Negligência nos serviços médico-psiquiátricos: o caso Fernandes de Oliveira vs. Portugal

Leia nesta página:

Em caso envolvendo negligência médica, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condena Portugal por violação à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

Uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) colocou em destaque o problema da responsabilidade médica por negligência, aplicada aos estabelecimentos psiquiátricos.

A Corte reviu na terça-feira, 28 de março, o caso de um portador de psicose esquizofrênica que havia sido internado mas saiu livremente do estabelecimento e suicidou-se (Application nº 78103/14).

O pedido de indenização formulado pela mãe foi negado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, cuja decisão foi mantida pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Em resumo, a justiça portuguesa sustentou ser lícito o procedimento do hospital que permite a um doente psiquiátrico internado deambular livremente nos seus arredores, vindo este a suicidar-se, se não ocorreram fatos que tornassem previsível tal conduta (Processo n.º 0922/11 julgado em 29/5/2014).

Desde a primeira instância prevaleceu o entendimento de que as características do tratamento eram compatíveis com as teorias modernas da psiquiatria que defendem a terapêutica e o tratamento administrados em ambiente de confiança e mobilidade, com vistas à readaptação do doente.

Mas para o TEDH, Portugal violou o artigo 2.º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e deu má aplicação à sua Lei de Saúde Mental (Lei n.º 36/98). Concluiu a decisão que o Estado Parte falhou no dever de garantir a aplicação dos mecanismos asseguradores da efetiva e célere responsabilização das autoridades no âmbito da proteção à vida.

A história clínica do paciente - que já havia tentado o suicídio três semanas antes - foi considerada suficiente para que se considerasse exigível da equipe médica uma conduta vigilante. Haviam razões claras para antever a hipótese do suicídio.

O problema da vigilância do doente psiquiátrico é controverso, mas até o momento a justiça portuguesa vem se posicionando no sentido de não reconhecer, em princípio, uma norma ou regra técnica ou de prudência que imponha a vigilância de um paciente psiquiatricamente vulnerável, capaz de causar mal a si próprio.

Com a decisão do TEDH, contudo, consolida-se a noção de que a ausência de vigilância do paciente psiquiátrico – entendida não como acompanhamento do estado clínico, mas sim dos movimentos e passos do doente com tendências suicidas, a fim de que não haja fuga do estabelecimento e consequente risco à própria vida – pode constituir violação a uma regra de prudência (dever de cuidado) e representa, em consequência, censurável desrespeito às “leges artis”.

Citando os casos Renolde vs. França, n.º 5608/05 (em que um preso se suicidou por não receber antipsicóticos em conformidade com suas necessidades), e Haas vs. Suíça, n.º 31322/07 (em que um paciente defendia o direito à obtenção de substância letal para cometer um suicídio digno), a Corte reconheceu a tendência terapêutica de proporcionar tratamento à luz do "princípio da menor restrição" em regime de portas abertas, mas ressaltou que o tratamento ao abrigo de um regime que permite a mobilidade do doente não pode isentar o Estado das suas obrigações de proteger os pacientes psiquiátricos dos riscos que se lhes apresentam, nomeadamente quando existem indicações específicas de que podem cometer suicídio, sendo irrelevante saber se a hospitalização se deu em caráter voluntário ou involuntário.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Julian Henrique Dias Rodrigues

Advogado em exercício no Brasil, em Portugal e na União Europeia. Licenciado pela Faculdade de Direito de Curitiba desde 2008, é pós-graduado em Direito Constitucional pela Fundação Escola do Ministério Público do Paraná, em Direito do Desporto pela Universidade Castelo Branco, e em Direito da Medicina pela Universidade de Lisboa. Mestrando em Direito pela Universidade Nova de Lisboa. Integrou a Comissão de Direito do Desporto da Ordem dos Advogados do Brasil (PR), e diversos Tribunais de Justiça Desportiva. Atuou como assessor de magistrado junto ao Tribunal de Justiça do Paraná.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos