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Álibi e defesa criminal

06/01/2022 às 09:00
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Para afastar de si o infortúnio de uma condenação, pode o réu invocar álibi. Cabe-lhe contudo comprová-lo cumpridamente, sob pena de confissão do ilícito penal por que responde.

 

 

I. É princípio de lógica jurídica e dogma processual venerando que aquele que invoca a seu favor álibi* deve comprová-lo sem falta, aliás não se eximirá da tacha de réu confesso (art. 156 do Cód. Proc. Penal).

A força do argumento que assenta na “negativa loci” pode-a abalar, com efeito, a menor dúvida, pois o réu que afirma álibi, e não o prova, como que admite a própria culpa.

Lição é esta que abraçam os doutores e a jurisprudência dos Tribunais:

a) “Álibi. Quem alega deve prová-lo, sob pena de confissão (Damásio E. de Jesus, Código de Processo Penal Anotado, 23a. ed., p. 59; Editora Saraiva; São Paulo).

b) “É de se ter por confesso o réu que, tentando elidir a responsabilidade penal que lhe é imputada mediante álibi, deixa de fazer qualquer prova roborativa de sua afirmação (JTACrSP, vol. 33, p. 335; rel. Roberto Martins).

 

II. À luz dessa doutrina comum têm nossas Cortes de Justiça tratado sempre a questão. Foi o que praticou o Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, como o demonstra o acórdão abaixo reproduzido:

 

PODER JUDICIÁRIO - Tribunal de Alçada Criminal - Oitavo Grupo de Câmaras

 

Revisão Criminal nº 352.776/1 - Comarca: Campinas - Peticionário: CAR

 

Voto nº 2130

Relator

Em se tratando de revisão criminal, reclama tradicional e ortodoxa jurisprudência dos Tribunais que o condenado deve provar, além de toda a dúvida razoável, que a sentença andou em erro, ou foi cometida injustiça (art. 621 do Cód. Proc. Penal).

É presunção comum (“praesumptio hominis”) que a apreensão de coisa alheia, na posse de quem a não justifique plenamente, dá a conhecer o criminoso.

Na forja da sabedoria antiga foi batido o argumento de que, se o réu não prova seu álibi, entende-se haver confessado o crime.

 

1. Condenado à pena de 7 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão, além de 17 dias-multa, por infração do art. 157, § 2º, nº I, do Código Penal, CAR requer a revisão do processo a que respondeu perante o MM. Juízo de Direito da 2a. Vara Criminal da Comarca de Campinas.

Alega, na petição de fls. 2/12, que o decreto condenatório assentou em provas frágeis e inseguras.

Afirma ainda que sempre negou, com veemência, a imputação.

Destarte, a seu aviso, a causa-crime não poderia desfechar senão em decreto absolutório.

É o que pede e espera, ao intentar a presente revisão criminal.

A ilustrada Procuradoria-Geral de Justiça, em primoroso e firme parecer do Dr. Antonio Augusto Bello Oricchio, opina pelo indeferimento do pedido (fls. 37/42).

É o relatório.

 

2. Foi o peticionário chamado à barra da Justiça Criminal porque, aos 23 de abril de 1993, pelas 9h, na Rua Quintino de Paula Maldonet (Bairro Taquaral), em Campinas, subtraíra para si, mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, 130 maços de cigarros, de várias marcas, de propriedade de Andréa Domingos Modesto.

Rezam os autos que o peticionário entrou no estabelecimento comercial da vítima, um bar, e pediu uma dose de “Caninha 51”.

Servida que lhe foi a cachaça, pediu um maço de cigarros; quando a vítima lho entregava, o réu sacou de arma de fogo.

Ato contínuo, exigiu que a vítima lhe entregasse o dinheiro, mas porque havia somente trocados, decidiu subtrair maços de cigarros, apoderando-se de grande número deles.

Posteriormente, quando tentava vender o produto do roubo para outro bar, foi descoberto, pois já corria a notícia do fato e de seu autor.

Instaurada a persecução criminal, foi o réu, ao cabo, condenado.

Agora, põe a mira de seus desejos na reforma do julgado, em ordem a que seja absolvido.

 

3. A despeito de seus bons esforços e engenhosa argumentação, não há deferir a súplica do requerente, que isto equivalia a encadear o raciocínio lógico e fazer tábua rasa das provas dos autos e de princípios fundamentais do processo penal.

Ao invés do que afirma o peticionário, a prova era assaz suficiente para justificar-lhe a condenação.

Consta, com certeza, dos autos que, no mesmo dia em que roubara os maços de cigarros no bar situado no Parque Taquaral, o réu tentou vendê-los noutro estabelecimento comercial, este no bairro de Santa Genebra.

Deu-se, porém, que — circunstância notável! —, os referidos estabelecimentos pertenciam a um só e mesmo proprietário: José Carlos Domingos.

A notícia da ocorrência do roubo e as características de seu autor comunicaram-se imediatamente aos empregados do botequim do bairro de Santa Genebra, de tal arte que o réu, quando aí chegou para vender o produto do roubo, a testemunha Márcia Regina Domingos, que o reconheceu, deu logo o rebate, avisando o irmão e comerciante José Carlos Domingos. Este se travou de razões com o réu e reouve, à fina força, os cigarros que lhe tinham sido subtraídos no bar do Parque Taquaral. Tudo isto declarou, com vivacidade e pormenores, na instrução criminal (fls. 13 e 117).

A vítima Andréa, depondo em Juízo, também narrou os fatos. Indagada se reconhecia o réu como ao autor do roubo, entrou em pranto convulsivo, explicando que o não podia fazer: disse que lhe haviam pedido não reconhecesse o réu (fl. 115).

Tal pormenor, no entanto, não embaraça a liquidação da autoria do roubo, antes a confirma: Márcia Regina Domingos (fl. 116), com efeito, afiançou que o réu, havia 8 meses, estivera em seu bar e lhe recomendara não dissesse palavra contra ele.

Análise atenta dos elementos reunidos no processado põe de manifesto, portanto, que o peticionário cometeu o roubo pelo qual foi condenado.

Sua afirmação, pois, de que a prova era tíbia e incapaz de gerar convencimento de culpa deve receber-se como mero artifício de retórica ou meio de defesa; não é possível tomá-la ao sério.

 

4. Por outra parte, em se tratando de revisão criminal, reclama tradicional e ortodoxa jurisprudência dos Tribunais que o condenado deve provar, além de toda a dúvida razoável, que a sentença andou em erro, ou foi cometida injustiça.

No caso, porém, desse ônus não se desempenhou a Defesa.

E, o que é mais, não logrou o peticionário elidir circunstância que o comprometera visceralmente: estava na posse da própria “res furtiva”.

Ora, é presunção comum (“praesumptio hominis”) que a apreensão de coisa alheia, na posse de quem a não justifique plenamente, revela o criminoso.

Entendimento é esse que sempre recebeu sufrágios em todos os pretórios da Justiça Criminal:

“A apreensão da res em poder do agente gera presunção de autoria do crime, invertendo-se o ônus da prova. Ao suspeito incumbe oferecer justificativa plausível para a comprometedora posse. Em o não fazendo, prevalece, para efeito de condenação, a certeza possível de ter praticado a subtração” (Rev. Tribs., vol. 739, p. 627; rel. Renato Nalini).

É verdade que o réu, com grande assombro, afirmou, de pés juntos, em seu interrogatório judicial, que, no dia do fato, estava recolhido no Presídio Prof. Ataliba Nogueira (fl. 103) e, pois, não poderia ter cometido o crime. Sem o dom da ubiquidade, certamente não praticaria o roubo no Parque Taquaral, estando preso.

Seu álibi, no entanto, foi impiedosamente fulminado pela mensagem expedida pelo Presídio Prof. Ataliba Nogueira, da qual consta que o peticionário se evadira do Instituto Penal-Agrícola de Bauru no dia mesmo em que praticara o roubo: 23.4.93 (fl. 109).

Donde o haver a sabedoria antiga forjado o argumento de que, se o réu não prova seu álibi, entende-se haver confessado o crime.

À derradeira, embora o passado ruim do homem não seja prova inequívoca de responsabilidade criminal, não há negar que os protestos de inocência do peticionário muito se abateram e decaíram de prestígio à face de sua folha de antecedentes, que registra inúmeros processos e condenações por roubo (fls. 74/80 dos autos principais).

A condenação contra que se rebela, portanto, não fez rosto à prova dos autos, antes se ajustou ao teor da prova neles coligida; merece, pois, prevalecer.

Com efeito:

“É princípio assente que, na instância revisional, o ônus da prova passa ao requerente. Nessas condições, não trazendo ele elementos novos em abono das suas alegações, não merece deferimento o pedido” (Rev. Forense, vol. 171, p. 384).

 

5. Pelo exposto, indefiro o pedido de revisão criminal.

São Paulo, 4 de maio de 2000

Carlos Biasotti

Relator

 


* “Alibi Alhures. Em Direito: ausência do acusado no lugar do crime, provada pela sua presença noutro lugar. Já considerado palavra vernácula (álibi) por muitos dicionaristas” (Paulo Rónai, Não Perca o seu Latim, 1980, p. 23; São Paulo). O lexicógrafo Antônio Houaiss registrou o vocábulo, aportuguesando-o (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1a. ed.; v. álibi).

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Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIASOTTI, Carlos. Álibi e defesa criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6763, 6 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/95682. Acesso em: 21 nov. 2024.

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