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Concurso público:

policial militar e acuidade visual

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16/06/2005 às 00:00
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Mandado de segurança interposto por candidato eliminado de concurso para policial militar em razão de não possuir acuidade visual perfeita.

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da ______ Vara de Fazenda Pública, Falências e Concordata de Curitiba, Estado do Paraná.

"As discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe vínculo de correlação entre a peculiaridade diferencial acolhida, por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida". Celso Antônio Bandeira de Mello.

x, vem, por meio de seu Advogado [1], que esta subscreve, que receberá intimações e notificações em seu escritório profissional localizado nesta Capital e descrito no rodapé, respeitosamente perante Vossa Excelência para impetrar


MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE LIMINAR

lotado nesta Capital, sito na avenida Marechal Floriano Peixoto, n. 1.401, o que se faz pelos fatos e fundamentos adiante articulados:

Esclarecimentos iniciais

Inicialmente cumpre informar que o Impetrante é pessoa de pouca condição econômica; exerce atividade profissional como manobrista, há poucos dias conquistada, não podendo arcar com as despesas de um processo, mesmo in casu, no presente remédio heróico.

Não afastando a distribuição da Justiça aos jurisdicionados mais carentes, a sensibilidade legislativa materializou-se na Lei n. 1.060/50, impondo como requisito à concessão dos benefícios da assistência judiciária, a declaração firmada pelo postulante, onde conste a sua condição.

Neste passo, ilustrando a pretensão do Impetrante, vejamos a seguinte ementa sobre o tema, verbis:

"Ementa: Não obstante ser a Defensoria Pública instituição essencial à função jurisdicional do Estado, como expresso no art. 134 da CF, não está a parte obrigada a se valer dos serviços daquela para gozar do benefício da gratuidade de justiça." (in RT 734/479, sem grifos)

Destarte, requer desde já digne-se Vossa Excelência em conceder os benefícios da assistência judiciária, nos termos da legislação em vigor, eis que o Impetrante não dispõe de recurso material para arcar com as custas e honorários advocatícios decorrentes de um processo judicial, consoante declaração em anexo.

b) Do pleito do Impetrante

Para que não paire dúvida sobre a legitimidade do presente pleito, faz-se necessário esclarecer que o Impetrante não está a questionar todo o conjunto de etapas exigidas pelo edital emanado do Comando-geral da Polícia Militar do Paraná para o seu ingresso nesta corporação, mesmo que assim possa parecer, eis de igual sorte ao exame de acuidade visual, inexiste lei que estabeleça as exigências impostas nas outras etapas.

Neste passo, o ponto fulcral do presente remédio heróico é a ausência de previsão legal que estabeleça como critério para ingresso nas fileiras da Polícia Militar do Paraná a acuidade visual quase perfeita. A corroborar à pretensão do Impetrante há o princípio da moralidade com seus corolários da igualdade (impossibilidade de discriminação sem causa que a justifique) da razoabilidade.

Se não, vejamos:


Breve relato dos fatos

1.O Impetrante está a postular, por meio de concurso público, seu ingresso nas fileiras da Polícia Militar do Estado do Paraná, tendo logrado êxito na primeira fase do certame, qual seja, o exame de escolaridade.

Além desta primeira fase, o Impetrante, iniciou os testes da segunda fase, denominada de exames de sanidade física e mental [2], tendo igual sorte nos psicopatológicos e em todos os outros que demonstram suas aptidões de saúde física e saúde mental, à exceção da quase perfeita acuidade visual que exige o correspondente edital [3].

De conseqüência o Impetrante foi eliminado da disputa por uma vaga de Policial Militar, não tendo podido sequer entregar os demais laudos dos exames da segunda fase, cujas fotocópias estão em anexo, não restando a ele outro caminho que o de se valer do remédio heróico para ter garantido seu direito líquido e certo.


Do direito líquido e certo do Impetrante

2. O direito líquido e certo do Impetrante encontra-se guarida na norma Magna, no caput de seu artigo 37, bem como nos incisos I e II deste dispositivo, que estabelece o princípio da estrita legalidade a ser observado pela administração pública, precipuamente, no fato de que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencherem os requisitos estabelecidos em lei, que forem aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos.

Ora, "o princípio da legalidade é um dos sustentáculos fundamentais do Estado de Direito..." [4], "nascido no anseio de estabelecer na sociedade humana regras permanentes e válidas, que fossem obra da razão, e pudessem abrigar os indivíduos de uma conduta arbitrária e imprevisível..." [5], no desiderato de dar aos administrados a segurança jurídica necessária para a estabilidade das relações sociais.

2. Mas qual a extensão da palavra "lei" contida no art. 37, inciso I da Constituição Federal? Busquemos nas palavras de Celso Bastos a resposta, verbis:

"A palavra ‘lei’ está ai utilizada na sua acepção mais restrita e inclusive mais técnica, isto é, de ato normativo aprovado sob procedimento específico pelo Legislativo com a colaboração do Chefe do Executivo ou de ato que lhe faça as vezes" (ob. cit., p. 58)

Ou na corte máxima paranaense, que também agasalha a exgese acima, exemplo disso, dentre tantos outros julgados, lemos:

"Apelação Cível e Reexame necessário – Concurso público – Requisito contido no edital no sentido de que os candidatos possuam acuidade visual acurada de 100% de visão binocular – Inteligência do art. 37, inciso I da Constituição Federal: os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei – não portanto, em atos subalternos, próprios da administração pública, como os regulamentos, portarias ou editais de concurso. Exigência editalícia não prevista em lei. Recurso desprovido (2ª Cam. Cív., acórdão n. 16.132, TJ/PR, Des. Rel. Altair Patitucci).

2.1. Com efeito, os requisitos impostos a um candidato a cargo, emprego ou função pública na disputa de certame público, devem estar previamente previstos em lei em sentido estrito, não sendo lícito a administração pública ferir o princípio da reserva legal criando exigências, por meio de editais, não comtempladas em lei.


Do princípio da moralidade e seus desdobramentos

3. Com a advertência de Celso Bastos, no sentido de que se "deve atentar para o fato de que a discriminação possa assumir feições mais sutis" (ob. cit. p. 64) e que os requisitos estabelecidos em lei hão de submeter-se ao império dos princípios da moralidade e da razoabilidade, bem como "nas sobejas razões da ordem natural das coisas" (idem) é de se questionar se a exigência da acuidade binocular quase perfeita é, em tese, uma dessas sutilezas discriminatórias eis que despidas de razoabilidade.

Crê-se, salvo melhor juízo, que a resposta seja afirmativa.

A exigência da acuidade visual quase perfeita, além da ausência de previsão legal e específica, assume os contornos da sutileza discriminatória repudiada pelo reconhecido jurista acima citado, eis que como é sabido por todos, consagrado pela jurisprudência, e confirmado por meio dos conhecimentos de um especialista, cujo laudo vai em anexo, o defeito de visão que o Impetrante é portador, em nada afeta as atividades que um policial militar desenvolve, qualquer que seja ela, eis que é transitória e facilmente corrígivel.

Reiteramos as palavras preambulares de Celso Antônio Bandeira de Mello, para sedimentar de vez por todas a demonstração do direito líquido e certo do Impetrante pois "as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe vínculo de correlação entre a peculiaridade diferencial acolhida, por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida".

3.1. Destarte, como se não bastasse a ausência de previsão legal específica para a exigência de acuidade visual binocular (quase) perfeita, o ato guerreado esta eivado de vício constitucional pela falta de razoabilidade, pois além do defeito visual do Impetrante não ser impeditivo para o desempenho das atividades do recruta ele (o defeito) é "corrigível por sofisticadas técnicas cirurgicas, por modernas lentes de contato ou até mesmo o uso de óculos"(2ª C.Cível TJ/PR, acórdão nº 17.488)

Em recente julgado proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, emanado por meio de sua Segunda Câmara Cível, em acórdão da lavra do Desembargador Altair Paitittucci, assim foi ementado sobre o tema, verbis:

"Reexame necessário – Mandado de Segurança – Concurso público para o cargo de policial militar – Candidatos aprovados até a segunda etapa, mas reprovados no exame pré-admissional por não possuírem 100% acuidade visual – Incapacidade física parcial – Corrigível por sofisticadas técnicas cirurgicas, por modernas lentes de contato ou até mesmo o uso de óculos – Ordem concedida – Garantia constitucional – Artigo 37, II da Constituição Federal. Exigência editalícia não prevista em lei – Sentença confirmada em grau de reexame necessário.

- Violação do direito líquido e certo dos candidatos que foram excluídos do concurso público para o cargo de policial militar do Paraná, por terem sido considerados inaptos na acuidade visual de 100%, por possuírem pequena deficiência visual, corrigível por meio de sofisticadas técnicas cirúrgicas, por modernas lentes de contato ou até mesmo uso de óculos, não incapacitando os impetrantes de desenvolverem atividades normais inerentes ao cargo. Inteligência do art. 37, inciso I, da Constituição Federal.

- Os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiro que preencham os requisitos estabelecidos em lei. Além do mais, não poderia o edital do concurso exigir visão 100% sem previsão legal, extrapolando os limites gizados pela lei. – Reexame necessário. Improvimento. (julgamento de 26/04/2000)

Consta do corpo do acórdão, que "....defeitos visuais como miopia e astigmatismo além de corrígiveis pelo uso de lentes corretivas e por cirurgia, não impedem o regular exercício das atividades inerentes ao cargo. A necessidade de saúde normal para o desempenho da função, não autoriza a exigência de requisitos, como o da acuidade visual mínima, não previstos em lei" (p. 144 do acórdão cuja fotocópia vai em anexo).


Da defesa do Impetrado em casos análogos

4. Evitando-se omissões inescusáveis, faz-se necessário o regaste do fundamento utilizado pelo Impetrado e expresso em suas recorrentes informações e que foram prestadas em casos análogos. Isto é dito pois, dentre outros argumentos de menor quilate, alega o Impetrado que seu ato encontra respaldo no Código da Polícia Militar do Paraná (Lei nº 1.943/54), que exige comprovação de capacidade física.

Esta norma, com o devida respeito, não é causa para elidir o direito líquido e certo do Impetrante que foi exaustivamente demonstrado acima, eis que:

a – a capacidade física comprovada deve ser entendida como os requisitos físicos necessários para o desempenho da função de Policial Militar, sendo que qualquer critério que extrapole os limites do razoável, como p. ex. na hipótese de altura mínima de um metro e noventa centímetros ou mesmo da acuidade visual quase 100%, fere o princípio da moralidade em seu desdobramento da razoabilidade;

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b – se a acuidade visual do Impetrante não representa incapacidade física para o desempenho das funções de policial militar como provado resta pelo laudo em anexo, logo, está-se a impor limite discriminatório sem correspondente necessidade fática, o que em última instância, impõe o abuso do poder discricionário por parte do Impetrado;

c – há subjetividade insanável presente na expressão comprovada capacidade física fere as normas mais básicas decorrentes do princípio da legalidade, conferindo ao administrador discricionaridade incompatível com o Estado Democrático de Direito e com a ordem constitucional em vigor;

d – a expressão comprovada capacidade física não pressupõe a acuidade visual perfeita, até porque nem sempre foi exigido este requisito para ingresso na corporação, ou mesmo porque não dispõe a lei que a visão perfeita é condição sine qua non para comprovar capacidade física, sendo portanto requisito discricionário do administrador que de fato não é razoável;

e – O EXAME DE CAPACIDADE FÍSICA EXIGIDA PELA NORMA EM QUESTÃO, APARENTA SER AQUELA QUE SE EXIGE NA FASE "C" DO CERTAME E NOMINADA DE "EXAME DE CAPACIDADE FÍSICA", AO INVÉS DA FASE "B" NOMINADA DE "EXAME DE SANIDADE FÍSICA E MENTAL" (v. edital, Capítulos VI e VII)

Em decorrência dos argumentos acima, crê-se que a expressão comprovada capacidade física, de tão vaga, genérica e subjetiva, está corrompida pela ordem legal em vigor, não podendo ser admitida nenhuma condição além daquelas que, se ausentes, comprometam o desempenho das atividades correspondentes ao cargo, o que não acontece no presente caso, eis que o defeito visual do Impetrante é fácil e plenamente corrígivel, até mesmo pelo simples uso óculos.


Do Ato de Autoridade

5. Como visto, a autoridade coatora é o Coronel Guaraci Moraes Barros, Comandante Geral da Polícia Militar do Estado do Paraná, eis que foi dele que emanou o ato de autoridade (Edital 001/00-CG) que fere inequivocamente o direito líquido e certo do Impetrante, eis que em seu art. 28, inciso IV alínea "a", bem como no seu Capítulo VIII (Pesquisa Social e Documental) impõem condições específicas inexistente em lei em sentido estrito, ferindo o princípio da estrita legalidade, agredindo também o princípio da moralidade administrativa em seus desdobramentos da razoabilidade, a vedação de discriminação (inexistência de correlação entre acuidade visual perfeita e ausência de capacidade para o exercício de Policial Militar), dentre outros.


Da necessidade de concessão de medida liminar

6. Lê-se no edital em anexo, bem como no informativo Instruções para o concurso público ao ingresso no polícia militar do Paraná (Curitiba, outubro 2.000), que o certame é composto de cinco etapas, são elas:

a)Exame de Escolaridade;

b)Exame de sanidade física e mental;

c)Exame de Capacidade Física através de Teste de Suficiência física;

d)Pesquisa Social e Documental;

e)Inclusão.

6.1 Pela declaração passada pela Junta Médica da Corporação, aliado ao jornal dos aprovados e os a fotocópia dos exames em anexo, vê-se que o Impetrante cumpriu a fase a) Exame de Escolaridade, classificando-se em 341º (tricentésimo quadragésimo primeiro) lugar, consoante jornal de divulgação da PMPR, página 03, tendo esbarrado na fase b) de avaliação de sanidade física e mental.

Falta ao Impetrante, portanto, terminar as etapas da fase b), realcionadas aos outros exames à avaliação de sua sanidade física e mental, que já estão prontos, e basta a análise pela SubComissão de Sanidade Física e Mental (v. edital, artigo 1º, inciso II), bem como as fases c) e d), exame de capacidade física e pesquisa social e documental, respectivamente.

Todavia, as fases restantes já foram completadas, sendo que os que forem Incluídos (Fase "e"), iniciarão seus estudos no curso de formação de soldado policial militar, em data de 20 de fevereiro de 2.001 (próxima terça-feira).

6.2 Caso o Impetrante não seja incluído na turma que inicia seus estudos na próxima terça-feira, 20/02, há iminente risco de dano de difícil, quiçá impossível, reparação, eis que não existe previsão expressa para a formação e início de nova turma, o que, mesmo em sendo reconhecido o direito líquido e certo ao final do presente mandamus, obrigará o Impetrante a esperar novo concurso.

Pergunta-se: se for concedida a ordem com o julgamento do mérito do presente, haverá a Polícia Militar do Paraná que fazer "turma" de formação tão-só para o Impetrante? Definitivamente opção inviável.

6.3 Destarte, crê-se que há iminente risco de dano de difícil, quiçá impossível, reparação ao Impetrante, o que desde já requer seja evitado com o deferimento de liminar incluindo ele no curso de formação de policial militar, o que aliado à plausibidade do direito alegado como líquido e certo, autorizam a concessão da medida liminar objetivando a inclusão do Impetrante na turma que entrará na escola daqui a alguns dias.


Do pedido

7. Em face ao acima exposto e do muito que certamente será suprido pelos notórios conhecimentos de Vossa Excelência, requer-se:

a)o recebimento da presente inicial;

b)a concessão de liminar ordenando a aceitação do Impetrante no curso de formação de soldado policial militar que se inicia na próxima terça-feira (20/02/01), recebendo os mesmos proventos e tratamento que os outros incluídos, até julgamento final do presente mandamus;

c)após cumprida a liminar, a notificação do Impetrado, para que preste informações, no prazo improrrogável de 10 dias;

d)seja colhida a manifestação do Ministério Público, no prazo legal e após o prazo das informações, como é de lei;

e) ao final, seja definitivamente concedida a ordem em favor do Impetrante com a conseqüente declaração de seu direito líquido e certo de não poder ser eliminado do certame em face de seu defeito visual, determinando o término da avaliação de sua sanidade física e mental com a aceitação dos exames já realizados, bem como com a marcação de nova data para a realização dos exames da fase avaliação da capacidade física, esta a ser realizada de acordo com as especificações do edital;

f) a condenação da autoridade coatora nos ônus da sucumbência, face à natureza de ação do mandado de segurança.

Em virtude do valor inestimável do presente remédio heróico, dá-se à causa o valor de R$ 0,01 (um centavo de real), pleiteando-se outrossim a concessão dos benefícios da assistência judiciária.

Curitiba, 14 de fevereiro de 2.001.

Julio Cesar Ziroldo

OAB/PR n. 27.4612

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Sobre o autor
Julio Cesar Ziroldo

Advogado em Curitiba (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZIROLDO, Julio Cesar. Concurso público:: policial militar e acuidade visual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 711, 16 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16624. Acesso em: 26 abr. 2024.

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