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Direitos autorais e contrato de trabalho

01/09/1998 às 00:00
Leia nesta página:

A criação intelectual de empregado, no exercício de sua função, é propriedade dele ou da empresa?

ESTADO DO RIO DE JANEIRO
P ODER JUDICIÁRIO
VIGÉSIMA NONA VARA CÍVEL
Proc. nº 96.001.099297-8

S E N T E N Ç A

VISTOS ETC....

SÉRGIO CORREA DA SILVA propõe a presente ação, de rito ordinário, em face de BANERJ SEGUROS S/A, objetivando a condenação desta ao pagamento de indenização por danos morais e patrimoniais lhe causados em razão do uso indevido de programa original seu de cálculo de prêmio de seguros de automóveis, tomando-se como base da indenização os expressivos ganhos auferidos pela ré.

Alega o autor, como causa de pedir, que atuou como gerente da área técnica de automóveis da ré durante quatro anos e, com o advento da circular nº 27 da SUSEP permitindo às empresas estabelecer seus próprios preços e tarifas, criou nova fórmula visando simplificar o cálculo do prêmio de seguro de automóvel, minimizando a incidência de erros e imprimindo maior velocidade à emissão de documentos pertinentes ao referido seguro, fórmula esta apresentada à direção da empresa e que passou a ser aplicada a partir de setembro de 1991, como tarifa "BANERJ SEGUROS". Afirma ainda o autor que a ré, não reconhecendo a autoria da obra intelectual de criação exclusiva, levada a registro no Cartório do 1º Ofício de Títulos e Documentos, se negou a negociar com ele o preço pelo uso de sua obra, valendo-se do contrato de trabalho celebrado entre as partes para causar constrangimentos ao autor.

Inicial instruída com mandato e documentos de fls. 13/81, estando as custas recolhidas através das guias de fls. 14/15 e 89.

Citada regularmente, a ré apresentou contestação (fls.91/101), sustentando, de início, a inépcia da inicial pela indeterminação absoluta do pedido, quando a indeterminação é admitida apenas à quantidade ou qualidade das coisas ou importâncias pleiteadas, nunca no que concerne à própria prestação pretendida, e, no mérito, a improcedência da reivindicação do autor, uma vez que a alegada obra de criação exclusiva, levada a registro, era a mesma formula que já vinha sendo adotada pela ré desde 1987, apenas com o detalhe de ter transformado o autor o percentual em coeficiente sobre a importância segurada, e que dita operação foi elaborada em conjunto com os demais técnicos empregados da ré e hoje é utilizada por todas as companhias de seguros. Aduz ainda a ré que a obra se deu por encomenda, sob orientação e determinação do empregador, com a colaboração de toda a equipe técnica da ré, em razão do vínculo de subordinação. Por fim, diz não haver demonstrado o autor os danos sofridos.

Com a contestação vieram os documentos de fls.102/105.

Réplica às fls. 107/115.

Designada audiência de conciliação, esta se deu conforme ata de fls. 123/124, ocasião em que foi prolatado o despacho saneador, rejeitando a preliminar levantada pela ré e designando, desde logo, audiência de instrução e julgamento.

Da decisão que rejeitou a preliminar de inépcia da inicial a ré interpôs agravo retido (fls.127/130), recurso este que foi recebido às fls.131.

A.I.J. consoante termo de fls. 143.

Alegações finais às fls. 153/161 e 163/169.

Determinada a remessa dos autos ao MP, a ilustre representante do parquet se manifestou conforme promoção de fls. 176v, cujo requerimento fora deferido pela Juíza que me antecedeu, decisão esta a que se insurgiu a ré, através de agravo de instrumento, por entender dispensável a intervenção do MP nos presentes autos, o que levou à reconsideração da decisão e, consequentemente, prejudicado restou o julgamento do agravo interposto.

Sem outras provas a produzir, os autos me vieram conclusos.

É O RELATÓRIO.


DECIDO.

Trata-se de pedido de indenização por danos morais e patrimoniais, fundada na infração dos preceitos legais de proteção do direito do autor.

Sustenta o reclamante que, quando foi facultado às empresas de seguro estabelecer seus preços, elaborando suas próprias tarifas, como já vinha trabalhando na criação de uma fórmula que simplificasse a tarefa de cálculo do prêmio de seguro de automóvel, setor que chefiava na empresa-ré, pôs em prática a utilização dessa fórmula, que facilitou e otimizou a sistemática de cálculo e que, até hoje vem sendo por esta empregada, com a denominação conhecida de tarifa BANERJ SEGUROS, sem sua expressa autorização. Entende o autor que o uso indevido de seu trabalho pela ré lhe causa prejuízo: a uma, porque não reconhece a utente a paternidade da obra, causando-lhe constrangimentos; e a duas, porque fica impedido de negociar com terceiros.

O fundamento legal do pedido de indenização por perdas e danos estaria no art. 123 c/c os arts. 25,29 e 30, todos da Lei 5.988, de 14/12/73, então em vigor.

Alega a ré, em contrapartida, - embora reconheça de início a colaboração do autor -, a inexistência do dever de indenizar, por achar que lhe cabe, e não ao reclamante-empregado, a autoria da obra, orientado que fora este, ocupando cargo cujas atribuições eram as de justamente determinar o preço do seguro e estabelecer a fórmula de cálculo, a elaborar estudos, em conjunto com os demais técnicos do setor, visando agrupar prêmios de seguros por marcas e modelos de veículo. Diz mais que não há originalidade e novidade que toda obra deve apresentar, para conseguir a proteção da Lei de Direitos Autorais, eis que a fórmula já existia desde 1987. E termina afirmando que ninguém é pai sob encomenda ou em virtude de vínculo de subordinação.

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Todo o debate sobre autoria se perdeu entretanto com o fato de não ter provado a ré, a despeito da oportunidade que se lhe ofereceu, o trabalho em conjunto, sob encomenda, do setor chefiado pelo postulante, fazendo com isso prevalecer a presunção decorrente do registro da obra que, se não traz originalidade absoluta, carrega, igualmente por falta de prova em contrário, a certeza de que aperfeiçoou a sistemática de cálculo de prêmio de seguros de veículos, oferecendo aos que o aplicam, simplicidade no seu emprego.

A resistência da ré a admitir que ao postulante cabe com exclusividade a autoria do trabalho é que gera para este a lesão moral, originária dos constrangimentos experimentados.

O criador intelectual de uma obra, e no caso assim se apresenta o postulante, tem direito à segurança da paternidade da mesma, como faculdade tem de embargar, ou não, a reprodução ou a execução dela, consistindo isso respectivamente o direito moral e o direito patrimonial a considerar do vínculo de natureza pessoal, entre o criador e a obra criada, despertado da própria criação.

É princípio basilar de nossa legislação, agrade ou não a ré, a garantia da indicação da autoria a quem produz a obra, seja literária, artística ou científica, bem como a exclusividade de autorizar a reprodução da mesma.

Mas ainda que tivesse a ré provado o trabalho em conjunto, produzido em razão do vínculo de emprego, a solução não seria diferente, assegurado estaria ao postulante o direito à proteção pela co-propriedade da obra, de que são exemplos as decisões a seguir:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FUNDAÇÃO. INTERVENÇÃO DO MINISTERIO PUBLICO. DIREITO AUTORAL. CO-PROPRIEDADE DO EMPREGADO COM O EMPREGADOR. OBRA PRODUZIDA DURANTE A RELAÇÃO DE TRABALHO E POR DIVERSAS PESSOAS. A OBRA PRODUZIDA EM CUMPRIMENTO A DEVER FUNCIONAL OU DURANTE A VIGENCIA DA RELAÇÃO DE TRABALHO PERTENCE, EM CO-PROPRIEDADE, AO EMPREGADOR E AO EMPREGADOR, PERSISTINDO MESMO APOS A EXTINÇÃO DA RELAÇÃO LABORAL. RECURSO PROVIDO (STJ, 1ªT, RESP 7757-SP, REL. MIN. CESAR ASFOR ROCHA, PUBL. DJU 12/12/94, PÁG.34320).

TODO ATO FISICO LITERARIO, ARTISTICO OU CIENTIFICO RESULTANTE DA PRODUÇÃO INTELECTUAL DO HOMEM, CRIADO PELO EXERCICIO DO INTELECTO, MERECE A PROTEÇÃO LEGAL, O LOGOTIPO, SINAL CRIADO PARA SER O MEIO DIVULGADOR DO PRODUTO, POR DEMANDAR ESFORÇO DE IMAGINAÇÃO, COM CRIAÇÃO DE CORES, FORMATO E MODO DE VEICULAÇÃO, CARACTERIZA-SE COMO OBRA INTELECTUAL.. SENDO A LOGOMARCA TUTELADA PELA LEI DE DIREITOS AUTORAIS, SÃO DEVIDOS DIREITOS RESPECTIVOS AO SEU CRIADOR, MESMO LIGADA A SUA PRODUÇÃO A OBRIGAÇÃO DECORRENTE DE CONTRATO DE TRABALHO (STJ, 4ªT, RESP 57449-RJ, REL. MIN. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, PUBL. DJU 08/09/97, PÁG.42506).

Se, por um lado, dano moral penso dessa forma existir para o autor em razão da conduta da ré; por outro não vejo o dano patrimonial demonstrado, partindo da circunstância de que foi o próprio autor-reclamante quem introduziu, espontânea e conscientemente, o uso da fórmula a que se apega na rotina dos trabalhos da ré.

A autorização tácita outorgada pelo postulante a seu empregador não pode, da noite para o dia, transmudar-se de legítima em ilegítima, até porque a autorização para utilização individualizada é licença, sem prazo determinado, que a Lei não exige qualquer formalidade, diferentemente da cessão, total ou parcial, em que a forma escrita se impõe.

E, como se não bastasse, a obra do autor, como ele mesmo reconhece, e a prova não desabona, é mero aperfeiçoamento de obra existente cujo êxito resulta da redução do tempo de definição do prêmio a ser pago pelo interessado no seguro, sem gerar maior receita pela seguradora. E sem gerar maior receita a seguradora, não cabe ao intérprete pensar sequer na teoria do enriquecimento injusto.

Dada a ausência de elementos outros e considerando os constrangimentos impostos ao autor pela usurpação do trabalho intelectual por ele desenvolvido, parece-me razoável fixar a indenização pelo dano moral suportado em 52.023,72 UFIRs.

DAÍ PORQUE JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, A PRETENSÃO AUTORAL PARA CONDENAR A RÉ A PAGAR AO AUTOR A QUANTIA DE R$ 50.000,00, CORRESPONDENTE A 52.023,72 UFIRs, ACRESCIDA DE JUROS DE 6% AO ANO A PARTIR DA CITAÇÃO. PAGARÁ TAMBÉM A RÉ AS CUSTAS DO PROCESSO E HONORÁRIOS DO ADVOGADO DO AUTOR, QUE FIXO EM 15% SOBRE A CONDENAÇÃO.

P.R.I.

RIO DE JANEIRO, 13 DE JULHO DE 1998

ANDRÉ CÔRTES VIEIRA LOPES
J uiz de Direito

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Sobre o autor
André Côrtes Vieira Lopes

juiz de Direito no Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, André Côrtes Vieira. Direitos autorais e contrato de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. -1765, 1 set. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16371. Acesso em: 29 mar. 2024.

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