O contrato de trabalho de brasileiros e estrangeiros em águas nacionais e internacionais.

Em caso de acidentes do trabalho, como a Justiça resolve esses casos?

Leia nesta página:

J. Haroldo dos Anjos, professor e advogado especialista em Direito Marítimo, dá dicas importantes para trabalhadores marítimos sobre as leis que regem os contratos de trabalho de brasileiros e estrangeiros em águas nacionais e internacionais.

Existem brasileiros que trabalham em embarcações estrangeiras e estrangeiros que operam em companhias do Brasil. Em caso de acidentes do trabalho, como a Justiça resolve esses casos? Confira as dicas do doutor J. Haroldo dos Anjos, professor e advogado especialista em Direito Marítimo e Criminal, autor do livro “Curso de Direito Marítimo” (Ed. Renovar, 1992), com diversas causas ganhas contra a PETROBRAS e mais de trinta anos de experiência no setor de transportes marítimos.

Em casos de acidentes em embarcações e plataformas no Brasil, cabe indenização?

Sim, qualquer que seja o acidente ocorrido, desde que haja culpa ou concorrência da empresa para aquele evento danoso, que chamamos de acidente de trabalho ou doença profissional - trabalhadores se acidentam ou se contaminam em razão do exercício da profissão - é cabível indenização por danos morais e patrimoniais que decorrem do contrato de trabalho.

E se um acidente ocorrer fora do Brasil, como fica a situação dos tripulantes? Quem deve arcar com as despesas médicas?

Essa questão é muito recorrente porque os tripulantes que embarcam nessas companhias estrangeiras normalmente fazem o contrato em outros idiomas, que não o português. Ou seja, as empresas querem aplicar a legislação estrangeira da bandeira do navio para inviabilizar o pagamento da indenização . Mas, em caso de acidentes, a responsabilidade é da empresa que opera o navio e o julgamento é feito segundo a legislação brasileira, se o contrato de trabalho for celebrado no país. O mesmo acontece com os estrangeiros que tem visto permanente ou de trabalho temporário coberto pela legislação brasileira. Agora, aqueles tripulantes estrangeiros contratados pela leis de outros países, quase sempre ficam a ver navios, porque se aplica a lei de bandeira do navio ou do país da contratação, normalmente com bandeiras de conveniência, onde não há fiscalização do cumprimentos de convenções internacionais ou da legislação trabalhista.

Mas, na maioria dos casos, a empresa fica responsável em custear todas as despesas médicas dos trabalhadores quando acontece um acidente no exterior, inclusive trazer o funcionário de volta ao país de origem, em caso de morte ou acidentes com graves lesões. Nós tivemos um caso em que, por negligência da PETROBRAS, um oficial morreu a bordo do navio. Ele contraiu uma meningite tipo A, não foi removido para um hospital e acabou indo a óbito. A empresa foi condenada, sem sombra de dúvida. Se estivesse no exterior, a situação seria a mesma. No caso de acidentes em navios cruzeiros, que têm funcionários terceirizados trabalhando a bordo, como músicos, artistas, garçons e outras profissões,(um exemplo recente foi o acidente com o navio Costa Concórdia, que naufragou em 13 de janeiro de 2012, causando a morte de 32 pessoas e ferindo outras 64 na costa da Itália), os trabalhadores brasileiros são regidos pelas leis da Legislação Brasileira. A empresa tem que custear todas as despesas médicas, de tratamento ou, em caso de morte, pagar uma indenização à família e todas as obrigações trabalhistas decorrentes da relação de emprego e do contrato de trabalho, inclusive os danos morais.

E quando a contratação é feita por empresas interpostas?

Nesse caso, se a contratação for ilegítima, forma vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo se forem órgãos da Administração Pública. Mas a empresa interposta também é responsável pela reparação dos danos e ambas devem ser acionadas pela justiça para garantir o pagamento da indenização. Se a contratação for legal, por exemplo, em atividade meio de exploração da empresa, o vínculo empregatício é diretamente com a empresa interposta contratada para prestação dos serviços, mas há responsabilidade subsidiária com a tomadora de serviços pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas e indenizações por acidentes do trabalho.

Cabe lembrar, que essa regra somente se aplica aos acidentes do trabalho ocorridos a bordo de embarcações, porque se for no porto a regra é diferente e a responsabilidade é solidária. Recentemente foi aprovada pela Câmara dos Deputados uma lei sobre terceirização que muda toda essa forma de responsabilização e exploração de serviços por empresas interpostas. Na verdade, o governo quer flexibilizar essa forma de contratação e terceirização de mão de obra, deixando os trabalhadores de certa forma sem proteção.

Como é feita a remoção para o Brasil em caso de acidentes do trabalho em águas estrangeiras

A gente chama repatriamento ou repatriação. Existem convenções internacionais e legislações internas e também Normans (normas da Autoridade Marítima) que obrigam a empresa ao repatriamento dos tripulantes nacionais, ou seja, trazê-los de volta ao país de origem até o porto de partida. Temos convenções internacionais a respeito desse assunto, por se tratar de um costume internacionalmente reconhecido pelos povos civilizados.

Já houve caso da empresa se negar a fazer esse repatriamento?

Sim. Em nosso escritório é muito comum casos como esses. Então, cobramos o ressarcimento das despesas, alimentação, hospedagens e todos os custos com tratamento, independentemente da indenização para cobrir os custos que esses trabalhadores tiveram para retornar ao país. Tudo isso é cobrado através de uma ação na Justiça do Trabalho, porque as despesas do repatriamento não podem ser deixadas a cargo dos tripulantes desembarcados. Está previsto na Legislação da Previdência Social os seguintes casos: por acidentes a serviço do navio, naufrágio e doenças profissionais.Também se aplicam as mesmas regras no momento da dispensa ou desligamento sem uma causa justificada. Além disso,é da responsabilidade das empresas contratantes, todos os encargos relativos ao transporte, hospedagens, alimentação e outras despesas até sua chegada ao lugar que aceitou como ponto de repatriação. Pode ser o porto da contratação ou local estipulado em acordo ou norma coletiva. Mas o tripulante tem direito de escolher o local que deseja ser repatriado. Na prática, eles preferem a sua cidade de origem por estarem acidentados. Vale ressaltar que nenhuma despesa lhe pode ser cobrada..

No caminho inverso, como fica a situação do estrangeiro que trabalha em navios ou plataformas no Brasil?

Se for uma embarcação estrangeira com tripulação exclusiva do país, aplica-se o mesmo procedimento pelo fato da repatriação ser uma regra de ordem internacional, regida pelas convenções da Organização Internacional do Trabalho. Mas, se essa embarcação estiver afretada, a serviço ou explorada por empresa nacional dentro das águas brasileiras, a repatriação segue o mesmo ritual da legislação brasileira porque nesse caso se aplica a legislação do país.

Ninguém pode trabalhar no país sem autorização legal, que é o visto de acordo com o Estatuto dos Estrangeiros. Mesmo assim, isso acontece muito em Macaé e na região de Campos. Os estrangeiros que trabalham em navios fretados pela Petrobras devem ter plena consciência que possuem os mesmos direitos dos brasileiros, já que estão em igualdade de condições. A única diferença é que eles dependem de visto permanente ou temporário de trabalho. Mas, em caso de acidente, tem os mesmos direitos assegurados aos trabalhadores brasileiros, até porque quando embarcam dentro do território nacional, o fazem segundo as Leis Brasileiras. A partir daí, a norma coletiva da categoria em vigor passa a ter aplicação a estes trabalhadores marítimos estrangeiros. Ao contrário daqueles trabalhadores que são estrangeiros, trabalham em uma embarcação estrangeira, ostentando bandeira estrangeira e celebram um contrato de trabalho de acordo com as leis do país da bandeira das embarcações.

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Sobre os autores
J. Haroldo dos Anjos

Advogado, sócio do J. Haroldo & Advogados Consultoria Jurídica.

Ana Linhares

Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Gama Filho, com habilitação em Jornalismo. Experiência em rádio, TV e impressos. Assessora de imprensa dos escritórios J. Haroldo & Advogados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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