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Caracterização de direito irrevogável de uso em contrato de locação de fibras óticas apagadas

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24/09/2010 às 10:58
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V) Dos Impactos Tributários Decorrentes da Caracterização do Contrato como IRU e a sua Escrituração como Ativo Intangível:

No presente tópico o escopo é analisar de forma teórica os pretensos benefícios da caracterização do contrato como IRU e a contabilização do objeto contratado como ativo intangível, bem como os possíveis impactos destes enquadramentos para a Locadora.

Inicialmente, deve-se assentar que a caracterização de um instrumento contratual como IRU e a escrituração do objeto como ativo intangível não são peremptórios, pelo contrário são faculdades que as normas contábeis e jurídicas colocam a disposição dos indivíduos.

Dita faculdade abre espaço para a denominada elisão fiscal e para o exercício de Planejamento Tributário, visto que invariavelmente a opção pela prática acima especificada poderá implicar no melhoramento de resultado e indicadores, assim como no recolhimento de mais ou menos tributos.

Conforme dito alhures, a vantagem do IRU é a possibilidade de escrituração do objeto contratado como ativo intangível o que implica em considerar investimento o dispêndio financeiro incorrido e não uma despesa, ou seja, o valor empregado no IRU não será deduzido do resultado, sendo subtraído deste apenas a depreciação proporcional.

Considerar um objeto como ativo intangível (investimento), quando se registra resultado positivo, implica num maior dispêndio tributário, tendo em vista que se estará arraigando a base de cálculo do IRPJ e CSLL.

Para aclarar a questão, vale pensarmos na situação hipotética onde dada empresa esteja registrando um resultado positivo de 100.000.000 e contrata por 05 (cinco) anos um IRU pelo valor de 10.000.000.

Caso o IRU seja considerado um ativo intangível, será deduzido do resultado apenas a depreciação proporcional (1/60) daquele exercício, no exemplo acima 2.000.000 que corresponde a 12 (doze) meses de depreciação, assim o empresário registraria ao final do exercício um resultado de 98.000.000.

Situação diversa ocorreria caso o IRU fosse considerado despesa, uma vez que no referido exercício dever-se-ia deduzir do resultado o montante integral empregado na contratação, qual seja, 10.000.000 o que implicaria num resultado de 90.000.000.

O reflexo tributário fica por conta da base de cálculo do IRPJ e CSLL, pois, no primeiro caso apesar do resultado se mostrar mais satisfatório, a base tributável seria 8.000.000 mais alta que na segunda hipótese o que representaria no pagamento de 2.720.000 (8.000.000 x 34%) a mais a título de tributos.

Assim a ilação que se alcança é que a caracterização do IRU e a escrituração do objeto contratado como ativo intangível, beneficia o resultado e indubitavelmente melhora os indicadores, entretanto, em cenário de resultado muito favorável implica num dispêndio tributário maior em relação ao IRPJ e a CSLL.

No que tange aos impactos tributários para a Locadora, pelo fato de se caracterizar o contrato como IRU e se contabilizar o objeto (direito de uso) como ativo intangível, pode-se afirmar de antemão que são nulos, visto que nada se alterará em relação ao objeto contratado.

A caracterização de um contrato como IRU é de cunho eminentemente contábil, o que implica dizer que a partir das características do contrato (existência de irretratabilidade) é que se poderá classificá-lo ou não como IRU, enfim é imprescindível para identificação de um IRU a aplicação de uma interpretação dedutível do instrumento contratual.

Tendo em vista que a caracterização do IRU se dá de modo dedutível e não indutivo, um contrato de locação não deixará de ser um contrato de locação, por se caracterizar como IRU, enfim, a caracterização de um contrato como IRU não tem o condão de afetar a sua natureza jurídica.

E não podia ser diferente, pois o artigo 110 do Código Tributário Nacional preconiza com clareza solar que a lei tributária, aí abrangida também todas as normas contábeis, não pode deturpar o conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas do direito privado, senão vejamos:

"Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias".

Assim a prática tributária adotada pela Locadora hodiernamente não será afetada, pois, mesmo sendo o contrato caracterizado como IRU e efetuada a contabilização do objeto como ativo intangível pela Locatária, poderá a Locadora continuar ofertando os valores decorrentes do contrato aos mesmos tributos a que hoje submete, provavelmente [06] PIS e COFINS não cumulativo, cuja alíquota combinada é 9,25%.


Conclusão

Ante o exposto, pode-se chegar às seguintes ilações:

a)O contrato firmado entre ... e ... possui a natureza jurídica de locação, cujo o objeto é a cessão de direito de uso de 02 (dois) pares de fibras ópticas apagadas, pelas quais não há transmissão de sinais de comunicação;

b)A locação de fibra óptica apagada não se confunde com a prestação de serviço de telecomunicações, visto que para o provimento deste serviço é necessário o emprego de outros equipamentos;

c)Não é devido ICMS sobre a locação de fibras ópticas apagadas, uma vez que não há prestação de serviço de telecomunicações, hipótese de incidência do referido imposto, conforme disposto no artigo 2º, III da Lei Complementar nº. 87/96;

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d)É inconstitucional a incidência de ISS sobre a locação de fibras ópticas apagadas, haja vista, que constitui-se uma obrigação de dar e não uma obrigação de fazer, flagrante violação ao disposto no artigo 156, III da CR/88;

e)É indevida incidência de ISS sobre a locação de fibras ópticas apagadas, pois, a jurisprudência compreende tratar-se de locação de bem móvel o qual não se insere dentre as hipóteses de incidência do ISS;

f)A receita decorrente da locação de fibras apagadas se submete apenas a incidência de PIS e COFINS não cumulativo, cuja a alíquota combinada perfaz o percentual de 9,25%;

g)Para caracterização de um IRU e a contabilização do objeto contratado como ativo intangível é imprescindível que seja atendido os seguintes requisitos e características: contrato de cessão de direito de uso + irretratabilidade + vigência mínima de 12 meses + ativo identificável + ativo controlável + expectativa de benefício futuro;

h)O contrato vigente entre ... e ... atende os requisitos e possui as características necessárias para ser caracterizado como IRU e ser escriturado como ativo intangível;

i)A caracterização do instrumento contratual como IRU e a escrituração do objeto contratado como ativo intangível é uma faculdade que as normas contábeis e a legislação vigente concedem aos indivíduos;

j)A caracterização do contrato como IRU e a escrituração do objeto contratado como ativo intangível, possibilita a contabilização do dispêndio financeiro como CAPEX o que melhora o resultado e os indicadores;

k)A caracterização do contrato como IRU e a escrituração do objeto contratado como ativo intangível, pode provocar aumento do dispêndio com pagamento de tributos (IRPJ e CSLL) caso a empresa goze de bom resultado;

l)A caracterização do contrato como IRU e a escrituração do objeto contratado como ativo intangível não tem o condão de afetar a prática tributária adotada pela ... em relação as receitas advindas do contrato analisado;

É o parecer, s.m.j.

Uberlândia, 23 de agosto de 2010.


Notas

  1. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. vol. 3. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 303.
  2. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. vol. 2. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 372/373.
  3. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. vol. III. 6ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 158.
  4. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. vol. 2. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 495.
  5. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. vol. III. 6ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 184/185.
  6. Especificações sobre o tema constam no tópico II do presente Parecer.
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Sobre o autor
Paulo César da Silva Filho

Advogado Tributarista, atuante no setor de telecomunicações

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA FILHO, Paulo César. Caracterização de direito irrevogável de uso em contrato de locação de fibras óticas apagadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2641, 24 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/17473. Acesso em: 25 abr. 2024.

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