, como esclarece Diniz: “A teoria subjetiva de Savigny, define a posse com o poder direto ou imediato que tem a pessoa de dispor fisicamente de um bem com a intenção de detê-lo para si” (DINIZ, 2013. p. 48).

Atualmente, os que defendem a causa animal tentam trazê-los para o ordenamento jurídico com uma nova perspectiva, pretendendo mostrar que mesmo sendo tratados como coisa no Código Civil, poderia existir a possibilidade de se encará-los como sujeitos especiais de proteção.


4 MUDANÇA DE PARADIGMA NA PÓS MODERNIDADE EM RELAÇÃO AOS ANIMAIS.

4.1 A construção histórica para um novo paradigma

Com o intuito de entender a posição que os animais podem ocupar no ordenamento jurídico pós-moderno é importante compreender o que acontecia anteriormente. O presente capítulo salienta como o surgimento dos movimentos ativistas deu início à proteção e à importância dos direitos dos animais, que passaram a ter um forte embasamento. Os movimentos ativistas somaram força nessa análise.

Para falar da pós-modernidade, é preciso relembrar um pouco na história as fases que a antecedem.

Na antiguidade, a vida humana encontrava-se totalmente sem perspectiva e se limitava à vontade humana, que não tinha grandes avanços sobre o mundo. O mundo antigo era voltado para o interno, não havendo capacidade de se pensar no mundo sob a forma exterior. Nota-se então que o ser humano nessa época sequer cogitava pensar nos animais, muito menos nos direitos e proteção para com eles. Nesta época a vida humana estava mais pautada na ideia de divindade, que estaria centrada no próprio homem, exercendo os mitos nessa etapa um tipo de aparato para a interpretação do mundo, ao lado da religião como compreensão da própria época (TRINDADE,2015, p.12).

No período da Idade Média ainda não se tinha uma perspectiva sobre quais direitos os animais poderiam possuir, isto é, não havia a possibilidade do tratamento dos animais com sujeitos especiais de proteção, encontrando-se neste período um homem medieval que apoiava-se na bíblia e rompia com a ideia mítica, aprofundando-se no governo de Deus. Dessa maneira, ficava dependente das revelações vindas unicamente da Igreja, estando impossibilitado de pensar na figura dos animais e concebera ideia de um sistema de direitos a eles inerente, pois suas buscas por conhecimento e instrução advinham apenas das relações que mantinha com a Igreja, baseadas na fé.

Nessa época o conhecimento era algo reservado apenas às autoridades, estando o homem comum impossibilitado de alcançar o entendimento sobre certos assuntos, a não ser quando transmitidos pela religião ou pela autoridade da fonte. A ciência era firmada com base restrita na autoridade, não cabendo ao homem pensar em outras perspectivas a não ser nas advindas da Igreja (TRINDADE, 2015 p.12-13).

No que tange à modernidade, aqui começa uma ruptura com o pensamento das autoridades medievais. Encaminha-se para uma ideia de realidade das coisas por si sós, havendo um destaque nessa etapa, que é a abertura de espaço para o surgimento de opiniões diferentes das concepções de períodos passados. Aqui existe uma busca para a compreensão da natureza, que induzirá uma relação inicial com a sociedade sob a forma da renovação dos conceitos (TRINDADE, 2015 p.14).

A mudança de conceitos ocorre com ênfase maior a partir do surgimento do Estado e do Direito moderno. Há um interesse do homem pelo exterior, ou seja, por descobertas, embora ainda não fosse o momento de surgir algo concreto sobre o entendimento acerca dos animais como sujeitos especiais de direitos e sobre a perspectiva de proteção nesse sentido. Ainda não seria nessa fase que o assunto da segurança e dos direitos desses seres viventes seria preponderante, embora pudesse ser um início da abertura de estudos e pensamentos, uma vez que o homem agora já não estava limitado, como na idade medieval, e essa libertação aprofundar-se já mais tarde na idade pós-moderna a partir de novas perspectivas do pensamento humano (TRINDADE, 2015 p.14).

Vale ressaltar que na idade moderna também não existe ainda a possibilidade de tratar do tema da proteção dos animais enquanto seres viventes, uma vez que as investigações do homem estavam quase sempre voltadas para a economia e os interesses individuais, como no desejo de exploração a outros continentes ou no desejo de estudo sobre a própria mente e personalidade no sentido psicológico, como um estado de observação de si mesmo, como explica Túlio Márcio Trindade:

A consciência da personalidade era também a nota fundamental da idade moderna. O indivíduo passava-se a interessar-se por si mesmo e se tornava objeto de observação e de análise psicológica. A necessidade da liberdade de movimento e de afirmação pessoal fazia com que o homem moderno ansiasse por se tornar senhor de si próprio e passasse a atuar, arriscar e criar, incumbido do desejo de fortuna e de recompensa pela fama e pela glória. (TRINDADE, 2015, p 15)

A modernidade, ainda assim, culminou para um caminho de aglomeração de conhecimentos que serviria para a emancipação humana, e mais adiante para a organização da sociedade, como algo mais próximo de um desenvolvimento racional.

Os termos pós-modernismo e pós-modernidade possuem autonomia de conceitos. O primeiro baseia-se em um sistema de culturas, sejam acadêmicas ou populares, referentes à ideia de consumismo e produção, sendo especificamente embasada em uma visão positivista do mundo (TRINDADE, 2015. p 24).

A pós-modernidade é o período que mais chama atenção no que tange aos pensamentos sobre a verdade, atrelando-se com a objetividade e a razão, pois o momento estaria mais aberto para se começar a tratar do tema do animal como sujeito especial de proteções, consequentemente de direitos, enfim, dos assuntos ligados a esses seres portadores especiais de proteção, enquanto seres vivos, que até então não era objeto de interesse, como em épocas pretéritas, em virtude de uma posição estática até então mantida pela sociedade.

A pós-modernidade abriu espaço para a tecnologia, que consistia em um grande aparato para a disseminação do conhecimento, adequando-se de acordo com o crescimento e as perspectivas sociais, como no transporte, comércio e outros agentes que tiveram de encaixar-se no novo modelo para sobreviver neste mundo. O conhecimento acelerado da pós-modernidade torna-se cada vez mais presente nas relações sociais, uma vez que tem um espaço fundamental garantido com caráter de valor, ao passo que também tornou-se produto no que tange à sua relação com o consumo (TRINDADE, 2015 p.25).

Vale ressaltar que a pós-modernidade abriu as portas para o progresso, uma vez que a disseminação de culturas e valores está em ênfase e a legitimidade ainda é um fator em questão, visto que explicam o avanço da sociedade e a liberdade de poder consumir e ter acesso à tecnologia, embora, ainda assim, o espaço da ciência continue a ser uma estrutura autônoma e com grande influência política. Assim esclarece Trindade:

O saber científico não representa todo o saber da sociedade, vez que há outra modalidade como saber narrativo. A legitimação do saber opera-se de modo semelhante à legitimação da lei pelo processo legislativo. Um enunciado científico deve estar sujeito a um processo que se desenvolva através da verificação de critérios e da experimentação, até que faça parte de um discurso e possa ser considerado pela comunidade acadêmica. (TRINDADE, 2015, p. 25)

Conforme explicitado acima, trazendo essa ideia de legislação para tratar do reconhecimento dos animais como seres especiais de proteção e direitos, está-se aqui apontando uma das grande dificuldade até agora vistas, pois o processo de legitimação é custoso e depende de vários critérios, sejam eles políticos ou de caráter científico. Não se trata apenas dos avanços da sociedade nessa situação, pois as pessoas não têm o poder de operar livremente em certos assuntos no que tange à força de critérios normativos.

Assim, a pós-modernidade, onde se encontram grandes ativistas defensores do direito dos animais, como sujeitos especiais de direitos à proteção, encontra dificuldade nesse sentido, porque a sociedade ainda não tem poder de decisão, eis que ainda há uma dependência de critérios, sejam jurídicos ou morais. O que existe, portanto, é uma incompatibilidade de ideias, onde não há critério absoluto, apenas uma permanência da sociedade sobre tendências padronizadas.

4.2 A perspectiva da pós-modernidade sobre os animais

A preocupação com os direitos dos animais começou a existir quando a pós-modernidade deu espaço ao pensamento dos ativistas, pois até à idade moderna a sociedade era completamente estática com relação ao assunto.

Tendo em vista a relevante contribuição de filósofos e cientistas, e o grande aprofundamento do estudo e da evolução dos estudos sobre o homem, abriu-se então o espaço para o pós-humanismo, e ocorreu desde então um grande avanço sobre a visão humanista perante o tema dos sujeitos especiais à proteção, como os animais. Assim esclarece Silva: “O reconhecimento da disciplina jurídica a tratar dos interesses dos animais é fruto da mudança de paradigma proposto pelo olhar pós-humanista da sociedade, evidenciando os efeitos colaterais da sociedade pós-moderna em crise. ” (Silva, 2014, p.162)

O direito precisava progredir sobre o assunto dos direitos animais, pois até então os doutrinadores não se posicionavam sobre o assunto e a sociedade já questionava o tema, principalmente aqueles que são os defensores da causa. O desenrolar aconteceu, inicialmente, quando os ativistas abordaram o assunto que já não era mais novidade nas faculdades e escolas em geral. Dava-se início à abordagem da relação jurídica de proteção entre o humano e o não-humano. (SILVA, 2014, p. 163).

A questão levantada sobre o sujeito especial de proteção, no caso o animal, ganhou destaque quando essa relação embasou-se dentro do ordenamento jurídico como uma relação de proteção, no que tange ao humano sobre o animal não humano. Assim a perspectiva do direito animal começava a ser percebida em uma visão autônoma, como explica Almeida de Trajano Tagore Silva:

O direito Animal autônomo é norteado por princípios próprios (dignidade animal, antiespecismo, não violência e veganismo). Surge como um campo jurídico- científico dinâmico, evolutivo, a situar os novos sujeitos, estabelecendo uma dupla proteção do direito : 1) garantir direitos subjetivos protegidos pelo estado; e 2) a preservar eventuais violações por parte dos particulares. (2014. P, 163-164)

O direito não está tendo escolha para lidar com o assunto, uma vez que destaca-se paulatinamente no campo jurídico a questão do modo de valorização de interesses, não apenas no que toca aos seres humanos, mas evoluindo-se para alcançar outros seres existentes. A questão animal no novo paradigma está em destaque, sendo envolvida pelo movimento pós-humanista para que se torne reconhecível sob a perspectiva do novo status jurídico de sujeito de direito (SILVA, 2014, p. 163-164).

A inclusão do tema no campo jurídico proporciona a discussão nas universidades de direito, abrindo-se espaço para que seja desconsiderado como tabu. A ciência jurídica tem um caminho pela frente, já que as divergências e posicionamentos contrários ainda persistem em abundância. A luta pela causa animal para a mudança da atual perspectiva é uma realidade e os ativistas contribuem com sua atuação.

4.3 O paradigma da influência da proteção animal do Direito Brasileiro

As influências dos movimentos ativistas fez surgir uma vertente de preocupação com a segurança dos animais não-humanos, surgindo daí a confirmação por parte de muitos Estados das diretrizes da Declaração Universal dos Direitos do Animal de 1978. Tais movimentos, através das manifestações em movimentos ambientalistas, contribuíram para diminuir a exploração dos animais na caça e nos experimentos, os quais, ao lado de algumas atuações governamentais, têm sido os grandes influenciadores para a iniciativa da proteção. Ao mesmo tempo, toda denúncia que revela o tráfico de animais, ou mesmo outros atos muito presentes na atualidade como o comércio dos animais, são pontos que alertam a sociedade para a necessidade de ações urgentes voltadas para as medidas de proteção (BIZAWU, 2015, p. 118).

A proteção animal veio ganhando espaço ao longo da história, trazendo consigo além do direito as perspectivas filosóficas, éticas e em diversos campos e diversas áreas, tratando de forma cautelosa e minuciosa o assunto “animais humanos e animais não humanos”. No que tange ao Brasil, a Constituição Federal de 1988 foi um marco relevante quanto à atenção com os princípios ambientais, introduzindo no ordenamento jurídico brasileiro novas diretrizes, definindo uma postura constitucional que inovará na interpretação da realidade vivida (BIZAWU, 2015, p. 119).

Preocupou-se em se destacar essa defesa, no texto constitucional, através da proteção contida no artigo 225, § 1°, inciso VII. A partir da previsão constitucional, indaga-se, contudo, se tal proteção estaria referindo-se somente aos seres humanos, com relação a não lhes produzir qualquer sensibilidade que os afetasse ou alcançasse os seus sentidos nas situações de maus tratos sofridos pelos animais não-humanos, ou se a CF/88 estaria proporcionando a estes últimos uma proteção que lhes acarretaria melhores condições de tratamento, ou seja, o reconhecimento dos seus direitos, sendo essa segunda posição a que os animalistas defendem (BIZAWU, 2015. p. 119).

O termo animalismo refere-se a um aprofundamento em ideias e teorias éticas sobre posicionamentos em relação aos animais não humanos, resultando em conceitos sobre o animalismo direto e indireto, como esclarece Bizawu:

Adverte que há uma distinção básica entre o animalismo indireto ou reflexo e o animalismo direto. No animalismo indireto,leciona, os animais são um fim em si mesmo, não possuem valor próprio, são meros instrumentos. Esclarece que são espécies animalismo indireto ou reflexo, o animalismo antropocêntrico ou humanístico e o animalismo ecocêntrico ou ambientalista. Para o animalismo antropocêntrico o fundamento de proteção animal é o ser humano, a sua consciência, os seus direitos e os seus sentimentos. Não se deve ferir um animal, porque o ser humano não deve ter a sua propriedade atingida ou porque tal fato pode ferir a sensibilidade humana, ou ainda porque ferir um animal seria para o ser humano negar a sua humanidade [...].Afirma o autor que no animalismo direto o animal humano possui o seu próprio valor moral, variando esse valor, conforme a teoria adotada.(BIZAWU, 2015, p. 119)

O que o ordenamento jurídico brasileiro tem buscado nessa situação é tutelar a ambientalização do direito, e a CF/ 88 tem se preocupado como essa posição, como se infere do texto constitucional, tratando-se de uma novidade, visto que as outras constituições brasileiras não mencionavam o direito ambiental, e as posições estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, acerca do alcance do artigo 225 da CF/88, têm se inclinado para o reconhecimento da proteção ambiental como direito fundamental. Assim esclarece Bizawu:

Esclarece que a fundamentalidade do direito ao meio ambiente já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal e o pelo Superior Tribunal de Justiça que interpretando o artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 já deram ao direito à proteção ambiental o status de direitos fundamental. (BIZAWU, 2015, p. 125)

Verifica-se, pelo exposto, que a proteção animal situa-se de modo centralizado no direito ambiental, pois preocupou-se a CF/88 em tutelar a proteção em face dos animais, reconhecendo-lhes a condição de sujeitos especiais quando lhes garantiu o direito à proteção contra ações de crueldade. Por conseguinte, mesmo o animal sendo coisa para o direito civil, a CF/88, ao conferir-lhes proteção, assegurou-lhes direito.


5 A POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS ANIMAIS.

5.1 Os direitos fundamentais e seu conceito

Os direitos fundamentais são entendidos como cláusulas de “resguardo de direitos”, sendo, portanto, essenciais e básicos. Os direitos fundamentais estabelecem para o homem na forma individual uma segurança, pela qual tem-se a liberdade, seja no campo individual, na política e nas liberdades fundamentais, como previstas na CF/88. Assim, com intuito de demonstrar a possibilidade do reconhecimento dos direitos fundamentais dos sujeitos especiais de direitos, é de suma importância levantar o histórico dos direitos fundamentais e a quem eles são designados (IURCONVITE, 2007).

A conquista do homem pelos direitos fundamentais não foi uma tarefa fácil, haja vista o fato de terem de ganhar força em vista do grande poder do Estado de autodeterminação e controle exercido em face dos indivíduos. O surgimento dos direitos fundamentais consistiu em uma possibilidade de resguardar os direitos das pessoas a partir da limitação do poder estatal (IURCONVITE, 2007).

Os direitos fundamentais surgiram com o intuito de consolidar de forma constitucional os valores preservados e essenciais para manter a segurança individual necessária. Nessa situação ainda não abordaram a questão dos animais não-humanos, embora os que defendam a causa desses sujeitos especiais tenham ressaltado a necessidade dos não-humanos de alcançar o tal reconhecimentos dos direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais inscritos no Título II da Carta Constitucional de 1988, ainda que inerentes ao ser humano, ainda são, na maioria das vezes, desrespeitados, mas a luta para fazê-los prevalecer e ser respeitados no ordenamento jurídico é contínua. A situação está bem próxima da realidade dos seres especiais de direitos, embora prevaleça a divergência quanto a esses últimos, visto que se as pessoas já possuem direitos constitucionalmente protegidos, ainda busca-se aos animais o reconhecimento dos direitos fundamentais em face das necessidades que possuem e do sofrimento que encontram na sociedade, representado no descaso, no abandono e nos maus tratos de que são vítimas, dentre outros problemas.

Há, para tanto, pessoas que cuidam desses assunto para os animais, uma vez que por não serem sujeitos dotados de vontade alguém os representaria.

Os direitos fundamentais possuem dimensões que, de certa forma, foram essenciais para o seu reconhecimento, as quais passaram por etapas. Os direitos fundamentais da primeira geração surgiram para garantir ao animal humano os direitos civis e políticos, como a liberdade, que surge como limitadora da atuação do Estado. O surgimento do reconhecimento e tutela dos direitos fundamentais relaciona-se, entretanto, apenas ao homem comum, não estando incluídos nessa etapa os animais não humanos (IURCONVITE, 2007).

No que tange à segunda geração, marcada pelo término da fase do liberalismo econômico e pela agitação desse período, o Estado Social de direito encontrava-se em meio a muitas mudanças e nessa fase a busca por uma sociedade com melhores condições de vida continuava. Os direitos da segunda geração associam os direitos do indivíduo ao sentido social, para serem exercidos em face da coletividade, como no direito à saúde e ao trabalho, dentre outros. Essa relação entre sujeito e coletividade, porém, também não incluiu os animais (IURCONVITE, 2007).

Já os direitos da terceira geração, pós-segunda guerra mundial, relacionam-se ao sentido de sujeitos de direitos em relação à dignidade humana, restando compreendido que os direitos fundamentais até o momento resguardaram os direitos dos homens, não havendo indícios, nas fases de seu reconhecimento, qualquer extensão aos sujeitos especiais de direitos (IURCONVITE, 2007).

5.2 A possibilidade de reconhecimento dos direitos fundamentais dos animais

Surgindo os direitos fundamentais para proteger os humanos, em momento algum, incluíram-se os animais nas etapas de seu reconhecimento. Com passar do tempo, percebeu-se que a relação entre os homens e a natureza é de independência, razão pela qual não foi mencionada junto aos direitos dos homens, na condição de direitos fundamentais, embora essa relação autônoma precise ser interrogada, eis que o cuidado na relação entre o homem e natureza significa controlar as destruições feitas pelos homens em seu ambiente (NOGUEIRA, 2012 p. 277) .

Essa preocupação vem sendo levantada, em parte devido à superioridade que os humanos têm sobre os animais, de modo que os animais sofrem de toda a forma possível, seja no aspecto moral, ou no físico. E essa preocupação tem aumentado na medida em que a sociedade se desenvolve e, por força de consequência, o fluxo econômico e o consumismo reforçam, por sua vez, a individualidade, restando aos animais apenas a posição de coisas a serem usadas em um sistema de consumismo (NOGUEIRA, 2012 p. 277).

Parece, portanto, que a sociedade está apenas cuidando dos seus próprios interesses individuais, tornando os animais seres isolados ao não oferecer-lhes o direito uma solução que não seja deixá-los à mercê da boa vontade humana, sem perspectiva de tutela jurídica. A razão que justificou o reconhecimento dos direitos fundamentais foi a garantia das liberdades individuais a partir da imposição de limites ao poder do Estado, sendo que, na atualidade do Estado Democrático, a mesma lógica deveria se inferir em face dos animais com relação à ação e poder do homem sobre eles (NOGUEIRA, 2012, p. 278).

As pessoas que se preocupam com os direitos dos animais defendem que a tutela aos direitos fundamentais não deve ignorá-los, pois eles estão subordinados à ordem capitalista de consumo, devendo haver uma reversão desse domínio a partir da verificação de quem está sendo tutelado pelo direito e quem poderia estar (NOGUEIRA 2012, p. 279).

A discussão sobre os direitos fundamentais dos animais e a possibilidade de seu reconhecimento vem concluindo por englobá-los em um grupo diverso daquele onde se situam os humanos, visando conceder-lhes a tutela da qual necessitam na condição de sujeitos especiais de direitos. Neste sentido, uma tutela em nível de direitos fundamentais resolveria a questão, uma vez que o tratamento a ser conferido aos animais seria próprio daqueles que não possuem manifestação de vontade para a realização de negócios jurídico sou de outros atos jurídicos dependentes da vontade, definindo e reconhecendo-lhes, na condição de seres viventes, a situação jurídica de sujeitos especiais, passivos, de direitos fundamentais, os quais, tanto quanto os sujeitos de direitos humanos, dotados de manifestação de vontade ativa, precisam de direitos fundamentais para sobreviver.

É como esclarece Nogueira acerca da teoria da igualdade na consideração de interesses semelhantes de Singer:

Pode-se buscar a teoria da Igualdade na consideração de interesses semelhantes de Singer para justificar que os direitos fundamentais dos animais devem ser atribuídos naquilo que lhes forem compatíveis. Os animais pleiteiam um direito fundamental de ter uma vida digna. o que não quer dizer que pleiteiam viver com luxo, receber herança, usar colar de pérolas etc. Edna Cardozo afirma que os animais possuem algumas necessidades similares a dos humanos, o direito tem o dever de tutelá-las . “É a biologia que demonstra a unidade entre o homem e o animal“, pois ambos possuem necessidades fundamentais semelhantes, viver , alimentar . reproduzir e ser livre em seu habitat natural. A cada uma dessas necessidades corresponde a um direito fundamental. (NOGUEIRA, 2012, p. 280)

Nessa perspectiva, os animais seriam os destinatários simples, também podendo ser chamados de sujeitos especiais, receptores dos direitos fundamentais, ou seja, na condição de sujeitos passivos (NOGUEIRA, 2012, p. 281).

Na previsão constitucional, como já demonstrado, os animais possuem uma proteção junto ao meio ambiente, mas que não se executa na realidade. Seria viável reconhecimento de direitos fundamentais direcionados aos animais não humanos, porque mesmo que se garanta um direito fundamental ao meio ambiente, os animais ainda estariam convivendo com os problemas de sempre, quais sejam os maus-tratos, o risco de morte, dentre outros. É sabido que o direito fundamental ao meio-ambiente não pode ser alterado na CF/88, embora ainda não haja concretude em relação aos direitos dos animais, que ainda ficam impedidos de terem o conhecimento na condição sujeito especial de proteções (NOGUEIRA, 2012 p. 282).

Para que futuramente se possa alcançar o reconhecimento de seus direitos, é primordial que haja também um reconhecimento pelo Judiciário, fato que não adentra a seara da impossibilidade, uma vez que os direitos fundamentais humanos já foram rechaçados em um passado distante e, uma vez que tenham sido recepcionados e estejam em vigência, traduzem a ideia de que o sistema, para tal compreensão, não está fechado. E como os direitos fundamentais tendam à prevalência, abre-se a possibilidade de que os seres vivos, como animais não humanos, possam ter um espaço reconhecido de tutela de direitos morais pelo Judiciário também pelas necessidades que possuem (NOGUEIRA, 2012. p. 283).

No que tange aos direitos morais, que seria uma modalidade de proteção, esclarece Nogueira: “Direitos morais produzem consequências em relação ao seu titular para aquele que possui determinado direito, é garantido um tratamento específico correspondente”(Nogueira, 2012, p. 283). Oque essa proposta mostra é que com tal garantia não se pode negar a nenhum humano, seja qual for a raça ou o status que possua, o exercício de seus direitos na sociedade, não havendo quanto a eles divisores fundamentais, e, seguindo esse pensamento, não deveria existir divisões também para os animais quanto a serem sujeitos passíveis de direitos. Existe um desencontro, pois a lei protege algumas espécies, e não permite às outras mesmas espécies a mesma proteção de direitos, diferenciando-se os tratamentos conforme a situação determinada (NOGUEIRA, 2012, p. 284).

Atualmente, discute-se que os animais devam ter direitos no Estado Democrático porque os direitos fundamentais são dele parte inseparável e devem ser respeitados, expandindo-se essa premissa para além dos seres humanos e buscando-se, assim, realizar a igualdade de tratamentos (NOGUEIRA, 2012, p 285)


6 OS ANIMAIS COMO TITULARES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONDIÇÃO DE SUJEITOS ESPECIAIS DE DIREITOS

6.1 A perspectiva dos direitos dos animais

As mudanças sociais contínuas da pós-modernidade, onde as evoluções no campo científico e outras áreas como o comércio foram essenciais para que mudassem o estilo de vida do homem, e também trouxeram novas perspectivas de pensamentos, incorporaram o homem na natureza, no sentido de permitir sua aproximação com as causas animais. O homem cuidou para que o assunto dos animais tivesse amparo junto ao direito, uma vez que a sociedade já clamava por uma abordagem da questão animal, indagando qual seria a posição deles dentro de um meio social (DIAS, 2000).

Alguns Estados foram criando, ao longo do tempo, leis protetivas para esses seres, trazendo o assunto para o espaço jurídico.

Os sujeitos especiais de direitos passam a ter uma abertura no campo jurídico para uma compreensão de sua situação. O direito recebe a discussão sobre o tema, mas para que a possibilidade um dia seja concreta, deve-se inicialmente pensar na perspectiva do animal no meio social hodierno. A defesa da causa animal alega serem eles seres vivos como o homem e, por conseguinte, sujeitos dignos de respeito, de proteção e de guarda, pois eles lutam para sobreviver. Também em sua defesa, esclarece Dias: “Aquele que não sente compaixão pelos animais não têm o direito de falar das torturas humanas, Para as mãos do justo, tudo que vive é sagrado”(DIAS, 2000, p.350).

O reconhecimento exigirá trabalho, uma vez que os animais não são seres possuidores de vontade, necessitando que outros o façam por eles, consistindo a tarefa em uma perspectiva de grande cuidado. A libertação animal precisará de grandes providências para tal reconhecimento, a fim de que o seu resultado tenha alguma chance no mundo jurídico (DIAS, 2000, p.350).

6.2 Objeto de tutela ou sujeito de direitos

Diante da exploração animal presente em grande número na sociedade atual, foram criadas ONGs de proteção aos animais não humanos que estão espalhadas no Brasil e no mundo, que objetivam a busca do reconhecimento desses seres vivos na sociedade. A crueldade com os animais está tão presente na sociedade que chega a deixar a dúvida sobre qual seja a posição dos animais no ordenamento jurídico brasileiro, se objetos ou seres que merecem seja resguardada a proteção que lhes deve ser de direito; ou seja, se são seres especiais de direitos, que são tutelados, ou objetos. Levanta-se, enfim, uma série de hipóteses sobre a compreensão desses sujeitos na condição de sujeitos especiais de direitos. (POLI; JOSÉ, 2015, p.11-12)

O modo com que a sociedade se comporta no mundo jurídico, no tratamento de umas para com as outras, demonstra preconceitos e assim contribuem para que os sujeitos possuidores de direitos tenham seus direitos omitidos ou até mesmo negados. É o que aconteceu com os escravos que viviam na sociedade, tratados como objetos até a assinatura da lei Áurea, sendo daí em diante que o tratamento de objeto passou a sujeito de direitos, embora a mudança tenha se dado gradativamente, já consistiu em um passo primordial no ordenamento jurídico brasileiro. Pode-se pensar o tratamento com os animais no mesmo sentido, visto que o relacionamento com eles hoje em dia não demonstra expectativa de serem seres sujeitos a medidas protetivas, pois os maus tratos são comuns, e a omissão das entidades governamentais em melhorar-lhes a sua situação não demonstra a eficácia que deveria ter. Isso é possível de se verificar em lares todos os dias, onde haja abandono e desacato total, no que tange à proteção dos seres especiais de direitos (POLI; JOSÉ, 2015, p.14).

No direito, atualmente, no tocante à condição animal, o reconhecimento de sujeitos de direito fica distante, embora a existência de tratamentos diferenciados ocorra em muitos casos, não havendo ainda uma solução para tais discrepâncias no ordenamento. Nessa perspectiva de tratamentos esclarece Poli e José:

Não se pode esquecer o fato de que o ser humano é um animal racional e as crianças e adolescentes as mulheres e os escravos como animais racionais foram, durante um longo período de tempo tratados como "Objeto" pelo ordenamento jurídico brasileiro assim como os seres sencientes (adjetivados de animais irracionais) São atualmente tratados como bens móveis, e por conseguinte, como "coisa" . (POLI; JOSE, 2015, p.20)

Os avanços que aconteceram na pós-modernidade, e que estão o tempo todo em constância, tiveram e ainda possuem grande papel nas pesquisas, e ao longo do tempo mostraram que não só a espécie humana tem a capacidade de idoneidade, ou seja, possuem também os animais a capacidade de se sobressair em determinada situações a que estão expostos, pois distinguem algo quando precisam, havendo indícios sobre a possibilidade de racionalidade de alguns animais, como explica Poli e José (2015).

Se entendermos a racionalidade como capacidade de tomar decisões baseadas em pensamentos lógicos, muitos outros bichos podem ser considerados racionais. Novas evidências revelam que racionalidade não é um privilégio do homem, Na verdade, ela é mais uma das capacidades compartilhadas por muitos seres vivos.[...] Golfinhos e macacos por exemplo racionam quando se veem diante de novos desafios e decidem-se precisam rever as estratégias para enfrentá-los (POLI; JOSÉ, 2015, p.20-21)

Essas situações nos remetem a pensar sobre o reconhecimento dos animais como sujeitos especiais de proteções e direitos, em face da existência de indícios que justificam a revisão acerca de sua subjetividade. Nesta linha envolver-se-ia o conceito de personalidade jurídica, já demonstrado no 2°capítulo do presente trabalho. Levando a presente reflexão a uma possibilidade de reconhecimento da sua subjetividade, para além dos seres humanos, pode-se reconhecer a esses animais não humanos a posição de sujeitos de direitos na condição especial passiva.

Há diferentes possibilidades de compreensão acerca da situação jurídica dos animais, estando, dentre alguns posicionamentos possíveis, os dos chamados animais como objeto, ocupando de alguma forma um lugar de tutela especial. Podem-se ainda dividir os animais como sujeitos especiais de proteção, e assim passíveis de direitos, e, em outra posição, que veda a personificação a esses seres, não admitindo a possibilidade de reconhecimento aos animais não humanos como sujeitos de direito, pois para os que apoiem essa posição sua concepção os situa no artigo 82 do Código Civil. Seguindo esses posicionamentos, esclarece Poli e José (2015):

Já de acordo com o professor Leonardo Macedo Poli (2014), personalidade jurídica e subjetividade são institutos diferentes, ou seja, os animais não humanos são sujeitos despersonificados, pois não são detentores de personalidade jurídica pelo fato de esta ser um instituto de política legislativa. Em contrapartidas, ainda segundo Poli, é possível reconhecê-los como detentores de subjetividades, pois subjetividade enquanto fato social, pode ser ampliada ou restringida (dependendo da fase histórica vivenciada.) (POLI; JOSE, p.24-25)

Entende Leonardo Poli, no que tange à personalidade jurídica, que os animais não a possuem, estando esse entendimento baseado no ordenamento jurídico vigente, uma vez que a designação é dada através do legislador. Doutrinadores como Fiúza fazem menção ao assunto, esclarecendo explica Poli e Jose que: "Há certos entes que embora não sejam pessoas, são sujeitos de direitos e deveres, por expressa força de lei. Isto é, porque são dotados de direitos e deveres pelo ordenamento. Exemplo seria o nascituro" (POLI; JOSÉ, 2015, p.25-27).

6.3 Possibilidade dos direitos dos animais

Embora compreende-se que os animais não possuem vontade, requer-se que permaneçam no ordenamento jurídico como sujeitos que têm possibilidade de direitos na condição de sujeitos especiais. O direito do animal passaria a agir como garantidor dos aspectos morais ou físicos. Quando se faz a possibilidade desse reconhecimento, se deixa para trás a ação do homem e a visão que ele possuía frente aos animais, os quais eram tidos como direito de propriedade até então (DIAS, 2015, p. 31).

Trabalha-se a hipótese de que o direito animal teria que desvincular-se do direito ambiental, o que seria um início primordial para tal compreensão, mas esse assunto ganhou repercussão na teoria dos direitos dos animais quando começou a discussão através de vários posicionamentos diferentes, dentre eles o de Peter Singer, em virtude da sua obra “Libertação animal”, pois nela o autor faz um relato minucioso sobre a forma cruel a que os animais são expostos. No que diz respeito aos que ficam em laboratórios (DIAS, 2015, p. 37), em uma das passagens do livro de Singer, verifica-se detalhes sobre que acontece com alguns animais quando estão em observação para teste, ou em abatedouros, como explica o autor: ” Quando a pesada corrente de ferro é presa na perna traseira de um animal de corte, com cerca de 450 a mil quilos, e o novilho é suspenso, o couro se rasga e é separado do osso. O osso da canela é muitas vezes trincado ou fraturado”(SINGER, 2008, p.227).

Singer remete à ideia de pensar onde estão os direitos dos animais, sendo que ele trabalha em sua obra as principais conquistas dos direitos dos animais em 1990 acompanhando a luta constante pela defesa dos direitos dos animais (SINGER, 2015).

Esses autores vêm demonstrando fatos reais no direito.

Ainda com relação aos direitos dos animais, a data correta sobre os questionamentos não se conhece, mas a expansão sobre o animal como sujeito especial de direitos começou em 2000, e assim vários doutrinadores expuseram suas ideias sobre o assunto. No Brasil começou-se a falar sobre o tema quando a Suprema Corte dos Estados Unidos referiu-se a uma sentença que tratava do assunto (BIZAWU, 2015, p. 41).

Compreende-se que para o reconhecimento dos seres especiais de direitos teria que se pensar na desvinculação, ou seja, tratar dos direitos fundamentais de forma autônoma à questão do meio-ambiente. Por uma nova perspectiva nessa situação, diante de uma possível mudança do Código Civil de 2002 para aprofundar-se na possibilidade futura do reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos, esclarece Bizawu:

Precisamos alterar o código civil, para, que os animais domésticos e exóticos não sejam classificados como coisas, e assim animais sensíveis.O código civil de 2002, em sua parte geral tem um título “ de pessoas “ - Livro I , e o outro título dos bens- Livro III , neste são incluídos bens móveis suscetíveis de movimento. [...] ,Torna-se urgente a criação de uma terceira categoria em nosso Código Civil .[...] E é ‘justamente o fato pelo fato do nosso código civil só reconhece duas categorias- pessoas e bens- que leva muitos doutrinadores a entenderem que o animal é objeto de direitos ( um bem ) e não como sujeito de direitos.(BIZAWU, 2015, p. 41-42).

No ordenamento jurídico atual, verificam-se várias posições sobre o caso, e a luta para o reconhecimento dos direitos dos animais não humanos enquanto seres vivos continua vigente. Esteve em aprovação o projeto lei do ex-governador, e atual senador do Estado de Minas Gerais, que propõe uma nova proposta no ordenamento jurídico brasileiro sobre os animais não serem coisas (projeto de lei nº PLS 351/2015 que altera o CC/2002, Lei nº 10.406/2002), o qual foi retirado de pauta pelo Relator.

O já mencionado artigo 225 CF/88, inciso VII, § 1°, deu sustentação para que os animais hoje fossem conhecidos e entendidos como seres que também possuem direitos fundamentais, mas a questão central estaria na possibilidade de separar a tutela aos seus direitos fundamentais da proteção ao meio-ambiente (BIZAWU, 2015, p. 43).

Porém, seria esse o sentido inicial para que essa possibilidade autônoma pudesse acontecer, e dessa forma esclarece Bizawu:

Entretanto por ter objeto próprio e princípios próprios, entendemos que o Direito Animal possui todos os elementos para se tornar uma disciplina autônoma. Senão vejamos. o artigo 225 da CR/88 dispõe em seu §1°, inciso I a VII , que incube ao poder público garantir: O direito à preservação da biodiversidade ( inciso II) ; o direito da preservação da espécies e dos animais não serem submetidos à crueldade ( inciso VII) . Nesses dispositivos está implícita a ideia que os animais têm direito a`: Dignidade( além da humanidade), quando incube ao poder público e a coletividade de garantir a vida, respeito à integridade física, o equilíbrio ecológico[...]. Igualdade (além da humanidade), no sentido de ter a vida preservada em seu ecossistema. (BIZAWU, 2015, p. 44)

6.4 O direito brasileiro

No item 6.3. foi mencionado uma possibilidade de mudança do Código Civil, na redação do artigo 82, a qual refere-se ao acréscimo de um parágrafo único ao art.82, e do inciso IV ao art. 83, que passariam a considerar os animais não como coisas, mas sim como sujeitos de direitos. A ideia de sujeito de direito estaria aqui ligada à condição desses seres sensíveis e possuidores de direitos na questão da proteção. Trataria o Código Civil dos seres especiais como receptíveis de direitos, e assim sustentaria a ideia de igualdade dos seres, designando um tratamento autônomo dos animais em face do meio ambiente - uma mudança de paradigmas.

Seguindo esta ideia o direito brasileiro faria uma evolução na denominação dos direitos subjetivos, visto que, reconhece essa dominação apenas aos seres humanos, mas para que a mudança aconteça o direito teria que tratar sobre essa condição (BIZAWU, 2015, p. 196).

No direito brasileiro, atualmente, já se fala sobre os direitos subjetivos, ou seja, até aonde vai o seu alcance, isso porque a questão animal está sendo debatida em diversos lugares, e no Brasil já possui um levantamento sobre o posicionamento, sendo a proposta do projeto de lei 351/2015 um dos principais enfoques sobre a questão. Quanto à abordagem dos direitos subjetivos, esclarece Bizawu. “O conceito de direito subjetivo vem sendo transformado por força da destruição desenfreada do meio ambiente.”(BIZAWU, 2015, p. 196).

Os direitos subjetivos estão sendo discutidos em razão dos incidentes de crueldade a que os animais estão sujeitos atualmente, embora já se possuam leis que tutele a questão da crueldade e apliquem sanções, como a Lei Federal 9.605/98, conhecida como Lei dos Crimes Ambientais, em seu artigo 32. Ainda sim, no Brasil como em outros países não se consegue controlar e respeitar devidamente a condição dos seres animais não humanos.

O animal no ordenamento jurídico brasileiro é visto como objeto de posse do animal humano, e quem defende o reconhecimento dos animais no direito questiona sobre a questão dos direitos subjetivos como esclarece Bizawu:

É razoável entendermos que, hoje, as situações individuais devem ser protegidas em nome de algo maior, que é a manutenção da vida do planeta. É esse o fundamento atual dos direitos subjetivos. O homem exerce as liberdades e têm direitos, na medida que isso assegura o bem comum. Mas o que é bem comum no séc. XXI? . É garantir a sobrevivência da espécie humana. É também garantir a vida em sentido mais amplo e prospectivo.(BIZAWU, 2015, p. 196) .

Enfim, a CF/88 cuida dos direitos, mas a questão está em como eles são tratados, esclarecendo o autor sobre a lacuna nesses conceitos de direitos e deveres de todos, ao afirmar que:

a própria constituição federal é direcionada a extensão do antropocentrismo em seu artigo 225, quando disciplina que todos têm direitos e deveres em busca de um ambiente ecologicamente equilibrado para a essencial e sadia qualidade de vida. ...Diante do exposto, percebe-se que a dignidade da vida no ordenamento jurídico deve estar alicerçada num patamar de superação de conceitos e buscar a proteção de uma vida digna a todos os seres vivos e não apenas aos animais. (BIZAWU, 2015, p. 197)

Por toda a questão da crueldade incontrolável e a busca por mudança de paradigmas da condição do animal no ordenamento jurídico brasileiro, surgiu a questão da compreensão dos animais como sujeitos especiais de direitos, provocando o ordenamento jurídico brasileiro para enfrentar uma transição de mudanças de conceitos que estão sendo debatidos por diversos filósofos e teóricos. O projeto lei 351/2015 seria o principal indício da mudança de paradigma diante das especulações oferecidas até o momento.

A Constituição Federal ao não tratar, portanto, de desvincular os animais dos direitos ambientais, criou uma dificuldade para sejam compreendidos como direitos que devam ser assegurados a sujeitos especiais, como explica Bizawu:

Os animais são representados em juízo pelo Ministério público, que também é representante é da sociedade civil. Entretanto a política adotada no país se preocupa de forma mais imediata apenas com os crimes ecológicos, ou seja, quando o ecossistema é ameaçado colocando em risco a qualidade de vida dos ser humano. O direito civil brasileiro não tem nenhum compromisso com a dignidade animal. (BIZAWU, 2015, p. 196)

A condição dos animais já foi levada e discutida no Judiciário, havendo sobre a questão da crueldade firmadas no STF, como aquela declarada na ADI 1856/RJ, julgada inconstitucional, que se refere à crueldade de animais em competições. Esses são também indícios que sugerem mudanças no Código Civil, embora a questão seja mais ampla porque, como explica Bizawu, para desvincular-se da ideia de bem, ou coisa, que é o conceito atual, e de preocupar-se o direito brasileiro na questão da autonomia dos sujeitos especiais na condição de sujeitos de direitos receptivos de direitos, seria necessário dar início à construção histórica de uma nova perspectiva para o animal não humano (BIZAWU, 2015, p. 201).

Mais recentemente, no cenário brasileiro, posição parecida com aquela sustentada na ADI citada, e relativa à questão da vaquejada, decidiu o STF, em 06 de outubro de 2016, que tal prática é inconstitucional, a despeito de alguns posicionamentos que defendem sua permanência como forma de manifestação cultural, estando a questão ainda em aberto (LOPES, 2016).

O que se compreende é que o Judiciário tem se preocupado com a questão animal e, sendo assim, está reagindo e tornando possível nesses julgados reconhecer que a questão animal não é mais omissa. E, de certa forma, outras questões irão ser levantadas, provocando o Judiciário a posicionar-se sobre qual é a posição dos animais no direito brasileiro atual e qual é a possibilidade de reconhecimentos dos seus direitos. Sendo a questão animal sujeita a uma análise autônoma, as condições em que ela se encontra reclamam uma resposta para a situação.


7 CONCLUSÃO

O Judiciário precisa apreciar a possibilidade de reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos. Diante do aumento de práticas abusivas contra os animais, como: contrabando, crueldade e outros problemas, o direito brasileiro tem por essas e outras relevantes situações, ficado inerte sobre quais os direitos que os animais possuem, não havendo ainda respostas definitivas sobre a questão animal.

Na situação vigente do Código Civil de 2002, os animais ocupam a categoria de bens móveis, como previsto nos artigos: 82 a 84. Embora pareça que a situação jurídica dos animais esteja resolvida, há indícios advindos de fortes posicionamentos de filósofos, e de alguns doutrinadores, como abordados no presente trabalho, sobre a possibilidade de verificar a posição dos animais como de sujeitos especiais de direitos que reclama reformulação urgente.

Quando surgiu essa possibilidade de reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos, que foi tema discutido no projeto de lei 351/2015, veio à tona a questão dos “sujeitos especiais”, ou seja, a situação de pacientes a receberem direitos a eles inerentes, como a proteção devida. Seria uma oportunidade de se abrir um campo de discussão sobre a categoria do animal, de forma autônoma.

É sabido que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, inciso VII,prevê a proteção da fauna e da flora, embora não seja suficiente o tratamento que é conferido aos animais na esfera do ordenamento jurídico brasileiro, visto que quando o STF decide questões de crueldade contra animais, como no caso da vaquejada, requer-se uma tomada de posição em relação aos animais expostos àquela situação específica, e não ao meio-ambiente, conforme dispõe o capítulo VI do texto constitucional, pois se trata de uma questão de envolvimento autônomo do animal.

O que está em ponto neste trabalho é, justamente, a questão animal e a sua posição enquanto sujeito especial de direitos. Os animais não humanos na situação jurídica de sujeitos pacientes de cuidados e proteção, sendo necessário para que possam lhes ser assegurados esses uma reforma no Código Civil, visto ocuparem, atualmente, uma posição apenas na categoria dos bens, interditando-lhes a qualificação como sujeitos especiais de proteção, uma vez que como objetos não há como direcioná-los aos cuidados especiais e inerentes que esses seres não humanos necessitam.

O que se precisa levar em conta é que o Judiciário tem dificuldade ao tratar da questão, pois a legislação atual não está sendo mais compatível com a posição que os animais ocupam atualmente na sociedade, uma vez que para os Tribunais a condição animal, à luz do Código Civil, ainda é vista exclusivamente como propriedade.

Trata-se aqui da possibilidade de reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos, mas na condição especial de poderem receber uma tutela específica, trazendo dessa forma uma nova posição sobre a situação jurídica que ocupam na condição de seres vivos que necessitam de cuidados, e, de certa forma, proteção. Para tanto, requer-se uma nova qualificação autônoma no Código Civil tanto quanto na Constituição Federal, que os dedica certa tutela, embora não de modo autônomo, mas ainda como parte do meio-ambiente, a fim de lhes possa assegurar direitos na condição de seres viventes.

Fica clara, portanto, a necessidade do reconhecimento dos animais como sujeitos especiais de direitos, em uma nova categoria autônoma, para que os cuidados a eles dispensados possam ser respeitados e garantidos.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Ielly Cristina. Possibilidade de reconhecimento dos animais como sujeitos de direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6429, 6 fev. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87664. Acesso em: 24 abr. 2024.