Meritíssimo Doutor Juiz do Federal da Vara do Trabalho de...... /RJ
ELOMAR CURTY GUERRA, brasileiro, comerciante, judicialmente separado, portador da identidade n.º...... , inscrito no CPF sob o n......, Título de Eleitor nº...... , residente na Rua........... ,........... ./RJ vem a V. Exª, com amparo no art. 5º, LXXIII, CF/88, propor
AÇÃO POPULAR
em face do MUNICÍPIO DE... , pessoa jurídica de direito público interno, inscrita no CNPJ n.º......... , com sede na........... .,
em face de F. A. C. F. E. T. C. S. F., com sede à........... ..,
em face de J. G. T., brasileiro, casado, Prefeito do Município de....... , residente na........... ......, e
em face de A. C. B. D., presidente da F. A. C. F. E. T. C. S. F.,, podendo ser notificado na à........... ..., aduzindo fatos e fundamentos a seguir,
intimando o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, obrigatoriamente de todos os atos processuais através do Ofício de Nova Friburgo, na condição de custos legis, na Rua Ernesto Basílio, nº 30, Cobertura, centro, Nova Friburgo/RJ;
DOS FATOS
Há mais de 4 (quatro) anos o MUNICÍPIO DE....... vem utilizando-se de práticas odiosas de terceirização ilícita para contratação de pessoal violando disposição expressa no art. 37, II, da Constituição Federal em prejuízo evidente à direitos sociais do trabalhador, à moralidade administrativa e ao patrimônio público.
Carente de pessoal no quadro efetivo, a municipalidade, ao invés de realizar concurso público, delega serviços inerentes a sua atividade fim (assistência social, saúde e educação) a entidades de direito privado que vêm se sucedendo no tempo.
Com objetivo de intermediar mão de obra, inicialmente contratou a M. C. S., CNPJ n.º........... ..., que foi sucedida pela C. S. M. º M. E., CNPJ n.º........ , que, por sua vez, foi sucedida pelo I. N. D. P. P., CNPJ........... ..
No ano passado a Câmara Municipal de........ instaurou Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a contratação do I. N. D. P. P., que, imediatamente após a conclusão dos trabalhos parlamentares, teve seu contrato rompido.
Com tal determinação esperava-se que a prática ilícita houvesse sido abolida mas, infelizmente, não foi o que ocorreu.
Olvidando-se das conclusões da CPI, a atual administração, agora em fevereiro de 2005, contratou a F. A. C. F. E. T. C. S. F. em sucessão às instituições anteriores.
Obviamente muito interessa ao administrador manter esse tipo de contratação porque lhe dá liberdade de burlar o princípio da impessoalidade indicando quem bem entende para ocupar os cargos que deveriam ser preenchidos por pessoas competentes selecionadas através do concurso público.
É, aliás, o que está a ocorrer já que, com a nova administração, empossada em janeiro de 2005, diversas pessoas que antes não integravam nem mesmo o quadro desses institutos, agora são chamadas sem critérios objetivos de seleção, quiçá por conveniência eleitoral.
Por outra vertente, os trabalhadores destas instituições não têm seus direitos trabalhista respeitados e buscam em massa a justiça laboral para reclamá-los, ex vi as dezenas de ações trabalhistas que já tramitaram por esta Vara dirigidas as citadas instituições.
Ocorre problema quando as ações encontram-se em ponto de execução e as instituições simplesmente desaparecem deixando o passivo ao Município.
Para comprovar os fatos que ora são alegados o autor tomou as providências que, dentro das suas limitações de cidadão, lhe competiam
Requisitou ao Sr. Prefeito e ao Sr. Gestor do Fundo Municipal de Saúde os contratos pertinentes. Requisitou ao Sr. Presidente da Câmara cópia dos autos da CPI. Tomou ainda a liberdade de proceder vistorias in loco nos estabelecimentos e conseguiu catalogar alguns trabalhadores em circunstância irregular a seguir relacionados e ao final qualificados:
(segue a lista dos trabalhadores)
Com essas providências, colacionou o acervo documental que segue anexado. Todavia, nem todas as requisições foram atendidas, motivo que leva a necessidade de produzir provas úteis no decorrer do processo.
DO DIREITO
É por demais noticiado na literatura jurídica que o Direito do Trabalho não admite a terceirização ilícita, assim entendida a delegação da atividade fim da empresa e/ou administração pública.
Pontificando magistralmente o entendimento retrofalado, o Dr. ARNALDO SÜSSEKIND, in Curso de Direito do Trabalho, 2002: Renovar, pág. 204, expressa seu pensamento com clareza solar, verbis:
"Daí o nosso entendimento: a terceirização corresponde à contratação de empresas especializadas em segmentos da produção não correspondente ao objeto final da contratante ou para a execução de atividades-meio não fundamentais ao funcionamento da empresa"
Decorre tal posicionamento de uma disposição principiológica que, tangenciando o princípio da dignidade humana, impede alienação da força de trabalho, ou seja, veda que outrem tenha lucro gratuito pelo simples agenciamento do trabalho de pessoas.
No mesmo sentido glosam diversas convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT proibindo o comércio da força humana o que faz da obrigação não só um compromisso interno como também externo e sua maculação por órgãos da administração pública podem manchar a imagem da República Federativa do Brasil no exterior
Não bastasse, o art. 4º da Lei da Ação popular expressamente giza:
"Art. 4.São também nulos (...)
I-A admissão ao serviço público remunerado, com desobediência quanto às condições de habilitação, das normas legais, regulamentares ou constante de instruções gerais.
(...)"
(Lei 4.717/65)
Ora, Exª, não se duvida que seja atividade fim do Estado (municipalidade) fornecer assistência social, saúde, educação e obras públicas a população, entretanto vem delegando esta às pessoas jurídicas de direito privado.
Essas questões foram apreciadas pela Câmara Municipal de.... que assim concluiu em seu julgamento legislativo, no limite de sua competência:
"IV – Conclusões
De todo o apurado conclui-se que:
a)houve a infração ao procedimento fixado pela lei de licitações para realização de contratação por meio de inexigibilidade, como restou demonstrado;
b)Há fortíssimos indícios do cometimento, em tese, do crime tipificado no art. 89 da mesma lei de licitações;
c)Os serviços confiados a empresa contratada não foram executados, inexistindo atingimento do objeto do contrato já que em verdade, dando demonstração da simulação, a empresa se limitou a "fornecer empregados para a prefeitura municipal", violando a obrigatoriedade de contratação por meio de concurso público, possibilitando, por via reflexa, o exercício do empreguismo político, o que, em tese, revela o cometimento do crime tipificado no inciso XII do DL 201/67;
(...)
g) Deve ser sugerido ao Executivo Municipal que adote mecanismos eficientes de controle dos contratos administrativos e procedimentos licitatórios, mormente obediência ao disposto no art. 37, II, da Constituição Federal;"
(Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Municipal de....... )
Pelo exposto, não resta dúvida ao autor que tem razão em seu pleito e que a administração está violando o ordenamento jurídico e portanto socorre-se no judiciário na defesa do Estado que respeita as suas próprias leis: O Estado de Direito.
Da pretensão, da legitimidade ativa, do interesse processual e da possibilidade jurídica do pedido
Neste feito a pretensão principal do autor é expressamente amparada pelo art. 11 da Lei nº 4.717/65, qual seja, a decretação de invalidade de ato administrativo e condenação dos réus em perdas e danos. Pleiteia em nome próprio direito alheio, in casu, da coletividade, em legitimação extraordinária conferida pelo art. 1º da citada lei e pelo art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal. A legitimidade passiva dos réus encontra espeque expresso no art. 6º da mesma lei. Seu interesse processual resume-se na proteção do patrimônio público e na defesa da moralidade notoriamente vilipendiados por ato dos administradores e de terceiros no caso presente.
Nessas condições, DÚVIDA NÃO HÁ acerca da adequação da causa e inexistência de qualquer carência acionária.
O autor fez questão de traçar estas linhas iniciais para frisar a existência das condições para exercício regular da ação porque poder-se-ia confundir as questões ora expostas com eventual discussão sobre competência material desta especializada trazida como questão nova em decorrência da emenda constitucional nº 45 e que passamos a analisar.
A ação é perfeita, poder-se-ia discutir tão somente acerca do juízo competente.
Da Competência ratione materia
Assim era o dispositivo do art. 114 da Constituição Federal:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.
Ainda sob a égide deste ordenamento, nunca se duvidou da competência da Justiça do Trabalho para responsabilizar subsidiariamente a Administração Pública por seus atos ilegais de terceirização. A propósito, a maior expressão desta competência encontra-se manifestada no enunciado 331 do E. TST copiosamente utilizado nas decisões trabalhistas, inclusive desta Vara.
Também sempre foi firme a jurisprudência e a doutrina no sentido de se admitir a atuação do Ministério Público do Trabalho, em sede de Ação Civil Pública, para pleitear a abstenção de fato da administração na contratação ilegal por interposição de empresas. Obrigação de NÃO FAZER Veja-se:
"A Justiça do Trabalho é competente para dirimir ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, envolvendo interesses difusos ou coletivos decorrentes de relação de trabalho, concernentes a suspostas contrataçõpes irregulares envolvendo cooperativas, com a utilização de mão de obra locada, para execução de trabalho de natureza permanente, não eventual, em funções correspondentes a cargos e empregos públicos da administração municipal."
"Ação Civil Pública – Cooperativa de Trabalho – Intermediação de Mão de Obra – Obrigação de não fazer – hipótese em que se impõe determinar que o Município réu, enquanto prestar serviço de saúde diretamente à comunidade, admita, também de forma direta, os trabalhadores utilizados para tal finalidade (atividade fim) observando a exigência contida no art. 37, inc II, da CF. Situação em que o Município mantinha contrato com cooperativa de prestação de mão de obra (médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem). Inteligência do entendimento expresso no enunciado 331 do TST." (TRT 4ª Região, R.O. 00707.662/98-2 6ª Turma, Rel. Juiz João Alfredo Borges Antunes de Miranda, julgado em 18/04/2002)
A propósito, o autor acosta cópia de Ação neste sentido em trâmite pela 5ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro que teve liminar deferida em favor do Ministério Público do Trabalho contra o Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro (processo nº 1040-2004-005-01-00-7) salientando que a questão de mérito é exatamente idêntica ao caso presente
Ambas as hipóteses (Dissídio Individual e Ação Civil Pública) eram adequadamente aplicáveis ao texto constitucional do art. 114 antes da Emenda Constitucional nº 45. No primeiro caso por se tratar de relação entre trabalhador e empregador e no segundo caso por ser outra controvérsia de trabalho na forma da lei.
É que o Ministério Público do Trabalho, para legitimar sua atuação buscava amparo na Lei complementar nº 75/93 como se vê da brilhante lição do Ministro João Oreste Dalazen, verbis:
"Irrecusável a competência da Justiça do Trabalho para instruir e julgar a Ação Civil Pública "trabalhista" ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho objetivando resguardar interesses difusos e interesses coletivos, se e quando vulnerados os respectivos direitos sociais de matriz constitucional. O fomento constitucional e o balizamento para a acenada competência repousa no preceito que permite a lei atribuir a Justiça Especializada "outras controvérsias oriundas da relação de trabalho" (art. 114, segunda parte). Sobrevindo a Lei complementar nº 75 de 20/05/93, esta elucidou o ramo do poder judiciário a quem cumpre submeter a Ação Civil Pública Trabalhista" dispôs que deve ser proposta "junto aos órgãos da Justiça do Trabalho" art. 83, caput, e inciso III
(...)
A lide estampada na Ação Civil Pública "trabalhista" oferece matizes diferentes e que dificulta amoldá-la ao padrão normal de fixação da competência material da Justiça do Trabalho. Em primeiro lugar, sobretudo na tutela dos interesses difusos, não repousa necessariamente sobre a existência de uma relação de emprego, satisfazendo-se com a mera possibilidade de que se configure. A lide dá-se em razão de um bem jurídico próprio da relação empregatícia, porém esta não reclama existência atual ou passada: pode ser futura." (Ministro João Oreste Dalazen in Competência Material Trabalhista, Ed. LTR, São Paulo, 1996)
Recentemente promulgada a emenda Constitucional nº 45, promoveu-se alteração no texto do art. 114 que assim ficou redigido:
"Art. 114 Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I. as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;"
Note-se, duas significativas alterações no que se refere as ações oriundas da relação de trabalho:
Primeiro, excluiu-se da disposição constitucional a qualidade personalíssima de "trabalhador" para ajuizamento do dissídio individual. Com efeito no texto anterior alguns autores chegavam a tratar de competência ratione persona¸ o que na nova redação não é exigido.
Em segundo lugar, excluiu-se também o verbete "na forma da lei" de modo a alterar a natureza da norma constitucional que antes era de eficácia contida e agora é autoaplicável.
Por essas razões, segundo esta nova competência, S.M.J., basta para se fixar a atribuição da especializada a existência de uma controvérsia derivada de uma relação de trabalho. Não resta, pois, dúvida. In casu há tal controvérsia.
A relação que se forma entre o segundo réu e os sujeitos trabalhadores submete-se, obviamente, a apreciação do judiciário trabalhista porque é uma nítida relação de trabalho que se forma.
Vale por oportuno repetir as palavras supra lançadas : "A lide dá-se em razão de um bem jurídico próprio da relação empregatícia, porém esta não reclama existência atual ou passada: pode ser futura." (Ministro João Oreste Dalazen in Competência Material Trabalhista, Ed. LTR, São Paulo, 1996)
Portanto, é de se concluir que a ação deverá ser julgada pelo judiciário laboral.
Dos limites da decisão liminar do STF – ADI 3395
Recentemente a Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE ajuizou ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal belicando o inciso I do art. 114, CF/88 e obteve liminar em seu favor (doc anexo ADI 3395).
Que não se alvitre, todavia, eventual afetação da competência neste feito diante da decisão tomada em liminar já que o objeto da Ação direta de Inconstitucionalidade é diverso.
Como se vê da petição inicial da ADI (que limita o pedido) e da decisão do Exmo Ministro Nelson Jobim, o que foi deferido foi a exclusão de qualquer interpretação que atribua a competência da Justiça Laboral para julgar causas entre a administração e seus servidores, entendidos os comissionados e os estatutários.
Manteve-se, portanto, vigente o comando constitucional determinando-se-lhe apenas uma interpretação conforme a constituição. Como a liminar não abrange o caso em tela não há porque argumentar que o decisum sirva para embasar eventual alteração da competência.
DA CAUTELAR INCIDENTE
Pretende o autor, após a manifestação do Ministério Público, provimento judicial de natureza tipicamente cautelar, qual seja, assegurar um resultado útil ao processo principal e dano de difícil reparação ao patrimônio público sem vislumbrar antecipação de mérito.
Nessas condições basta que se demonstre dois requisitos copiosamente repetidos desde os bancos acadêmicos: "periculum in mora" e "fumus boni iuris". Sabe também o autor que não pode nesta sede cautelar com seu pedido submeter a administração a maior perigo do que a hipótese de indeferimento (princípio do menor prejuízo)
Pois bem, é evidente que o serviço público não pode sofrer solução de descontinuidade e que o cancelamento in limine do contrato causaria esta indesejável ocorrência.
Não obstante, também não pode a sociedade ser vilipendiada nos seus direitos aguardando um procedimento quando o fumus boni iuris é tão latente. Refere-se o autor ao uso eleitoreiro dos cargos públicos. Vejamos:
A administração, sem descontinuar o serviço poderia muito bem trabalhar, embora irregularmente, com os funcionários que já estavam laborando sob a gestão anterior preservando-se com isto o STATUS QUO e minorando o dano (inclusive moral) a sociedade que repudia o uso eleitoreiro da máquina.
Em sede cautelar, o juiz vale-se do PODER GERAL DE CAUTELA que o autoriza a tomar quaisquer providencias no sentido de resguardar o direito.
O que pede o autor é que V. Exª firmando-se no poder geral de cautela, tome medidas capazes de impedir essa nomeação discricionária para obrigar o administrador a lançar mão dos recursos existentes no ano passado, qual seja, aquela mão de obra que, mal ou bem, já vinha trabalhando.
Em termos mais claros, pede o autor que autorize a contratação tão somente de pessoal que já tenha trabalhado ao INPP e gradualmente substitua-os pelos aprovados em concurso público.