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A antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico

A antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico

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INTRODUÇÃO

A presente monografia insere-se no âmbito da disciplina de Direito Penal e, por meio dela, tem como objetivo desenvolver o tema da antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico.

A anencefalia é resultado da falha de fechamento do tubo neural, decorrente da interação entre fatores genéticos e ambientais, durante o primeiro mês de embriogênese.

A maioria dos anencéfalos sobrevive no máximo horas após o nascimento. A situação atual se reveste não só de perversidade mas também de hipocrisia, pois neste país praticam-se cerca de 1,5 milhão de abortos ilegais ao ano, que variam em conforto e segurança segundo os recursos despendidos, de tal modo que as gestantes que forem bem aquinhoadas economicamente poderão ter sua gravidez interrompida, se assim o desejarem. Obrigar-se-á, entretanto, as mulheres pobres a levarem a gestação de um anencéfalo adiante, mesmo que não o desejem, como uma conseqüência perversa da legislação atual, que precede em muitas décadas os avanços científicos que garantem o diagnóstico de certeza da anencefalia.

A escolha recaiu neste tema tanto pela sua importância no contexto das matérias abordadas em Direito Penal como por sua relevância no ordenamento jurídico pátrio.

Esquematicamente, a monografia foi dividida em oito capítulos.

No primeiro, é feita uma conceituação do que se entende por anencefalia, possibilitando, assim, a compreensão de tal anomalia. Com base na definição, parte-se, então, para a concepção do significado da anencefalia dentro do direito brasileiro.

No segundo capítulo procura-se analisar a definição da morte, bem como, qual critério é adotado pela medicina para a determinação do fim da vida. É analisado também o conceito de morte encefálica que é o adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro através da Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos.

Segue-se o terceiro capítulo, discorrendo acerca do momento em que se dá o início da vida humana, bem como de algumas das principais teorias que permeiam o assunto. Neste capítulo abordam-se teorias científicas e religiosas sobre o começo da vida.

No quarto capítulo os conceitos de aborto sob os pontos de vista médico e jurídico são expostos e diferenciados.

O quinto capítulo faz referência aos números e dados ligados à anencefalia. Neste capítulo são mostradas pesquisas cujos relatos demonstram que 71% da população brasileira é favorável ao aborto no caso de problemas congênitos incompatíveis com a vida.

Já o sexto capítulo traz a comparação de dados entre o Brasil e outros países, no que diz respeito à interrupção da gravidez de feto anencefálico, mostrando que o país ocupa o quarto lugar em nascidos com tal anomalia, com registros de 8,62 casos por 10 mil nascimentos.

No sétimo capítulo são observados os danos psicológicos na mulher que suporta uma gravidez nestas circunstâncias. Também neste capítulo questiona-se a obrigatoriedade de a mulher levar adiante a gestação de um feto que não sobreviverá, tendo em vista que a dor, angústia e frustração causadas importam a violação de sua dignidade humana.

Na última parte do trabalho, oitavo capítulo, busca-se o esclarecimento acerca da doação de órgãos pelo anencéfalo. Demonstra-se que a morte encefálica simplesmente atesta a total impossibilidade de vida como indivíduo, tornando-o efetivamente doador.

Para o desenvolvimento desta monografia foi realizada uma investigação aplicada bibliográfica, bem como análise de jurisprudências sobre o referido tema.


1 DEFINIÇÃO DE ANENCEFALIA

Anencefalia é uma espécie de anomalia diagnosticável a cuja origem não se atribui qualquer explicação plausível.

A anencefalia é conceituada na literatura médica como a má-formação fetal congênita por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do tronco encefálico1. Tal importa na inexistência de todas as funções superiores do sistema nervoso central, que é responsável pela consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade. Restam apenas algumas funções inferiores que controlam parcialmente a respiração, as funções vasomotoras e a medula espinhal.2

Definição semelhante pode ser encontrada na doutrina jurídica. Nesse sentido, insta salientar a lição de MARIA HELENA DINIZ, para quem o anencéfalo

pode ser um embrião, feto ou recém-nascido que, por malformação congênita, não possui uma parte do sistema nervoso central, ou melhor, faltam-lhe os hemisférios cerebrais e tem uma parcela do tronco encefálico (bulbo raquidiano, ponte e pedúnculos cerebrais). Como os centros de respiração e circulação sangüínea situam-se no bulbo raquidiano, mantém suas funções vitais, logo o anencéfalo poderá nascer com vida, vindo a falecer horas, dias ou semanas depois3.

Em termos científicos, não existe qualquer perspectiva de vida do anencéfalo. Diz, com precisão, o cientista William Bell que "entre 75 e 80 por cento desses recém-nascidos são natimortos e os restantes sucumbem dentro de horas ou poucos dias após o nascimento"11. De forma ainda mais incisiva, expõe o óbvio, a médica geneticista Dafne Horovits, em entrevista dada à revista Época na edição de 15 de março de 2004, quando afirma que: "A anencefalia é fatal em 100% dos casos"4.

Assim, embora haja relatos de casos em que o anencéfalo sobrevive fora do útero da mãe, o parecer do médico nessas hipóteses é de curta sobrevivência após o parto, já que não existe nenhum tipo de tratamento ou forma de reversão do caso5.

Estas são, pois, as certezas que temos da anencefalia: que ela pode ser detectada ainda quando o feto se encontra no ventre da mãe e que sua ocorrência acarreta a morte do feto em 100% dos casos.


2 EM BUSCA DE UM CONCEITO PARA MORTE

A definição de morte é um tema que merece grande consideração, visto que dia a dia são criadas novas técnicas pela Medicina e estas estão cada vez mais ao alcance da população.

Antigamente se utilizava o critério respiratório como definidor de morte: estava falecido todo aquele que não mais respirasse. Tal critério demonstrou-se falho, já que a evolução da Medicina, ao criar aparelhos de ventilação mecânica, possibilitou sobrevida àquele cujo funcionamento respiratório tivera fim.

Passou-se então a utilizar-se como método de aferição da vida a presença dos batimentos cardíacos. Com base neste critério, estaria morto todo aquele que deixasse de ter seu sangue circulando pelo corpo, todo aquele cujo coração parasse de bater 6. A utilização dos batimentos cardíacos como critério identificador da vida não apresentava tantos riscos como o critério respiratório. Assim, foi amplamente adotada, sem que fosse questionada pelo Direito ou pela Medicina.

No entanto, a evolução da ciência e a aplicação de massagens cardíacas e de desfibriladores fez com que a morte circulatória pudesse ser amplamente combatida. Tais formas de tratamento tornaram possível retirar muitos indivíduos das garras da morte e restituí-los à vida.

Porém estes procedimentos eficazes causaram um fenômeno: a respeitável quantidade de pessoas que, em razão da falta de oxigenação de seus cérebros decorrentes de parada cárdio-respiratória ou de danos cerebrais causados por choques mecânicos, ficavam sem consciência e em estado vegetativo por longos anos, sem que apresentassem qualquer tipo de melhora. Tais pessoas permaneciam vivas até que o músculo cardíaco "ficasse cansado" de bater07.

O tema voltou à tona quando técnicas médicas passaram a permitir a realização de transplantes de órgãos com grandes chances de sobrevida para o transplantado. Mas para que os objetivos do transplantes fossem alcançados era necessário que tais órgãos continuassem em funcionamento nos instantes imediatamente anteriores ao transplante. Assim, surgiu a questão de que não era mais possível esperar a parada cardíaca do indivíduo para que o transplante fosse realizado.

Com esse quadro, era necessário se procurar um novo conceito para morte, e a Medicina assim o fez, através do que denominou morte encefálica ou morte cerebral08.

Tal definição foi adotada logo após a realização do primeiro transplante e, a partir daí, foi aceita em praticamente todos os países do mundo desenvolvido. Entretanto, para que seja compreendida com total clareza, mostra-se importante explicitar em que consiste o encéfalo.

O encéfalo é um componente do Sistema Nervoso Central que se localiza dentro do crânio. É constituído de tronco cerebral, cerebelo e cérebro, observando-se que através da definição de cada um destes e de suas funções é possível se chegar à compreensão da importância e da função do encéfalo09.

É importante destacar que as funções que integram as capacidades cognitivas, ou seja, as funções que fazem de um indivíduo um ser consciente são desenvolvidas em uma parte muito especial do cérebro: o córtex cerebral. Este se encontra na parte externa do cérebro, com cerca de seis milímetros de espessura, e possui coloração acinzentada 10.

Podemos verificar então que quem controla a vida do indivíduo é o encéfalo e que sem seu funcionamento perfeito, várias funções podem restar comprometidas, afetando, por conseqüência, as relações do indivíduo e sua própria vida.

Passamos então para a análise do conceito de morte encefálica.

A morte encefálica foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo para a consecução de transplantes e tratamento médico. O art. 3° assim estabelece:

Artigo 3°. A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.

Estes critérios, aos quais a Lei de Transplantes se refere, foram fixados pelo Conselho Federal de Medicina através da Resolução n° 1.480/1997. O artigo 3° da Resolução determina que somente poderá ser verificada a morte encefálica se esta for resultante de um processo irreversível e com causa conhecida18. Sem tais requisitos não se poderá falar em morte.

O art. 4° da mesma Resolução determina que este processo irreversível será constatado através de parâmetros clínicos, quais sejam, "coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinhal e apnéia".

Além da constatação destes parâmetros será realizado um exame complementar, no qual será verificada a circulação sanguínea intracraniana, a atividade metabólica cerebral ou a atividade elétrica cerebral. Se, realizado um destes exames, o resultado for positivo, ou seja, havendo presença de circulação sanguínea intracraniana, presença de atividade metabólica cerebral ou presença de atividade elétrica cerebral, o diagnóstico de morte encefálica está descartado.

Dessa forma fica fácil constatar que está morto todo aquele ser que perde, definitiva e irreversivelmente, as funções de todo o encéfalo, comprometendo irreversivelmente a vida de relação e a coordenação da vida vegetativa (batimento cardíaco, respiração, pressão do sangue, reflexos de salivação, tosse, espirro e o ato de engolir).

Ressalta-se que não é possível se falar em morte se somente a vida de relação for prejudicada, pois esta vida, como acima relatado, é mantida por parte do encéfalo, precisamente o córtex cerebral, e não pelo encéfalo em sua totalidade. Outrossim, não é a perda definitiva da capacidade de manter as funções vegetativas que caracteriza um indivíduo como morto encefálico. É necessário que todo o encéfalo fique irreversivelmente lesionado e pare de funcionar.

Ainda não existe unanimidade em relação ao conceito de morte encefálica para a classe médica, embora o Conselho Nacional de Medicina tenha se mostrado a favor de sua utilização.

Parece, no entanto, que a solução trazida à tona pela conceituação da morte encefálica não é equivocada. Isso porque, com a perda irreversível da atividade encefálica o indivíduo deixa de ser um ente humano, dado que deixa de existir nele a característica essencial do ser humano, aquilo que o diferencia dos demais seres animados: a racionalidade. Assim, além de prática e lógica, a utilização da morte encefálica estaria também correta.

Quanto ao Direito, é visto que a determinação legal do conceito e a nova definição médica do que seja morte19não foram percebidas por seus aplicadores. Tal pode ser inferido da constatação que somente para as hipóteses de doação de órgãos o modelo ora exposto é adotado. Nos demais casos, é imposta a noção de morte clínica (cárdio-respiratória), estabelecendo-se como transgressores do direito à vida os que defendem a utilização do conceito de morte encefálica a todas as hipóteses de ausência definitiva de atividade encefálica 11.


3 CONCEITO DE VIDA

Toda célula, todo organismo provém de outra célula ou organismo já existente. Daí a pergunta que surge: qual é a origem dessa célula primordial? Ou seja, qual a origem da vida?

Ao longo da história, destacaram-se algumas teorias sobre o assunto, dentre as quais:

a)Teoria Criacionista, também chamada de Teoria da Criação onde a vida teria sido criada na Terra por um Deus;

b)Teoria da Panspermia pela qual a vida teria surgido na Terra proveniente de outro planeta, ou seja, segundo essa teoria, a vida teria sido "semeada" no nosso planeta, vinda do espaço;

c)Teoria Abiogênica ou da Geração Espontânea, que diz que a vida surgiria espontaneamente e continuamente da matéria inanimada;

d)E, por fim, a Teoria da Auto-Organização, dizendo que a vida teria surgido sob condições extremamente especiais a partir da auto-organização de compostos orgânicos simples em macromoléculas que originariam as protocélulas primordiais. Tal teoria é a mais aceita atualmente no meio científico.

Entretanto, não há um consenso de como se deram esses passos iniciais que, ainda hoje, são palco de debates.

Transpondo-se a discussão para o termo inicial da vida humana no ventre da mãe, verifica-se que se trata de questão não menos polêmica. A revista Super interessante, em notável matéria de novembro de 2005, elencou aquilo que denominou "dez respostas em torno de onde começa a vida, no âmbito da ciência e da religião"12.

Do ponto de vista científico foram abordadas cinco visões, quais sejam:

a)VISÃO GENÉTICA, pela qual a vida começa na fertilização quando espermatozóide e óvulo se encontram e combinam seus genes para formar um indivíduo com um conjunto genético único, criando assim um novo indivíduo, um ser humano com direitos iguais aos de qualquer outro. Essa também é a visão da Igreja Católica;

b)VISÃO EMBRIOLÓGICA. Nessa visão, a vida começa na 3a semana de gravidez, quando é estabelecida a individualidade humana. Isso porque, até 12 dias após a fecundação, o embrião ainda é capaz de se dividir e dar origem a duas ou mais pessoas. É essa idéia que justifica o uso da pílula do dia seguinte e de contraceptivos administrados nas duas primeiras semanas de gravidez;

c)VISÃO NEUROLÓGICA. Aqui, o mesmo princípio da morte vale para vida. Ou seja, se a vida termina quando cessa a atividade elétrica no celebro, ela começa quando o feto apresenta atividade cerebral igual à de uma pessoa. O problema nesse pensamento é que essa data de início de atividade cerebral não é consensual. Alguns cientistas dizem haver esses sinais cerebrais já na 8a semana. Outros, na 20a semana.

d)VISÃO ECOLÓGICA. Na visão ecológica a capacidade de sobreviver fora do útero é que faz do feto um ser independente e determina o início da vida. Médicos consideram que um bebê prematuro só se mantém vivo se tiver pulmões prontos, o que acontece entre a 20ª e a 24ª semana de gravidez. Foi o critério adotado pela Suprema Corte dos EUA na decisão que autorizou o direito do aborto.

e)VISÃO METABÓLICA, que afirma que a discussão sobre o começo da vida humana é irrelevante, uma vez que não existe um momento único no qual a vida tem início. Para essa corrente, espermatozóides e óvulos são tão vivos quanto qualquer pessoa. Além disso, o desenvolvimento de uma criança é um processo contínuo e não deve ter um marco inaugural.

Sob o ponto de vista religioso, a matéria destacou cinco crenças, que tomam pra si os seguintes fundamentos:

a)CATOLICISMO. Para a igreja Católica, a vida começa na concepção, quando o óvulo é fertilizado, formando um ser humano pleno. O Papa Bento XVI reafirmou a posição da igreja contra o aborto. Segundo o pontífice, o ato de "negar o dom da vida, de suprimir a vida que nasce é contrário ao amor humano".

b)JUDAÍSMO. Para o judaísmo a vida começa apenas no 40º dia, quando acreditam que o feto começa a adquirir forma humana. Acreditam eles que, antes disso, a interrupção da gravidez não é considerada homicídio. Dessa forma, o judaísmo permite pesquisas com células-tronco e o aborto quando a gravidez envolve risco de vida para mãe ou resulta de estupro.

c)ISLAMISMO. Afirmam que o início da vida acontece quando a alma é soprada por Alá no feto e isso, segundo eles, acontece cerca de 120 dias após a fecundação. Os mulçumanos, segundo a reportagem, condenam o aborto, mas muitos aceitam a prática principalmente quando há risco para a vida da mãe.

d)BUDISMO. Para eles a vida é um processo contínuo e ininterrupto. Não começa na união de óvulo e espermatozóide, mas está presente em tudo o que existe, seja nos nossos pais e avós, nas plantas, nos animais e até na água. No budismo, os seres humanos são apenas uma forma de vida que depende de várias outras. Entre as correntes budistas não há consenso sobre o aborto.

e)HINDUÍSMO. Aqui, alma e matéria se encontram na fecundação e é aí que começa a vida. Sendo assim, como o embrião possui uma alma, deve ser tratado como humano. Na questão do aborto, os hindus escolhem a ação menos prejudicial a todos os envolvidos: a mãe, o pai, o feto e a sociedade. Assim, em geral se opõem à interrupção da gravidez, menos em casos que colocam em risco a vida da mãe.

Da análise dos dois pontos de vista supra expostos, depreende-se com nitidez que o marco inicial da vida ainda não é um conceito claro. Alongando-se o tema, podem-se encontrar argumentos que variam desde a convicção de que basta a presença de um único código de DNA para transformar um ovo em uma pessoa humana em formação, até outros, menos científicos, que são centrados na aparência de humanidade.

Uma vez examinados os aspectos religioso e científico, passamos a uma análise jurídica do conceito de vida para concluirmos, outrossim, se o feto portador de anencefalia possui ou não o chamado direito à vida.

Para o ordenamento jurídico é de vital importância que se defina de maneira clara e simples o início da vida humana para determinar a partir de que momento essa nova entidade será considerada viva e terá personalidade jurídica, merecendo assim a tutela do direito. Porém, tal definição deve surgir livre de explicações pseudo-científicas e místicas e deve ser pautado em discussões bioéticas13.

É válido ressaltar que os doutrinadores de direito penal defendem e têm utilizado a seguinte classificação: ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses), feto (após três meses)14

Contudo, tais entendimentos não devem ser estáticos, mas sim maleáveis, visando a sua constante evolução com o passar do tempo.

O artigo 2º do Código Civil diz que a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (pessoa por nascer, já concebida no útero materno). Antes do nascimento, o nascituro não tem personalidade jurídica24, entretanto, desde a concepção tem seus direitos assegurados pelo ordenamento jurídico, com a condição que nasça com vida. Ressalte-se aqui que o nascimento com vida caracteriza-se pelo ato de a criança respirar.

Dentro deste quadro, podemos depreender duas assertivas que caminham em direções opostas. A primeira, corrente natalista, compreende que a personalidade civil da pessoa é iniciada no momento do seu nascimento, sendo neste momento reconhecida a sua capacidade de sujeito de direitos. São adeptos desta teoria: Pontes de Miranda, Silvio Rodrigues, Eduardo Espínola, João Luiz Alves, Sérgio Abdalla Semião, Caio Mário da Silva Pereira. A segunda é a corrente concepcionista, para a qual a lei retroage os direitos da pessoa ao momento de sua concepção, sendo reconhecida então a personalidade civil do nascituro. Essa corrente é defendida pelos doutrinadores:Teixeira de Freitas, Rubens Limongi França, Francisco Amaral Santos, Silmara Chinelato, André Franco Montoro, Maria Helena Diniz, entre outros.

Portanto, como vemos, a única afirmação que podemos chegar é que a vida é a ausência da morte. E nestes casos, tanto a morte cerebral quanto a morte da anencefalia são os únicos dados irrefutáveis.


4 A ANENCEFALIA E O DIREITO PENAL

Estabelecendo-se diferenças entre os conceitos de aborto dos pontos de vista médico e jurídico, podemos verificar que, sob o prisma jurídico, a lei não estabelece limite mínimo ou máximo para a idade gestacional. O aborto é entendido como a interrupção da gravidez com fim de morte fetal, não sendo feita assim nenhuma referência à idade gestacional.

Já sob o ponto de vista médico, entende-se por aborto a interrupção da gravidez, voluntária ou não, antes de se completarem vinte semanas de idade gestacional, quando o peso fetal for menor que 500 gramas ou ainda, para alguns autores, quando o feto medir até 16,5 cm. Compreende-se ainda que a interrupção da gravidez não constitui prática de aborto, pois não há vida a ser destruída nessas situações, configurando um desvio na formação e/ou evolução da concepção15.

Assim estabelece o professor Luiz Flávio Gomes, que incessantemente nos passa grandes lições sobre direito penal:

Nosso Código Penal (de 1940) permite aborto em duas situações: (a) risco concreto para a gestante; (b) gravidez resultante de estupro. O primeiro chama-se aborto necessário; o segundo humanitário. O aborto por anencefalia (feto sem ou com má formação do crânio) não está expressamente previsto na lei penal brasileira. Tampouco outras situações de má formação do feto (aborto eugênico ou eugenésico). Também não se permite no Brasil o chamado aborto a prazo (que ocorre quando a gestante pode abortar o feto até a décima segunda semana, conforme decisão sua) nem o aborto social ou econômico (feito por razões econômicas precárias)16.

No referido artigo, Luiz Flávio Gomes também diz que aqueles que sustentam o respeito à vida do feto devem observar com atenção que o que está em jogo é a vida ou a qualidade desta de todas as pessoas envolvidas com o feto mal formado. Ainda continua sua defesa quando diz que

Se até em caso de estupro, em que o feto está bem formado, nosso Direito autoriza o aborto, nada justifica que idêntica regra não seja estendida para o aborto anencefálico. Lógico que a gestante, por suas convicções religiosas, pode não querer o aborto. Mas isso constitui uma decisão eminentemente pessoal (que deve ser respeitada). De qualquer maneira, não pode impedir o exercício do direito ao abortamento para aquelas que não querem padecer tanto sofrimento17.

Em notável obra com o título – ''''Aspectos éticos e legais do aborto no Brasil'''' – Elaine Christine Dantas Moisés, do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, nos expõe que o modelo de análise bioética, entre os vários existentes, comumente utilizado na área da saúde e de grande aplicação na prática clínica é o ‘’Principalista’’, introduzido por Beauchamp e Childress, em 1989. Esses autores propõem quatro princípios bioéticos fundamentais: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça.

E, completa:

O princípio da autonomia requer que os indivíduos, capacitados de deliberarem sobre suas escolhas pessoais, devam ser tratados com respeito pela sua capacidade de decisão. As pessoas têm o direito de decidir sobre as questões relacionadas ao seu corpo e a sua vida. Quaisquer atos médicos devem ser autorizados pelo paciente. A Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), por meio do seu Cômite para Assuntos Éticos da Reprodução Humana e Saúde da Mulher, divulga, desde 1994, em um dos seus marcos de referência ética para os cuidados ginecológicos e obstétricos: O princípio da autonomia enfatiza o importante papel que a mulher deve adotar na tomada de decisões com respeito aos cuidados de sua saúde. Os médicos deverão observar a vulnerabilidade feminina, solicitando expressamente sua escolha e respeitando suas opiniões18.

Em sede doutrinária, ressaltam-se ainda as preciosas colocações do Professor Rene Ariel Dotti comentando que durante a gestação podem surgir complicações mórbidas em face de doença da mulher ou de enfermidade intercorrente, pondo em risco a sua vida. Em tal situação, o médico é quem deve decidir sobre a continuidade ou não da gravidez. A ele incumbe averiguar se a incompatibilidade entre a moléstia e a gestação pode acarretar a morte. Em caso afirmativo, é lícita a intervenção com o sacrifício do feto. Essa é a opinião de cientistas como Nélson Hungria. (...) Com o acento indelével de uma jurisprudência humanitária surge a decisão do ministro Marco Aurélio (vide abaixo), do Supremo Tribunal Federal, autorizando a interrupção de gravidez num caso de anencefalia do feto. Trata-se de malformação congênita, caracterizada pela falta total ou parcial do encéfalo, isto é, do conjunto dos órgãos do sistema nervoso central contidos na cavidade craniana. A anomalia, que não tem cura, é incompatível com a vida extra-uterina19.

Em tais casos, é evidente a inviabilidade do feto, que só tem condições de manter algumas de suas funções, como batimentos cardíacos, enquanto ligado à mãe ou enquanto amparado por toda aparelhagem médica. Como mostra a lição de Luiz Regis Prado, a tutela penal recai essencialmente sobre "a vida do ser humano em formação". Ainda segundo o eminente jurista, neste sentido "protege-se a vida intra-uterina, para que possa o ser humano desenvolver-se e nascer"30. E, se a tutela penal, resguarda a vida intra-uterina, para que possa o ser humano desenvolver-se e nascer, não se pode considerar que também recaia sobre o feto que de antemão se sabe destituído das condições mínimas de sobrevivência, não se admitindo qualquer punição à gestante ou ao médico que com a autorização da mãe, interrompa a gravidez. É possível observar, considerando-se a legalidade restritiva que envolve o tipo penal, que o que se tem é uma conduta sugerida por atípica, uma vez que direcionada a objeto não protegido por normas criminais, sendo completamente destituída de potencial lesivo aos objetos materiais contidos nos tipos delimitados nos artigos 124, 125 e 126 do Código Penal Brasileiro.

Quando a mãe requer a retirada desse feto e o médico pratica o ato, isto não representa propriamente um aborto, com base no art. 126 do Código Penal, pois o feto, conceitualmente, não tem vida.

Por muito mais razão, manter um ser morto na barriga da mãe não encontra apoio no princípio da beneficência, pois prolonga inutilmente o sofrimento materno, sem nenhum benefício à vida.

Não há sequer motivos para adicionar outra excludente ao art. 128 do Código Penal, pois pelas razões expostas o ordenamento jurídico já existente autoriza o médico a retirar o feto de anencéfalo da gestante, a seu pedido, sem que com isso incorra em infração penal ou ética, pois, repetimos: se não há vida, não há que se falar em aborto.


5 NÚMEROS DA MATÉRIA

O tema da a antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico tem despertado grande interesse e muita polêmica atualmente, sendo citados conjuntamente os termos "anencefalia" e "aborto", em cerca de 80.400 sites da Rede Mundial.20

Segundo pesquisa encomendada ao IBOPE21, 71% da população brasileira é favorável ao aborto no caso de problemas congênitos incompatíveis com a vida, como é o caso da anencefalia. Por outro lado, relativamente às hipóteses legalmente permitidas, 79% da população é favorável ao aborto no caso de risco de morte para a mulher, enquanto que 62% apóiam o aborto em caso de gravidez resultante de estupro.

De acordo com matéria publicada pela revista Super Interessante22nos casos de bebês anencéfalos que vêm ao mundo com vida, 98% morrem na primeira semana. Os outros morrem nas semanas ou meses seguintes.

Em julho de 2004, o Supremo Tribunal Federal (STF), através do Ministro Marco Aurélio de Mello, em ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, concedeu liminar liberando a interrupção de fetos anencéfalos no país23.

Foi ainda determinado pela liminar que fossem suspensos todos os processos em andamento ou os efeitos das decisões judiciais sobre casos de antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos, assentando-se o direito constitucional da gestante de se submeter a procedimento que leve à interrupção da gravidez e do profissional de saúde de realizá-lo, desde que atestada, por médico habilitado, a ocorrência da anomalia. 

Porém em 20 de outubro do corrente ano, o STF, por maioria de votos, cassou essa liminar.

Assim, fácil perceber que a grande maioria da população, bem como dos profissionais da área jurídica, são favoráveis à interrupção da gravidez no caso de anomalias absolutamente incompatíveis com a vida, como é o caso da anencefalia. Entretanto, ainda existe certa dúvida quanto à fundamentação jurídica adequada para sustentar as decisões judiciais neste sentido.


6 DIREITO COMPARADO

O Brasil não está sozinho na resistência ao aborto legal em caso de anencefalia. Segundo o jornal "O ESTADÃO" de São Paulo, nações islâmicas, africanas e grande parte da América Latina dividem com o país a proibição e, por isso, lideram o ranking dos nascimentos com a má-formação. O Brasil ocupa a quarta posição. 24

Na esteira oposta estão países como Itália, Espanha, Portugal, Estados Unidos e Canadá que, apesar de tradicionalmente católicos, autorizam a interrupção da gravidez nesses casos. Assim, a partir da constatação de que os fetos, por não possuírem cérebro, não têm qualquer chance de viver, cabe à mulher, em tais nações, com o conhecimento do diagnóstico, decidir se quer prosseguir com a gestação ou antecipar o parto.

O mapa da anencefalia foi traçado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e publicado no World Atlas of Birth Defects (Atlas Mundial de Nascimentos Imperfeitos). O levantamento foi feito com 52 registros de 41 países, em 5 continentes. Os dados estudados se referem ao número de nascidos vivos ou mortos, entre 1993 e 1998.

Nele, o Brasil ocupa o quarto lugar em nascidos com anencefalia, registrando 8,62 casos por 10 mil nascimentos. Está atrás apenas do México, Chile e Paraguai. Na outra ponta, estão países como Croácia, França, Itália, Hungria, Cuba, Suíça e Bélgica, que permitem a interrupção e têm como conseqüência números muito baixos desses nascimentos, cerca de 0,1 por 10 mil.25

A interrupção da gestação resultante de estupro e da gestação com risco de morte da mãe não é criminalizada no Brasil desde o ano de 1940.

Segundo Fátima Oliveira, em artigo ao Jornal O TEMPO de Belo Horizonte, mesmo com as permissões legais de interrupção da gestação, previstas no Código Penal, o Brasil está entre os países que possuem as leis mais restritivas sobre o tema. Ainda de acordo com o artigo, as gestantes, no caso de gravidez de fetos anencéfalos, há mais de uma década, vêm recorrendo a juízes e ao Ministério Público que, geralmente autorizavam a interrupção da gravidez.31

De uma análise do direito comparado, depreendem-se as mais variadas formas de tutela jurídica do nascituro, nos tempos antigos e modernos. Exemplo disso é a opção feita pela Espanha que, em seu Código, face ao art. 30, afirma que a personalidade só tem início se o recém-nascido tiver forma humana e viver por 24 horas. Em certos casos não há que se falar em nascituro ou pessoa, mas em um ser aberrante e defeituoso. Esta exigência de "normalidade" vem sendo combatida veementemente por criar situações absurdas e não aceitar os avanços da medicina no tratamento de malformações congênitas.

Já o Código Civil argentino, de forma extremamente progressista, afirma em seu artigo 70 que:

Desde la concepción en el seno materno comienza la existencia de las personas; y antes de su nacimiento pueden adquirir algunos derechos, como si ya hubiesen nacido. Esos derechos quedan irrevocablemente adquiridos si los concebidos en el seno materno nacieren con vida, aunque fuera por instantes después de estar separados de su madre (Artigo 70 do Código Civil Argentino)32.

Ou seja, que a personalidade jurídica da pessoa humana se inicia com a concepção. No entanto, em outros dispositivos deste Código, percebe-se que o legislador não concedeu plenitude à "pessoa por nascer", vinculando sua existência ao nascimento com vida. Há, portanto, a aquisição condicional de direitos, sob a dependência do nascimento.

O Brasil, moralmente, não pode seguir cultuando uma cultura de crueldade para com as mulheres que precisam abortar e que, à falta da legalidade, recorrem a práticas inseguras e, quando chegam às maternidades, são olhadas como criminosas e punidas com curetagens sem anestesia, queixa na polícia e até prisão. É dever do Estado brasileiro apoiar as mulheres em suas decisões reprodutivas e cabe às entidades de classe da categoria médica desenvolver esforços para ampliar a consciência e o respeito pelos direitos das mulheres e exigir conduta ética e consideração à alteridade na atenção de tal dilema.


7 DANOS PSICOLÓGICOS CAUSADOS À GESTANTE

Inicialmente, vale acentuar que a saúde é um direito fundamental, expresso no artigo 196 da Constituição Federal, que dispõe:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação33.

Não se limitando assim somente. A Organização Mundial da Saúde define a saúde como "o estado de completo bem estar físico, mental e social e não simplesmente como a ausência de enfermidade"34. Ora, é inquestionável, na hipótese da anencefalia, que a saúde psíquica da mulher passa por graves transtornos. O diagnóstico da anencefalia já se mostra suficiente para criar, na mulher, uma grave perturbação emocional, idônea a contagiar a si própria e a seu núcleo familiar. São evidentes as seqüelas de depressão, de frustração, de tristeza e de angústia suportadas pela mulher gestante que se vê obrigada à torturante espera do parto de um feto absolutamente inviável35. Esta morte certa, que não se permite abreviar no tempo, constitui a condenação imerecida da mulher grávida e a abolição do exercício de sua autonomia de vontade. Obrigá-la a carregar, em seu ventre, um ser morto, porque deixará de existir se dela desconectado, constitui ainda uma ofensa à sua dignidade de mulher, de mãe, enfim, de pessoa humana36.

Neste contexto e considerando-se que o aborto anencefálico envolve o direito a vida e dignidade do feto, bem como os direitos a saúde, dignidade, autonomia da vontade, liberdade e vida da mãe, questiona-se a obrigatoriedade de a mulher ter o dever de carregar por nove meses um feto que, com plenitude de certeza, não sobreviverá. A potencial ameaça a sua integridade física bem como os danos a sua integridade moral e psicológica na hipótese são evidentes. A convivência diuturna com a triste realidade e a lembrança ininterrupta de um feto que nunca poderá se tornar um ser vivo, dentro de si, podem ser comparadas à tortura psicológica. Nesses termos, a dor, angústia e frustração causadas importam, sobretudo, violação da dignidade humana.

É possível observar também a questão da interrupção da gravidez nos casos de anencefalia podendo ser defendida por sua natureza axiológica, partindo justamente do pressuposto dos danos psicológicos causados na gestante e pela natureza teleológica, sob o ponto de vista de que a interrupção da gravidez trará não só o fim do massacre psicológico aos entes envolvidos, como também evitará o iminente risco de morte que sofre a mãe ao dar desenvolvimento à gestação.

Como mostra Miguel Reale no prefácio da sua 1ª edição na Teoria Tridimensional do Direito:

Nenhuma teoria jurídica é válida se não apresenta pelo menos dois requisitos essenciais, entre si intimamente relacionados: o primeiro consiste em atender às exigências da sociedade atual, fornecendo-lhe categorias lógicas adequadas à concreta solução de seus problemas; o segundo refere-se à sua inserção no desenvolvimento geral das idéias, ainda que os conceitos formulados possam constituir profunda inovação em confronto com as convicções dominantes. 37

Portanto, quando falamos em interrupção da gravidez em casos de feto anencéfalo, podemos concluir que é um fato social que a cada dia está se valorando perante a sociedade, que se encontra na ânsia da regulamentação de uma norma, de um entendimento unânime, que ampare juridicamente o abortamento. Tal normatização irá beneficiar muitos brasileiros ao se depararem diante de quadro tão polêmico e angustiante.


8 DOAÇÃO DE ÓRGÃOS DO ANENCÉFALO

Conforme exposto, os anencéfalos não possuem os hemisférios cerebrais constituídos, em parte, pela estrutura funcional mais importante: o córtex cerebral. Conseqüentemente, têm apenas o tronco cerebral, motivo pelo qual não mantêm relação com o mundo exterior e não conseguem conscientizar a dor. Essa malformação advém do não-desenvolvimento da porção anterior do tubo neural, tendo origem multifatorial, destacando-se a deficiência do ácido fólico como uma de suas causas.

O diagnóstico que constata que a mulher tem em seu ventre feto anencefálico é feito de forma segura pela dosagem de alfafetoproteínas ou por exames de ultra-sonografia de alta resolução, aptos a detectar a anencefalia logo pela 10ª semana.

Como visto, as características ora expostas não parecem atender aos conceitos de vida impostos pelos avanços científicos, já que, hoje, a atividade cerebral é fundamental para que se faça distinção entre vida e morte.

Os critérios fixados pela Resolução nº 1.480/97do Conselho Federal de Medicina, aplicados em indivíduos com encéfalo, consideram, para que se tenha a efetiva certeza da irreversibilidade, que todo o encéfalo esteja sem vida. Como o anencéfalo não possui cérebro, não há que se falar, então, em possibilidade de vida – a natureza, previamente, abortou qualquer potencialidade.

Contudo, a ausência de atividade cerebral não significa que os demais tecidos e órgãos estejam mortos. Nesses termos, a recém aprovada Lei dos Transplantes dispõe em seu artigo 3º:

A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina [38].

Tal lei adotou pois a morte encefálica como indicador de fim da vida.

Contudo, atualmente, a Lei de Transplantes só permite que seja doador quem tiver morte encefálica comprovada. Como não possuem cérebro, os anencéfalos não são incluídos entre os doadores.

A Câmara analisa o Projeto de Lei 6599/06, do Deputado Federal Marcos Abramo (ANEXO B), que modifica o artigo 3º da Lei de Transplantes autorizando a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo de bebês sem cérebro.

O Deputado lembra que o Conselho Federal de Medicina (CFM), em 2004, declarou-se a favor do transplante de órgãos ou tecidos do anencéfalo, desde que autorizado pelos pais até 15 dias antes do nascimento. "O CFM parte do entendimento de que os ''anencéfalos são natimortos cerebrais, por não possuírem os hemisférios cerebrais''", argumenta o parlamentar. "Protelar ainda mais uma definição sobre o assunto significa condenar à morte dezenas de recém-nascidos que necessitem de algum transplante", continua39.

O texto não modifica outras exigências da lei. Além da autorização dos familiares para o transplante, Marcos Abramo mantém a exigência de regulamentação técnica pelo CFM para garantir a segurança no processo de doação. A anencefalia, assim como a morte cerebral, deverá ser constatada e registrada por dois médicos que não participem das equipes de remoção e transplante.

Afastados os debates religiosos, há de se observar que vivemos num Estado em que vigem os princípio da dignidade da pessoa humana, bem como o da solidariedade, cuja interpretação conjunta não permite vislumbrar-se entendimento diverso. Como visto, as condições do anencéfalo são comparáveis às do indivíduo a que sobreveio falência encefálica, podendo, logo, ser considerado juridicamente morto.


CONCLUSÃO

Como visto, a anencefalia é uma espécie de anomalia diagnosticável que importa na inexistência de todas as funções superiores do sistema nervoso central que é responsável pela consciência, cognição, vida relacional, comunicação, afetividade e emotividade. Não existe um tratamento pelo qual o feto anencefálico possa passar e sobreviver. Ela é fatal em 100% dos casos.

Entretanto, a questão da antecipação do parto em tais casos não é simples. Pelo contrário, envolve uma série de aspectos religiosos, filosóficos e científicos, e, acima de tudo, políticos. Entretanto, se impõem uma mínima noção de eqüidade, solidariedade e, acima de tudo, argúcia para que se chegue a uma solução razoável.

A Constituição Federal, bem como grande parte dos diplomas infraconstitucionais, está carregada de proposições que elevam a dignidade da pessoa humana à condição de princípio fundamental de nosso ordenamento jurídico. Assim, a proteção à vida que está presente na Constituição e no Código Civil não pode ser confundida com a proteção a uma concepção sobre o que é vida. Vida é a ausência da morte. E, nestes casos, tanto a morte cerebral quanto a morte da anencefálica são dados evidentes.

A própria personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida, já que o conceito de morte adotado por nosso ordenamento jurídico é o de morte encefálica.

Nesses termos, é impositivo que a interrupção de uma gestação de feto humano anencefálico, propriamente diagnosticado, sequer deve ser considerada aborto. Pois se não há vida potencial no resultado da concepção e no estágio específico em que a gestação é interrompida, não há aborto, pois nenhuma vida potencial ou efetiva está sendo interrompida.

Assim, salienta-se que, apesar das complexas e sensíveis abordagens religiosas, o Estado brasileiro é laico, sendo importante ressaltar que uma possível decisão no Plenário do STF não será uma imposição da prática de interrupção da gestação dos fetos anencefálicos, mas sim uma autorização para que o procedimento médico, desde que autorizado pela mãe ou pela família, seja realizado sem a criminalização do ato. As pessoas que por motivos de fé religiosa não quiserem realizar a interrupção dessa gestação têm toda a liberdade garantida pela Constituição Brasileira.

Os que não admitem discutir a interrupção da gestação de fetos anencefálicos, mesmo havendo argumentos razoáveis para o debate, por temerem que isso abra portas para outras modalidades de aborto, cometem um erro. De fato, a sociedade se torna cada vez mais liberal e disposta a aceitar o que antes era tabu e tende a considerar o progresso da Medicina nas decisões telúricas, mesmo e principalmente quando a colocam frente a questões novas, para as quais as nossas antigas respostas mostram-se incompletas. Interditar o debate com estratégias do tipo "daqui a pouco estará implantada a eugenia", não contribui para o avanço moral do País. As questões difíceis devem ser tratadas, mesmo que haja riscos de equívocos. Evitá-las, não os afasta e, com certeza, só amplia a exclusão dos cidadãos de questões que estão no seu cotidiano e sobre as quais podem dar sua contribuição real.

Como disse PESSINI e BARCHIFONTAINE, "não existe uma solução fácil para esse assunto. Ninguém é dono da verdade. Juntos, procuremos compreender com amor e não julgar. Tentemos ir além de uma visão puramente biológica, focalizando todas as necessidades do ser humano: físicas, psíquicas, sociais e espirituais"40.


REFERÊNCIAS

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FRANCO, Alberto da Silva. Anencefalia: Breves considerações médicas, bioéticas, jurídicas e jurídico-penais. Revista dos Tribunais V. 833. Março de 2005.111 p.

MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. Vol. II. 23 ed. São Paulo: Editora Atlas S.A.. 2005. 510 p.

MOISÉS, Elaine Christine Dantas et al. Aspectos Éticos e Legais do Aborto no Brasil. 1. ed. Ribeirão Preto: FUNPEC, 2005. v. 1. 67 p.

NARLOCH, Eliza Muto. Quando a vida começa? Revista Super Interessante, São Paulo: Edição 219, página 62, Novembro de 2005.

PESSINI, Léo, BERCHIFONTAINE, Chistian de Paul. Problemas Atuais de Bioética. São Paulo: Loyola, 2000, 584 p.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Volume 2. 4.ed: São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2000. 629 p.

REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito, 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 161 p.

REZENDE, Jorge de. Obstetrícia. Distocias do cordão. Macrossomia do feto. Anencefalia. 7 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995. 1360 p.


ANEXOS

ANEXO A

MED. CAUT. EM ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54-8 DISTRITO FEDERAL RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO ARGUENTE(S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA SAÚDE CNTS ADVOGADO (A/S): LUÍS ROBERTO BARROSO E OUTRO(A/S)

DECISÃO-LIMINAR

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - LIMINAR - ATUAÇÃO INDIVIDUAL - ARTIGOS 21, INCISOS IV E V, DO REGIMENTO INTERNO E 5º, § 1º, DA LEI Nº 9.882/99. LIBERDADE - AUTONOMIA DA VONTADE - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - SAÚDE - GRAVIDEZ - INTERRUPÇÃO - FETO ANENCEFÁLICO.

1. Com a inicial de folha 2 a 25, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS formalizou esta argüição de descumprimento de preceito fundamental considerada a anencefalia, a inviabilidade do feto e a antecipação terapêutica do parto. Em nota prévia, afirma serem distintas as figuras da antecipação referida e o aborto, no que este pressupõe a potencialidade de vida extra-uterina do feto. Consigna, mais, a própria legitimidade ativa a partir da norma do artigo 2º, inciso I, da Lei nº 9.882/99, segundo a qual são partes legítimas para a argüição aqueles que estão no rol do artigo 103 da Carta Política da República, alusivo à ação direta de inconstitucionalidade. No tocante à pertinência temática, mais uma vez à luz da Constituição Federal e da jurisprudência desta Corte, assevera que a si compete a defesa judicial e administrativa dos interesses individuais e coletivos dos que integram a categoria profissional dos trabalhadores na saúde, juntando à inicial o estatuto revelador dessa representatividade. Argumenta que, interpretado o arcabouço normativo com base em visão positivista pura, tem-se a possibilidade de os profissionais da saúde virem a sofrer as agruras decorrentes do enquadramento no Código Penal.

Articula com o envolvimento, no caso, de preceitos fundamentais, concernentes aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, em seu conceito maior, da liberdade e autonomia da vontade bem como os relacionados com a saúde. Citando a literatura médica aponta que a má-formação por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, não apresentando o feto os hemisférios cerebrais e o córtex, leva-o ou à morte intra-uterina, alcançando 65% dos casos, ou à sobrevida de, no máximo, algumas horas após o parto. A permanência de feto anômalo no útero da mãe mostrar-se-ia potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde e à vida da gestante. Consoante o sustentado, impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causa à gestante dor, angústia e frustração, resultando em violência às vertentes da dignidade humana - a física, a moral e a psicológica - e em cerceio à liberdade e autonomia da vontade, além de colocar em risco a saúde, tal como proclamada pela Organização Mundial da Saúde - o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença. Já os profissionais da medicina ficam sujeitos às normas do Código Penal - artigos 124, 126, cabeça, e 128, incisos I e II -, notando-se que, principalmente quanto às famílias de baixa renda, atua a rede pública.

Sobre a inexistência de outro meio eficaz para viabilizar a antecipação terapêutica do parto, sem incompreensões, evoca a Confederação recente acontecimento retratado no Habeas Corpus nº 84.025-6/RJ, declarado prejudicado pelo Plenário, ante o parto e a morte do feto anencefálico sete minutos após. Diz da admissibilidade da ANIS - Instituto de Biotécnica, Direitos Humanos e Gênero como amicus curiae, por aplicação analógica do artigo 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99.

Então, requer, sob o ângulo acautelador, a suspensão do andamento de processos ou dos efeitos de decisões judiciais que tenham como alvo a aplicação dos dispositivos do Código Penal, nas hipóteses de antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos, assentando-se o direito constitucional da gestante de se submeter a procedimento que leve à interrupção da gravidez e do profissional de saúde de realizá-lo, desde que atestada, por médico habilitado, a ocorrência da anomalia.

O pedido final visa à declaração da inconstitucionalidade, com eficácia abrangente e efeito vinculante, da interpretação dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal - Decreto-Lei nº 2.848/40 - como impeditiva da antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico, diagnosticados por médico habilitado, reconhecendo-se o direito subjetivo da gestante de assim agir sem a necessidade de apresentação prévia de autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do Estado. Sucessivamente, pleiteia a argüente, uma vez rechaçada a pertinência desta medida, seja a petição inicial recebida como reveladora de ação direta de inconstitucionalidade. Esclarece que, sob esse prisma, busca a interpretação conforme a Constituição Federal dos citados artigos do Código Penal, sem redução de texto, aduzindo não serem adequados à espécie precedentes segundo os quais não cabe o controle concentrado de constitucionalidade de norma anterior à Carta vigente.

A argüente protesta pela juntada, ao processo, de pareceres técnicos e, se conveniente, pela tomada de declarações de pessoas com experiência e autoridade na matéria. À peça, subscrita pelo advogado Luís Roberto Barroso, credenciado conforme instrumento de mandato - procuração - de folha 26, anexaram-se os documentos de folha 27 a 148.

O processo veio-me concluso para exame em 17 de junho de 2004 (folha 150). Nele lancei visto, declarando-me habilitado a votar, ante o pedido de concessão de medida acauteladora, em 21 de junho de 2004, expedida a papeleta ao Plenário em 24 imediato.

No mesmo dia, prolatei a seguinte decisão:

AÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - INTERVENÇÃO DE TERCEIRO - REQUERIMENTO - IMPROPRIEDADE.

1. Eis as informações prestadas pela Assessoria:

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB - requer a intervenção no processo em referência, como amicus curiae, conforme preconiza o § 1º do artigo 6º da Lei 9.882/1999, e a juntada de procuração. Pede vista pelo prazo de cinco dias.

2. O pedido não se enquadra no texto legal evocado pela requerente. Seria dado versar sobre a aplicação, por analogia, da Lei nº 9.868/99, que disciplina também processo objetivo - ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade. Todavia, a admissão de terceiros não implica o reconhecimento de direito subjetivo a tanto. Fica a critério do relator, caso entenda oportuno. Eis a inteligência do artigo 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, sob pena de tumulto processual. Tanto é assim que o ato do relator, situado no campo da prática de ofício, não é suscetível de impugnação na via recursal.

3. Indefiro o pedido.

4. Publique-se.

A impossibilidade de exame pelo Plenário deságua na incidência dos artigos 21, incisos IV e V, do Regimento Interno e artigo 5º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, diante do perigo de grave lesão.

2. Tenho a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS como parte legítima para a formalização do pedido, já que se enquadra na previsão do inciso I do artigo 2º da Lei nº 9.882, de 3 de novembro de 1999. Incumbe-lhe defender os membros da categoria profissional que se dedicam à área da saúde e que estariam sujeitos a constrangimentos de toda a ordem, inclusive de natureza penal.

Quanto à observação do disposto no artigo 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, ou seja, a regra de que não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade, é emblemático o que ocorreu no Habeas Corpus nº 84.025-6/RJ, sob a relatoria do ministro Joaquim Barbosa. A situação pode ser assim resumida: em Juízo, gestante não logrou a autorização para abreviar o parto. A via-crúcis prosseguiu e, então, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a relatora, desembargadora Giselda Leitão Teixeira, concedeu liminar, viabilizando a interrupção da gestação. Na oportunidade, salientou:

A vida é um bem a ser preservado a qualquer custo, mas, quando a vida se torna inviável, não é justo condenar a mãe a meses de sofrimento, de angústia, de desespero.

O Presidente da Câmara Criminal a que afeto o processo, desembargador José Murta Ribeiro, afastou do cenário jurídico tal pronunciamento. No julgamento de fundo, o Colegiado sufragou o entendimento da relatora, restabelecendo a autorização. Ajuizado habeas corpus, o Superior Tribunal de Justiça, mediante decisão da ministra Laurita Vaz, concedeu a liminar, suspendendo a autorização. O Colegiado a que integrado a relatora confirmou a óptica, assentando:

HABEAS CORPUS. PENAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE ABORTO. NASCITURO ACOMETIDO DE ANENCEFALIA. INDEFERIMENTO. APELAÇÃO. DECISÃO LIMINAR DA RELATORA RATIFICADA PELO COLEGIADO DEFERINDO O PEDIDO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRIT PARA A DEFESA DO NASCITURO.

1. A eventual ocorrência de abortamento fora das hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena corpórea máxima, irreparável, razão pela qual não há se falar em impropriedade da via eleita, já que, como é cediço, o writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro.

2. Mesmo tendo a instância de origem se manifestado, formalmente, apenas acerca da decisão liminar, na realidade, tendo em conta o caráter inteiramente satisfativo da decisão, sem qualquer possibilidade de retrocessão de seus efeitos, o que se tem é um exaurimento definitivo do mérito. Afinal, a sentença de morte ao nascituro, caso fosse levada a cabo, não deixaria nada mais a ser analisado por aquele ou este Tribunal.

3. A legislação penal e a própria Constituição Federal, como é sabido e consabido, tutelam a vida como bem maior a ser preservado. As hipóteses em que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, inadmitindo-se interpretação extensiva, tampouco analogia in malam partem. Há de prevalecer, nesse casos, o princípio da reserva legal.

4. O Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses autorizativas do aborto, previstas no art. 128 do Código Penal, o caso descrito nos presentes autos. O máximo que podem fazer os defensores da conduta proposta é lamentar a omissão, mas nunca exigir do Magistrado, intérprete da Lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo Legislador.

5. Ordem concedida para reformar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, desautorizando o aborto; outrossim, pelas peculiaridades do caso, para considerar prejudicada a apelação interposta, porquanto houve, efetivamente, manifestação exaustiva e definitiva da Corte Estadual acerca do mérito por ocasião do julgamento do agravo regimental.

Daí o habeas impetrado no Supremo Tribunal Federal. Entretanto, na assentada de julgamento, em 4 de março último, confirmou-se a notícia do parto e, mais do que isso, de que a sobrevivência não ultrapassara o período de sete minutos.

Constata-se, no cenário nacional, o desencontro de entendimentos, a desinteligência de julgados, sendo que a tramitação do processo, pouco importando a data do surgimento, implica, até que se tenha decisão final - proclamação desta Corte -, espaço de tempo bem superior a nove meses, período de gestação. Assim, enquadra-se o caso na cláusula final do § 1º em análise. Qualquer outro meio para sanar a lesividade não se mostra eficaz. Tudo recomenda que, em jogo tema da maior relevância, em face da Carta da República e dos princípios evocados na inicial, haja imediato crivo do Supremo Tribunal Federal, evitando-se decisões discrepantes que somente causam perplexidade, no que, a partir de idênticos fatos e normas, veiculam enfoques diversificados. A unidade do Direito, sem mecanismo próprio à uniformização interpretativa, afigura-se simplesmente formal, gerando insegurança, o descrédito do Judiciário e, o que é pior, com angústia e sofrimento ímpares vivenciados por aqueles que esperam a prestação jurisdicional. Atendendo a petição inicial os requisitos que lhe são inerentes - artigo 3º da Lei nº 9.882/99 -, é de se dar seqüência ao processo.

Em questão está a dimensão humana que obstaculiza a possibilidade de se coisificar uma pessoa, usando-a como objeto. Conforme ressaltado na inicial, os valores em discussão revestem-se de importância única. A um só tempo, cuida-se do direito à saúde, do direito à liberdade em seu sentido maior, do direito à preservação da autonomia da vontade, da legalidade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana. O determinismo biológico faz com que a mulher seja a portadora de uma nova vida, sobressaindo o sentimento maternal. São nove meses de acompanhamento, minuto a minuto, de avanços, predominando o amor. A alteração física, estética, é suplantada pela alegria de ter em seu interior a sublime gestação. As percepções se aguçam, elevando a sensibilidade. Este o quadro de uma gestação normal, que direciona a desfecho feliz, ao nascimento da criança. Pois bem, a natureza, entrementes, reserva surpresas, às vezes desagradáveis. Diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos tecnológicos, postos à disposição da humanidade não para simples inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar. No caso da anencefalia, a ciência médica atua com margem de certeza igual a 100%. Dados merecedores da maior confiança evidenciam que fetos anencefálicos morrem no período intra-uterino em mais de 50% dos casos.

Quando se chega ao final da gestação, a sobrevida é diminuta, não ultrapassando período que possa ser tido como razoável, sendo nenhuma a chance de afastarem-se, na sobrevida, os efeitos da deficiência. Então, manter-se a gestação resulta em impor à mulher, à respectiva família, danos à integridade moral e psicológica, além dos riscos físicos reconhecidos no âmbito da medicina. Como registrado na inicial, a gestante convive diuturnamente com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto, dentro de si, que nunca poderá se tornar um ser vivo. Se assim é - e ninguém ousa contestar -, trata-se de situação concreta que foge à glosa própria ao aborto - que conflita com a dignidade humana, a legalidade, a liberdade e a autonomia de vontade. A saúde, no sentido admitido pela Organização Mundial da Saúde, fica solapada, envolvidos os aspectos físico, mental e social. Daí cumprir o afastamento do quadro, aguardando-se o desfecho, o julgamento de fundo da própria argüição de descumprimento de preceito fundamental, no que idas e vindas do processo acabam por projetar no tempo esdrúxula situação.

Preceitua a lei de regência que a liminar pode conduzir à suspensão de processos em curso, à suspensão da eficácia de decisões judiciais que não hajam sido cobertas pela preclusão maior, considerada a recorribilidade. O poder de cautela é ínsito à jurisdição, no que esta é colocada ao alcance de todos, para afastar lesão a direito ou ameaça de lesão, o que, ante a organicidade do Direito, a demora no desfecho final dos processos, pressupõe atuação imediata. Há, sim, de formalizar-se medida acauteladora e esta não pode ficar limitada a mera suspensão de todo e qualquer procedimento judicial hoje existente. Há de viabilizar, embora de modo precário e efêmero, a concretude maior da Carta da República, presentes os valores em foco.

Daí o acolhimento do pleito formulado para, diante da relevância do pedido e do risco de manter-se com plena eficácia o ambiente de desencontros em pronunciamentos judiciais até aqui notados, ter-se não só o sobrestamento dos processos e decisões não transitadas em julgado, como também o reconhecimento do direito constitucional da gestante de submeter-se à operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos, a partir de laudo médico atestando a deformidade, a anomalia que atingiu o feto. É como decido na espécie.

3. Ao Plenário para o crivo pertinente.

4. Publique-se.

Brasília, 1º de julho de 2004, às 13 horas.

Ministro MARCO AURÉLIO Relator


ANEXO B

PROJETO DE LEI No, DE 2006

(Do Sr. Marco Abramo )

Altera a Lei nº 9.434, de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e

partes do corpo humano para fins de transplantes e tratamento, para permitir que

portadores de anencefalia sejam doadores de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1° O art. 3° Da Lei nº 9.434, de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação.

"Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica ou de anencefalia, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina."

(NR)

Art.2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

A proposição que ora apresentamos tem como objetivo primordial a defesa e a proteção do bem maior de toda a humanidade: a vida.

A sociedade brasileira tem vivenciado ao longo do tempo a grande luta travada por milhões de cidadãos pela preservação de suas vidas ou a de seus familiares, que dependem de um órgão ou tecido de outro cidadão.

Entre a identificação da necessidade de um novo órgão e a realização do transplante normalmente transcorre um período longo e traumático, em que sofrem o paciente, sua família e, muitas vezes, toda a sociedade.

Esse processo é complexo, extremamente difícil e nem sempre bem sucedido. São muitas as razões para tantas dificuldades. Uma delas é, ainda, a baixa capacidade operacional do sistema nacional de transplantes, que, embora tenha melhorado em vários aspectos nos últimos anos, ainda está muito aquém da necessidade de nossa sociedade.

Não se têm profissionais e equipes de transplantes suficientes e atuantes em todo o País. Os centros de captação, também, não são capazes de atender a demanda. Essa baixa eficiência na gestão do sistema agrava ainda mais o maior dos problemas na área: a carência de praticamente todos os tipos de órgãos e tecidos, em face da demanda sempre crescente.

Há que se admitir, todavia, que houve avanços na conscientização de nossa sociedade em relação à importância da doação, embora ainda não de maneira suficiente para suprir o déficit.

Assim, a falta de órgãos para milhares de brasileiros, que enfrentam a mais dramática das filas, é uma realidade insofismável e indiscutível.

Essa gravíssima situação faz com que cada órgão disponível, cada doador, cada possibilidade de se doar ganhe uma relevância transcendental. Trata-se da oportunidade mais nobre para o ser humano. Salvar uma vida.

Urge, nesse contexto, equacionar a grande polêmica surgida em torno da possibilidade jurídica da doação de órgãos de anencéfalos.

Protelar essa definição significa condenar à morte dezenas de recém-nascidos

que necessitem de alguma modalidade de transplante.

Demonstrando a sua preocupação com o problema, o Conselho Federal de Medicina realizou uma série de estudos, consultas e um grande fórum nacional para definir uma posição sobre a aplicabilidade da legislação vigente aos casos de anencéfalos. Com a Resolução nº 1.752, de setembro de 2004, o CFM definiu-se pela possibilidade de se realizar o transplante de órgãos ou tecidos do anencéfalo, desde que autorizado formalmente pelos pais, com antecedência de 15 dias do nascimento.

Alguns elementos da fundamentação daquela decisão do Conselho merecem ser destacados.

O CFM parte do entendimento de que os "anencéfalos são natimortos cerebrais, por não possuírem os hemisférios cerebrais." Entende que, diante de sua inviabilidade vital em decorrência da ausência de cérebro, são a eles inaplicáveis e desnecessários os critérios de morte encefálica.

Ademais, sustenta que a anencefalia é resultado de um processo irreversível e de causa conhecida, condição que corresponderia àquelas exigidas na Resolução CFM nº 1.480/97, que em seu artigo 3º, estabelece que "morte encefálica deve ser conseqüência de processo irreversível e de causa conhecida".

O Conselho cumpriu seu papel de regulamentar a matéria, conforme disposição do art. 3º da Lei de Transplantes. Sua decisão mereceu, todavia, uma série de críticas, o que acabou por gerar um ambiente de grande insegurança entre os profissionais do setor.

Mesmo a coordenação nacional do sistema de transplantes não se mostrou suficientemente segura para aplicar a interpretação exarada pelo CFM. Muitos pais de crianças com diagnóstico de anencefalia, interessados em praticar o ato da doação de órgãos de seus filhos, não tiveram seu nobre desejo atendido, por excesso de precaução da Central de Transplantes.

Foi apenas após forte pressão da sociedade, nessa ordem de idéias, que o Ministério da Saúde decidiu autorizar um transplante de órgãos de anéncefalos, com base na Resolução do CFM, no conhecido caso do menino Artur.

Toda essa polêmica e insegurança indicam, de forma clara, a necessidade imperiosa de que se promova a adequada atualização das normas sobre transplantes de doação de órgãos.

A visão técnica e científica que balizou a interpretação da legislação em vigor, equiparando o diagnóstico de anencefalia ao diagnóstico de morte encefálica, parece-nos adequada e correta e deve servir de base para as mudanças que se pretende implementar.

Evidentemente, em tema tão complexo, que envolve questões de ordem cultural, ética, social, científica entre outras, sempre surgirão divergências. Temos, contudo, a convicção de que não se pode mais protelar uma definição legal sobre a matéria.

Nesse sentido que se apresenta o presente Projeto de Lei, que, com uma simples modificação do art. 3º da Lei de Transplantes, pretende encerrar a polêmica interpretativa sobre a possibilidade de os anéncefalos serem doadores.

Assim, a condição necessária para que se possa promover a retirada de órgãos, tecidos ou parte do corpo humano para fins de transplante passa a ser o diagnóstico ou de morte encefálica ou de anencefalia.

Entendemos ser desnecessária qualquer outra alteração na lei em vigor, porque as exigências já previstas, como as de autorização de familiares ou de regulamentação técnica pelo CFM, entre outras, mostram-se suficientes para garantir a necessária segurança no processo de doação de órgãos de anencéfalos.

Por tudo que se expôs, entendemos que a proposição que ora se submete a esta Casa cultiva os mais elevados valores de nossa sociedade. Será, sem qualquer dúvida, um grande momento de celebração da vida, da solidariedade e do amor ao próximo, razões que nos parecem fortes e suficientes para conclamar aos nobres Colegas a apoiarem a presente iniciativa.

Deputado MARCOS ABRAMO


Notas

1 Richard E. Behrman, Robert M. Kliegman e Hal B. Jenson, Nelson/Tratado de Pediatria, Ed. Guanabara Koogan, 2002, p. 1777.

2 Debora Diniz e Diaulas Costa Ribeiro, Aborto por anomalia fetal, 2003, p. 101.

3 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 281.

4 Doenças do recém-nascido, obra coletiva, Interamericana, 4ª ed., 1979, p.627.

5 BRUM, Eliane. Mulheres Pobres são impedidas de interromper gestações inviáveis por cruzada religiosa, Revista época, Edição 304.

6 Debora Diniz e Diaulas Costa Ribeiro, Aborto por anomalia fetal, 2003, p. 44.

7 CRITÉRIOS de vida e de morte. Boa Saúde. Disponível em: http://boasaude.uol.com.br/lib/ShowDoc.cfm?LibDocID=3172&ReturnCatID=1770. Acesso em: 19 set. 2006.

8 CRITÉRIOS de vida e de morte. Boa Saúde. Disponível em: http://boasaude.uol.com.br/lib/ShowDoc.cfm?LibDocID=3847&ReturnCatID=1511. Acesso em: 19 set. 2006

9 Tal nomenclatura induz a erro, já que encéfalo e cérebro representam estruturas corporais diversas, (fazendo a diferenciação destas estruturas ver FRANÇA, Genival Veloso de. Um conceito ético de morte. Disponível em: < http://www.geocities.com/CollegePark/Union/6478/conceitomorte.html>. Acesso em: 19 set. 2006.). Assim, usaremos somente a expressão morte encefálica.

10 O outro componente do sistema nervoso central é a medula espinhal. Formando o Sistema Nervoso periférico estão, citando de forma bastante simplificada, os nervos e os músculos. In: CHUDLER, Eric. Aventuras em neuroanatomia: as divisões do Sistema Nervoso. Disponível em: http://geocities.yahoo.com.br/neurokidsbr/Divisoes_do_SN.html. Acesso em: 29 set. 2006.

11 CHUDLER, Eric. Aventuras em neuroanatomia: as divisões do Sistema Nervoso. Disponível em: http://br.geocities.com/neurokidsbr/Divisoes_do_SN.html. Acesso em: 29 set. 2006.

12 A Resolução expressamente exclui a hipotermia e o uso de drogas depressoras do Sistema Nervoso Central como causas para a morte encefálica, conforme se verifica no Termo de Declaração de Morte Encefálica, a ser preenchido pelos médicos responsáveis pela declaração da morte e que consta como anexo à Resolução.

13 Mesmo não havendo qualquer tipo de definição jurídica do que possa ser entendido como vida o ordenamento jurídico brasileiro, pela primeira vez, positivou o conceito de morte, o que implica em grande avanço para o Direito, em especial o Biodireito.

14 Em verdade, há uma situação contraditória em nosso ordenamento jurídico: enquanto o conceito de morte encefálica é utilizado apenas para a permissão para a retirada de órgãos para transplante, o conceito de morte clínica é utilizado para a tipificação dos delitos contra a vida. Esta é uma contradição que precisa, urgentemente, ser sanada, já que o bem jurídico defendido em ambos os casos é o mesmo: a vida.

15 NARLOCH, Eliza Muto e Leandro. Quando a vida começa? Revista Super Interessante, Edição 219, página 62, Novembro de 2005.

16 Costa, S.; Diniz, D. Bioética: Ensaios. Letras Livres. Brasília. 2001.

17 Capez, F. Curso de Direito Penal. Vol. II. Editora Saraiva. São Paulo. 2003. pp. 107 e

Mirabete, J. F. Manual de Direito Penal. Vol. II. 23 ed. Editora Atlas S.A. São Paulo. 2005. pp. 93.

18 Junior, N. N.; Nery, R. M. A. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. Editora Revista dos Tribunais. 2 ed. São Paulo. 2003. pp. 8-9.

19 DANTAS, MOISÉS, CRISTINE ELAINE. Aspectos éticos e legais do aborto no Brasil. São Paulo:Funpec Ed. Universidade de São Paulo – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Departamento de Ginicologia e Obstetrícia, 2005, p.14.

20 GOMES, Luiz Flávio. Nem todo aborto é criminoso. Disponível em: www.mundolegal.com.br/?FuseAction=Doutrina_Detalhar&did=1531, Acesso em:02 Novembro 2006.

21 GOMES, Luiz Flávio. Nem todo aborto é criminoso. Disponível em: www.mundolegal.com.br/?FuseAction=Doutrina_Detalhar&did=1531, Acesso em:02 Novembro 2006.

22 MOISÉS DANTAS, Cristine Elaine et alli. Aspectos éticos e legais do aborto no Brasil. São Paulo: Funpec Ed. Universidade de São Paulo – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Departamento de Ginicologia e Obstetrícia, 2005, p. 20.

23 DOTTI, René Ariel. O aborto de uma tragédia. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 378, 20 jul. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5452>. Acesso em: 26 set. 2006.

24 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 2: parte especial: arts. 121 a 183. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2000. 629 p. p. 88

25 Número de ocorrências em busca realizada no www.google.com.br, em 14/08/2006, dos termos "anencefalia" e "aborto".

26 ESCOSTEGUY, Diego. O aborto em pauta. Revista Época, Edição 343, página 65, Dezembro de 2004.

27 NARLOCH, Eliza Muto e Leandro. Quando a vida começa? Revista Super Interessante, Edição 219, página 62, Novembro de 2005.

28 ANEXO A

29 FONTES, Leandro. O aborto terapêutico. JORNAL O ESTADÃO - Publicação de 14 novembro de 2002. p.8.

30 WHO – World Health Organization. World Atlas of Birth Defects. Disponível em <http://www.who.int/genomics/about/en/anencephaly.pdf>. Arquivo capturado em 11 de agosto de 2006.

31 Oliveira, Fátima."Interrupção de gestação: um direito". O Tempo, Belo Horizonte, 28/07/04

32 Código Civil Argentino, Artigo 70. Disponível em: <http://www.justiniano.com/codigos_juridicos/codigos_argentina.htm> Acesso em: 26 set. 2006

33 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasilia, DF: Senado Federal, 1988.

34 LILIE, Hans, Aborto eugenésico. em Biotecnologia y Derecho. Perspectivas en Derecho Comparado, Bilbao-Granada: Publicaciones de la Cátedra de Derecho y Genoma Humano, Editorial Comares, l996, p.175.

35 Alberto da Silva Franco. Anencefalia. Breves considerações medicas, bioéticas, jurídicas e jurídico-penais. Revista dos Tribunais n. 833. Março de 2005

36 O relato feito por uma juíza de direito brasileira sobre os agravos psíquicos sofridos por gestante portadora de feto anencéfalo e, publicado no editorial do Boletim do IBCCRIM( n. 145, Dez.2004) é extremamente expressivo e merece parcial transcrição: "Sou mãe (ou fui) de um bebê com esta deformidade. Soube disso no terceiro mês de gravidez (vinte anos atrás) e meu primeiro pensamento foi a interrupção. Consultei sobre o assunto o médico que acompanhava a gestação e ele deu uma resposta desconcertante: ‘Se você quiser abortar, indico-lhe um aborteiro porque sou um parteiro’. Isso me deu uma enorme sensação de culpa; me senti uma assassina e levei a gravidez a termo. Foram os piores anos de minha vida, pois uma das coisas mais importantes deste período é o vínculo de amor e carinho que nós estabelecemos com o ser que está ali dentro de nós. Só a mãe sabe como é esse sentimento. Durante os sete meses restantes, vivi brigando com tal sentimento que teimava em não ser indiferente, pois imaginava que, se conseguisse não estabelecer o vínculo, sofreria menos. Foi uma experiência que nenhuma mãe deseja viver". (...) " Minha filha tinha um rosto lindo, mas faltava o osso que reveste o cérebro, a anencefalia. Os pediatras aconselharam não alimentá-la para que o tempo de vida não se prolongasse" (...) "Não tive condições psicológicas de cuidar de minha filha; ela viveu cinco dias porque minha sogra desobedeceu à recomendação médica e a alimentava. Entretanto, segundo me informou, era visível o desconforto da criança que não tinha ânimo nem para chorar; esboçava uma gesticulação intermitente e desconexa. Aí se foram as duas primeiras oportunidades de ter um filho. Insisti numa terceira gravidez" (...) " e nesta não conseguia acreditar que tudo estava bem e, novamente, me esforcei

para não amar tanto o meu filho. Não comprei uma fralda; não fiz o enxoval e nunca me dirigi ao feto com medo de mais uma perda. Eu sabia que não suportaria. Graças a Deus, tudo deu certo".(...) " Por tudo isso que acabo de testemunhar – e é a primeira vez que tenho coragem de fazer isso – peço que ajudem muitas mulheres a se darem a si próprias a oportunidade de ter um filho saudável – com vida–.pois não se pode falar em vida do anencéfalo. Que vida? Somente intra-uterina".

37 REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito, 5ª edição, Saraiva: São Paulo - SP 2003

38 Artigo 3º da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. 

39 Abramo, Marco Projeto de Lei No 6599/06, de 2006

40 PESSINI, Léo, BARCHIFONTAINE, Chistian de Paul. Problemas Atuais de Bioética. São Paulo: Loyola, 2000, p. 213.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDEIRO, Letícia Gomes. A antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1412, 14 maio 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9875. Acesso em: 24 abr. 2024.