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Ação civil pública para reparação de prédio tombado

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Petição inicial de ação civil pública proposta por entidade civil na qual se requer a restauração, conservação, preservação e proteção de importante patrimônio histórico do Estado do Rio Grande do Norte.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DE UMA DAS VARAS DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, A QUEM ESTA COUBE POR DISTRIBUIÇÃO LEGAL.

, entidade civil de direito privado sem fins lucrativos, legalmente constituída desde 11 de maio de 2001, neste ato representada por seu presidente, vem à presença de Vossa Excelência, por intermédio de seus advogados ut procuração em anexo (Doc. 01), propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

em desfavor da UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE, autarquia federal, com endereço nesta Capital à Av. Senador Salgado Filho, BR 101, S/N, Lagoa Nova, FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO, fundação estadual, com endereço nesta Capital à Rua Jundiaí, n.º 641, Petropólis, e ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, pessoa de direito público interno, que deverá ser citada na pessoa do Procurador-Geral do Estado, com endereço na Av. Afonso Pena, 1155 – Petrópolis, em face dos fatos e fundamentos a seguir descritos:


I. DA EXPLICITAÇÃO DO OBJETO

01. A presente ação tem por fim específico obter provimento jurisdicional que possibilite a restauração, conservação, preservação e proteção de importante patrimônio histórico do Estado do Rio Grande do Norte, o prédio da antiga Faculdade de Direito na Ribeira.


II. DA LEGITIMIDADE ATIVA

"Ter consciência nacional não é mais um privilégio de poucos no Brasil. Ao contrário, é significativo hoje o número de brasileiros que, individualmente ou organizados em entidades civis, têm consciência de que somente com sua participação e conseqüente comprometimento com as determinações advindas do poder público será possível transformar o Brasil num país justo social, política e economicamente". Arnaut, J. K. E. Caderno de Ensaios, nº 1, Memória e Educação. IBPC. Rio de Janeiro, 1992.

02.A entidade autora, qualificada no preâmbulo desta exordial, está legalmente legitimada para propor a presente ação civil pública, conforme se infere do art. 5º da Lei de Ação Civil Pública, alterada pelos arts. 110 a 117 do Código de Defesa do Consumidor.

03.Dispõe o art. 5º da Lei da Ação Civil Pública - LACP:

Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que:

l - esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil;

II - inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio-ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico." (Destacamos).

04.Como observa-se na certidão emitida pela Tabeliã do Segundo Ofício de Notas da cidade de Natal-RN (Doc.02), a entidade autora já se encontra registrada no Registro Civil de Pessoas Jurídicas há bem mais de um ano, cumprindo o requisito previsto no art. 5º, I da LACP, como também, encontra-se explícito no estatuto a finalidade institucional de buscar "proteger, por meio de atividades de todo o gênero, inclusive através de recomendações e ações judiciais, o direito ao patrimônio cultural, histórico, artístico e paisagístico protegido" (Doc. 03 – Art. 4º,VI do Estatuto Social), cumprindo o segundo requisito exigido pelo art. 5º, II da LACP.

05.Como se vê, a entidade qualificada no preâmbulo conquistou o status para a propositura de ação civil pública em defesa do patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

Aliás, foi a entidade autora que promoveu ação civil pública em defesa da Coluna Capitolina. Naquela ação, que tramitou perante a Justiça Comum Estadual, foi extraída decisão judicial que reconheceu o estado de lesão enfrentado pelo monumento e determinou sua restauração e adequada localização.

06. Presente, pois, o elemento da legitimidade ativa, de forma a atender às exigências processuais da condição da ação.


III. DA LEGITIMIDADE PASSIVA

07.A responsabilidade dos réus e sua posição figurando no pólo passivo da presente ação são também inquestionáveis

08."A legitimação passiva estende-se a todos os responsáveis pelas situações ou fatos ensejadores da ação, sejam pessoas físicas ou jurídicas, inclusive a Administração Pública, porque tanto esta como aquelas podem infringir normas de direito material protetoras dos interesses vitais da comunidade, expondo-se ao controle judicial de suas condutas", no dizer de Edis Milaré.

III.1. – DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO E DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE.

09.O patrimônio histórico objeto da presente ação encontra-se tombado pelo Estado do Rio Grande do Norte, conforme Decreto do Tombamento 11201 de 06/ 12/1991 publicado no DOE de 07/12/1991.

10.O Decreto Estadual n.º 8111, de 12 de março de 1981 que dispõe sobre a proteção do patrimônio histórico e artístico do Estado, e em seu art. 22, afirma que :

"Art. 22 – As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente da Fundação José Augusto, que poderá inspecioná-las, sempre que julgar conveniente, não podendo os proprietários ou responsáveis oporem-se à inspeção, sob pena de multa no quanto fixado na legislação federal." (Destacamos).

11.O Regimento Interno da Fundação José Augusto, publicada no DOE do dia 02 de fevereiro de 1980, em seu art. 2º, V, preceitua que :

"Art. 2º - A Fundação tem por finalidade promover o desenvolvimento sócio-cultural e científico do Estado, mediante colaboração com o Poder Público, competindo-lhe especialmente :

...

V – Promover a restauração, conservação e manutenção dos monumentos históricos e artísticos do Estado." (Destacamos).

12.Deste modo, fica evidente a legitimidade passiva da FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO, em razão de sua conduta omissiva consubstanciada no não exercício de seu poder de polícia, voltado à defesa dos bens tombados pelo Estado do Rio Grande do Norte. A legitimidade do Estado do Rio Grande do Norte é também indiscutível, haja vista o ato administrativo estadual de tombamento, que deu realce à sua competência, nos termos do inciso III do art. 23 da Constituição Federal.

13.Advirta-se desde já que a legitimidade passiva do Estado do Rio Grande do Norte não fica afastada em razão da cláusula 3ª do acordo celebrado nos autos do Processo n.º 2001.84.00.00001365-7, cuja decisão homologatória transitou em julgado em janeiro do ano corrente. Pela referida cláusula, a União e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte abdicaram "do direito de pleitear qualquer indenização decorrente da ocupação do prédio pelo Estado do Rio Grande do Norte." Na presente ação, a associação civil autora, que é parte estranha ao acordo celebrado nos autos da reivindicatória, busca ordem judicial para obrigar o Estado do Rio Grande do Norte a recuperar e proteger, em conjunto com outros entes, o patrimônio histórico representado pelo prédio. O fundamento do pedido nesta ação, assim, é a própria condição de bem integrante do patrimônio histórico, que fundamenta, por si só, em razão do interesse difuso subjacente, a tutela ora pretendida. Não se está buscando aqui "qualquer indenização decorrente da ocupação do prédio pelo Estado do Rio Grande do Norte", em razão do comodato tácito que vigorou até dezembro de 2002. Mesmo que não tivesse ocupado o prédio por vários anos, lá instalando a Secretaria de Segurança Pública, o Estado do Rio Grande do Norte ainda seria responsável pela defesa e proteção do bem integrante do patrimônio histórico.

III.2. – DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE.

14.O Decreto Estadual n.º 8111, de 12 de março de 1981, em seu art.19, afirma que os bens tombados serão mantidos sempre em bom estado por seus proprietários e possuidores, os quais deverão proceder, sem demora as reparações que se fizerem necessárias, após a autorização prévia da Fundação José Augusto.

15.O bem objeto da presente ação é de propriedade da UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (Doc. 04) e está sob sua posse direta desde dezembro último, em razão do acordo já mencionado. Inegável seu dever de proteção e vigilância do valioso bem que, aliás, foi negligenciado durante anos.


IV. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA JULGAR A MATÉRIA

16.A Constituição Federal, em seu art. 109, I, é cristalina ao estabelecer a competência dos juízes federais para processar e julgar as lides em que a União, empresas públicas ou autarquias atuem na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes.

17. Por outro lado, o § 2º do sobredito dispositivo constitucional estabelece que:

"As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal".

18. Em idêntico diapasão, o art. 2º da lei 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública), define a competência do foro onde ocorrer o dano.

19. Deste modo, considerando que o bem tombado encontra-se inserido no âmbito jurisdicional desta circunscrição e que se encontra no pólo passivo autarquia federal, competente se torna esse juízo federal para conhecimento e julgamento da presente lide.


V – DO ATO DE TOMBAMENTO

20.Lúcia Valle Figueiredo afirma que tombamento é o " ato administrativo, por meio do qual a Administração Pública manifesta sua vontade de preservar determinado bem".

21.Flávio Queiroz Bezerra Cavalcanti define tombamento como sendo "o ato pelo qual o Poder Público declara o valor especial de coisa ou lugar e a necessidade de sua preservação", valor este que deve ser histórico, paisagístico, científico, cultural, artístico, turístico ou ambiental, face à sociedade governada pela entidade estatal tombadora.

22.Maria Zanella Di Pietro declara que "o tombamento é a modalidade de intervenção do Estado na propriedade privada, que tem por objetivo a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, assim considerado, pela legislação ordinária", e que se instrumentaliza enquanto "procedimento administrativo pelo qual o Poder Público sujeita a restrições parciais os bens de qualquer natureza cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da história ou por seu excepcional valor arqueológico ou etnológico, bibliográfico ou artístico". Segundo ela, trata-se de um procedimento administrativo por se tratar de uma sucessão de atos preparatórios essenciais à validade do ato final, que é a inscrição no Livro do Tombo.

23.O mestre Hely Lopes Meirelles menciona que "tombamento é a declaração pelo Poder Público do valor histórico, artístico, paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por essa razão, devam ser preservados, de acordo com a inscrição em livro próprio".

24.Deste modo, observa-se que o Poder Público ao realizar tal ato administrativo passa a ser tão responsável pela conservação e reparação do bem quanto o proprietário. Decorre desta circunstância as responsabilidades do Estado do Rio Grande do Norte, da Fundação José Augusto e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.


VI. DA IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DO PATRIMÔNIO E DA ANÁLISE TÉCNICO-HISTÓRICA DO BEM.

25.A importância histórica do prédio foi magistralmente denunciada no Processo de Tombamento 02/90 pela arquiteta Jeanne Fonseca Leite Nesi (CREA 2242-D-RN), que culminou com a edição do Decreto do Tombamento 11201 de 06/ 12/1991 publicado no DOE de 07/12/1991. Por não podermos dizer com maior competência, segue na íntegra a expressão da estudiosa:

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"ANTIGO PRÉDIO DO GRUPO ESCOLAR AUGUSTO SEVERO

HISTÓRICO

O prédio foi construído em um momento de verdadeira revolução ocorrida nos métodos educacionais. O então Governador Alberto Maranhão, pelo Decreto de 29 de abril de 1908, reformou a instituição primária, inspirado na concepção sonhada pelo Senador Pedro Velho. Nascia então a Escola Normal, os grupos escolares (nas escolas municipais) e as escolas mistas. Estabeleciam-se métodos e renovava-se o ambiente educacional.

O Grupo Escolar Augusto Severo foi o primeiro construído no Estado, dentro do novo modelo educacional preconizado. Sua inauguração data de 12 de junho de 1908. O ato inaugural foi assistido pelo Governador Alberto Maranhão, altas autoridades, representantes do Ateneu Norte-Riograndense e da Escola Normal, além de diversas famílias da sociedade natalense.

Pelo Decreto 198, de 10 de maio de 1909, o Grupo Escolar Augusto Severo foi convertido em Escola-Modelo. Em 02 de janeiro de 1911, foi instalado no mesmo prédio a Escola Normal. Em 1914 surgia a Escola Isolada Noturna, todos eles funcionando naquele prédio que assim se desdobrava para servir à educação da juventude.

Em 1952, o antigo prédio do Ateneu Norte Riograndense foi desativado, passando aquele tradicional estabelecimento de ensino a funcionar no Grupo Escolar Augusto Severo, até 1954, ano em que foi inaugurada a nova sede daquele Ateneu, na Avenida Campos Sales, à época do Governador Sylvio Pedrosa.

No dia 21 de abril de 1956, a Faculdade de Direito de Natal, instalada há pouco mais de um ano em uma sala do Ateneu, transferiu-se para o prédio que abrigava o Grupo Escolar Augusto Severo. A faculdade lá permaneceu até a sua transformação em Curso de Direito, em 1974, quando ocorreu sua transferência para o Campus Universitário.

No dia 04 de setembro de 1973, o professor Edgar Ferreira Barbosa, sob intensa emoção, proferiu "Aula da Saudade", abordando o tema "Navegar é preciso". O professor concluiu a sua aula com a frase :

"Iremos na melhor companhia, todos numa esquadra idealista e compreensiva, levando nossa ajuda leal e consciente, pois navegar é necessário. Muito embora o velho porto não nos saia da memória

E repetiu um poema de Manoel Bandeira :

‘Vão demolir esta casa

Mas meu quarto vai ficar

Não como forma imperfeita

Neste mundo de aparências,

Vai ficar na eternidade

Com seus livros, com seus quadros,

Intacto, suspenso no ar !’"

26.A relevância do bem não é apenas histórica. A importância arquitetônica do prédio foi realçada pela mesma profissional nos seguintes termos, in verbis:

"ANÁLISE TÉCNICA

O antigo prédio do Grupo Escolar Augusto Severo foi construído nos primeiros anos do século atual [século passado], na Praça Augusto Severo, 261, no bairro da Ribeira.

Foi projetada pelo arquiteto Herculano Ramos, renovador da construção oficial, o mesmo que, em 1910, reformaria o Teatro Carlos Gomes (Hoje, Alberto maranhão).

Edifício de relevante interesse arquitetônico, desenvolvido em um único pavimento. O antigo Grupo Escolar, ostenta uma fachada rebuscada de composição simétrica. Possui corpo central, com pórtico de entrada enquadrado por pilastras, valorizado por escadaria de acesso e ladeado por duas janelas. Exibe um frontão triangular, platibanda com ornatos e cornija em massa, arrematada por elementos de metal, jarras, águias e estátua.

Por se tratar de um marco na reforma da instrução primária no Rio Grande do Norte, pelo seu valor histórico, pela sua importância para a Cidade e sobretudo, pela imponência de sua construção, somos favoráveis ao seu tombamento."

27.Não há dúvida de que se trata de um prédio de relevante valor arquitetônico e histórico, que resistiu ao tempo e que deve ser preservado.


VII. DA SITUAÇÃO ATUAL DO BEM

28.Em que pese o imóvel ter sido tombado, por constituir-se inestimável monumento arquitetônico e histórico do nosso Estado, encontra-se atualmente em deplorável abandono e seu estado de conservação enseja sérios cuidados.

29.O referido prédio agoniza no local em que se encontra hoje, demonstrando elevado grau de deterioração. Porém, não há testemunho mais contundente do abandono do prédio da antiga Faculdade de Direito de Natal do que a própria constatação visual de qualquer um que transite em frente ao mesmo.

30.As fotografias em anexo demonstram com elevado grau de nitidez a atual situação de descaso e abandono do prédio. (Doc. 08 / 20) [fotos tiradas no dia 12/09/2003, em inspeção local].

31.Pelos anexos fotográficos, é possível constatar os seguintes danos:

a - janelas e portas quebradas;

b-vandalismo, dilapidação, furtos (do corrimão e de outras peças nobres, inclusive piso de mármore) e invasões;

c-descaracterização de sua constituição original;

d-arrombamentos das grades e depósito de excrementos humanos;

e-comprometimento de suas instalações elétricas e hidráulicas

f-paredes e lajes sofrendo os efeitos das infiltrações produzidas pelas chuvas

g-inescrupulosos "retoques" e "alterações" que agridem a estética de suas fachadas originais;

h-acúmulo de lixo e de folhas secas, expondo o bem a devastador incêndio;

i-notória presença de cupins e insetos que colocam a estrutura sob risco;

j-absoluta falta de segurança e vigilância, expondo o prédio a ataques cotidianos e contínuos.

32.Paulo Affonso Leme Machado lembra que o texto constitucional "não deixa ao alvedrio do órgão público exigir ou não a reconstituição do ambiente. É dever jurídico do órgão público exigir a recuperação." Contudo, não havendo qualquer preocupação por parte dos órgãos e pessoas de direito público competentes quanto ao implemento da política de recuperação do prédio, resta à associação a via judicial.

33.Diante do assombroso abandono e sério risco enfrentado por tão valioso bem cultural, é premente ordem judicial inibitória do estado de risco e determinadora de ações positivas para recuperação do prédio, a fim de evitar danos irreparáveis que poderão advir com a inércia dos réus.


VIII – DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

34. Reza o art. 23 da Constituição Federal - CF de 1988:

"Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

...

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural ".(Destacamos)

35.No mesmo diapasão, preceitua o art. 216 da CF:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

...

V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontólogico, ecológico e científico.." (Destacamos)

36. Vê-se, às claras, que é um dos pilares do direito constitucional brasileiro é a preservação do patrimônio histórico-cultural, imodificável e especialmente tutelado.

37. Hely Lopes Meirelles afirma que : "A Constituição Federal de 1988 fiel à orientação histórico-cultural dos povos civilizados, estendeu o amparo do Poder Público a todos os bens que merecem ser preservados e atribuiu a todas as entidades estatais o dever de preservá-los, para recreação, estudo e conhecimento dos feitos de nossos antepassados".

38. A defesa do patrimônio cultural está relacionada não só com a preservação do meio físico e de bens materiais, como os monumentos ou os conjuntos de edificações de valor artístico, histórico, turístico e paisagístico, como ainda com a preservação da memória social e antropológica do homem.

39.Por essa razão é que, muitas vezes, a proteção dispensada a um determinado bem material, móvel ou imóvel, visa menos a coisa em si mesma considerada e mais a sua característica de marco portador de referência a fatos e acontecimentos históricos ou à memória ou identidade de grupos sociais, este sim de valor cultural a ser preservado como bem imaterial.

40. Como já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP – Ap. Cív.151.028-1), a respeito da preservação da "Casa do Matadouro", situada no município de Capivari, em acórdão relatado pelo eminente Desembargador Alves Braga :

"Não se pode dizer que a modesta morada, pelas suas características, tenha valor artístico, estético, turístico ou paisagístico. Mas em um País sem memória, em que nada do passado se preserva, invadido pela volúpia imobiliária, pelo lucro fácil, pelo populismo, não há que se negar que a modesta casa é registro vivo da memória da heráldica cidade de Capivari (...).

No Velho Mundo nada se destrói. As cidades crescem, sem destruir o passado. Preserva-se o antigo e constrói-se o moderno, que convivem em perfeita harmonia, realçando seu contraste, sem embargo da falta de espaço para a expansão da cidade. Aqui acontece o inverso. Sobra espaço, mas as cidades são desfiguradas com as demolições de marcos da nossa história para dar lugar aos modernos edifícios e ao lucro imobiliário (...).

...

É dever do Poder Público preservar e não destruir a história das cidades. Em nome do progresso tudo tem sido destruído e as cidades paulistas perderam suas origens e foram completamente desfiguradas, pouco restando do seu passado.

Povo sem memória é povo sem história. Povo sem história é povo sem alma"

VIII.2 – DOS TRATADOS INTERNACIONAIS

41.Tendo em vista que a degradação ou o desaparecimento de um bem do patrimônio cultural e natural constitui um empobrecimento nefasto do patrimônio de todos os povos do mundo e considerando que os bens do patrimônio cultural e natural apresentam um interesse excepcional e, portanto, devem ser preservados como elementos do patrimônio mundial da humanidade inteira, o Brasil ratificou a Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial, Cutural e Natural, aprovada pela Conferência Geral da UNESCO em sua décima sétima reunião em Paris no dia 16 de novembro de 1972 :

"Artigo 1º - Para os fins da presente convenção serão considerados como patrimônio cultural:

- os monumentos: obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos ou estruturas de natureza arqueológica, inscrições, cavernas e grupos de elementos que tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;

- os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas que, em virtude de sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem, tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;

- os lugares notáveis: obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, bem como as zonas, inclusive lugares arqueológicos, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.

...

Artigo 4º - Cada um dos Estados partes na presente convenção reconhece que a obrigação de identificar, proteger, conservar, valorizar e transmitir às futuras gerações o patrimônio cultural e natural mencionado nos artigos 1 e 2, situado em seu território, lhe incumbe primordialmente. Procurará tudo fazer para esse fim, utilizando ao máximo seus recursos disponíveis, e, quando for o caso, mediante a assistência e cooperação internacional de que possa beneficiar-se, notadamente nos planos financeiro, artístico, científico e técnico."

42.A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO, reunida em Nairobi, de 26 de outubro a 30 de novembro de 1976, em sua décima nona sessão, aprovou recomendação aos estados membros relativo à salvaguarda dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea.

"Dever-se-ia considerar que os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência constituem um patrimônio universal insubstituível. Sua salvaguarda e integração na vida coletiva de nossa época deveriam ser uma obrigação para os governos e para os cidadão dos Estados em cujo território se encontram. Deveriam ser responsáveis por isso, no interesse de todos os cidadãos e da comunidade internacional, as autoridades nacionais, regionais ou locais, segundo as condições próprias de cada Estado Membro em matéria de distribuição de poderes.

Cada conjunto histórico ou tradicional e sua ambiência deveria ser considerado em sua globalidade, como um todo coerente cujo equilíbrio e caráter específico dependem da síntese dos elementos que o compõem e que compreendem tanto as atividades humanas como as construções, a estrutura espacial e as zonas circundantes. Dessa maneira, todos os elementos válidos, incluídas as atividades humanas, desde as mais modestas, têm, em relação ao conjunto, uma significação que é preciso respeitar.

Os conjuntos históricos ou tradicionais e sua ambiência deveriam ser protegidos ativamente contra quaisquer deteriorações, particularmente as que resultam de uma utilização imprópria, de acréscimos supérfluos e de transformações abusivas ou desprovidas de sensibilidade que atentam contra sua autenticidade, assim como as provocadas por qualquer forma de poluição. Todos os trabalhos de restauração a serem empreendidos deveriam basear-se em princípios científicos. Do mesmo modo, uma grande atenção deveria ser dispensada à harmonia e à emoção estética que resultam da conexão ou do contraste dos diferentes elementos que compõem os conjuntos e que dão a cada um deles seu caráter particular.

Nas condições da urbanização moderna, que produz um aumento considerável na escala e na densidade das construções, ao perigo da destruição direta dos conjuntos históricos ou tradicionais se agrega o perigo real de que os novos conjuntos destruam indiretamente a ambiência e o caráter dos conjuntos históricos adjacentes. Os arquitetos e urbanistas deveriam empenhar-se para que a visão dos monumentos e conjuntos históricos, ou a visão que a partir deles se obtém, não se deteriore e para que esses conjuntos se integrem harmoniosamente na vida contemporânea.

Numa época em que a crescente universalidade das técnicas construtivas e das formas arquitetônicas apresentam o risco de provocar uma uniformização dos assentamentos humanos no mundo inteiro, a salvaguarda dos conjuntos históricos ou tradicionais pode contribuir extraordinariamente para a manutenção e o desenvolvimento dos valores culturais e sociais peculiares de cada nação e para o enriquecimento arquitetônico do patrimônio cultural mundial."

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Sobre o autor
Emanuel Dhayan Bezerra de Almeida

Advogado. Mestre em Direito/ Unisinos-RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Emanuel Dhayan Bezerra. Ação civil pública para reparação de prédio tombado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1698, 24 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16836. Acesso em: 22 dez. 2024.

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