Viragem jurisprudencial do TSE: inelegibilidade por crime de pirataria

TSE muda jurisprudência pacificada em 2014 e decide que crime contra direito autoral é causa de inelegibilidade

19/02/2018 às 20:18
Leia nesta página:

Análise da decisão do Tribunal Superior Eleitoral que modificou jurisprudência pacificada nas Eleições de 2014 e decidiu que crime contra direito autoral é causa de inelegibilidade

Ao julgar o Recurso Especial Eleitoral n. 145-94.2016.6.24.0074, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mudou jurisprudência que havia sido firmada nas Eleições de 2014 e decidiu que crime de violação a direito autoral ofende o patrimônio privado e, portanto, enquadra-se nas hipóteses de inelegibilidade.

O Ministério Público Eleitoral (MPE) impugnou candidatura ao cargo de vereador no Município de Rio Negrinho (SC) em 2016 porque o político foi condenado nas sanções do art. 184, § 2.º, do Código Penal, já que possuía 49 CDs falsos em seu estabelecimento comercial. Para o órgão ministerial, tal crime estaria contemplado no conceito de “crime contra o patrimônio privado” (art. 1º, I, “e”, 2, da LC n. 64/1990, com redação da LC n. 135/2010), gerando sua inelegibilidade.

Tanto na 74.ª Zona Eleitoral, quanto no Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE-SC), o registro da candidatura foi deferido. No entanto, o Ministério Público Eleitoral interpôs recurso especial eleitoral contra o acórdão do regional catarinense. Ao concluir o julgamento do caso, o Tribunal Superior Eleitoral, por maioria, deu provimento à insurgência, indeferindo o registro. Prevaleceu o voto do Ministro Herman Benjamin, restando vencida relatora, Ministra Luciana Lóssio, a qual havia formulado a seguinte ementa:

ELEIÇÕES 2016. RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. VEREADOR. DEFERIMENTO. CRIME. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, E, DA LC Nº 64/90. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. O Tribunal Regional de Santa Catarina (TRE/SC) manteve o deferimento do registro de candidatura de Eloir Meirelles Laurek ao cargo de vereador do Município de Rio Negrinho/SC, nas eleições de 2016, por entender que o delito previsto no art. 184, § 2º, do Código Penal não é crime contra o patrimônio privado, o que impede, em virtude da interpretação estrita, que se deve dar a normas restritivas de direito, a incidência da inelegibilidade prevista na alínea e, item 2, do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90.

2. Segundo consta do acórdão regional, em 14.10.2011, o recorrido praticou o crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, cuja sentença penal condenatória transitou em julgado no dia 15.10.2012.

3. O entendimento mais recente desta Corte Superior é no sentido de que o crime de violação de direito autoral não está inserido entre os crimes contra o patrimônio privado, e, portanto, não atrai a causa de inelegibilidade prevista no art. 1°, I, e, item 2, da LC n° 64/90.”

A Ministra fez constar em seu voto:

Nesse aspecto, é cediço que a lei foi taxativa ao exigir, como causa de inelegibilidade, a configuração do crime contra o patrimônio privado. A interpretação na espécie deve ser estrita, principalmente por estar em jogo instrumento essencial aos direitos políticos, qual seja, o direito a elegibilidade – exercício da cidadania passiva.

A natureza patrimonial dos direitos autorais é inegável. Entretanto, os delitos contra a propriedade imaterial se distinguem dos crimes contra o patrimônio, na medida em que tutelam os bens impalpáveis, produto da atividade intelectual do ser humano.

Nesse contexto, diante da impossibilidade de interpretação extensiva e tendo em vista que o crime de violação de direito autoral não está inserido no Título II da Parte Especial do CP, que dispõe sobre os crimes contra o patrimônio, descabe enquadrá-lo como crime contra o patrimônio privado para os fins do art. 1°, I, e, item 2, da LC nº 64/90.”

Tal entendimento, que prevalecia na Corte Superior desde 2014, foi firmado no julgamento do Recurso Ordinário (RO) n. 981-50.2014.6.21.0000, de relatoria do Ministro João Otávio de Noronha, em caso oriundo do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) relativo a candidato a deputado estadual naquelas Eleições.

Em seu voto, o Ministro Herman Benjamin citou um precedente de 2012, oriundo do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) em sentido oposto, relatado pelo Ministro Arnaldo Versiani: ao julgar, na ocasião, o Recurso Especial Eleitoral (REspe) n. 202-36.2012.6.26.0062, o tribunal entendeu que, embora o delito de violação a direito autoral esteja inserido no Título III do Código Penal, trata-se de ofensa ao interesse particular, incluída entre os crimes contra o patrimônio privado.

Para ele, a leitura do artigo da lei não pode se dissociar do art. 14, § 9º, da Constituição, que busca proteger a probidade administrativa e a moralidade para exercício de mandato, levando em conta a vida pregressa do candidato: “Normas jurídicas não podem ser interpretadas única e exclusivamente a partir de método gramatical ou literal. Há de se considerar os valores ético-jurídicos que as fundamentam, assim como sua finalidade e o disposto no sistema da Constituição e de leis infraconstitucionais, sob pena de se comprometer seu real significado e alcance.”

Por isso, o Ministro Herman Benjamin entende que o exame das causas de inelegibilidade por prática de crime deve levar em conta o bem jurídico protegido, sendo irrelevante a topografia (locus) do tipo no Código Penal ou em legislação esparsa. Nesse sentido, segundo o ministro, o fato do artigo 184 do CP estar em título próprio (Título III - Dos Crimes Contra a Propriedade Imaterial), por si só, não desnatura o bem jurídico tutelado. Isso porque, segundo ele, embora os bens imateriais sejam incorpóreos, é evidente seu expressivo valor econômico, cultural e artístico, compondo o patrimônio privado de seu titular.

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Votaram com o Ministro Herman Benjamin, redator para o acórdão, os Ministros Henrique Neves, Rosa Weber e Luiz Edson Fachin. Acompanharam a relatora os Ministros Jorge Mussi e Gilmar Mendes, Presidente da Corte.

Embora a Ministra Luciana Lóssio tenha defendido em seu voto que “A jurisprudência serve como direcionamento para a formulação de pedidos de registro de candidatura, razão pela qual, em respeito ao princípio da segurança jurídica, defendo que eventual mudança de entendimento tenha repercussão apenas para os pleitos futuros, considerando que o entendimento mais recente desta corte é no sentido de que os crimes contra a propriedade intelectual não atraem a inelegibilidade em decorrência da condenação por crime contra o patrimônio”, a tese vencedora foi aplicada ao caso.

Fontes Consultadas:

TSE muda jurisprudência e decide que pirataria provoca inelegibilidade. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-abr-12/tse-muda-entendimento-julga-pirataria-provoca-inelegibilidade. Acesso em: 12.05.2017.

Veja a íntegra da Sessão Plenária do dia 05 de abril de 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=80vbnPGK3Lc. Acesso em: 12.05.2017.

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Sobre o autor
Angelo Soares Castilhos

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (2004). Especialista em Direito Constitucional pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul - FMP (2007) e em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci - UNIASSELVI (2017). Analista Judiciário - Área Judiciária do TRE-SC, atualmente removido para o TRE-RS. Chefe da Seção de Jurisprudência e Legislação do TRE-RS. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP) e do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral (IGADE). Editor do site www.DireitoEleitoral.info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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