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Formas alternativas para a proteção da posse sem a oposição de embargos de terceiro

Formas alternativas para a proteção da posse sem a oposição de embargos de terceiro

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Buscando demonstrar caminhos diferenciados para a proteção do possuidor de boa-fé, o estudo parte de casos em que a liberação da apreensão sobre bens teve resultado sem que a propositura de uma ação fosse necessária.

RESUMO: Buscando demonstrar caminhos diferenciados para a proteção do possuidor de boa-fé como uma forma alternativa à oposição dos embargos, o estudo parte de casos em que a liberação da apreensão sobre bens (móveis e imóveis) teve resultado sem que a propositura de uma ação fosse necessária. Assim, em vista dos inconvenientes advindos pelo uso dos embargos de terceiro, indica-se a notificação extrajudicial como uma atividade de eficaz contribuição para a solução do problema da apreensão indevida, muitas vezes existente por desconhecimento da realidade fática ocorrida. Além de traçar os critérios para a realização de uma notificação extrajudicial eficaz, o estudo também estabelece a possibilidade da intervenção inominada do terceiro lesado diretamente nos autos de onde partiu a apreensão (e até em eventual carta precatória expedida), apontando elementos para sua atuação. Abordando, ainda, os reflexos de tais medidas no plano dos honorários advocatícios de sucumbência (com a sua exclusão), conclui enquandrando as formas alternativas apontadas dentro da eficácia dos princípios de acesso à justiça, ampla defesa, devido processo legal, economia e celeridade processual.

PALAVRAS-CHAVE: posse; liberação de bem; embargos; terceiro.


Summary: Looking for demonstrate different ways to protect the possessor of good-faith as an alternative form of the opposition of embargoes, the study departs from cases that the liberation of the apprehension of properties has resulted without the necessity of a lawsuit proposition. Thus, based on the inconvenient came upon the uses of the third embargoes, it denotes the extra judicial notification as an efficient activity to solve the problem of the improper apprehension, many times it has happened because of the not knowing of the real fact occurred. In addition of the establishment of criteria to realize an efficient extra judicial notification, the study also establishes an innominate intervention from the third injured directly from the process from where departs the apprehension (and even an eventual letter dispatched), pointing elements to this action. And also looking for the reflects of the lawsuit on the cost on a failure judicial cause (with its execution), it concludes that putting on the alternative forms pointed in the efficient principles of the access to the justice, wide defense, legal process, economy and process celerity.

Key words: ownership, properties liberation, embargoes and third.


1. Introdução

          O exercício do direito de ação, na busca da proteção através da tutela jurisdicional, leva consigo os interentes percalços de uma demanda judicial, como o pagamento de custas, o tempo prolongado para a solução final do conflito, as despesas com advogado, entre outras situações subjetivas que afetam as partes consideradas litigantes.

          Tradicionalmente, o socorro dado pelos Embargos de Terceiro tem atendido às necessidades do possuidor, que se vê tolhido indevidamente pela apreensão judicial oriunda de uma relação processual a qual não pertence.

          Entretanto, na medida em que uma ação judicial pode ser substituída por outras atitudes lícitas e perfeitamente capazes de atingir o mesmo objetivo (exonerar o bem da constrição judicial), é possível concluir que esse caminho diferenciado certamente acabará sendo o preferencial, ainda mais porque é notório o entendimento de que toda demanda exige sacrifícios.

          Desta forma, partindo-se da reflexão sobre os obstáculos existentes, procura-se demonstrar algumas experiências que adotaram formas alternativas ao exercício do direito de ação, indicando como foram aplicadas e o resultado que delas se obteve, na busca de se contribuir para a solução de conflitos de forma menos onerosa e mais ágil.


2. Os Embargos de Terceiro e seus inconvenientes

          Mesmo que os Embargos de Terceiro não recebam qualquer crítica em relação à sua natureza e constituição, ainda assim podem ser lembradas algumas circunstâncias capazes de provocar certo desconforto ao interessado quando de sua disposição.

          Neste sentido, as custas processuais sempre são o primeiro obstáculo a ser ultrapassado. Em Estados cujo serviço não está oficializado, os Embargos de Terceiro inevitavelmente atingem a tabela máxima, pois, de regra, os bens em questão – que indicam o valor da causa –, provocam essa incidência.

          Mesmo a alternativa da aplicação da Lei n. 1060/50, invocando-se a assistência judiciária ao autor, tem certa dificuldade de ser enquadrada, ainda mais pela evidência patrimonial extraída do próprio bem objeto de proteção.

          Em outro momento, também é problema para a parte a questão dos honorários advocatícios contratuais.

          Sem qualquer discussão sobre a necessidade dos honorários advocatícios como contraprestação dos serviços realizados, não parece ser sujeito de dúvidas o incômodo financeiro provocado à parte, que deverá arcar com o seu encargo, sem que diretamente possa reavê-los, já que a sucumbência, de regra, está afeta ao direito do advogado, nos termos do que afirma o artigo 23 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 8.906/94).

          Particularmente quanto aos Embargos de Terceiro, poderá também haver o acréscimo do custo e incômodo de terceiros, com a necessidade da realização da audiência para justificação preliminar. Imagine-se tal exigência se a apreensão ocorrer através de carta precatória, onde sua discussão deverá ocorrer no Juízo Deprecante, a teor da interpretação realizada sobre o artigo 1.049 do Código de Processo Civil, que é expresso em afirmar que "os embargos serão distribuídos por dependência e correrão em autos distintos perante o mesmo juiz que ordenou a apreensão". O deslocamento das testemunhas poderá ser extremamente oneroso.

          Mesmo que se possa falar da liminar nos Embargos de Terceiro, sua concessão poderá ter ocorrido depois do agravamento da situação para o possuidor. No mesmo exemplo de apreensão por via de carta precatória, dificilmente a liminar conseguirá evitar o deslocamento do bem (do juízo deprecado para as mãos do autor da busca e apreensão). Até que a parte contrate um advogado, que o mesmo elabore a petição inicial, que se viaje para comarca de origem da precatória e que lá se conseguia a liminar (mesmo se não foro o caso de designação de audiênia para justificação preliminar), o bem apreendido já terá sido movido de seu local de origem, gerando inevitáveis despesas para a locomoção de retorno entre outros prejuízos.

          Contudo, tais inconvenientes podem ser excluídos ou mesmo amenizados, com as propostas indicadas no presente estudo.


3. O desconhecimento do credor

          A ignorância do credor em relação ao real possuidor (e muitas vezes até mesmo no tocante ao real proprietário) do bem apreendido, sempre enseja a discussão da medida da boa-fé para a efetivação da apreensão. Isso tem reflexo direto na fixação de honorários e na imputação da sucumbência ao mesmo, pois parece estranho responsabilizar-se o credor pelos encargos dos Embargos de Terceiro quando ele não tem conhecimento do verdadeiro possuidor/proprietário.

          Com efeito, pelas circunstâncias através das quais normalmente um bem apreendido indevidamente se encontra, fica difícil ao credor e mesmo ao próprio Poder Judiciário conhecer da situação fática envolvendo a posse do bem. A ausência de registro da propriedade, principalmente, faz com que se presuma diferentemente do que faticamente acontece, já que o exercício da posse (e sua respectiva proteção), não exige a regularidade formal do domínio.

          Por certo, o exemplo clássico atendido pelos Embargos de Terceiro é o que decorre da proteção do possuidor/proprietário que tem como título unicamente o compromisso de compra e venda, sem qualquer escritura, sem qualquer registro (apesar de exercer a posse e tê-la como se proprietário fosse). Tanto foi a consideração de um título precário como esse (compromisso de compra e venda) que o próprio Superior Tribunal de Justiça acabou sumulando a matéria, deixando consagrada a proteção, conforme veio a expressar na Súmula Súmula n. 84 (que determina: "É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro"), superando a fragilidade da documentação em atendimento à consideração justa da realidade fática envolvendo o referido bem.

          Nesta linha de raciocínio, na medida em que o credor deixa de conhecer a situação do bem, parece destoante condená-lo à sucumbência, com o resultado dos Embargos de Terceiro. Se a inércia do proprietário/possuidor em realizar o registro de seu domínio provoca o desconhecimento alheio, deve ele arcar com o resultado de sua conduta, respondendo pelas custas e arcando com os honorários advocatícios (ficando, portanto, sem direito à sucumbência).

          Foi seguindo tal entendimento que muitos julgados surgiram negando o direito à sucumbência. Neste sentido, pode-se tomar como exemplo o julgamento proferido sobre a lavra do Ministro Aldir Passarinho Júnior, enquanto Relator no Recurso Especial n. 440.789/SP, da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (DJU de 17.02.2003, p. 289)

          [...] Incabível, em princípio, a condenação do banco réu na sucumbência em embargos de terceiro, onde ao exeqüente é impossível o conhecimento de venda anterior de imóvel através de contrato não registrado no cartório de imóvel respectivo. Todavia, se, após tomar ciência do fato em juízo, o credor, ao invés de prontamente concordar com o levantamento da penhora, resiste ao pedido, impugnando os embargos e postulando pela manutenção da constrição, torna-se responsável pelo pagamento das custas e da verba honorária dessa demanda.

          De fato, vê-se que muitas vezes é somente com o exercício da demanda (pelo efetivo possuidor) que o credor acaba tomando conhecimento do que realmente acontece com o bem apreendido e, nesta altura, já não tem mais escapatória quanto ao resultado da apreciação judicial.

          A Lei, com efeito, poderia ter configurado expressamente um comportamento anterior à propositura da ação, de maneira a destacar uma maior preocupação com o interesse de agir do Embargante (nos embargos de terceiro), na tentativa de supressão do obstáculo que se lhe impõe a apreensão judicial.

          Arruda Alvim bem observa a existência de dois interesses jurídicos. Um, o considerado primário, tem por fundamento o próprio direito material. O outro, justifica-se pela necessidade da tutela judicial, provocada pela configuração de um obstáculo ao pleno exercício do primeiro interesse (2001, p. 410).

          Ora, se a posse configura-se como um interesse primário, a necessidade efetiva dos Embargos de Terceiro somente poderia ser demonstrada depois que, extrajudicialmente, o possuidor promovesse os atos necessários para dar conhecimento ao credor (que provocou a apreensão), de que sua posse deveria ser respeitada. Não havendo mudança no comportamento do credor (com o levantamento da penhora/apreensão judicial), aí sim estaria configurado o interesse de agir para a oposição dos Embargos de Terceiro.

          É certo que a estrutura atual de atendimento à urgência, na qual estão envolvidos os Embargos de Terceiro (que se concretiza pela possibilidade da concessão da liminar), bem como a proteção da posse, como uma noção extraída do valor que o Direito Positivo dá ao legítimo possuidor, por si só justificam a existência de uma demanda sem que antes se exija essa atitude que se menciona para o fortalecimento do interesse de agir.

          Mesmo a própria apreensão (e, portanto, a retirada da posse sobre o bem) já poderia ser considerada suficiente para a configuração do interesse de agir.

          Contudo, há hipóteses em que tal situação poderia ser diferenciada, quando deveria o possuidor adotar um comportamento efetivo para eliminar a ignorância do credor sobre sua posse, antes mesmo do exercício da demanda, gerando um resultado no plano do material bem mais satisfatório, superando-se todos os percalços já apontados que são provocados pelo conflito judicial.

          Ainda, num plano econômico, o conhecimento prévio do credor da existência da posse em favor de um terceiro já autoriza sua condenação futura pela sucumbência, se ficar inerte quanto à supressão da penhora/apreensão judicial.

          Desta feira, se o credor sabia da posse e mesmo assim não buscou respeitá-la (procedendo com o levantamento da penhora ou da apreensão judicial), fez por merecer a responsabilidade pelas custas e honorários advocatícios provocados pelos Embargos de Terceiro.

          Portanto, essa responsabilidade pode servir como uma forma de instar o credor a adotar um comportamento ativo (e preventivo) para a solução do problema, evitando incômodos que, por via de conseqüência, irão afetar seu processo e seu próprio patrimônio.

          A ignorância do credor, com isso, pode ser elidida com a notificação extrajudicial, da qual adiante se argumentará.


4. A notificação extrajudicial

          Não há outro meio mais idôneo de comunicar o autor da ação que originou a constrição do bem, que não seja a notificação extrajudicial, realizada dentro de certos cuidados para a efetiva configuração do conhecimento.

          Com efeito, se através da notificação fortalece-se a configuração para o interesse de agir do possuidor lesado (se os Embargos de Terceiro se fizerem necessários), permite-se ainda a imposição da sucumbência ao embargado e pode impedir a escusa da ignorância da situação fática existente. Para tanto, tal ato deve estar cercado de alguns cuidados necessários para caracterizar-se como efetiva prova documental de seu conteúdo.

          Neste sentido, realizar-se a notificação extrajudicial por via de correspondência (através da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) não é suficiente. Seja pela correspondência simples, seja por aviso de recebimento ou mesmo com a aparente segurança que a entrega em "mão própria" possa ensejar, nenhum dos meios é seguro o suficiente para comprovar que o destinatário de fato tomou conhecimento do conteúdo enviado. Há uma presunção de que recebeu alguma informação (comprovando-se a entrega por aviso de recebimento ou mesmo de mão própria), mas não se tem como provar o conteúdo de tal informação.

          Falar-se em notificação judicial, apesar da maior segurança do instrumento, cai-se no problema das custas e na burocracia inerente à atividade jurisdicional, que podem, contudo, ser evitados, se efetivamente o caminho extrajudicial for procurado.

          Assim, a melhor opção fica para a notificação extrajudicial realizada por Cartório de Títulos e Documentos, o qual tem, por força de uma de suas atribuições, a presunção de boa-fé suficiente para lançar-se uma certidão comprovando o ato, tendo o Oficial respectivo, a fé pública do ato que pratica.

          Com isso, essa notificação:

          a) pode ser feita pelo próprio possuidor ou por via de seu advogado (mediante procuração);

          b) deve indicar os autos através do qual a constrição judicial foi determinada;

          c) deve comunicar a existência da posse em favor do notificante;

          d) na medida do possível, pode estar acompanhada de documentos capazes de fazer uma prova cabal das alegações, dando maior veracidade aos termos da notificação. Se não puder estar acompanhada de documentos (como alguns Cartórios podem entender incompatíveis), será necessário que se coloque a documentação disponível para consulta, informando-se o notificado de sua localização;

          e) deve solicitar o levantamento da constrição judicial;

          f) deve estabelecer um prazo razoável para que tal levantamento se proceda (dependendo da gravidade da constrição judicial – como no caso de um imóvel – que não se modifica sua situação diretamente -, 30 dias dá tempo suficiente para que o autor da apreensão reflita, consulte sua assessoria jurídica, determine as providências necessárias para a eliminação da constrição e sejam elas efetivamente tomadas);

          g) deve estabelecer como conseqüência da inércia do autor do pedido de constrição judicial a futura responsabilidade pelos encargos advindos da propositura dos Embargos de Terceiro, com o pagamento das respectivas custas e honorários advocatícios.

          Certamente que o legitimado para receber a notificação extrajudicial é aquele que figura como autor do processo de onde se originou a constrição judicial. Em se tratando de pessoa jurídica, cabe um cuidado maior na identificação do sócio-gerente responsável e competente para a comunicação pretendida (o que se pode obter através de certidão do contrato social obtido perante a Junta Comercial), a fim de dar maior eficácia ao ato (evitando-se as costumeiras discussões sobre quem deveria ou não ter sido cientificado do ato).

          Com efeito, pela experiência de casos já ocorridos, percebe-se que a notificação extrajudicial compele a parte notificada a, no mínimo, refletir sobre as conseqüências futuras de seu comportamento. Com a ciência do que acontece com a posse do imóvel, de regra, o notificado toma atitudes que vão procurar evitar problemas futuros, que certamente ocorrerão com a propositura dos Embargos de Terceiro.

          Já houve uma situação onde o notificado, depois de cientificado da situação da posse do imóvel sobre o qual realizou a penhora, requereu em Juízo, nos próprios autos de Execução, a sua substituição, mesmo com os Embargos já opostos pelo devedor. Requereu a substituição do bem penhorado e a baixa respectiva, tomando todo ato que lhe cabia para se isentar da responsabilidade advinda da constrição judicial.

          É regra que o notificado nem mesmo preste contas diretamente ao notificante. O que ele faz é eliminar o problema, cabendo ao notificante diligenciar nos autos originários da apreensão para conferir qual comportamento foi adotado, o que, obviamente não é obstáculo, até porque deverá estar munido de informações oriundas destes autos para a propositura dos Embargos de Terceiro se isso for necessário.

          Assim, a notificação extrajudicial acaba não tendo somente a função de caracterizar plenamente o interesse de agir, podendo mesmo servir de efetivo instrumento para a solução do problema, a um baixíssimo custo (envolvendo o pagamento da atividade do Cartório de Títulos e Documentos e algumas autenticações dos documentos encaminhados anexos à notificação, ainda que se somem os honorários advocatícios pelo acompanhamento realizado, que serão menores do que efetivamente os despendidos para o acompanhamento de um procedimento judicial).

          Mas, certamente, nem sempre a notificação extrajudicial surte tais efeitos. Até mesmo, em muitas ocasiões, não há tempo para a que a notificação extrajudicial ocorra, diante da gravidade da lesão provocada pelo ato de constrição judicial.

          Com efeito, quando a posse do bem é retirada concretamente daquele que sequer seria parte do processo (como no caso de apreensão de bem móvel), o dano interente à perda da posse deve ser resolvido com a urgência necessária a este tipo de situação, de maneira que a notificação extrajudicial pode até mesmo postergar o sofrimento do lesado.

          Por isso, ainda evitando-se os Embargos de Terceiro, é possível encontrar um comportamento satisfatório para a solução do problema, que é a intervenção inominada do lesado nos próprios autos de onde se originou a ordem de constrição judicial ou naqueles onde a ordem está sendo executada.


5. A intervenção inominada

          Ainda como um meio alternativo aos Embargos de Terceiro, é possível fazer com que o lesado intervenha no processo de onde partiu a ordem de apreensão do seu bem (ou mesmo na própria carta precatória, se ela foi expedida para tal fim), de maneira que, provocando a manifestação das partes, possa alcançar a liberação pretendida.

          O ordenamento jurídico pátrio, por certo, não restringe de forma absoluta a participação de terceiros no processo. Pelo contrário, mesmo não se falando da assistência (art. 50 do CPC) ou das outras formas nominadas de intervenção de terceiro (oposição, nomeação a autoria, denunciação da lide, chamamento ao processo), tem-se por perfeitamente possível as intervenções de terceiro cujo interesse jurídico justifica sua participação.

          Evidentemente, o interesse jurídico deve estar justificado pelo interesse, econômico ou moral ao qual a ordem jurídica atribui relevância (ALVIM, 2001, p. 120), que obviamente é o caso daquele que teve o bem do qual era possuidor agressivamente retirado por ordem judicial, oriundo de processo onde sequer tinha alguma responsabilidade.

          Na hipótese da proteção que se quer dar ao possuidor, poder-se-ia questionar se o caminho correto de se intervir como terceiro no processo seria através da oposição, já que, pela natureza de tal medida, seja até sustentável imaginar o seu uso para o fim pretendido.

          Contudo, lembrando que a oposição é uma ação, apresentá-la como um caminho para a proteção do lesado seria invocar todos os inconvenientes existentes (pertinentes a qualquer ação) e seria como equipará-la ao uso dos embargos de terceiro. Porém, estes teriam mais eficácia do que a própria oposição (bastando anotar que a oposição, em princípio, não se vale da mesma possibilidade direta de liminar).

          De qualquer maneira, se a oposição causa tantos problemas como qualquer outra ação e ainda é menos eficaz que os embargos de terceiro, não se poderia equandrá-la como uma forma alternativa, ficando, pois, excluída a sua adoção para os fins propostos pelo presente estudo.

          Assim, o que se vislumbra é a intervenção direta nos próprios autos originários da apreensão, mediante petição devidamente documentada, trazendo para as partes a discussão sobre a posse do bem.

          Certamente que tal manifestação não teria limites quanto aos procedimentos em questão, já que, se de algum modo o bem constritado faz parte do processo, o simples fato da existência de uma ordem judicial para tal ato já autorizaria a manifestação da parte lesada, justificando o interesse jurídico respectivo.

          O que se demonstra interessante é que, diante da evidência da configuração da posse desse terceiro interveniente, quase inimaginável acreditar-se que a manifestação seria indeferida de plano, ainda mais pelos próprios fundamentos do comportamento, embasados não somente no plano material como no próprio aspecto processual, com a incidência da ampla defesa e da garantia de acesso à justiça, num maior grau, bem como pela harmonia com outros princípios fundamentais que oportunamente serão invocados.

          De qualquer maneira, na busca da proteção de seus interesses, nada impede que o terceiro peticione nos autos, fazendo a demonstração de seu direito (muitas vezes embasado em elementos indicativos do exercício da posse, como pagamento de impostos, declaração do Imposto de Renda, taxas, serviços realizados sobre o mesmo), acrescentando, quando possível, a própria notificação do causador da constrição judicial.

          É certo que, como já se disse, diante da urgência de determinados casos, a intervenção não poderá exigir a notificação prévia, como no caso de uma apreensão sobre bem móvel, cuja lesão (com a retirada da posse e sua transferência para outrem) caracteriza-se de extrema gravidade.

          Neste caso, uma demonstração convincente, nos autos de onde partiu a ordem de apreensão, já pode ser suficiente para que se impeça o agravamento da lesão.

          A título de exemplo, quando há a apreensão judicial de um bem móvel, a configuração de um depositário, diverso do possuidor originário, inevitavelmente ocorrerá. Isso indica uma grave lesão ao possuidor de direito, porque está lhe retirando o bem de suas mãos.

          Entretanto, numa demonstração efetiva da posse, especialmente com a apresentação de prova documental que possa convencer o magistrado da existência de uma boa-fé, pode-se vislumbrar uma saída, que é requerer-se a alteração do depositário fiel para o anterior possuidor (lesado).

          Note-se que a gravidade da lesão pode ser ampliada quando a apreensão é cumprida através de carta precatória.

          Neste caso, o deslocamento do bem até o Juízo deprecante acarretará uma extrema onerosidade para o possuidor, que terá em muito ampliadas as dificuldades para a retomada de seu bem.

          Logo, numa intervenção rápida, é possível peticionar nos autos (da própria carta precatória), apresentando toda a prova possível para uma análise de verossimilhança e pedindo para que as partes se manifestem sobre os documentos apresentados. Acresça-se ao pedido a alteração do depositário fiel para o próprio possuidor lesado, até que se ultime uma solução para a controvérsia provocada.

          Lembrando que a competência para os embargos de terceiro, no caso de apreensão por carta precatória é a do Juízo Deprecante (conforme se pode deduzir da interpretação do art. 1.049 do Código de Processo Civil anteriormente citado) não há dúvidas de que a saída apresentada reduz absolutamente todas as dificuldades que seriam enfrentadas, se assim não se fizesse.

          Tal hipótese já aconteceu, sendo o Juízo Deprecante São Paulo, Capital, e o Juízo Deprecado situado a 1000 km de distância. A apreensão ocorreu sobre um veículo de custo baixo (R$.4.500,00), oriunda de uma discussão sobre uma alienação fiduciária. O problema ocorria justamente porque o possuidor já era proprietário do veículo há mais de quatro anos. No documento de propriedade já figuravam dois proprietários posteriores ao que aparecia como titular da busca e apreensão. Uma certidão do veículo junto ao DETRAN não apontava qualquer restrição; os anteriores proprietários não tinham qualquer pendência judicial. Mas a apreensão havia tomado abruptamente o bem das mãos do mais legítimo possuidor de boa-fé, e assim o veículo teria que submeter à transferência que certamente iria lhe causar, inclusive, prejuízos materiais, no desgaste do veículo com a viagem a ser empreendida.

          Porém, a intervenção no processo de acordo com os passos indicados e estando diante de um julgador com evidente bom senso, procedeu-se a manutenção do bem na comarca deprecada (com a alteração do depositário para o possuidor lesado), oportunizando-se às partes a manifestação sobre o que se estava trazendo aos autos sobre a efetiva posse de boa-fé.

          Evidentemente que, diante de uma manifesta demonstração da boa-fé desse possuidor, dificilmente haverá fundamento para que as partes (principalmente o credor) sustentem a apreensão e, com isso, haverá grande probabilidade de que o problema seja solucionado incidentalmente, a partir da provocação feita pelo possuidor que aparece como terceiro, buscando a proteção de seu direito.

          Neste caso, a tutela jurisdicional poderá ser perfeitamente prestada (que ficará a cargo do Juízo Deprecante, por certo), ainda que sua provocação tenha sido feita de forma pouco convencional, pois não se poderá conceber que esse terceiro, com evidente direito sobre o bem apreendido, fique lesado por um comando judicial que desrespeite a boa-fé.

          Assim, estando devidamente provocada a tutela jurisdicional, poderá deferir ou não a proteção desse terceiro, cabendo, da decisão respectiva, o agravo de instrumento, para o qual todos estão legitimados.

          Caso a apreciação da intervenção inominada do terceiro não possa surtir os efeitos desejados (pois, muitas vezes, a prova não poderá ser realizada com uma verticalização necessária, com a ouvida de testemunhas, por exemplo), poderá ainda, o lesado, valer-se dos embargos de terceiro, já que não haverá coisa julgada operando-se sobre sua manifestação como terceiro interessado.

          Portanto, em resumo, a intervenção do lesado como terceiro interessado:

          a) não tem prazo específico para ser apresentada, mas dever-se-á observar a sua utilidade, na medida em que, se postergada, não poderá resultar na proteção desejada, pois o bem poderá ter sido liquidado (com leilão judicial, por exemplo), perdendo-se até mesmo a oportunidade da oposição dos embargos de terceiro, caso a intervenção de terceiros não dê o resultado esperado;

          b) deve ser feita nos próprios autos, acompanhada de todos os documentos necessários para a demonstração cabal do direito que se alega, permitindo que não somente as partes como o próprio magistrado possam ter informações que lhes convençam da plausibilidade das alegações e da boa-fé existente;

          c) deverá requerer a alteração do depositário fiel, no caso de perigo de agravamento da lesão, como no caso de bem móvel que poderá ser transferido para Juízo diverso, passando-se a posse direta do bem para o terceiro, mediante o respectivo compromisso, até que a solução seja dada à sua provocação;

          d) se a apreensão ocorrer em cumprimento à carta precatória, deverá ser feita a intervenção com urgência nos seus próprios autos, evitando-se a sua devolução ao Juízo deprecante até que o direito possa ser discutido perante as partes. Nada impede, neste caso, que também se peticione diretamente no Juízo deprecante, informando do mesmo acontecimento.


6. Os honorários advocatícios

          As formas alternativas apontadas (a notificação extrajudicial e a intervenção como terceiro interessado) afastam a possibilidade do questionamento de honorários advocatícios de sucumbência.

          Na verdade, tais honorários advocatícios (de sucumbência) representam um bom motivo para que o autor da apreensão reflita sobre as conseqüências de seu ato, provocando-o a eliminar o problema que causou (como o levantamento da penhora ou da própria apreensão judicial), na medida em que, assim o fazendo, livrar-se-á da condenação inevitável que a sucumbência lhe provocará diante do resultado dos embargos de terceiro, se necessitarem ser opostos.

          Assim, quando recebe a notificação extrajudicial ou mesmo quando toma conhecimento pela manifestação direta do lesado através da intervenção nos autos como terceiro, o autor da lesão poderá avaliar as informações recebidas e, diante do que lhe é apresentado, fará a análise dos prós e contras da sua insistência em manter a constrição judicial.

          Desta maneira, atendendo-se à boa-fé que lhe é apresentada, estará livre da sucumbência a ser fixada apenas nos autos de Embargos de Terceiro, com o seu resultado. Mantendo-se inerte, estará assumindo o risco de ser então condenado, não podendo, quando de sua impugnação junto aos embargos de terceiro, alegar sua ignorância e invocar a isenção da condenação em honorários advocatícios, devidos por ter dado causa à demanda judicial.

          Veja-se que a simples notificação extrajudicial não ensejará, por óbvio, o pagamento dos honorários advocatícios. No mesmo sentido, não caberá tal condenação em sede da manifestação como terceiro interessado nos próprios autos.

          Isso, porém, não está lesando o direito do profissional que atende os interesses do lesado, justamente porque estará sendo servido pelos honorários advocatícios contratuais, que poderão ser perfeitamente suportados, ainda mais se tiver a solução de seu problema sem todos os incômodos gerados pela propositura de uma ação judicial.

          Portanto, os honorários advocatícios têm relevante papel para o tema em questão, podendo servir até como elemento capaz de reforçar o convencimento do autor da lesão, para que aja de modo a restabelecer o direito do possuidor prejudicado.


7. A incidência de princípios fundamentais para a intervenção do lesado

          Parece evidente que inúmeros princípios estão sendo atendidos com os procedimentos alternativos indicados.

          Em princípio, é importante notar que, através da notificação extrajudicial, se estará dando maior valor à composição extra-autos, que acompanha o constante pensamento jurídico de conciliação das partes. Nada melhor à tutela jurisdicional que o conflito se resolva entre as partes antes que a relação jurídica processual se instaure e isso poderá ser perfeitamente atendido pela provocação que essa comunicação informal poderá permitir. Logo, apesar de não se estar falando da incidência de princípios processuais neste caso (porque não se fez necessária a formação de uma relação jurídico-processual), o importante é a solução ocorrida no plano material.

          Já, porém, com a intervenção inominada, a tutela jurisdicional estará sendo efetivamente provocada, dando ensejo à aplicação de diversos princípios, que estarão sendo atendidos na medida em que os Embargos de Terceiro sejam evitados.

          Em primeiro lugar, o acesso à justiça está incidindo, na medida em que se liberta o lesado da alternativa que lhe é inevitavelmente penosa, ao ter que opor os embargos de terceiro. Seu acesso à proteção jurisdicional está sendo realizado pela simples intervenção nos autos, podendo ser atendido com idêntica precisão e sem estar sendo cercado de todos os conhecidos incômodos que ocorrem com a opção pela concretização da demanda.

          Da mesma maneira, pode-se dizer que as garantias constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal estarão sendo aplicadas, já que o interessado poderá estar evitando a intromissão na sua posse, assegurando-se de maneira a ter apreciado seu direito nos próprios autos, como parte lesada que é.

          Por seu turno, o princípio da economia é bem caracterizado para o caso.

          Financeiramente falando, não parece restar quaisquer dúvidas de que a notificação extrajudicial e mesmo a intervenção inominada trazem grandes vantagens: livra-se das custas processuais, dos valores dos honorários advocatícios que serão inevitavelmente ampliados com a discussão judicial.

          No aspecto temporal, a proteção a seu direito poderá ocorrer muito antecipadamente, se atendida a notificação extrajudicial. Mesmo na intervenção inominada, a proteção ao direito poderá ser realizada em reduzido lapso de tempo, especialmente se o autor da lesão reconhecer o problema e requerer o levantamento da constrição judicial.

          Desse modo, o atual princípio constitucional da celeridade, consagrado no artigo 5º, inciso LXXVIII está tendo sua concreta incidência, na medida em que a solução do problema poderá ocorrer de forma muito mais ágil.

          Portanto, no atendimento de uma ordem jurídica justa, os princípios inerentes a tal finalidade estarão harmoniosamente aplicados, não resultado qualquer prejuízo ao ordenamento jurídico, para as partes envolvidas e para a função jurisdicional, atender-se aos reclamos do lesado, seja na forma extrajudicial como pela intervenção inominada.


8. Conclusões

          Do presente estudo, algumas conclusões podem ser destacadas:

          1) a notificação extrajudicial pode ser um meio de evitar os embargos de terceiro, na medida em que elide a ignorância da parte responsável pela apreensão e, ciente da boa-fé sobre a posse de terceiro, poderá tomar medidas para o levantamento da apreensão/penhora;

          2) a notificação extrajudicial deve ser feita através de Cartório de Títulos e Documentos, acompanhada de documentos capazes de permitir a observação da boa-fé, a fim de se tornar um instrumento hábil para comprovar o conhecimento de seu conteúdo, cabendo-lhe fixar um prazo para a liberação do bem, sob pena da configuração expressa de um interesse de agir que justificaria a condenação do responsável pela apreensão do bem no ônus da sucumbência.

          3) A notificação extrajudicial é instrumento mais adequado para ser usado quando se tratar de bem imóvel e a urgência não se configurar presente.

          4) Como terceiro interessado, o lesado com a apreensão judicial do bem poderá intervir no processo de onde partiu a ordem de apreensão ou nos autos da carta precatória que esteja executando tal ordem, demonstrando sua boa-fé, provocando a manifestação das partes, podendo obter a tutela jurisdicional favorável ao seu interesse;

          5) Através da intervenção inominada, pode-se requerer a alteração do depositário do bem, de maneira a garantir que a posse continue sendo exercida pelo interessado, até que a controvérsia seja resolvida, amenizando-se os prejuízos da apreensão.

          6) Os honorários advocatícios podem servir como medida para a avaliação das conseqüências que podem ser evitadas com o cumprimento da solicitação dada pela notificação extrajudicial como pela intervenção inominada de terceiro, já que não serão devidos (na forma da sucumbência), nestas duas formas alternativas de proteção do possuidor;

          7) Adotar-se a notificação extrajudicial ou a intervenção inomida de terceiro deve ser sempre um primeiro passo de reflexão para aquele que necessita proteger a posse lesada, já que representam momentos que são eficazes e atendem ao interesse de todos, resolvendo a questão no plano material sem que a ação, como todas as suas nuances, muitas vezes incômodas, seja necessária.


Bibliografia

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          MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2004.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

IOCOHAMA, Celso Hiroshi. Formas alternativas para a proteção da posse sem a oposição de embargos de terceiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1358, 21 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9628. Acesso em: 23 abr. 2024.