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Nota técnica para comissão da Câmara critica segurança das urnas eletrônicas

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A pedido da subcomissão especial do voto eletrônico da Câmara dos Deputados, um engenheiro especializado em segurança da informação e uma advogada da área eleitoral elaboraram uma nota técnica que faz um diagnóstico do voto eletrônico no Brasil e propõe mudanças legislativas.

Nota técnica para a Subcomissão Especial de Segurança do Voto Eletrônico da CCJC da Câmara Federal

São Paulo, 04 de julho de 2007

1. Apresentação dos Autores. 2. Introdução. 3. Diagnóstico do Voto Eletrônico no Brasil. 3.1 A Legislação Atual. 3.1.1 A Lei do Voto Virtual. 3.2 O Acúmulo de Poderes. 3.2.1 Função Administrativa Eleitoral. 3.2.2 Poder Discricionário Eleitoral. 3.2.3 Controle Administrativo Eleitoral. 3.2.4 Coisa Julgada Administrativa na Justiça Eleitoral. 3.3 As Dificuldades na Fiscalização Eleitoral. 3.3.1 Juiz e Réu no mesmo Processo. 3.3.2 Manifestação Pública, pré-julgando casos concretos. 3.3.3 Normatização Restritiva de Direitos. 3.3.3.1 Discriminação aos Partidos na Assinatura Digital.3.3.3.2 Ineficácia na Verificação de Assinatura Digital. 3.3.3.3 Imposição da Garantia de Inviolabilidade. 3.3.3.4 Restrição na Entrega dos Boletins de Urna. 3.3.3.5 Automação das Nulidades. 3.3.4 Parcialidade na Interpretação de Leis.3.3.4.1 Apresentação dos Sistemas. 3.3.4.2 Inacessibilidade aos Registros Digitais dos Votos. 3.3.4.3 Programas Fechados em Eleições Suplementares. 3.3.4.4 Dados Biométricos de Eleitor. 3.3.5 Protelação na Tramitação de Processos. 3.3.6 Julgamentos Contraditórios. 3.3.7 Compra de Votos e Eleitores Fantasmas. 3.3.8 Desinformação aos Fiscais.4. Propostas de Mudanças Legislativas. 4.1 Distribuição de Poderes. 4.2 Viabilização da Fiscalização. 4.3 Identificação do Eleitor. 5. Referências Bibliográfica citadas. 6. Referências na Internet. 7. Anexos


1. Apresentação dos Autores

Esta Nota Técnica, sugerindo mudanças legislativas necessárias para superar as potenciais fragilidades do sistema informatizado de eleições brasileiras, foi escrita atendendo pedido expresso dos Deputados Federais presentes na audiência pública ocorrida no dia 29 de março de 2007 na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara Federal.

Os autores desta nota técnica são a advogada Maria Aparecida Rocha Cortiz e o engenheiro Amílcar Brunazo Filho que, desde 2000, são representantes do PDT junto ao Tribunal Superior Eleitoral - TSE - para acompanhamento do desenvolvimento dos sistemas informatizados de eleições, conforme procuração juntada como ANEXO 1.

No desempenho desta função, os autores obtiveram conhecimento detalhado da arquitetura lógica e do processo jurídico, modeladores do sistema eleitoral eletrônico brasileiro, condição que lhes tem permitido:

a) dar cursos de fiscalização eleitoral a diretórios regionais de diversos Partidos Políticos;

b) participar, como assistentes, de auditorias e perícias em urnas eletrônicas;

c) regularmente apresentar sugestões formais ao TSE, em nome do PDT, para aperfeiçoamento do sistema a cada nova eleição.

Entre 1999 e 2002, assessoraram o Sen. Roberto Requião e, posteriormente, o Sen. Romeu Tuma, na elaboração de projetos de lei sobre o voto eletrônico, sendo da lavra dos autores a redação atual dos §§ 5º e 6º do art. 66 da lei 9.504/97 que dá aos partidos direito de verificarem se os programas carregados nas urnas são idênticos aos que foram lacrados no TSE e que determina a realização do teste de Votação Paralela no dia da eleição.

Em setembro de 2006, os autores lançaram, na Câmara Federal, o livro "FRAUDES e DEFESAS no Voto Eletrônico" e previram a ocorrência de situações como a acontecida em Alagoas, onde a confiabilidade do resultado seria questionada mas não se teria como auditar, de forma técnica e transparente, os erros identificados.

Imediatamente após a eleição de 2006, os autores detectaram a perda de integridade dos arquivos de controle de eventos (logs) nas urnas eletrônicas de Alagoas, emitindo no dia 16 de outubro o "Laudo de Avaliação dos Dados Oficiais da Eleição de Alagoas 2006 – 1º Turno" e, posteriormente, colaboraram com o professor Clóvis Torres Fernandes, do ITA, na elaboração do seu "Estudo e Avaliação Tecnológica dos Dados Oficiais da Eleição de Alagoas 2006 - 1º Turno", que foi apresentado no dia 12 de dezembro e está listado nas referências bibliográficas.

Estudos posteriores ainda inéditos, desenvolvidos pelos autores sobre os dados oficiais de outros Estados, encontrou o mesmo problema de perda de integridade de uma forma generalizada nas urnas de outros Estados.


2. Introdução

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Pareceres de professores universitários desenvolvidos com conhecimento e consentimento do TSE, como o Relatório UNICAMP, o Relatório da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) e o Relatório da Fundação COPPETEC da UFRJ, listados nas Referências Bibliográficas, todos emitidos em 2002, confirmaram as denúncias da inauditabilidade do processo eleitoral brasileiro e, em conseqüência, a ineficácia da fiscalização sobre ele realizada.

Destes três relatórios são tiradas as seguintes observações:

"não há mecanismos simples e eficazes que permitam que representantes de algum partido, em qualquer lugar do país, possam confirmar que os programas usados na UE correspondem fielmente aos mesmos que foram lacrados e guardados no TSE" – (extraído do Item 4.3 do Relatório Unicamp).

"Apesar de avaliar a auditabilidade e o sigilo do voto ser uma parte explícita da missão da UNICAMP, acreditamos que a urna atual não é auditável, e tampouco protege adequadamente o sigilo do voto" – (extraído do Item 1.4 do Relatório SBC).

"Vários documentos fazem referência a datas de término da codificação.. (que) mostram que a codificação ultrapassou a data de avaliação dos partidos....Com base no exame da documentação disponibilizada não se pode fazer afirmativas sobre a confiabilidade do produto." – (extraído do Relatório COPPE-UFRJ).

Na tentativa de contornar este problema, foi promulgada a Lei 10.740 de 2003 instituindo o Registro Digital do Voto com assinatura digital e estabelecendo novas regras para o acompanhamento do desenvolvimento dos programas de computador e verificação de suas assinaturas digitais.

Porém, fiscalizar processos eletrônicos de grande porte, como o eleitoral, demanda recursos tecnológicos e financeiros muito além da capacitação atual dos partidos políticos e não há no orçamento da União verba que seja destinada a capacitar a OAB, o Ministério Público e os Partidos para cumprirem a tarefa de fiscalizar o processo eletrônico de votação.

Desde 2004, diante da inadequação da lei à realidade e das dificuldades de natureza prática, a análise dos programas de computador, a verificação das assinaturas digitais e a conferência dos Registros Digitais do Voto, como criadas pela Lei 10.740/03, acabaram ignoradas pela OAB, pelo Ministério Público e pela grande maioria dos partidos políticos, que restaram inabilitados para fiscalizar a eleição de 2004, 2005 (referendo) e 2006, evidenciando que a fiscalização do voto eletrônico no Brasil existe apenas em teoria.

Para contribuir com a correção da fragilidade na fiscalização do processo eleitoral eletrônico brasileiro se escreve esta Nota Técnica.

No capítulo 3 se apresenta uma análise descritiva e diagnóstica dos problemas relacionados com a fiscalização eleitoral. No capítulo 4 se apresenta as sugestões de aperfeiçoamento das leis que regulamentam o nosso voto eletrônico. Ao final, como anexos, inclui-se cópias de documentos que corroboram e justificam as afirmações apresentadas ao longo do texto.


3. Diagnóstico da Fiscalização do Voto Eletrônico no Brasil

A regulamentação do processo eleitoral eletrônico brasileiro baliza-se na seguinte legislação:

- Lei 4.737 de 1965 – Código Eleitoral. É lei ordinária recepcionada como complementar enquanto não se dá cumprimento ao disposto no artigo 121 da Constituição Federal e seja editada lei complementar eleitoral. A automação da votação e da apuração são abordadas pelos artigos 152 e 173, que atribuem ao TSE a regulamentação do voto eletrônico.

-Lei 7.444 de 1985 – lei do Recadastramento Eleitoral - Dispõe sobre a implantação do processamento eletrônico de dados no alistamento eleitoral. É a lei que dispensou o uso da foto no título de eleitor, abrindo brechas de segurança na identificação do eleitor que persistem até a atualidade.

-Lei 9.504 de 1997 – lei eleitoral sucessora da Lei 9.100/95. O voto eletrônico é regulamentado pelos Art. 59 ao 62 (quatro artigos) e a fiscalização do voto eletrônico pelos Art. 66 ao 72 (sete artigos). Os Art. 59 e 66 já foram modificados duas vezes por novas leis.

-Lei 10.408 de 2002 – conhecida por Lei do Voto Impresso. Sancionada em janeiro de 2002, só teria vigência na eleição de 2004. Introduzia o conceito de Auditoria Estatística Automática da Apuração Eletrônica por meio da recontagem do Voto Impresso Conferido pelo Eleitor em 3% das urnas eletrônicas. Foi quase totalmente revogada, antes de vigorar de fato, pela Lei 10.740/03, restando apenas três parágrafos ainda em vigor.

-Lei 10.740 de 2003 – conhecida como Lei do Voto Virtual (às cegas). Criou o conceito de Registro Digital do Voto com Assinatura Digital, mas extinguiu a Auditoria Automática da Apuração. Não explicita como e quando o Registro Digital do Voto, que seria documento digital para auditoria, poderia ser acessado pelos fiscais, o que criou um vácuo legal, e permitiu ao administrador eleitoral nunca o dispor para a fiscalização. A assinatura digital efetiva de cada voto digital, também descrita nesta lei, não é posta em prática pelo TSE pois acarretaria quebra da inviolabilidade dos votos;

-Resoluções do TSE – a cada eleição o TSE emite instruções e resoluções para completar a regulamentação do voto eletrônico. No entanto, nestas normas há clara imposição de restrições à fiscalização externa e a cada nova eleição mais a fiscalização é dificultada. Em 2004, por exemplo, emitiu a Res. TSE 21.744/04 para restringir o acesso aos registros digitais dos votos, alegando riscos de violação dos votos. Em 2006 foi emitida a Res. TSE 22.154/06, com 245 artigos que dispõem sobre os atos do processo eletrônico de votação. Esta norma tornou-se conhecida por ter negado aos partidos políticos o direito de obterem cópias dos Boletins de Urnas diretamente nas seções eleitorais. Outras resoluções complementares ou retificadoras também foram emitidas.

3.1.1 A Lei do Voto Virtual

A Lei 10.740/2003 merece uma analise mais detalhada. Nela foi introduzido o Registro Digital do Voto com assinatura digital, como recurso para auditoria da apuração das urnas eletrônicas, mas a forma açodada de aprovação - apenas 5 meses - impedindo que debates e audiências públicas pudessem aperfeiçoá-la, geraram novos problemas e dificuldades como:

1. Segundo o padrão da Infraestrutura de Chaves Públicas brasileira, ICP-Brasil, uma assinatura digital, a ser aposta nos votos digitais, deve incluir a hora exata em que foi feita. Isto permite estabelecer a ordem de entrada dos votos, contrariando o espírito do inciso IV do Art. 103 do Código Eleitoral;

2. Para a emissão de documentos ou arquivos assinados digitalmente por cada urna eletrônica, seria necessário que estas sofressem modificações de hardware para incluir um chip seguro de assinatura digital. O custo proibitivo destas modificações levou o TSE a substituir a assinatura digital verdadeira, com uso da chave privada do emitente, por um outro protocolo de criptografia por chave pública, sem o mesmo nível de segurança por não garantir a originalidade do documento assinado;

3. A suposta vantagem de permitir estudo de correlação dos votos propiciou o surgimento de uma nova modalidade fraude, descrita pelo Diretor do Instituto de Computação da UNICAMP Prof. Dr. Jorge Stolfi e conhecida como "voto-de-cabresto-pós-moderno", que permite eventual quebra da inviolabilidade do voto, como exemplificado no livro "Fraudes e Defesas no Voto Eletrônico" e em página na Internet, aqui apresentada como ANEXO 2.

4. Para tentar atenuar os riscos do voto-de-cabresto-pós-moderno quando o eleitor digita e confirma um número de candidato inexistente, o programa da urna eletrônica grava no Registro Digital do Voto um outro número designativo de voto nulo e não o próprio número confirmado pelo eleitor, como consta no exemplo contido no encarte distribuído pelo Secretário de Tecnologia de Informação do TSE a esta subcomissão, automatizando assim a decretação de nulidades e usurpando do juiz eleitoral este poder e função definido em lei.

5. O abandono do conceito de Auditoria Estatística Automática da Apuração deixou o administrador eleitoral desobrigado de fornecer dados para auditoria e, por conseqüência, os Registros Digitais dos Votos nunca foram disponibilizados para conferência de nenhum partido político, como exemplificado nos ANEXOS 8, 9 e 10.

6. A ampliação do tempo em que os códigos fontes dos sistemas são apresentados para análise do Ministério Público, da OAB e dos partidos políticos revelou-se, na prática, inútil. O código final só fica pronto nos últimos dias do prazo e passadas duas eleições e um plebiscito, nenhuma destas entidades conseguiu reunir recursos para desempenhar esta tarefa de forma minimamente eficaz. Apenas 3 partidos chegaram a enviar técnicos para analisarem parcialmente os códigos e dois destes partidos declaram formalmente que a tarefa é impossível de ser cumprida.

3.2 O Acúmulo de Poderes

O modelo brasileiro faz da Justiça Eleitoral um órgão especializado do Poder Judiciário, instituído pelo Código Eleitoral de 24 de fevereiro de 1932. A Constituição Federal de 1988, inclui no Capítulo III, relativo ao Poder Judiciário, disposições específicas quanto aos Tribunais e Juízes Eleitorais (na Seção VI, artigos 92,V e 118 a 121).

Portanto, a partir do próprio enquadramento constitucional, verifica-se que os órgãos da Justiça Eleitoral são considerados integrantes do Poder Judiciário.

O Tribunal Superior Eleitoral, por conter a palavra "tribunal" em seu nome, é comumente chamado de Justiça Eleitoral, mas exerce e é de fato o verdadeiro Administrador Eleitoral assumindo toda administração executiva e a normatização legislativa do processo eleitoral.

Os juristas Sérgio Sérvulo da Cunha e Roberto Amaral, em seu livro "Manual das Eleições - 3ª edição - 2006" reconhecem que o acúmulo de poderes da nossa justiça eleitoral é uma anomalia em termos jurídicos.

No sub-capítulo "Autenticidade das eleições" (pag. 30) analisam a legalidade da administração eleitoral e ao trato do contencioso eleitoral, ressaltando que o que torna sui generis nossa justiça eleitoral é sua faculdade de:

a) expedir instruções para execução da lei eleitoral;

b) responder consultas sobre matéria eleitoral;

c) julgar ações judiciais contra atos que ela própria tenha praticado.

Nas palavras dos juristas:

"Assim, a "justiça eleitoral" acumula a administração e o contencioso eleitoral(...) Vê-se que o objeto do contencioso eleitoral - a solução de controvérsias pertinentes ao processo eleitoral - consiste em grande parte em atos praticados pelos órgãos ou agentes da justiça eleitoral, o que representa uma contradição em termos, e uma ameaça à objetividade e juridicidade do processo eleitoral em concreto. Esse é o nódulo que reclama solução: trata-se de uma ampla área de atividade do governo - num dos setores mais sensíveis para a caracterização do Estado democrático de Direito - que se subtrai ao controle jurisdicional. "

Esta situação, de concentração de funções, acarreta um prejuízo aos operadores do direito e um desnecessário absolutismo aos poderes atribuídos à Justiça Eleitoral que é incomum no resto do mundo desenvolvido.

O estudo nº 143/2000 da Consultoria Legislativa do Senado Federal, juntado como ANEXO 3, apresenta uma análise comparativa entre a ordenação jurídico-institucional do processo eleitoral nos seguintes países: Brasil, Estados Unidos, Alemanha, Itália, França, Finlândia, Chile, Uruguai e Argentina.

A leitura do estudo mostra a multiplicidade de maneiras de se distribuir os poderes e as funções entre os atores do processo eleitoral. Em alguns países existe a Justiça Eleitoral dentro do Poder Judiciário, em outros não. Nos EUA, o contencioso eleitoral é decidido na justiça comum. No Uruguai é decidido por uma corte especial nomeada pelo Poder Legislativo.

A administração do processo eleitoral (Poder Executivo) pode ficar nas mãos do executivo municipal, como na Itália e França, ou do executivo estadual, como nos EUA, ou do executivo federal, como na Alemanha e Finlândia, ou ainda ser independente dos três Poderes tradicionais, como no Chile.

Mas no Brasil, um único órgão concentra os três poderes, não só o jurisdicional, em sua espécie contenciosa e voluntária, como também aquela de caráter administrativo e normativo. É o único órgão da justiça brasileira que tem função administrativa que extrapola seu próprio âmbito.

3.2.1 Função Administrativa Eleitoral

A justaposição de poderes num mesmo órgão leva a erros grosseiros dada a unicidade que torna o procedimento, diferentemente de todos outros normatizados no arcabouço jurídico brasileiro.

Essa concentração de funções dificulta a compreensão e aplicação de determinadas normas, pois o entrelaçamento de regras de Direito Processual e de Direito Administrativo destinadas a um mesmo fim, são sempre tratadas como de âmbito judicial, num imenso prejuízo para a inteligibilidade dos institutos jurídicos afetos aquela especializada.

O artigo 120 do Código Eleitoral, por exemplo, é norma pela qual se outorga ao juiz eleitoral, sessenta dias antes do pleito, a competência para nomear as mesas receptoras de votos, bem como os procedimentos estabelecidos na Lei 9.504/97 que explicitam regras para a execução do processo eletrônico de votação. Tais atividades, inobstantes realizadas por magistrado, não têm o condão de torná-las jurisdicionais.

3.2.2 Poder Discricionário Eleitoral

São órgãos da Justiça Eleitoral, a partir do enquadramento constitucional: o Tribunal Superior Eleitoral, os Tribunais Regionais Eleitorais dos Estados, os Juízes e as Juntas Eleitorais, todos com níveis hierárquicos distintos.

A Justiça Eleitoral não conta com um quadro próprio de magistrados a exercer as funções que lhe são conferidas pelo ordenamento jurídico, valendo-se, isto sim, de Juízes advindos de diversas carreiras da magistratura.

Embora heterogênea, os órgãos da Justiça Eleitoral estão centralizados no próprio poder Judiciário, sendo compostos por Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, bem como Desembargadores dos Tribunais de Justiça e Juízes Estaduais, além de Juízes Federais e Juristas, estes últimos escolhidos dentre advogados.

Como explicitado, as normas de caráter administrativo, regulamentadas pelo Tribunal Superior Eleitoral têm efeito vinculante nos demais, e nessa ordem o órgão da base da pirâmide aplica o direito ditado pelo seu próprio órgão e o controle externo é feito por aqueles que são ou foram ou serão membros do mesmo poder.

A concentração de funções num mesmo órgão se aflora e acentua o caráter de absolutismo, que pode causar a desestabilização do estado democrático de direito, quando se atribui ao Tribunal Superior Eleitoral competência discricionária para exercer a função legislativa na emissão de atos normativos com força regulamentar e que são aprovados através de resoluções da Corte Colegiada.

Tais normas tem por fim explicitar a lei posta e assim determinar sua aplicação conforme seu entendimento. Nesse particular, nota-se que a função atípica de legislar refoge totalmente à concepção comum engendrada para outras áreas, como destacado pelos juristas citados no capítulo 3.2 acima. Normalmente aos órgãos jurisdicionais compete apenas aplicar o direito, e não editar normas.

E não finda aí o acúmulo de funções, posto que a jurisdição eleitoral também se expressa no conhecimento de todas as questões e conflitos oriundos das eleições a cargos públicos, cabendo a cada órgão no âmbito de sua esfera o julgamento dessas questões. Nessa linha, verifica-se a inadequação desse sistema e compreende-se porque não foi adotado na integra pelos demais países que optaram pelo sistema jurisdicional.

3.2.3 Controle Administrativo Eleitoral

Internamente, como existe uma junção de funções, há dificuldade em se dissociar o controle administrativo do judicial na Justiça Eleitoral.

Tome-se como exemplo os institutos da reclamação e representação constante no artigo 96 da Lei 9.407/97, que regulam a manifestação de irresignação em face de atos administrativos praticados pelos Juízes Eleitorais ou seus agentes.

Esse instituto, vez apreciado demanda Recurso para o Tribunal Superior, onde recebe tratamento e julgamento judicial.

Portanto, na Justiça Eleitoral, os institutos existentes para controle de atos de cunho eminentemente administrativo, são julgados pelos Tribunais Superiores na forma de recurso inominado e criam uma decisão judicial num recurso administrativo.

3.2.4 Coisa Julgada Administrativa na Justiça Eleitoral

Quando inexiste, no âmbito administrativo, possibilidade de reforma da decisão, oferecida pela Administração Pública, está-se diante da coisa julgada administrativa. Esta não tem o alcance da coisa julgada judicial, porque o ato da Administração Pública é tão somente um ato administrativo decisório, destituído do poder de dizer o direito em caráter definitivo. Tal prerrogativa, entre nós, é só do Judiciário.

Essa imodificabilidade da decisão da Administração Pública só encontra consistência na esfera administrativa. Perante o Judiciário qualquer decisão administrativa pode ser modificada, como estabelece o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal - "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito" -, salvo se também essa via estiver prescrita.

Observa-se que no modelo adotado para o sistema eleitoral brasileiro, onde há justaposição das funções executiva, normativa e administrativa, os pronunciamentos sobre uma questão de processo administrativo, em última ou única instância, o poder judicante eleitoral produzirá a coisa julgada judicial.

3.3 As Dificuldades na Fiscalização Eleitoral

Derivadas da concentração de poderes dentro do processo eleitoral brasileiro, outras peculiaridades jurídico-institucionais anômalas ganham corpo e têm por conseqüência a criação de obstáculos à fiscalização eleitoral independente.

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Deixou-se com a Justiça e Administrador Eleitoral o poder de regulamentar a fiscalização e o controle de todos os recursos orçamentários oficiais em eleições. Toda a verba da União para as eleições, inclusive eventual verba para fiscalização deste processo, é destinada e controlada por este super-órgão, criando uma situação imprópria onde o fiscalizado controla o fiscal.

Descrevem-se a seguir algumas destas peculiaridades e como acabam por comprometer a transparência eleitoral.

3.3.1 Juiz e Réu no mesmo Processo

Em processos jurídicos normais perante a Justiça Eleitoral, como em casos relativos a publicidade eleitoral, a pesquisas e a abusos de poder econômico, identifica-se com precisão os três agentes atuantes no pólo ativo (o denunciante) e no pólo passivo (o denunciado) que serão julgados por um juiz independente.

Mas na grande maioria dos processos sobre irregularidades no sistema de voto eletrônico, detectadas pela fiscalização eleitoral, o pólo passivo é o agente administrativo responsável pelo problema que se questiona, ou seja, é o próprio serventuário da justiça eleitoral!

Não é raro acontecer que um juiz eleitoral julgue causa em que ele próprio é, por extensão de comando, o réu.

Inúmeros casos deste conflito jurídico podem ser encontrados nos anais da Justiça Eleitoral. A título de exemplo cita-se apenas dois casos que tornaram-se conhecidos: O Caso Proconsult e o Caso de Araçoiaba da Serra.

O Caso Proconsult, de 1982 no Rio de Janeiro, foi relatado do livro "Plim-Plim, A Peleja de Brizola Contra a Fraude Eleitoral" do jornalista Paulo Henrique Amorim. Todo o inquérito, decisão e julgamento do Caso Proconsult foi desenvolvido sob ordem e comando dos juízes que eram também os responsáveis administrativos diretos pela contratação e decisão de aplicar o sistema informatizado de totalização, questionado no processo.

Apesar de terem sido forçados pelas evidências a anular a apuração inicial e a proceder nova apuração, que inverteu o resultado inicial, concluíram oficialmente que não ocorrera nenhuma irregularidade sob sua própria administração e absolutamente ninguém foi responsabilizado ou punido, como descrito no livro "A Mentirosa Urna" do ex-juiz eleitoral Walter Costa Porto.

Outro exemplo, clássico da distorção provocada pelo acúmulo de poderes delegados à justiça eleitoral, é o episódio ocorrido no pequeno município de Araçoiaba da Serra, situado na comarca de Sorocaba, São Paulo, onde um simples erro administrativo não foi devidamente apreciado e corrigido a tempo de evitar danos, porque quem julgava era também o responsável administrativo pelo erro.

Na eleição municipal de 2000, oficiais do Cartório Eleitoral sob responsabilidade administrativa do Juiz da Comarca de Sorocaba, esqueceram de incluir o nome de alguns candidatos a vereador no arquivo de dados carregados nas urnas eletrônicas usadas no município de Araçoiaba da Serra.

No dia da eleição, os candidatos esquecidos não puderam ser votados. A solução óbvia seria o juiz anular a eleição, porque viciada. Mas, para tanto, o juiz teria que reconhecer erro administrativo cometido sob seu próprio comando e responsabilidade.

Julgando onde era o réu, o juiz indeferiu todos os pedidos de anulação que lhe foram apresentados, inclusive pelo Ministério Público, ao fundamento de que os responsáveis pelo erro seriam os próprios candidatos, que não descobriram a falta dos nomes antes da eleição!

Na instância estadual todos os recursos também foram negados. Somente na instância superior, 3 anos depois, a eleição foi anulada. Os novos vereadores regularmente eleitos tiveram menos de 12 meses de mandato.

3.3.2 Manifestação Pública, pré-julgando casos concretos

Outra conseqüência institucional negativa da concentração de poderes eleitorais pode ser facilmente notada quando surgem denúncias de fraudes eletrônicas no sistema eleitoral.

Nestes casos, com freqüência, o juiz eleitoral abandona a imparcialidade inerente aos seus místeres e se manifesta publicamente, em defesa explícita do processo que dirige, emitindo pré-julgamento num caso concreto no qual será, por dever de ofício, chamado a julgar.

Apenas para exemplificar esta situação, cite-se:

1. a reportagem "Em xeque, segurança da urna eletrônica" publicada no Jornal do Brasil em 11 de junho de 2006 e juntada como ANEXO 4, que fala de um inquérito na Polícia Federal para apurar possíveis fraudes nas eleições do Rio de Janeiro em 2002. Antes mesmo do inquérito se concluir, o presidente do TRE-RJ, juiz e responsável administrativo direto no processo investigado, adiantou a sua sentença afirmando na reportagem: "a investigação servirá para demonstrar quanto as urnas são seguras".

2. a notícia publicada pelo TSE em 08 de fevereiro de 2007, juntada como ANEXO 5, onde o presidente do TRE de Alagoas manifesta-se sobre um processo cuja perícia técnica nem mesmo se iniciara e que, um dia, por ele será apreciada, assegurando que "irá provar à sociedade brasileira que as afirmações não passam de alegações infundadas". Trata-se de uma afirmação adequada àquele que é parte num processo e não prolator de uma decisão judicial.

3.3.3 Normatização Restritiva de Direitos

Tendo poder de emitir normas legais sobre o processo eleitoral eletrônico que administra, inclusive sobre a fiscalização de seus atos, o administrador eleitoral acaba por usar, com regularidade, este poder para restringir a atuação dos fiscais.

Presencia-se que a Justiça Eleitoral, na tentativa infrutífera de solucionar os problemas, vale-se de seu poder normativo e emite instruções e resoluções que acabam por restringir e encarecer ainda mais a fiscalização do voto eletrônico, como se procura demonstrar no presente trabalho.

Merece destaque a diferença na quantidade de artigos em lei (11) e a quantidade de artigos estabelecidos pelo TSE (mais de 250) sobre o voto eletrônico, indicando que a delegação da função legislativa eleitoral ao TSE, expressa no Código Eleitoral, vem sendo praticada de fato.

3.3.3.1 Discriminação dos Partidos na Assinatura Digital

O §5º do Art. 66 da Lei 9.504 estabelece o direito dos fiscais dos partidos verificarem a integridade dos programas de computador carregados nas urnas eletrônicas:

"§ 5º A carga ou preparação das urnas eletrônicas será feita em sessão pública, com prévia convocação dos fiscais dos partidos e coligações para a assistirem e procederem aos atos de fiscalização, inclusive para verificarem se os programas carregados nas urnas são idênticos aos que foram lacrados na sessão referida no § 2º deste artigo, após o que as urnas serão lacradas." (parágrafo incluído pela Lei nº 10.408, de 10.1.2002)

A Resolução TSE 22.154/06 define que os procedimentos de verificação de integridade dos programas de computador se darão por meio de assinatura digital. Para isso, estabelece que os programas receberão assinatura digital de membros do TSE, do Ministério Público, da OAB e dos Partidos Políticos, mas discrimina os representantes dos Partidos ao exigir deles, e só deles, que apresentem Certificado de Chave Pública produzido dentro da Infraestrutura de Chaves Públicas ICP-Brasil.

A função dos certificados de chave pública da ICP-Brasil é identificar remotamente a pessoa que porta a respectiva e complementar chave privada para assinatura digital. Trata-se de ato totalmente desnecessário no caso das assinaturas dos programas do TSE, já que a autor da assinatura é sempre formalmente autorizado pela entidade que representa e é identificado presencialmente pelos responsáveis do TSE para poder usar sua chave privada de assinatura, dentro do ambiente do próprio TSE.

Tanto isto é verdade, que os representantes do TSE, do MP e da OAB são perfeitamente identificados sem precisarem apresentar certificado da ICP-Brasil.

Certificados da ICP-Brasil geram custos financeiros para serem obtidos e tem prazo de validade de apenas um ano, no modelo determinado pelo TSE, necessitando renovação e novos custos a cada eleição.

Além disso, ao regulamentar o processo, o administrador eleitoral exige que a chave privada do representante bem como sua senha de proteção sejam fornecidos de forma aberta no computador do próprio administrador eleitoral, vulnerabilizando sua chave privada e criando riscos extras totalmente desnecessários ao representante partidário já que ele também é impedido de limitar o uso de sua chave privada para apenas assinar os programas do TSE.

A rigor, cada vez que é chamado para assinar digitalmente os programas do TSE, o representante partidário deve obter um certificado de chave pública da ICP-Brasil e logo em seguida a assinatura, de acordo com a MP 2200-2, deve solicitar a revogação deste certificado por ter sido vulnerabilizada sua chave privada, pela incorreta utilização imposta pela Justiça Eleitoral.

Tanto em 2004 como em 2006, foram necessárias 4 assinaturas digitais para preparar, sem erros, os sistemas usados no primeiro e no segundo turno, ou seja, para um representante de partido administrar os riscos de uso indevido de sua chave privada seria necessário obter, e arcar com os custos, de 4 certificados e respectivas revogações.

Assim, a exigência de que apenas os representantes dos partidos apresentem certificados da ICP-Brasil caracteriza pura arbitrariedade do administrador eleitoral e evidente discriminação aos partidos, forçando-os a custos e riscos que aos representantes das demais entidades não se impôs.

3.3.3.2 Ineficácia na Verificação de Assinatura Digital

O uso de assinatura digital se dá em dois atos. Após a assinatura em si há de ter o momento de verificação da assinatura, o qual também é regulamentado pelo administrador eleitoral e que, neste caso, é também o ente que terá seus atos fiscalizados.

Por meio de resoluções, o TSE determinou o uso do recurso de assinatura digital neste procedimento de verificação de integridade e estabeleceu todos os atos permitidos aos fiscais.

Nesta regulamentação, determinou que a verificação da assinatura seja feita pelo próprio programa de computador a ser auditado, ou seja, trata-se de uma auto-verificação do sistema sob análise, não permitindo que o fiscal possa fazer uma verificação real usando seus próprios recursos tecnológicos em ambiente computacional sob seu controle e de sua confiança.

Esta limitação, imposta pelo administrador-fiscalizado que tem poder de legislar, contraria às sugestões dadas no Relatório Unicamp (capítulo 5.5) e no Relatório da Sociedade Brasileira de Computação (já citados) e também ignora sugestões apresentadas pelo PDT para permitir uma verificação de assinatura de forma confiável para o fiscal.

O resultado desta normatização restritiva, ditada pelo próprio fiscalizado, é que os representantes dos Partidos, da OAB e do MP ficam impossibilitados de procederem a verificação de integridade dos sistemas tecnicamente confiável, preconizada na lei.

3.3.3.3 Imposição da Garantia de Inviolabilidade do Voto

No sistema de voto manual, o princípio da inviolabilidade do voto era garantido por procedimentos simples, transparentes e fáceis de entender, determinados pelo Art. 103 do Código Eleitoral que estabelecia:

1.uso de cédulas em branco, sem a identificação do eleitor;

2.uso de cabines indevassáveis;

3.uso de urnas suficientemente largas, para que as cédulas não se acumulassem de forma ordenada.

Como esta forma de garantia da inviolabilidade do voto não se aplica às urnas eletrônicas, o Art. 61 da Lei 9.504/97 estabelece que:

Art. 61. A urna eletrônica contabilizará cada voto, assegurando-lhe o sigilo e inviolabilidade, garantida aos partidos políticos, coligações e candidatos ampla fiscalização."

Porém, o administrador eleitoral decidiu que, na urna eletrônica que projetou, a votação de cada eleitor seria precedida pela digitação do número do título do eleitor na própria urna.

A disponibilidade simultânea destes dois dados digitalizados - a identificação do eleitor e o seu voto - na memória do mesmo computador naturalmente conduz à questão sobre como se daria a garantia da inviolabilidade do voto nestas máquinas de votar, já que um programa malicioso espúrio – do tipo chamado snyffers, por exemplo - poderia facilmente associar o voto à identidade do eleitor conseguindo violar o voto de forma sistemática.

Para contornar esta questão, o administrador eleitoral decidiu estabelecer a priori a garantia da inviolabilidade do voto digital simplesmente decretando, em suas resoluções, que:

"A integridade e o sigilo do voto são assegurados mediante.. . uso de urna eletrônica "
          (Inciso I, do Art. 40 da Res. TSE 22.154/06)

Note-se a mudança do tempo verbal entre a lei e a resolução do TSE. A lei fala de uma condição que as urnas deverão atender (a urna contabilizará cada voto assegurando-lhe sigilo... ). Já a resolução TSE, emitida por juízes da corte suprema, afirma que tal condição é sempre imperativamente atendida por qualquer urna eletrônica (sigilo é assegurado mediante uso de urna eletrônica), desestimulando qualquer iniciativa de fiscalização verdadeira.

Assim, sem que o homem médio tenha como entender como se dá a garantia da inviolabilidade do seu voto, o administrador eleitoral estabelece por decreto uma forma totalmente obscura do que seria a garantia da inviolabilidade dos votos nas urnas eletrônicas.

3.3.3.4 Restrição na Entrega dos Boletins de Urna

Boletim de Urna, ou BU, é um documento impresso por cada urna eletrônica no final da votação e contém o resultado da apuração dos votos naquela urna. É o equivalente atual do antigo Mapa de Urna que existia no sistema manual de votação.

A capacidade das urnas eletrônicas poderem imprimir várias vias idênticas dos mesmo BU cria uma excelente oportunidade de fiscalização da totalização dos votos. Bastaria os fiscais dos partidos receberem uma cópia assinada do BU, no momento em que é emitido, para depois conferirem se foi o mesmo devidamente recepcionado pelo sistema de totalização oficial.

Por este motivo, estabelece o § 1º do art. 68 da Lei 9.504/97:

Art. 68 (...)

§ 1º O Presidente da Mesa Receptora é obrigado a entregar cópia do boletim de urna aos partidos e coligações concorrentes ao pleito cujos representantes o requeiram até uma hora após a expedição.

§ 2º O descumprimento do disposto no parágrafo anterior constitui crime, punível com detenção, de um a três meses, com a alternativa de prestação de serviço à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de um mil a cinco mil UFIR.

Atendendo a lei até 2004, as urnas podiam imprimir até 15 vias dos BU, 9 das quais ficavam disponíveis para os fiscais dos partidos que solicitassem.

No entanto, a Resolução TSE 22.154, emitida em fevereiro de 2006, de forma sorrateira e injustificada, modificou a redação do artigo 42 da resolução TSE 21.135/04, e limitou a emissão de vias de Boletins de Urnas na seguinte proporção e destinação:

Art. 42. Compete, ainda, ao presidente da mesa receptora de votos e, na sua falta, a quem o substituir:

I – encerrar a votação e emitir as cinco vias do boletim de urna e a via do boletim de justificativa;

II – emitir, mediante solicitação, até cinco vias extras do boletim de urna para o representante do Ministério Público e representantes da imprensa;

V - afixar uma cópia do boletim de urna em local visível da seção e entregar outra, assinada, ao representante do comitê interpartidário;

Ou seja, por esta nova regulamentação do TSE, nenhuma via impressa de BU seria entregue aos fiscais dos partidos nas eleições de 2006.

Esta limitação impedia totalmente a fiscalização da totalização dos votos pelos partidos, o que levou o PDT a pleitear ao TSE o retorno da regra de 2004. Em agosto de 2006 o TSE reviu a injustificada limitação ao editar a Res. TSE 22.332.

Mas, mesmo assim, em seção administrativa em 21 de setembro (10 dias antes das eleições), o TRE-SP ignorou a Lei 9.504 e a Res. TSE 22.332 e autoritariamente decidiu que só entregaria cópias impressas dos BU à imprensa e ao MP, mas não entregaria nenhuma via de BU impresso aos fiscais dos partidos para que pudessem auditar a totalização de votos que faria. Instrução oficial foi enviada a todos os juízes eleitorais do Estado, conforme documentos no ANEXO 6.

O PT, interessado em fiscalizar a eleição em São Paulo, teve que representar ao TSE, contra a decisão do TRE-SP. A liminar foi concedida apenas 9 horas antes do início da eleição e somente comunicada ao presidente do TRE depois que a votação já tinha sido iniciada.

Embora tenha restabelecido o direito, na prática o partido não conseguiu fiscalizar a totalização em São Paulo porque não houve tempo para que a decisão dos ministros do TSE em Brasília fosse comunicada e atendida por todos os mesários do Estado de São Paulo.

Este caso demonstra que não basta corrigir as leis sobre a fiscalização eleitoral. A lei atual já impõe a entrega de BU aos partidos para efeito de fiscalização da totalização. Há que se enfrentar o acúmulo de poderes no processo eleitoral brasileiro, separando o administrador do regulamentador e do juiz eleitoral para coibir manifestação de autoritarismo desta natureza.

3.3.3.5 Automação das Nulidades

O Código Eleitoral e a Lei Eleitoral - que institui o voto eletrônico - possuem capítulos específicos sobre a decretação de nulidades pelos juízes eleitorais.

Entre estas normas estão as que se referem à anulação de votos por impropriedades nele. No caso de voto em urnas eletrônicas a única forma de um eleitor introduzir uma nulidade em seu voto é se digitar um número de candidato inexistente e, em seguida, confirmar o voto.

Pela lei, estas nulidades só podem ser decretadas por juízes eleitorais responsáveis e em exercício durante a apuração dos votos.

Porém, com a introdução do Registro Digital do Voto, o administrador eleitoral decidiu que nele não seria gravado o número de candidato inexistente confirmado pelo eleitor. No lugar do número digitado pelo eleitor é gravado um código designativo de voto nulo, como exemplicado no encarte apresentado pelo Secretário de Tecnologia de Informação do TSE a esta subcomissão.

Com isto, na prática, a nulidade do voto passou a ser decretada pelo programa de computador da própria urna eletrônica já que e os juízes eleitorais ficam materialmente impossibilitados de saber qual foi o número inexistente de candidato confirmado pelo eleitor que levou àquela nulidade.

Esta automação na decretação de nulidades, determinada e praticada pelo administrador eleitoral, não está prevista em nenhum artigo de lei.

3.3.4 Parcialidade na Interpretação das Leis

Ao apreciar as demandas administrativas eleitorais, que versam sobre dar mais transparência e flexibilidade para a fiscalização eleitoral, um juiz que também é o administrador da coisa a ser fiscalizada acaba por interpretar as leis segundo sua própria conveniência, ou seja, sob a ótica do fiscalizado, resultando na imposição de barreiras e dificuldades adicionais à fiscalização.

Exemplifica-se a seguir como o espírito da lei acaba sendo distorcido por aqueles que podem interpretar a lei sobre a fiscalização em causa própria.

3.3.4.1 Apresentação dos Sistemas

A redação original do Art. 66 da Lei Eleitoral 9.504/97, vigente na eleição de 2000, era:

Art. 66. Os partidos e coligações poderão fiscalizar todas as fases do processo de votação e apuração das eleições, inclusive o preenchimento dos boletins de urna e o processamento eletrônico da totalização dos resultados, sendo-lhes garantido o conhecimento antecipado dos programas de computador a serem usados.

A expressão grifada acima deixa claro o entendimento de que os partidos poderiam conhecer o conteúdo de todos os programas de computador utilizados no sistema eleitoral e, em especial, nas urnas eletrônicas.

Mas isto nunca foi totalmente obedecido pelo TSE como está evidente na NOTA DE ESCLARECIMENTO, publicada em agosto de 2006 pela empresa Microbase e aqui juntada como ANEXO 7.

A Microbase é fornecedora do software VirtuOS que é carregado em mais de 250 mil urnas eletrônicas desde a eleição de 1996 e, de sua nota pública, destaca-se:

"somos a favor de que todo o software utilizado nas Urnas Eletrônicas das Eleições Oficiais do Brasil seja alvo da devida auditoria...

... a legislação em vigor que exige a auditoria de todos os programas-fonte do Sistema de Eleições Eletrônicas nunca foi adequada e rigorosamente obedecida pelo TSE...

Protestamos contra o fato de que, ao menos o nosso Sistema Operacional VirtuOS não esteja sendo auditado no nível dos programas-fonte".

Não se adentra aqui na análise do porque, desde 1996, o TSE não se prepara para dar conhecimento de todos os programas aos partidos, como vaticina o Art. 66 da Lei 9.504, mas quando esta postura foi confrontada numa impugnação posta em 2000 pelo PDT, a solução dos ministros do TSE para se desviar da argüição foi interpretar a lei de forma conveniente ao administrador/fiscalizado, ou seja, a si próprios.

No julgamento de impugnação, o presidente do TSE e juiz-relator do processo contra seus próprios atos administrativos anunciou seu voto na Resolução TSE 20.714/00, nos seguintes termos:

"Os programas de computador a que se refere o art. 66 da Lei 9.504/97 hão de ser entendidos, efetivamente, como aqueles em que é possível sua apresentação pela Justiça Eleitoral.... o código fonte do sistema operacional VIRTUOS, QUE É PRODUTO DE MERCADO,.. .não poderia, em realidade, ser exibido.. ., por que reserva de propriedade da empresa que o desenvolve"

Como no caso de Araçoiaba da Serra, também neste caso o juiz-administrador procura uma interpretação da lei para se eximir da responsabilidade pelo não cumprimento da norma administrativa, indicando a "reserva de propriedade da empresa que o desenvolve" como responsável pela não apresentação dos sistemas aos partidos.

Mas a citada Nota de Esclarecimento da Microbase (ANEXO 7) deixa claro que esta empresa nunca se opôs a apresentação e auditoria de seus sistemas quando previamente combinado. Mas estes acertos nunca foram providenciados pelo TSE, como está explícito no encarte apresentado pelo Secretário de Informática, onde afirma textualmente que "o TSE nunca contratou a Microbase".

Uma outra interpretação desta mesma lei surgiu em 2006, quando a Secretaria de Tecnologia de Informação do TSE decidiu não apresentar aos partidos o Sistema Windows CE 4.0, usado em 50 mil urnas eletrônicas, sob a alegação de que este sistema já fora apresentado na eleição de 2004, ficando o administrador eleitoral desobrigado de apresentar o sistema, que é ainda carregado nas urnas, em eleições seguintes.

O resultado final destas tendenciosas interpretações da lei é que a fiscalização independente do processo eleitoral é sistematicamente tolhida.

Isto pode ser deduzido até da apresentação do Secretário de Tecnologia de Informação do TSE na audiência a esta subcomissão, quando acabou por afirmar que o TSE tem "certa dificuldade para apresentar o núcleo dos sistemas operacionais" e que já estão desenvolvendo um sistema operacional próprio e aberto para as próximas eleições, ou seja, confirmando que os programas completos que são colocados nas urnas eletrônicas desde 1996 até 2006 nunca foram apresentados na sua integralidade para auditoria dos partidos, da OAB e do MP.

3.3.4.2 Inacessibilidade aos Registros Digitais dos Votos

O conceito de Registro Digital do Voto foi introduzido pela Lei 10.740/03, a Lei do Voto Virtual, a qual revogou a Auditoria Automática da Apuração Eletrônica que havia sido instituída pela Lei do Voto Impresso.

No Projeto da Lei do Voto Virtual, PLS 172/03, o senador autor citava como vantagem do voto digitalizado em relação a impressão (materialização) do voto, o seguinte:

"A substituição da impressão do voto de que trata o presente Projeto de Lei, pelo registro digital do voto em cada cargo disputado, com a identificação da urna eletrônica onde ocorreu o registro e a possibilidade de sua recuperação, seja para recontagem eletrônica, seja em futuras análises, resguardando o anonimato do eleitor, decerto irá acrescentar segurança e transparência ao processo eleitoral, tornando dispensável a impressão do voto para conferência por parte do eleitor."

Na audiência pública nesta subcomissão, no dia 23 de maio de 2007, com o Diretor Geral e com o Secretário de Tecnologia de Informação do TSE, diversas vezes foi afirmado que os Registros Digitais do Voto seriam a maneira correta de se auditar a apuração dos votos nas urnas eletrônicas, porém, de forma contraditória, a administração eleitoral nunca permitiu acesso aos Registros Digitais dos Votos a nenhum partido que o tenha solicitado seja para recontagem eletrônica, seja para análise de correlação de votos.

Os próprios palestrantes, de forma ativa, tem impedido este acesso, como ilustram os casos a seguir:

1.O ofício 8.026, de dezembro de 2006, da Diretoria Geral do TSE - ANEXO 8 – baseado em parecer da Secretaria de Tecnologia de Informação do TSE, explicitamente nega o acesso aos votos digitais à coligação pleiteante (PTB-AL) que desejava proceder a recontagem eletrônica dos votos, apesar deste acesso ter sido ordenado pelo Corregedor do TRE de Alagoas dentro de um processo legal. Neste ofício se ignora totalmente a Lei 10.740 de 2003, sob o argumento que o Código Eleitoral de 1965, não previa a apresentação dos registros digitais do voto aos fiscais dos partidos para efeito de conferência da apuração.

2.O ofício nº 106/2007 da presidência do TRE do Amapá – ANEXO 9 -, em resposta a petição do PSB-AP, nega acesso aos registros digitais dos votos, baseado em parecer da sua secretaria de informática que afirma que "tais arquivos são privativos da justiça eleitoral".

3.Uma petição do PDT ao presidente do TRE-SP – ANEXO 10 -, protocolado em outubro de 2006, para apresentação dos Registros Digitais dos Votos não foi atendido. O juiz-administrador alegou que o TRE-SP não tinha competência técnica já que apenas a Secretaria de Informática do TSE poderia proceder a "descriptografia dos dados" embora a Resolução TSE 21.744/04 claramente impute aos TRE a competência para a entrega dos registros digitais dos votos aos partidos pleiteantes.

Estes são apenas três exemplos recentes de como o administrador eleitoral, tendo também poder judicial, restringe o direito de fiscalização por meio de interpretações parciais ou até incorretas das leis.

3.3.4.3 Programas Secretos em Eleições Suplementares

Eleições Suplementares ou Renovadas são aquelas que ocorrem fora do período eleitoral regular, causadas por anulação jurídica da eleição original.

Contrariando o art. 66 da Lei 9.504 (já citado), o administrador eleitoral nunca providenciou a apresentação aos partidos dos sistemas eletrônicos usados em eleições renovadas, os quais até hoje foram mantidos secretos.

No início de 2006, numa petição formal explícita ao TSE, solicitou-se a apresentação aos partidos dos sistemas que seriam usados na eleição suplementar na cidade de Campos dos Goytacases, no Rio de Janeiro. A petição foi negada pelo juiz-relator do TSE, membro da cúpula adminstrativa eleitoral, conforme termos apresentados no ANEXO 11.

A negativa teve por base parecer da Secretaria de Informática do TSE que afirmava que o conhecimento prévio dos sistemas pelos partidos são apenas "delongas que configuram mero formalismo sem que se tenha uma justificativa ou um vício iminente e determinado", sugerindo que o art. 66 da lei eleitoral só valeria para "eleições ocorridas em todo o país no mês de outubro".

Por conseqüência desta surpreendente interpretação da lei sobre a transparência eleitoral, o administrador e juiz eleitoral sente-se desobrigado de cumprir tal artigo da lei em eleições suplementares.

3.3.4.4 Dados Biométricos do Eleitor

Como discutido no capítulo 3.3.7 adiante, a Lei 7.444 de 1985 regulamenta o alistamento eleitoral. Em seu §4º do Art. 5º explicitamente desobriga o eleitor de apresentar sua foto para poder exercer o direito de voto:

"§4º Para o alistamento na forma deste artigo, é dispensada a apresentação de fotografia do alistando".

Apesar dessa disposição legal, em abril de 2005 o administrador eleitoral anunciou que faria um novo recadastramento eleitoral para incluir a foto no título de eleitor, como se pode ver na notas do TSE à imprensa no ANEXO 12. Previa-se, ainda, coletar a impressão digital e o tipo sangüíneo do eleitor.

Por interferência de partido político interessado em conhecer as nuances do processo de licitação, que previa a compra de milhares de computadores com sistema de identificação digital de padrão do FBI (polícia interna estadunidense) e com máquinas fotográficas para tirar a foto do eleitor, foi solicitada o cumprimento da Lei 8666/93, que prevê a realização de audiência pública nestas licitações.

Na Audiência Pública TSE nº 01/2005, ocorrida no dia 04 de outubro de 2005, o Diretor Geral do TSE foi questionado sobre como seria contornada a ausência de disposição legal que obrigasse o eleitor a fornecer, não somente a foto, mas também seus dados biométricos que comporiam o banco de dados do TSE compatível para o FBI, já que a licitação já estava aberta e correndo sem que a lei tivesse sido modificada pelo Congresso Nacional.

A resposta dada naquela ocasião foi que não se tratava de recadastramento e sim uma atualização do cadastro e, por isto, o eleitor teria que fornecer os dados solicitados. Novamente se questionou da desnecessidade de atualização para o eleitor que não tivesse alterado os dados já constantes do cadastro eleitoral.

Diante do impasse, o Diretor Geral do TSE explicou que os ministros haviam dado nova interpretação a lei e assim decidido pela obrigatoriedade do eleitor atualizar seus dados junto a Justiça Eleitoral, com a entrega de seus dados biométricos, para poder votar em eleições futuras.

Com esta reinterpretação da lei, o TSE abriu duas licitações para vultuosa compra de equipamento especial para a coleta e conferência de dados biométricos e de foto do eleitor e, sem que uma lei o determine, irá restringir o direito ao voto a apenas aqueles que cumprirem sua nova regra.

Pela insurgência de partidos políticos que apresentaram representações juntos ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas da União, uma das licitações foi suspensa, mas a outra se concluiu com a compra de 23 mil urnas eletrônicas em 2006.

Estas novas urnas já estão equipadas para identificar dados biométricos do eleitor embora, como confirmado pelo Diretor Geral do TSE na sua audiência a esta subcomissão no dia 23 de maio de 2007, não exista ainda lei que permita ao TSE montar um banco de dados biométricos do cidadão brasileiro em padrão compatível para consulta por órgãos de inteligência estadunidense.

3.3.5 Protelação na Tramitação de Processos

É muito freqüente que petições ou processos eleitorais, que potencialmente possam revelar problemas de confiabilidade no sistema informatizado de eleições, sejam indeferidas ou permaneçam proteladas dentro do corpo administrativo do processo eleitoral.

Como exemplo citamos os seguintes casos:

1. Impugnação dos programas não apresentados em 2000 – Como confirmou a Nota de Esclarecimento da Microbase (ANEXO 7), seu sistema operacional VirtuOS, que é carregado em mais de 250 mil urnas eletrônicas, nunca foi apresentado pelo administrador eleitoral para auditoria dos partidos políticos em cumprimento a lei eleitoral. Como citado no capítulo 3.3.4.1, uma impugnação foi apresentada em 2000 contra este obscurantismo e foi negada com argumentos infundados por meio da Resolução TSE 20.714/00. Um Mandado de Segurança contra esta resolução arbitrária do administrador eleitoral foi então apresentado antes da eleição daquele ano, mas nunca teve seu mérito julgado. Ficou parada com o juiz-relator - e membro da cúpula admistrativa cujo ato era questionado - por sete meses até ser arquivada "por perda do objeto" por decisão unânime da própria cúpula administrativa.

2. Desde 2000, e durante a fase de apresentação dos sistemas aos partidos, o PT e o PDT regularmente solicitam permissão ao administrador eleitoral para efetuarem testes de resistência ao ataque, ou testes de penetração, nas urnas eletrônicas. Os pedidos nunca são atendidos. Em 2006, os representantes técnicos destes dois partidos decidiram protocolar uma petição conjunta. Apresenta-se como ANEXO 13, a página da tramitação desta petição no TSE. Desde sua entrada em junho de 2006, a petição foi remetida para parecer da Secretaria de Informática do TSE mas nenhum parecer foi dado. Quando consultados sobre o porque da demora para se manifestar, antes da eleição alegava-se a preocupação com a imagem pública das urnas para impedirem o teste. Após as eleições de outubro, passou-se a alegar não enxergarem razão para testar um sistema que não será mais usado.

3. A decisão do TRE-SP de não entregar os arquivos com os Registros Digitais dos Votos ao partido pleiteante, citada no capítulo 3.3.4.2, foi enfrentada por uma REPRESENTAÇÃO contra o TRE-SP que foi apresentada ao TSE em novembro de 2006 e aqui juntada como ANEXO 10. Até o momento esta representação encontra-se retida pela Diretoria Geral do TSE, não tendo sido nem mesmo distribuída a um ministro-relator para sua tramitação poder se iniciar.

4. Após a eleição de 2004 na cidade de Marília, em SP, descobriu-se por relatório oficial que alguns resultados de urnas foram recepcionados pelo totalizador antes mesmo da eleição começar as 7:00 h da manhã. O Ministério Público propôs Inquérito para apuração dos fatos e os interessados, uma ação de anulação. Para pré-construir provas foram requeridos vários arquivos de urnas e de computadores utilizados, tudo indeferido pelo administrador, pois além de investigado tornou-se réu no processo principal. A medida foi ratificada pelo TRE-SP, sendo interposto Recurso Especial, com fins de ver a matéria ser julgada pela administração superior. Num ato estranho ao ordenamento jurídico pátrio, o recurso foi ARQUIVADO no próprio TRE-SP, sendo então objeto da Representação nº 751 em 2005, que dormita no TSE pendente de apreciação como se vê na folha de tramitação juntada como ANEXO 14.

3.3.6 Julgamentos Contraditórios

É bastante comum, para quem já participou de fiscalização em processo eleitoral, a ocorrência de atitudes autoritárias dos administradores que também são juízes do mesmo processo.

Por este motivo, apresenta-se apenas um exemplo peculiar deste autoritarismo pelo inusitado como se manifestou.

Em 2004, implantou-se o Registro Digital do Voto para atender a Lei do Voto Virtual, mas como a lei não estabelecia qual o uso formal que estes dados teriam, o administrador eleitoral decidiu introduzir nas urnas eletrônicas um programa denominado "Sistema de Impressão do Boletim de Voto Digital" - SIBVD – para que cada Registro Digital do Voto pudesse ser impresso.

Porém, este sistema SIBVD abria possibilidade para a violação dos votos em locais onde os mesários fossem cooptados para imprimir cada voto depois de confirmado pelo eleitor.

Em junho de 2006, um partido preocupado com este fato entrou com petição para que este sistema fosse excluído das urnas pelos riscos que propiciava.

Na prática o pedido foi atendido. Reconhecendo o risco do SIBVD o administrador eleitoral o excluiu das urnas, como se comprova pela relação oficial dos programas das urnas eletrônicas em 2006, aqui apresentada como ANEXO 15, onde não se encontra relacionado o arquivo "sibvd.exe".

No entanto, em manifestando o poder judicante, o administrador eleitoral não quis reconhecer publicamente que havia risco de segurança em seu sistema original e formalmente negou a petição por voto unânime dos ministros do TSE, mandando arquivá-la em 01/08/2006, conforme documento no ANEXO 15.

Em situação constrangedora, a autoridade atende de fato o pleiteante, mas nega formalmente o atendimento apenas para cultivar, na história oficial, uma imagem de infalibilidade.

Outro entendimento possível para esta contradição, seria que a Secretaria de Tecnologia de Informação do TSE deixou de atender a decisão dos ministros de manter o SIBVD nas urnas. Mas esta interpretação não se mantém se for considerado que a decisão dos ministros foi totalmente baseada em relatório técnico da própria STI do TSE.

Constata-se portanto, que a Secretaria de Tecnologia de Informação do TSE, ao emitir seus relatórios técnicos para auxiliar o julgador, pode induzí-lo a erro. Erro que posteriormente procura corrigir com outra forma de autoritarismo, agindo contra a própria decisão que induziu.

3.3.7 Compra de Votos e Eleitores Fantasmas

A compra e venda de votos e a votação de eleitores fantasmas são fraudes eleitorais que continuaram existindo mesmo depois da adoção das urnas eletrônicas, como reconheceram em abril de 2005 o Presidente do TSE, Ministro Carlos Velloso, e o Corregedor do TSE, Ministro Francisco Peçanha Martins, em seus pronunciamentos durante o Seminário "Identificação do Eleitor e Reforma Política", promovido pela Escola Judiciária Eleitoral, no lançamento do Projeto Atualização do Cadastro de Eleitores, concebido para dar resposta e fim ao último reduto de fraude que teria restado depois da implantação da urna eletrônica, conforme notas do TSE juntadas no ANEXO 12.

Este "último reduto da fraude" origina-se de duas condições reais:

1. O Título de Eleitor não contém foto do eleitor que permita ao mesário identificá-lo com segurança;

2. O mesário pode, por erro ou má fé, liberar o voto nas urnas eletrônicas para outras pessoas que não um eleitor legítimo.

O administrador eleitoral lançou o Projeto Atualização do Cadastro de Eleitores, onde pretendia começar a implantar da identificação biométrica do eleitor como forma de por fim ao último reduto da fraude, já a partir do Referendo de 2005.

Porém, o uso da biometria por meio da digitalização da impressão digital do eleitor apresenta problemas técnicos e administrativos complexos, como:

- a escolha do padrão de digitalização – em concorrência aberta em julho de 2005, o TSE escolheu um padrão de propriedade do FBI americano, o que permitiria intercâmbio de dados entre o TSE e este órgão de polícia estadunidense mas não garantiria intercâmbio de dados entre o TSE e a própria polícia brasileira. Até o momento, não foi apresentada nenhuma justificativa para adoção do padrão FBI e para a inclusão do tipo sangüíneo do eleitor no cadastro da justiça eleitoral;

- o mau uso pelo mesário – a identificação biométrica pode eventualmente falhar, não liberando a votação de um eleitor legítimo, como a experiência no plenário da Câmara Federal confirma. O problema será: a qual recurso o mesário deverá recorrer para liberar o voto deste eleitor legítimo, sem que o mesário possa se valer deste mesmo recurso para liberar eleitores ilegítimos. Enfim, a identificação biométrica é custosa mas não resolve o problema 2, acima, da liberação de eleitor ilegítimo por má fé do mesário.

- a inviolabilidade do voto - como garantir de forma clara para o eleitor que a coleta de sua impressão digital pela máquina de votar não irá identificar o seu voto;

- a foto do eleitor – como dito no capítulo 3.3.4.4, a Lei 7.444/85 em seu §4º do Art. 5º, explicitamente dispensa o eleitor de fornecer sua foto para poder obter seu título e votar.

- a recusa do eleitor – a Constituição Federal não prevê nenhuma restrição ao direito de votar. Como o administrador eleitoral irá proceder caso um eleitor se recuse a fornecer seus dados biométricos? Poderá impedi-lo de votar?

Na Venezuela, a biometria para identificar o eleitor chegou a ser usada na eleição de 2004, mas, principalmente pela falta de garantia da inviolabilidade do voto, foi abandonada já na eleição seguinte em 2005.

No Brasil, o projeto do novo título de eleitor foi temporariamente suspenso por causa destes problemas técnicos e administrativos de solução pouco clara, o que levou a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara – CCTCI – a convidar o Diretor Geral do TSE a apresentar esclarecimentos sobre a questão da identificação biométrica do eleitor em audiência pública marcada para o dia 29 de junho de 2006.

Mas a audiência foi cancelada a pedido do próprio Diretor Geral do TSE e até hoje os esclarecimentos não foram prestados aos membros da CCTIC, embora o projeto continue sendo desenvolvido como atesta a compra de 23 mil novas urnas eletrônicas equipadas com leitoras de impressão digital e como o próprio diretor geral admitiu na sua apresentação no dia 23 de maio de 2007 perante esta subcomissão.

Em muitos países onde é endêmico fraudes com eleitores fantasmas, é comum o uso de tinta indelével que é pintada na mão de eleitor que já votou. Trata-se de solução barata e eficaz que será abordada no capítulo 4.3 adiante.

3.3.8 Desinformação aos Fiscais

Outra prática inadequada do administrador eleitoral surge quando ele próprio detecta falha de segurança em seu sistema. A sua decisão é sempre no sentido de manter os fiscais e a sociedade desinformada da falha constatada.

Como exemplo pode se citar o caso dos lacres sem aderência nas urnas eletrônicas nas eleições de 2006.

O administrador eleitoral sempre afirmou que os lacres são umas das garantias do sistema e que "após a lacração das urnas eletrônicas não é mais possível se modificar os programas internos dela sem romper os lacres".

Porém, em 2006, ocorreu grave problema na fabricação dos lacres das urnas eletrônicas. Este defeito de fabricação permitia que, na sua grande maioria, os lacres das urnas pudessem ser descolados sem se destruir, perdendo integralmente sua função de segurança.

O Relatório do Grupo de Trabalho de Logística de Urnas e Suprimentos do TSE, feito em dezembro de 2006 e apresentado como ANEXO 16, afirma de forma indubitável que 86% dos lacres utilizados nas eleições de 2006 tinham aderência imprópria, como se vê no gráfico a seguir, extraído daquele relatório.

O problema foi detectado antes das eleições pelos funcionários eleitorais encarregados de preparar e lacrar as urnas. Foi por eles debatido em lista de mensagens na Internet e acabou sendo levado para outras listas públicas na Internet antes do primeiro turno, permitindo que pessoas eventualmente interessadas em atacar o sistema tomassem conhecimento desta brecha na segurança.

Devido a falta de tempo para trocar os lacres, seria necessário alertar os fiscais dos partidos para que ficassem atentos ao problema e cuidassem de acompanhar o equipamento e verificar os lacres.

Mas este cuidado não foi tomado pelo administrador eleitoral. Para preservar sua imagem de infalibilidade, já citada no capítulo 3.3.6, optou-se por não reconhecer a existência do problema em público.

Nem mesmo perante esta Subcomissão de Segurança do Voto Eletrônico, a existência do problema foi reconhecido. Na audiência que concedeu a subcomissão no dia 23 de maio de 2007, o Secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Sr. Guiseppe Janino, voltou a reafirmar repetidas vezes a importância dos lacres como garantia da segurança das urnas mas não fez nenhuma referência a quebra desta segurança ocorrida sob sua responsabilidade.

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Sobre os autores
Amilcar Brunazo Filho

Engenheiro em Santos (SP), programador de computadores especializado em segurança de dados, moderador do Fórum do Voto Eletrônico, membro do Comitê Multidisciplinar Independente - CMind.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORTIZ, Maria Aparecida Silva Rocha ; BRUNAZO FILHO, Amilcar. Nota técnica para comissão da Câmara critica segurança das urnas eletrônicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1486, 27 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16792. Acesso em: 5 nov. 2024.

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