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Recurso ordinário em habeas corpus.

Conduta abstrata não fundamenta prisão preventiva

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11/07/2008 às 00:00
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Réu preso preventivamente por crime de roubo em concurso de pessoas recorre da denegação de habeas corpus, alegando a inexistência de seus pressupostos autorizadores.

EXCELENTÍSSIMO (A) DOUTOR (A) DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS.

....., brasileiro, solteiro, serígrafo, inscrito no CPF sob número. .., RG número. ..-SSP/GO, residente e domiciliado na Rua. .., por seu advogado abaixo subscritor, o qual tem domicílio profissional na Avenida. .., onde recebe avisos e intimações, nos autos do Habeas Corpus em epígrafe, que impetrou contra a decisão proferida pelo MM. Juiz da 1ª Vara Criminal da Comarca de Aparecida de Goiânia/GO, inconformado com o v. Acórdão da 1ª Câmara Criminal, prolatado às fls., o qual denegou a ordem, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar

RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM HABEAS CORPUS

com fundamento no Art. 105, II, a, da Constituição Federal e Art. 30 e 32 da Lei nº 8.038/90, requerendo, desde já, o seu regular processamento e remessa ao Egrégio Superior Tribunal de Justiça.

Ademais, para os devidos fins de direito, o Recorrente aduz que não pode arcar com o pagamento das custas e honorários advocatícios, razão pela qual requer sejam concedidos os benefícios da gratuidade judiciária.

Termos em que,

Pede deferimento

Goiânia 22 de junho de 2008.

LUIZ CESAR B. LOPES

OAB/DF 24.814


RAZÕES DE RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL

PACIENTE: FULANO DE TAL

Habeas Corpus nº. ..

Egrégio Superior Tribunal de Justiça,

Colenda Turma,

Ínclitos Julgadores,

Douto Procurador da República.

Em que pese o prestígio do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás e o conhecimento e parcimônia dos integrantes da colenda 1ª Câmara Criminal daquele Tribunal, o acórdão proferido pela referida Câmara Criminal, a qual, por maioria, denegou o pedido de Habeas Corpus impetrado em favor do Paciente, não pode prosperar, pelas razões abaixo aduzidas.


I – DOS FATOS

O Recorrente encontra-se recolhido desde o dia 12.04.2008 em razão de prisão em flagrante delito por ter, supostamente, praticado a conduta tipificada pelo Art. 157 do Código Penal.

O Recorrente, jovem, primário e de bons antecedentes, com residência fixa, uma vez que mora e sempre morou com os pais,(documentos em anexo), tendo exercido e exercendo atualmente a profissão de serígrafo, conforme consta da cópia da Carteira de Trabalho, tendo iniciado a sua vida laboral desde os primórdios da adolescência, uma vez que consciente dos benefícios que o trabalho traz, não só para si, mas para toda a família e sociedade, encontra-se enclausurado na Casa de Prisão Provisória.

Tendo em vista a ausência dos requisitos legais para a manutenção do Paciente no encarceramento estatal, o Paciente, por meio do pedido de liberdade provisória distribuído à 1ª Vara Criminal da Comarca de Aparecida de Goiânia sob nº. .., rogou ao MM. Juiz que lhe fosse concedida a possibilidade de responder ao processo em liberdade, tendo discorrido, no referido petitório, sobre os veementes fundamentos de fato e de direito suficientes para a concessão da liberdade processual.

Entretanto, o eminente Juiz da 1ª Vara Criminal da Comarca de Aparecida de Goiânia/GO, entendeu por bem negar o pedido de liberdade provisória, invocando, para tanto, as razões exteriorizadas pelo Ilustre membro do Ministério Público, sendo que, tanto o parecer do parquet quanto a decisão que denegou o pedido de liberdade provisória, não indicaram elementos concretos aptos a justificar a custódia preventiva do Paciente, cabendo ressaltar que a dúvida esteve presente nos fundamentos da referida decisão, pois assim afirmou o Ilustre Julgador:

´´(...)

´´ademais, não se pode afirmar, com certeza, que o requerente não vá atentar contra a ordem pública ou dificultar a instrução da lei penal´´.

Dessa forma, restou evidente que a decisão que negou o pedido de liberdade provisória careceu, além de fundamentos concretos, do mínimo de juízo de certeza, uma vez que o próprio magistrado externou a incerteza quanto ao preenchimento dos requisitos legais para a decretação da preventiva.

Diante da decisão do respeitável julgador singular, a qual se mostrou, indiscutivelmente, teratológica, desproporcional e carecedora de razoabilidade, o Recorrente buscou garantir o direito fundamental do Paciente junto ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, sendo que o Habeas Corpus com pedido de liminar foi distribuído à Desembargadora Juraci Costa, ora Autoridade Coatora, integrante da 1º Câmara Criminal do referido tribunal.

Entretanto, não obstante a flagrante ilegalidade da decisão denegatória do pedido libertatório, a colenda 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás entendeu por bem denegar a ordem de habeas corpus, cabendo ressaltar que referida decisão se deu por maioria de votos, ou seja, por três votos a dois.

Insta salientar que o brilhante voto do Relator e o substancioso parecer do ilustre Procurador de Justiça se deram no sentido de conceder a ordem, ou seja, vislumbraram a apontada ilegalidade no ato da autoridade coatora, a qual impede o Recorrente de responder o processo em liberdade, como se a prisão preventiva fosse regra e a liberdade uma exceção, invertendo as ordens postas e dispostas constitucionalmente.

Entretanto, não obstante a parcimônia e a incontestável argumentação jurídico-constitucional abstraída do brilhante voto do Dr. Marcelo Fleury Curado Dias, relator em substituição, e do parecer do Ilustre Dr. Altamir Rodrigues Vieira Junior, Procurador de Justiça, o eminente Desembargador Jamil Pereira de Macedo entendeu por bem divergir do voto do relator e, assim, conduzir a divergência.

Dessa forma, assim restou ementado o acórdão que veio a prolongar a prisão maculada pela ilegalidade:

´´EMENTA: HABEAS CORPUS, ROUBO QUALIFICADO CONCURSO DE PESSOAS E EMPREGO DE ARMA. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ILEGALIDADE NÃO CARACTERIZADA. O delito de roubo qualificado pelo concurso de pessoas e pelo emprego de arma de fogo já denota a periculosidade do paciente, causando intranqüilidade e temor na sociedade que anseia por tomada de medidas por parte do Poder Judiciário. O preenchimento dos requisitos subjetivos, ou seja, primariedade, bons antecedentes criminais, residência fixa e trabalho lícito, por si só, não elidem a necessidade de cautela preventiva. ORDEM DENEGADA POR MAIORIA.

Assim, foi com base em qualificadoras do crime pelo qual o Recorrente foi denunciado e ilações acerca da periculosidade do mesmo que a maioria dos Desembargadores integrantes da 1ª Câmara Criminal denegaram a ordem pleiteada no remédio constitucional.


II.I – DO DIREITO

´´Art. 5º. (...)

.........................................................................

LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.´´

A ilegalidade da manutenção do Recorrente nas clausuras do Estado se exteriorizou, inicialmente, quando o próprio julgador singular decretou a prisão preventiva utilizando-se do argumento ´´genérico´´ da necessidade de se garantir a ordem pública e a conveniência da instrução criminal, tendo, posteriormente, COLOCADO EM XEQUE O PRÓPRIO ARGUMENTO, UMA VEZ QUE ASSIM DISPÔS:

´´(...)

´´ademais, não se pode afirmar, com certeza, que o requerente não vá atentar contra a ordem pública ou dificultar a instrução da lei penal´´.

Ora! Se não se pode afirmar, com certeza, que o Recorrente não vá atentar contra a ordem pública ou dificultar a instrução da lei penal, muito menos se pode presumir que ele vá atentar contra a ordem pública ou dificultar a instrução da lei penal, pois há nos autos documentos que comprovam a primariedade, os bons antecedentes, o exercício de uma atividade lícita e a residência fixa, o que é suficiente para se afastar qualquer tipo de presunção prejudicial ao Paciente.

A própria dúvida do magistrado quanto ao preenchimento dos requisitos necessários para a decretação da prisão preventiva é, por si só, suficiente para se concluir acerca da teratologia e carência de razoabilidade do decisum denegatório do pedido de liberdade provisória.

Ademais, o ilustre julgador apegou-se demasiada e exclusivamente na gravidade do crime pelo qual responde o Recorrente para negar o pedido de liberdade provisória, chancelando, assim, a ilegalidade do constrangimento por que passa o Paciente. No sentido do que até aqui fora exposto, vejamos o entendimento do Eg. Superior Tribunal de Justiça, o qual assim ementou:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ROUBO. PLEITO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO FUNDAMENTADO APENAS NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. AFASTAMENTO DA INCIDÊNCIA DA SÚMULA 691 DO STF.

1. Não se admite habeas corpus contra decisão proferida pelo relator da impetração na instância de origem, excetuados os casos de indeferimento de pedido liminar em decisão inquestionavelmente teratológica, despida de qualquer razoabilidade, como se verifica na hipótese.

2. A prisão cautelar, para ser mantida ou decretada, deve atender aos requisitos autorizativos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, os quais deverão ser demonstrados com o cotejo de elementos reais e concretos que indiquem a necessidade da segregação provisória.

3. Ordem concedida para assegurar ao Paciente o benefício da liberdade provisória, determinando, por conseqüência, a expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso.

(HC 86.415/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 21.02.2008, DJ 17.03.2008 p. 1). (grifou-se).

Dessa feita, diante do princípio da presunção de inocência, a dúvida acerca da existência de fundamentos hábeis para a decretação da prisão cautelar deve ser convertida em favor do Réu, uma vez que o referido princípio se exterioriza pela aplicação de sua vertente, qual seja, do in dubio pro reo.

É fácil constatar que a decisão exarada pelo julgador singular careceu de fundamentos concretos e pautou-se na generalidade para fins de manter o Paciente cumprindo a excepcionalíssima prisão processual.

De outro modo, insta salientar que o Recorrente apresenta, integralmente, as condições pessoais que favorecem a concessão da liberdade provisória, pois, além de ter residência fixa, ser primário e ter bons antecedentes, o Recorrente encontrava-se exercendo atividade lícita de serígrafo, inclusive com carteira assinada, percebendo uma remuneração mensal de R$ 600,00 (seiscentos reais).

Diante das condições pessoais do Recorrente, é razoável inferir que o mesmo possa oferecer risco à ordem pública ou/e à conveniência da aplicação da lei penal? Para se responder a presente indagação, pede-se venia para transcrever ementa do Eg. STJ, in litteris:

HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. PRISÃO PREVENTIVA.

SENTENÇA CONDENATÓRIA. NEGATIVA DE APELAR EM LIBERDADE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. ILEGALIDADE. ART. 93, INCISO IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. Conquanto se admita a decretação da prisão provisória como efeito jurídico da sentença condenatória, tal providência condiciona-se, para ser considerada válida, ainda nos casos de mera manutenção da custódia cautelar, à devida fundamentação que justifique a necessidade da cautela. Inteligência do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.

2. In casu, em se verificando que a custódia cautelar decretada não se baseia em nenhum fato concreto, uma vez que fundamentada apenas na gravidade abstrata do delito, é de ser reputada inaceitável, mormente diante das condições pessoais favoráveis do acusado: primário, de bons antecedentes.

3. O simples fato de cuidar-se de crime insuscetível de liberdade provisória não constitui razão bastante para fundamentar o decreto prisional. Precedentes.

4. Ordem concedida para revogar a prisão cautelar, deferindo ao Paciente o direito de aguardar em liberdade o julgamento da apelação, com a conseqüente expedição do alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de eventual decretação de custódia cautelar, devidamente fundamentada.

(HC 86.234/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 08.11.2007, DJ 03.12.2007 p. 347). (grifou-se).

Ademais, a ilegalidade consubstanciada no acórdão guerreado é flagrante, uma vez que em nenhum momento restou comprovado nos autos ter o Recorrente utilizado qualquer tipo de arma para praticar atos de violência ou grave ameaça contra pessoas, mas, pelo contrário, resta devidamente comprovado nos autos, por meio dos termos de interrogatórios das vítimas e testemunhas, que o Recorrente não estava armado e que em nenhum momento foi violento ou ameaçou qualquer pessoa, fatos estes hábeis a demonstrar a flagrante ânsia de alguns julgadores que buscam aplicar o que podemos denominar de ´´DIREITO PENAL DO INIMIGO´´, onde se deixa de lado a necessidade de verificação da culpabilidade e individualização de condutas para o mero apego formal ao tipo penal.

Ora, basta uma análise superficial dos autos para se constatar que o Recorrente não estava armado e, também, que não foi violento ou ameaçou pessoas, fatos estes que colocam e xeque os argumentos constantes do acórdão guerreado.

Excelências, esse Eg. Superior Tribunal de Justiça já reconheceu, em inúmeras decisões, a ilegalidade de prisões processuais decretadas, simplesmente, em decorrência da gravidade do tipo penal, o que corrobora a flagrante ilegalidade do acórdão guerreado, onde constou trecho assim ementado: ´´O delito de roubo qualificado pelo concurso de pessoas e pelo emprego de arma de fogo já denota a periculosidade do paciente, causando intranqüilidade e temor na sociedade que anseia por tomada de medidas por parte do Poder Judiciário

Assusta e causa perplexidade saber que a aplicação do ´´Direito Penal do Inimigo´´ restou evidente no acórdão objeto do presente recurso. Como pode o concurso de pessoas e o uso de arma ser utilizado como paradigma para o enclausuramento preventivo de uma pessoa e essas circunstâncias já são agravantes do tipo penal??

Assim, além da ilegalidade e arbitrariedade, resta evidente o bis in idem no caso em questão, posto que as circunstâncias agravantes só deveriam ser consideradas quando da prolação da sentença, após o contraditório, o que não ocorreu, posto que foram utilizadas antecipadamente para fins de se presumir uma periculosidade que, de fato, inexiste.

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A presunção da periculosidade em decorrência das circunstâncias agravantes do tipo penal não encontra respaldo no ordenamento jurídico e se consubstancia numa verdadeira arbitrariedade, uma vez que inova nos requisitos constantes do Art. 312 do CPP, sendo que, se a vontade do legislador fosse a de dificultar ou, até mesmo, impossibilitar a concessão de liberdade provisória em decorrência da presença de circunstâncias agravantes, teria feito constar essa possibilidade no texto legal.

Ademais, os julgadores que se sagraram vencedores quanto à denegação do pleito libertatório, inerente a um direito tão salutar ao ser humano, fundamentaram a negativa em fatos que inexistem nos autos, uma vez que resta evidente e amplamente demonstrado que o Recorrente não estava armado e não foi violento ou ameaçou gravemente qualquer pessoa que seja.

Não é necessário se proceder com uma análise profunda do acórdão guerreado para se concluir acerca da evidente aplicação do que pode-se denominar de ´´DIREITO PENAL DO INIMIGO´´, o qual tem por características: (a) o inimigo não pode ser punido com pena, sim, com medida de segurança; (b) não deve ser punido de acordo com sua culpabilidade, senão consoante sua periculosidade; (c) as medidas contra o inimigo não olham prioritariamente o passado (o que ele fez), sim, o futuro (o que ele representa de perigo futuro); (d) não é um Direito Penal retrospectivo, sim, prospectivo; (e) o inimigo não é um sujeito de direito, sim, objeto de coação; (f) o cidadão, mesmo depois de delinqüir, continua com o status de pessoa; já o inimigo perde esse status (importante só sua periculosidade); (g) o Direito Penal do cidadão mantém a vigência da norma; o Direito Penal do inimigo combate preponderantemente perigos; (h) o Direito Penal do inimigo deve adiantar o âmbito de proteção da norma (antecipação da tutela penal), para alcançar os atos preparatórios; (i) mesmo que a pena seja intensa (e desproporcional), ainda assim, justifica-se a antecipação da proteção penal; (j) quanto ao cidadão (autor de um homicídio ocasional), espera-se que ele exteriorize um fato para que incida a reação (que vem confirmar a vigência da norma); em relação ao inimigo (terrorista, por exemplo), deve ser interceptado prontamente, no estágio prévio, em razão de sua periculosidade.´´

Entretanto, felizmente, não há espaço para a aplicação do referido ´´direito penal do inimigo´´ uma vez que o Direito Penal Brasileiro está, estritamente, vinculado à Constituição Federal, onde é prevalecente as garantias penais e processuais. Nesse sentido, insta transcrever reação do mestre Zaffaroni, o qual, em conferência pronunciada na sede do IELF em São Paulo, no dia 14 de agosto de 2004, asseverou: (a) para dominar, o poder dominante tem que ter estrutura e ser detentor do poder punitivo; (b) quando o poder não conta com limites, transforma-se em estado de polícia (que se opõe, claro, ao estado de direito); (c) o sistema penal, para que seja exercido permanentemente, sempre está procurando um inimigo (o poder político é o poder de defesa contra os inimigos); (d) o Estado, num determinado momento, passou a dizer que vítima era ele (com isso neutralizou a verdadeira vítima do delito); (e) seus primeiros inimigos foram os hereges, os feiticeiros, os curandeiros etc.; (f) em nome de Cristo começaram a queimar os inimigos; (g) para inventar uma "cruzada" penal ou uma "guerra" deve-se antes inventar um inimigo (Bush antes de inventar a guerra contra o Iraque inventou um inimigo: Sadam Hussein); (h) quando a burguesia chega ao poder adota o racismo como novo Satã; (i) conta para isso com apoio da ciência médica (Lombroso, sobretudo); (j) o criminoso é um ser inferior, um animal selvagem, pouco evoluído; (l) durante a Revolução Industrial não desaparece (ao contrário, incrementa-se) a divisão de classes: riqueza e miséria continuam tendo que onviver necessariamente; (m) para se controlar os pobres e miseráveis cria-se uma nova instituição: a polícia (que nasceu, como se vê, para controlar os miseráveis e seus delitos); inimigo (do estado de polícia) desde essa época é o marginalizado; (n) na Idade Média o processo era secreto e o suplício do condenado era público; a partir da Revolução Francesa público é o processo, o castigo passa a ser secreto; (o) no princípio do século XX a fonte do inimigo passa a ser a degeneração da raça; (p) nascem nesse período vários movimentos autoritários (nazismo, fascismo etc.); (q) o nazismo exerceu seu poder sem leis justas (criaram, portanto, um sistema penal paralelo); (r) no final do século XX o centro do poder se consolida nas mãos dos EUA, sobretudo a partir da Queda do Muro de Berlim; o inimigo nesse período foi o comunismo e o comunista; isso ficou patente nas várias doutrinas de segurança nacional; (s) até 1980 os EUA contava com estatísticas penais e penitenciárias iguais às de outros países; (t) com Reagan começa a indústria da prisionização; (u) hoje os EUA contam com cerca de 5 milhões e 300 mil presos; seis milhões de pessoas estão trabalhando no sistema penitenciário americano; isso significa que pelo menos dezoito milhões de pessoas vivem às custas desse sistema; com isso o índice de desemprego foi reduzido. E como os EUA podem sustentar todo esse aparato prisional? Eles contam com a "máquina de rodar dólares"; os países da América Latina não podem fazer a mesma coisa que os EUA: não possuem a máquina de fazer dólares; (v) o Direito Penal na atualidade é puro discurso, é promocional e emocional: fundamental sempre é projetar a dor da vítima (especialmente nos canais de TV); (x) das TVs é preciso "sair sangue" (com anúncios de guerras, mortos, cadáveres etc.); (z) difunde-se o terror e o terrorista passa a ser o novo inimigo; (aa) a população está aterrorizada; a difusão do medo é fundamental para o exercício do poder punitivo; (bb) o Direito Penal surge como solução para aniquilar o inimigo; (cc) o político apresenta o Direito Penal como o primeiro remédio para isso; (dd) o Direito Penal tornou-se um produto de mercado; (ee) o Direito Penal na atualidade não tem discurso acadêmico, é puro discurso publicitário, é pura propaganda; é a mídia que domina o Estado, não o Estado que se sobrepõe a ela; (ff) os juízes estão apavorados; juiz garantista tem de enfrentar a mídia.

Insta salientar que o Recorrente responde pelo cometimento de um crime em concurso de pessoas, sendo que, neste caso, para análise da periculosidade dos agentes, é estritamente necessário o desmembramento das condutas, ou seja, é necessário se levar a consideração a culpabilidade individual dos agentes, conforme consta do Art. 29 do Código Penal, in litteris:

´´Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. ´´

A maioria dos Desembargadores do Eg. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás atropelou os princípios da inocência, culpabilidade e da individualização da pena para fins de criar uma nova modalidade de cabimento da decretação de prisão preventiva, haja vista que denegaram a ordem de habeas corpus sob fundamento da necessidade do encarceramento diante da gravidade do delito.

A presunção acerca da periculosidade do Recorrente originou-se das seguintes elementares e circunstâncias: a) emprego de arma; b) grave ameaça; c) concurso de pessoas. Entretanto, carece de idoneidade e fundamentação o decreto de prisão preventiva que utiliza das elementares do tipo penal e, ainda, das causas de aumento de pena, sendo que a carência de fundamentos consistentes amparados pelo Art. 312 do CPP demonstra a inexistência de elementos concretos necessários para a decretação da prisão preventiva.

É incontestável o fato de ter o Tribunal de Justiça mantido o ato inquinado de ilegal constrangedor do direito à liberdade e, principalmente, chancelado a referida ilegalidade, o que se mostra cristalino no seio do acórdão vergastado, vejamos:

´´O magistrado a quo justificou a manutenção da custódia do paciente por vislumbrar a presença dos requisitos autorizadores da prisão preventiva, ou seja, por garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal, asseverando que por garantia da ordem pública, pois ´´pela própria natureza do delito, o qual foi cometido com grave ameaça, mediante emprego de arma e concurso de pessoas demonstra a periculosidade do requerente, cabendo ao Judiciário segregar do convívio social tais agentes,(...)´´

Os argumentos acima foram os utilizados pelo eminente Desembargador redator do acórdão para a manutenção do Recorrente nas clausuras do Estado, o que acabou por confirmar a ilegalidade e arbitrariedade praticada pelo julgador monocrático, o qual lançou mão de um direito democrático para se amparar num ´´direito´´ autoritário e destoante do Estado Democrático de Direito.

Qual o fundamento concreto utilizado pelo ilustre magistrado para fundamentar a necessidade de custódia cautelar do Recorrente? A lógica impede que se tenha por existente o necessário fundamento concreto para o encarceramento preventivo do Recorrente, uma vez que a dúvida lançada pelo próprio julgador monocrático é bastante para afastar a necessidade de privação da liberdade do Paciente.

O Superior Tribunal de Justiça tem dado à lei a interpretação que a sociedade espera, uma vez que não há de existir a segurança jurídica e muito menos a justiça se for permitido ao julgador singular e aos Tribunais Estaduais tornar a prisão processual uma regra. Nesse sentido, vejamos:

HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. LIBERDADE PROVISÓRIA. SIMPLES MENÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO ART. 312 DO CPP. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.

1- Impetrada a ordem contra decisão monocrática confirmada por posterior acórdão do Tribunal a quo, legitima-se o reexame da matéria por este Tribunal.

2- A prisão processual é medida excepcional e deve ser mantida apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade.

3- A mera referência a artigos de Lei não é capaz de amparar a segregação, se ausente qualquer destaque a fatos concretos distintos da própria prática delituosa, evidencia-se a ilegalidade da sua permanência no cárcere.

4- Deve ser cassada a decisão monocrática indeferitória do pedido de revogação da prisão e o acórdão recorrido, que a confirmou, para conceder-lhe liberdade provisória, determinando a expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a segregação, com base em fundamentação concreta.

5- Concederam a ordem, ratificando a liminar.

(HC 82.595/RS, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), QUINTA TURMA, julgado em 18.10.2007, DJ 05.11.2007 p. 323). (grifou-se).

O Recorrente não pode ser considerado um simples objeto processual, mas, pelo contrário, mesmo figurando como réu num processo criminal, deve ser visto como um sujeito de direitos, dentre os quais o direito à liberdade. Nesse sentido, Santo Agostinho, em A Cidade de Deus, Livro XII, Capítulo 20, aduz o seguinte:

"A liberdade é concebida aqui não como uma disposição humana íntima, mas como um caráter da existência humana no mundo [...]. Porque é um começo, o homem pode começar; ser humano e ser livre são uma única e mesma coisa. Deus criou o homem para introduzir no mundo a faculdade de começar: a liberdade".

Os julgadores apegaram-se, categoricamente, ao tipo previsto no Art. 157 do CP para fundamentar a necessidade de custódia cautelar do Recorrente, como se todo e qualquer crime de roubo, ou outros crimes considerados graves, tivessem que levar a um único resultado antes da sentença condenatória transitada em julgado: A PRISÃO. Nesse diapasão, insta transcrever ementa do Eg. Superior Tribunal de Justiça, vejamos:

HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO QUALIFICADO – ROUBO CIRCUNSTANCIADO – LIBERDADE PROVISÓRIA – DECISÕES DE PRIMEIRA E SEGUNDA INSTÂNCIA QUE SEQUER CITAM OS REQUISITOS LEGAIS – NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO COM DADOS CONCRETOS – BOAS CONDIÇÕES PESSOAIS – ORDEM CONCEDIDA.

1- A prisão processual é medida excepcional e deve ser mantida apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da não culpabilidade.

2- A ausência de qualquer destaque a fatos concretos distintos da própria prática delituosa, evidencia-se a ilegalidade da manutenção do cárcere.

3- Deve ser cassada a decisão monocrática indeferitória do pedido de revogação da prisão e o acórdão recorrido, que a confirmou, para conceder-lhe liberdade provisória, determinando a expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a segregação, com base em fundamentação concreta.

4- Ordem concedida.

(HC 96.516/PR, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 18.03.2008, DJ 14.04.2008 p. 1). (grifou-se).

Ora, a prisão cautelar não deve ser entendida como um meio de se antecipar a culpabilidade do acusado e muito menos o provimento final condenatório, mas deve ter sua excepcionalidade reconhecida pelo Estado-juiz de modo que os requisitos para a decretação preventiva sejam analisados em cotejo com os princípios constitucionais, em especial os princípios da presunção de inocência e da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, vejamos o que entende o Eg. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, in verbis:

HABEAS CORPUS. PRISAO PREVENTIVA. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIDO. DECISAO DESFUNDAMENTADA. CONCESSAO DA ORDEM. I - A MANUTENCAO DA CAUTELA DO PACIENTE SOMENTE HA DE SOBREVIVER SE REALMENTE DEMONSTRADA SUA NECESSIDADE. FUNDADA EM MERAS ILACOES, HA QUE SER DESCONSTITUIDA. INTELIGENCIA DO ART. 5, LXI E ART. 93, AMBOS DA CONSTITUICAO FEDERAL. II - ORDEM CONCEDIDA." (Recurso 31288-3/217 - HABEAS-CORPUS, Relator: DES. PRADO, DJ 54 de 25/03/2008).(grifou-se).

Cabe salientar que a garantia da ordem pública e a conveniência da instrução criminal jamais foram ameaçadas pelo Paciente, sendo que, pelos próprios predicados pessoais do mesmo, é medida de extrema justiça se inferir que nenhum dos requisitos para a custódia preventiva constante do Art. 312 do CPP restam atendidos, razão pela qual há de considerar ilegal a restrição de liberdade do paciente.

Ao discorrer sobre a garantia da ordem pública, a julgador originário, novamente, cingiu-se à gravidade do tipo para fundamentar a necessidade da custódia cautelar do Paciente, tendo afirmado que a grave ameaça, o emprego de arma e o concurso de pessoas são hábeis para demonstrar a periculosidade do Paciente, ou seja, utilizou-se de mera presunção acerca da periculosidade do Paciente. Insta salientar que o ato da autoridade Coatora é rechaçado pelo Eg. TJGO, o qual de forma judiciosa, assim ementou:

"HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. DECISAO NAO FUNDAMENTADA EM FATOS CONCRETOS. CONSTRANGIMENTO CONFIGURADO. 1 - NAO BASTA AO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA O JUIZO VALORATIVO SOBRE ARGUMENTOS ABSTRATOS COMO A GRAVIDADE GENERICA DO DELITO, A PERICULOSIDADE DO AGENTE, A SUPOSTA INTRANQUILIDADE SOCIAL, E O PRETENSO ABALO NA CREDIBILIDADE DO JUDICIARIO. O QUE DA IDONEIDADE, O QUE AUTORIZA O EDITO PARA SEGREGACAO, SAO OS FATOS CONCRETOS INVOCADOS COMO RAZAO DE DECIDIR. 2 - NAO PODE SUBSISTIR A DECISAO QUE SE LASTREIA NA ASSERTIVA DE QUE O FURTO DE UM VEICULO, POR SI SO, JA DEMONSTRA A PERICULOSIDADE DO AGENTE, SEM INVOCAR QUALQUER FATO CONCRETO PARA ARRIMA-LA. ORDEM CONCEDIDA." (31299-8/217 - HABEAS-CORPUS, Relator: DES. HUYGENS BANDEIRA DE MELO, DJ 55 de 26/03/2008). (grifou-se).

Ademais, os julgadores não se atentaram quanto aos documentos existentes nos autos para analisar o remédio mandamental, uma vez que, além dos documentos que comprovam a residência fixa, os bons antecedentes e a atividade lícita exercida pelo Recorrente desde os primórdios de sua adolescência, há nos autos outros elementos que afastam, de forma contundente, a presunção de periculosidade do Recorrente utilizada pelo Desembargador redator do acórdão para concluir acerca da manutenção do Recorrente na prisão.

Assim, para afastar a suposta periculosidade do Recorrente, a qual foi indevidamente presumida, vejamos o que disse a testemunha ALMIR BATISTA GOMES, quando do seu depoimento perante a autoridade policial:

´´ (...);Que o rapaz que estava armado agiu com violência verbal, com ofensas e a todo o momento com a arma em punho;(...); Que no mesmo dia, a polícia prendeu um dos assaltantes, a saber, FULANO DE TAL, sendo que este é o indivíduo que no momento da ação não estava armado; (...); Que perguntado se FULANO DE TAL participou desses outros dois assaltos que o depoente comentou, anteriores ao fato em apuração, respondeu que não, que essa foi a primeira vez que viu FULANO DE TAL, que não o conhecia nem de vista; (grifou-se).

São estes os fatos concretos que deveriam ter sido considerados pelos julgadores quando da análise do Habeas Corpus, pois, os elementos constantes nos autos da ação penal e anexados ao pedido de liberdade provisória, foram suficientes para se comprovar que o Recorrente não oferece risco algum à garantia da ordem pública e, muito menos, à conveniência da instrução criminal.

Excelência! O sistema adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro afasta a presunção de culpa para abarcar a presunção de inocência, sendo que a custódia cautelar do Recorrente demonstra, de forma cristalina, que o julgador monocrático e colegiado presumiram a culpa e consideraram a prisão processual uma regra, afastando sua excepcionalidade sem se ater aos requisitos legais. Nesse sentido, vejamos o remansoso entendimento do Eg. STJ:

PENAL PROCESSUAL PENAL. ROUBO. PRISÃO EM FLAGRANTE. 1. FALTA DE COMUNICAÇÃO À DEFENSORIA PÚBLICA EM 24 HORAS. IRREGULARIDADE INEXISTENTE. 2. FORMALIDADE DO FLAGRANTE E INDEFERIMENTO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. ANÁLISE PELO JUIZ DO DEPARTAMENTO DE INQUÉRITOS POLICIAIS DA COMARCA DE SÃO PAULO. LOCAL DA PRISÃO. CRIME COMETIDO NA COMARCA DE EMBU. IRREGULARIDADE INOCORRÊNCIA. MEDIDA DE URGÊNCIA. POSSIBILIDADE DE RATIFICAÇÃO PELO JUÍZO COMPETENTE PARA A AÇÃO PENAL. 3. LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. GRAVIDADE DO CRIME. FALTA DE INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A MEDIDA. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. OCORRÊNCIA. 4. ORDEM CONCEDIDA.

1. Falta de comunicação de prisão em flagrante em 24 horas à Defensoria inocorrente no caso.

2. Não há irregularidade na verificação das formalidades do autos de prisão em flagrante, bem como análise de pedido provisória por juiz do DIPO (Departamento de Inquéritos Policiais), se mesmo tendo sido cometido o crime na Comarca de Embu, a prisão se deu na Comarca de São Paulo, por ser medida de urgência, cuja apreciação compete àquele órgão na Comarca de São Paulo.

3 Ilegal é a prisão mantida por força de decisão que se funda apenas na gravidade abstrata do crime, e no clamor social criado em torno dos crimes de roubo, sem indicar elementos concretos a justificar a medida.

4. Ordem concedida para deferir ao paciente a liberdade provisória, mediante o compromisso de comparecimento a todos os atos processuais.

(HC 86.643/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 26.02.2008, DJ 24.03.2008 p. 1). (grifou-se).

Mais por mais, a decisão do julgador singular, a qual restou confirmada pelo acórdão vergastado, fez presumir que ´´o paciente, solto, poderá influir no depoimento das vítimas e testemunhas em juízo, fragilizando a colheita de provas´´, não tendo, ao menos, indicado elementos concretos para o embasamento da referida presunção.

Ora, a presunção levada a cabo para fundamentar a custódia cautelar com base na conveniência da instrução criminal conduz ao absurdo de se admitir que todo indiciado ou Réu, necessariamente, tenha que cumprir, antecipadamente, a pena pelo simples fato figurar como sujeito passivo da persecução penal do Estado.

No caso em tela, patente é a inexistência do periculum in libertatis, cabendo ressaltar que a medida cautelar só deve prosperar diante da existência de absoluta necessidade de sua manutenção e caso subsista os dois pressupostos basilares de todo provimento cautelar, ou seja, o fumus bonis juris e o periculum in mora, devendo haver a presença simultânea dos dois requisitos, de modo que, ausente um, é ela incabível.

Para se decretar a custódia preventiva com fundamento na conveniência da instrução criminal há de se restar demonstrado que o Réu pretende atrapalhar a investigação policial e a colheita de provas, o que não é o caso do Paciente, uma vez que este pretende, tão-somente, voltar a exercer a atividade lícita que desenvolvida antes de ser preso.

Dessa feita, fácil constatar que os argumentos constantes do acórdão recorrido são no sentido de se permitir que a gravidade do tipo influencie para a determinação de um constrangimento ilegal e desnecessário, o que é um absurdo, pois o Recorrente livre, nenhum perigo causará à ordem pública e, muito menos, atrapalhará a instrução criminal, uma vez que, conforme se abstrai dos elementos constantes dos autos e dos documentos anexados ao presente remédio processual, os predicados pessoais do Recorrente são suficientes para rechaçar a observância de qualquer tipo de presunção que não seja a de inocência. Nesse sentido, pede-se vênia para transcrever ementa do Eg. TJGO, in litteris:

"´HABEAS CORPUS´. PROCESSO PENAL. PRISAO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. CABIMENTO. DESNECESSIDADE DA MEDIDA EXTREMA. 1 - CONSTATANDO-SE A INEXISTENCIA DE QUAISQUER DAS HIPOTESES ELENCADAS NO ARTIGO 312 DO CODIGO DE PROCESSO PENAL, A CONCESSAO DA LIBERDADE PROVISÓRIA AO PACIENTE, E MEDIDA QUE SE IMPOE. INTELIGENCIA DO ARTIGO 310, PARAGRAFO UNICO DO CODIGO DE PROCESSO PENAL. 2 - DESNECESSARIA A MANUTENCAO DA PRISAO CAUTELAR, AINDA MAIS EM SE TRATANDO DE PACIENTE QUE REGISTRA PREDICADOS PESSOAIS FAVORAVEIS. 3 - ´HABEAS CORPUS´ PROCEDENTE." (RECURSO Nº 31219-7/217 - HABEAS-CORPUS, Relator: Dês. Paulo Teles, DJ 43 de 05/03/2008). (grifou-se).

É por tais e fortes razões que o Recorrente espera que seja reconhecido o seu direito de responder o processo em liberdade, uma vez que preenche todos os requisitos objetivos e subjetivos para a concessão da liberdade provisória, além de restar sobejamente afastada qualquer tipo de presunção desfavorável ao Recorrente.

Outrossim, a própria dúvida do julgador monocrático ao decidir o pedido de liberdade provisória é suficiente para se concluir acerca do constrangimento ilegal a que é submetido o Recorrente, uma vez lhe estar sendo tolhido o direito à liberdade sem espeque em qualquer fundamento jurídico para tanto, cabendo asseverar que o Recorrente, ora coagido, é pessoa de bom caráter, não tendo contra ele nenhum mandado de prisão preventiva, tendo bons antecedentes, nunca tendo sido preso anteriormente, por quaisquer que sejam os motivos, advindo daí a conclusão que perigo nenhum causará à sociedade. Vejamos o recente entendimento do Eg. STJ:

PROCESSUAL PENAL. RHC. ROUBO CIRCUNSTANCIADO – PRISÃO EM FLAGRANTE.LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. INDÍCIOS DE AUTORIA E PROVA DA MATERIALIDADE. GRAVIDADE DO DELITO, E SUPOSTA PERICULOSIDADE DO AGENTE - FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. TENTATIVA DE SUPRIR A DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ATRAVÉS DO ACÓRDÃO – IMPOSSIBILIDADE.CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO PROVIDO.

1- O acórdão não pode suprir eventual ausência de fundamentação do despacho que indefere a liberdade provisória (precedentes).

2. A existência de indícios de autoria e prova da materialidade, bem como o juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito imputado ao paciente e acerca de sua suposta periculosidade, não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão cautelar, se desvinculada de qualquer fator concreto.

3. Se não estão presentes os elementos fáticos, deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como a decisão monocrática por ele confirmada, para conceder ao paciente o benefício da liberdade provisória, se por outro motivo não estiver preso, mediante as condições a serem estabelecidas pelo Magistrado singular, sem prejuízo de que seja decretada nova custódia, com base em fundamentação concreta.

4. Recurso provido, nos termos do voto da Relatora.

(RHC 23.311/BA, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 27.05.2008, DJ 09.06.2008 p. 1). (grifou-se).

Outrossim, não obstante os fundamentos constantes da ordem de hábeas corpus impetrada perante o TJGO, a colenda Câmara Criminal omitiu-se quanto à fundamentação necessária de todo ato decisório emanado dos integrantes do Poder Judiciário.

Por estas fortes razões, o Recorrente confia e espera que esse Eg. Tribunal, fiel à sua gloriosa tradição e aos ditames da lei e da justiça, haverá de conhecer e dar provimento integral ao presente Recurso Ordinário Constitucional para o fim de, reformando o acórdão guerreado, determinar a ordem de hábeas corpus para conceder a liberdade provisória, possibilitando que o Recorrente possa responder ao processo em liberdade até decisão final transitada em julgado, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, devendo ser expedido o competente alvará para imediata soltura do Recorrente, com as devidas comunicações de praxe.

II.II – DO PARECER DA PROCURADORIA DE JUSTIÇA E DO VOTO VENCIDO DO RELATOR

Conforme restou bem delineado pelo Insigne Dr. Marcelo Fleury Curado Dias, relator do voto vencido, ´´o indeferimento do pedido de liberdade provisória foi calcado em dois fatores: o primeiro, baseado no fato de que o roubo deve ser tratado com mais rigor, porque é cometido com violência e porque gera intranqüilidade social; o segundo, foi baseado no fato de que não há certeza de que o paciente não vá tentar contra a ordem pública ou dificultar a instrução da ´´lei penal´´.

Adiante, o eminente relator, utilizando-se de silogismo jurídico e interpretação sistemática do ordenamento jurídico, prossegue aduzindo que ´´Constata-se, portanto, que o magistrado realmente não conseguiu demonstrar concretamente a necessidade da segregação do paciente.´´

É indelével o acerto e a parcimônia verificados no voto do eminente relator, o qual demonstrou interação com o ordenamento jurídico e apreço ao ser humano como sujeito de direitos no plano penal e constitucional, por mais que esse ser humano venha a ser aquele que venha a praticar condutas tipificadas pelo código penal.

O insigne relator analisou de forma contundente e judiciosa os fatos aduzidos no Habeas Corpus, tendo continuado em sua brilhante fundamentação, acerca da decisão inquinada de ilegal, da seguinte forma: ´´No primeiro ponto, ateve-se, unicamente, ao conceito genérico de roubo, enfatizando sua gravidade e seu reflexo social. Aliás, ao enfatizar o aspecto da gravidade do roubo, o magistrado distanciou-se até mesmo do fato concreto, pois se refere unicamente ao componente da violência, quando, na realidade, a denúncia narra que o delito foi praticado com grave ameaça, nada se referindo ao emprego de violência.´´

Mais à frente continua: ´´ No segundo ponto, num exercício de ilação, conclui o magistrado não haver certeza de que o paciente não atentará contra a ordem pública ou que, de outro lado, não dificultará a instrução. Ora, a mera dedução operada pelo magistrado, por si só, já é reveladora do distanciamento de seu pronunciamento em relação aos fundamentos concretos da necessidade da manutenção do cárcere.´´

Assim, o eminente relator constatou a ilegalidade na decretação da prisão preventiva do Recorrente, ilegalidade a qual mostrou-se às escâncaras, a qual foi mantida somente por apego à necessidade de aplicação do já mencionado ´´Direito Penal do Inimigo´´.

Ademais, a ilegalidade da constrição do Recorrente foi, também, verificada pelo ilustre Procurador de Justiça, o qual, demonstrando ser um perseguidor da justiça e do Direito, asseverou que´´ In espécie, o julgador singelo não indicou como a segregação do paciente seria imprescindível para garantir a ordem pública ou a ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal (CPP, art. 312), gravidade abstrata do crime perpetrado, com violência contra pessoas. Faltaram, portanto, elementos concretos, objetivos, essenciais para fundamentar sua decisão, além do que também reconheceu os predicados pessoais favoráveis ao ora paciente, Fábio Junio Alves de Souza.´´

Dessa feita, foram estes os argumentos que, tanto o ilustre Procurador de Justiça como o eminente relator, trouxeram à baila para explanar a tão cristalina e evidente ilegalidade e arbitrariedade oriunda da decisão que indeferiu o pedido de liberdade provisória, onde foram utilizados argumentos carecedores de um mínimo de fundamentação necessário para a decretação da prisão preventiva.

Assim, o acórdão guerreado, desacolhendo brilhante parecer do Procurador de Justiça e divergindo do judicioso voto do relator, manteve uma decisão carecedora de fundamentação e voltada, única e exclusivamente, a tornar regra uma exceção tão perniciosa à sociedade, uma vez que contrária aos preceitos constitucionais, o que torna contraditória a própria decisão, uma vez que não se pode conceber a existência de uma decisão que vise garantir a ordem pública ou conveniência da instrução criminal e, que ao fundo, macule a segurança jurídica da própria sociedade a que se destina.

O acórdão guerreado manteve uma decisão carente de fundamentação, posto que o julgador singular não abstraiu dos autos do processo criminal nenhum dado concreto que pudesse servir de fundamento para a decretação da prisão preventiva, razão pela qual achou por bem decretar a segregação cautelar baseado em meras ilações e em circunstâncias inidôneas para a manutenção do Recorrente no enclausuramento estatal.

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Sobre o autor
Luiz Cesar Barbosa Lopes

Superintendente do Ibama no Estado do Ceará de 05/2021 a 12/2022; Secretário Executivo da Controladoria Geral do Município de Goiânia de 01/2023 a 07/2023; Mestre em Administração Pública pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento, Ensino e Pesquisa - IDP; Pós-Graduado em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC/Minas; Consultor Político e Eleitoral; Pós-graduado em Direito Penal; Especialista em Direito Eleitoral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Luiz Cesar Barbosa. Recurso ordinário em habeas corpus.: Conduta abstrata não fundamenta prisão preventiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1836, 11 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16857. Acesso em: 22 nov. 2024.

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