De acordo com o art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal - CF, "não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel". (grifei)
Contudo, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, vulgarmente conhecida como o "Pacto de San José da Costa Rica", afirma em seu art. 7º, que trata do "Direito à liberdade pessoal", que "ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar". (destaquei)
Então, como fazer? A CF ainda autoriza, expressamente, prender o depositário infiel e o Pacto, promulgado pelo Decreto Presidencial n. 678 de 1992, proíbe tal prática?
A solução parece estar no §2º do art. 5º da CF, que assim afirma: "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
Contudo, qual a força legislativa de um tratado internacional?
Pois bem, de acordo com a regra do §3º do art. 5º da CF, "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais" (negritei). Logo, concluir-se-ia que o Pacto de San José emendou o inciso LXVII do art. 5º da CF.
Ocorre que este entendimento é equivocado, na medida em que o §3º do art. 5º da CF foi inserido no ordenamento constitucional em 2004 (vide Emenda Constitucional n. 45), enquanto que o Pacto de San José foi adotado pelo Brasil, como já dito, em 1992.
Deste modo, poderia o Pacto de San José, anterior a previsão do §3º do art. 5º da CF, "declarar inconstitucional" a parte final do inciso LXVII deste mesmo artigo?
É evidente que não.
Aliás, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal - STF, consagrado na Súmula Vinculante n. 25 ("é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito"), o que ocorreu é que "diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante. Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (...) deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria (...). Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. (...) Enfim, desde a adesão do Brasil, no ano de 1992, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos 'Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há base legal par aplicação da parte final do art.5º, inciso LXVII, da Constituição, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel." (STF, Tribunal Pleno, RE 466.343, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 05/06/09 - sem grifos no original).
Em outras palavras, muito embora o Pacto de San José não tenha adentrado ao ordenamento jurídico brasileiro como emenda à CF, ele figurou logo abaixo dela, impedindo que, não obstante a previsão constitucional ainda existir até hoje, qualquer lei infraconstitucional permita a prisão do depositário infiel.