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Metas abusivas de venda de varejo de serviços: a proposta da configuração do dano existencial com a rescisão indireta

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Agenda 02/02/2023 às 08:10

O empregado obrigado a recorrer a ato ilícito para atingir as metas de venda de serviços merece reparação civil?

Resumo: O presente artigo visa abordar aos obreiros que são submetidos ao cumprimento de metas abusivas de venda de serviços no segmento varejista, visto a conduta ilícita da “venda casada” ser o meio último para atingir tais imposições. Nesta toada, este trabalho apresenta como  metodologia a pesquisa dedutiva, de natureza aplicada e com objetivo descritivo e explicativo. A partir desses parâmetros,  propôs a caracterização do dano à existência ao passo que o empregado ao ser obrigado a recorrer à ato ilícito para batimento das metas de venda de serviços, passa a ter conduta desvirtuada de sua intenção correspondente ao seu projeto de vida. Ademais, a prática assediadora do empregador ao efetuar tais cobranças corroboram significativamente para o ensejo à uma reparação extrapatrimonial que corresponda a extensão real desse dano e à viabilidade da dispensa indireta como salvaguarda aos direitos rescisórios do obreiro.

Palavras-chave: Metas abusivas. Varejo de Serviços. Rescisão Indireta. Venda Casada. Assédio Moral. Dano Existencial.


1.  INTRODUÇÃO

 No mercado laborativo, o ramo varejista está demandando a cada dia, maior produção de resultados pelos obreiros. Isso tudo é ocasionado pela obrigatoriedade de batimento de metas de vendas inatingíveis e abusivas, como é o caso da obrigatoriedade em alcançar metas de venda de serviços agregados a produtos.

 Para cumprir esta exigência, o trabalhador é obrigado a se desdobrar para garantir o seu vínculo empregatício e para tanto, em muitos casos, é obrigado a embutir o serviço na venda de forma camuflada ainda que não seja do interesse do cliente, ou até mesmo adquire para si ainda que não lhe seja interessante, tudo em razão de não bastar para o empregador a venda dos produtos. Sabe-se que a maioria da clientela possui a tradição em adquirir apenas o produto, e ainda com essa realidade, os patronos persistem com tal exigência e ainda realizam as cobranças de forma excessiva e assediadora.

 Diante do  fenômeno apresentado, o presente trabalho foi desenvolvido abordando em seu primeiro capítulo a conceituação deste tipo de meta e suas derivações.

Ademais, nos segundo capítulo, explicou-se a definição do dano à existência e ao projeto de vida na esfera cível e aplicada ao celetista, como também foi demonstrado como este dano é reconhecido perante os tribunais brasileiros. Ainda neste capítulo, buscou-se evidenciar a caracterização do dano à existência no contexto da cobrança excessiva das metas de venda de varejo de serviço e a necessidade de proteção ao trabalhador lesado.

Por fim, no último capítulo a dispensa indireta foi apresentada como medida “refúgio” aos obreiros que estão sob este tratamento, e assim foram elencados os cabimentos viáveis à efetivação deste pleito.


 2. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DOS GÊNEROS DE METAS NO SEGMENTO VAREJISTA

 Abarcado no rol dos setores pertencentes à ramificação da atividade econômica, o varejo tem como principal característica a comercialização de produtos ou serviços que são destinados aos consumidores finais da cadeia do consumo.

As organizações varejistas são tidas como uma opção nos canais de distribuição, e sob o prisma dos fabricantes, estas possuem o condão de parte intermediária em auxiliar o produtor a proporcionar a obtenção e o uso à parte receptora final, ou seja, o consumidor.

Para MCCARTHY, o varejo “[...] compreende todas as atividades diretamente relacionadas à venda de mercadorias ou serviços ao consumidor final, para uso pessoal, não com fins comerciais”.[1] Sendo assim, acaba por ser o elo da estrutura da distribuição dos serviços e produtos que alcançam o consumidor final.

É no varejo que ocorre o contato direto com a pessoa munida do interesse em adquirir para si determinado produto. E assim, neste momento emerge a necessidade de uma estrutura de vendedores organizada e objetivada a empreender meios para efetivar as vendas de forma qualitativa e quantitativa ao consumidor, pois, além de ser o liame entre entre a satisfação da empresa e satisfação da necessidade do cliente, o vendedor precisa propiciar este negócio jurídico de forma segura  e confortável à parte hipossuficiente dessa relação de consumo.

  Para tanto, as varejistas vem a cada dia inovando suas lojas e modulando as vendas de acordo com a mudança global hodierna, e assim, uma das formas de obter o resultado lucrativo esperado, utilizam-se da imposição de metas de venda a seus funcionários.

Consoante a isto, vendedores de empresas do ramo do varejo tendem a possuir dois tipos de metas de venda: metas de venda de produtos e metas de venda de serviços.

As metas de venda de produtos, ou como também são conhecidas como metas que exprimem valor econômico, referem-se a venda de bens, objetos ou utensílios que venham exprimir propriedade ao adquirente[2], ou seja, esta meta se refere a produtos materiais disponíveis no catálogo das lojas e/ou supermercados do referido segmento em estudo.

Tal meta é imposta comumente da seguinte maneira: o superior hierárquico impõe um valor mínimo para o vendedor abater em determinado período de tempo efetuando a venda de seus produtos comercializados (Exemplo: os funcionários da empresa “X” tem que efetuar a venda de 30 mil reais em produtos até o último dia de trabalho do mês de outubro).

Em contrapartida, as metas de venda de serviços não exprimem propriedade a algo para o consumidor, pois, são metas não-materiais e geralmente dependem da venda do produto.

PACHECO aduz brevemente que o varejo de serviços se diferencia do varejo de produtos ao passo que o consumidor que o adquire, pagará pelos benefícios de um serviço intangível e não pela posse de um bem tangível.[3] 

Posto isto, nota-se que ulteriormente, as vendas de serviços no varejo, que podem ser abranger vendas de: garantias, seguros, adesão a cartão de crédito, serviço de instalação de produtos, sorteios da loja com benefícios e etc., passaram do plano de metas acessórias para metas obrigatórias aos vendedores, que por sua vez, muito embora possam ter alcançado a meta de venda de produtos, possuem também o dever de agregar serviços à estas vendas.

 2.1              O DESCOSTUME EM ADQUIRIR SERVIÇOS QUANDO A FINALIDADE PRINCIPAL É ADQUIRIR PRODUTOS 

As varejistas, ao utilizar do Marketing da experiência para o consumidor, buscam criar produtos diferenciados para estimular seus clientes a comprarem mais e consequentemente adicionam experiências sensoriais onde associam serviços às suas ofertas, entretanto, a opção pela aquisição destes serviços ainda não é predominante[4].

Tradicionalmente, o consumidor final, quanto interessado em adquirir produtos, comparece à loja com a finalidade exclusiva em apenas adquirir o produto desejado. Por exemplo, se o indivíduo precisa comprar um notebook, ele não se apresenta para o vendedor pedindo que lhe mostre o produto e além disso um seguro contra roubos ou furtos do referido objeto, tendo em vista que o seu interesse é unicamente adquirir o produto e não o serviço.

Com a realidade deste descostume, os vendedores procuram  se esforçar para apresentar os serviços de forma útil e atrativa, pois, a meta desta venda ocupa parte importante dos seus objetivos mensais. Ocorre que, ainda que haja todo empenho por sua parte, a comunidade brasileira persiste na tradição de não visar tais serviços, e mesmo com este fato, a empresa insiste na exigência de que esta meta seja batida.

Presume-se, portanto, que incluir junto com a venda dos produtos, serviços como seguros de garantia estendida, seguros desemprego, seguros de vida, títulos de capitalização, cartões de crédito e até cupons para sorteios, torna-se muito mais complexo e intangível a vender apenas o produto de forma isolada de acordo com a verdadeira intenção do consumidor.[5]

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 Sendo assim, se diante da realidade exposta, onde a venda dos serviços não se efetiva por motivos alheios à vontade do vendedor, conforme foi demonstrado acima, tais metas não deveriam ser exigidas com o rigor excessivo pelos empregadores como muito é feito.

Ocorre que, muito ao contrário do que se espera, os empregadores não deixam de exigir o batimento de tais metas, e assim, o obreiro, ciente da ameaça à dispensa e sob terror psicológico devido à perseguição pelo patrono, vive um dia após o outro mensurando formas para alcançar a imposição de incluir diversos tipos de serviços em suas vendas.

 3.  DANO À EXISTÊNCIA

 É importante salientar que o presente artigo será balizado na ocorrência de um tipo de dano extrapatrimonial, e dentro desta derivação é classificado como Dano à Existência ou Dano ao Projeto de Vida como também é conhecido.

 3.1              CONCEITO DE  DANO AO PROJETO DE VIDA E DANO EXISTENCIAL

 Oriundo da esfera cível e da premissa principiológica neminem laedere[6], o dano pode ser classificado inicialmente em dois tipos principais, conforme a natureza do sujeito que sofre a lesão.[7]

A primeira divisão abarca a lesão à pessoa humana, sendo conhecido como dano subjetivo por seu caráter antropológico. A doutrina denomina o dano à pessoa como “dano extrapatrimonial”.

 Em contrapartida, o segundo tipo de dano é denominado como dano ao patrimônio ou “dano às coisas”, referindo-se à lesão que afeta os objetos ou matérias que compõem o patrimônio do indivíduo. Neste caso, a doutrina o singulariza como “dano patrimonial”.

No mesmo sentido asseveram os juristas STOLZE e PAMPLONA que

 [...] o dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente.[8]

 Tanto o dano à existência ou o dano ao projeto de vida são derivações dos danos extrapatrimoniais, tendo em vista que a conduta tida pelo agente causador fere a esfera pessoal e antropológica do ser humano.

Neste passo, o projeto de vida pode ser compreendido como a liberdade do indivíduo que a partir de uma decisão, escolhe um projeto específico concernente aos seus valores, vocações pessoais e experiências em um certo período de sua vida, e assim busca um futuro e destino. Ou seja, é o momento do ser humano dar sentido à sua existência.

A partir disto, são tomadas todas atitudes possíveis para execução deste projeto, o qual somente não será efetivado caso ocorra alguma mudança em seu  projeto existencial, mudança esta, alheia a sua vontade (causada por outrem).

É neste momento que supervem o dano à existência. Diante da frustração de seu projeto de vida, gera-se no sujeito lesado um sacrifício em suas atividades realizadoras e uma mudança na relação da pessoa com aquilo que a cerca, de modo que seu cotidiano é consideravelmente comprometido de forma prejudicial.

Para BEBBER, o liame entre tais danos pode ser assim esclarecido:

 Por projeto de vida entenda-se o destino escolhido pela pessoa; o que decidiu fazer com a sua vida. O ser humano, por natureza, busca sempre extrair o máximo das suas potencialidades. Por isso, as pessoas permanentemente projetam o futuro e realizam escolhas no sentido de conduzir sua existência à realização do projeto de vida. O fato injusto que frustra esse destino (impede a sua plena realização) e obriga a pessoa a resignar-se com o seu futuro é chamado de dano existencial. (BEBBER, 2009, p. 28).[9]

 Pode-se verificar, portanto, que os danos apresentados não violam um direito de mero cunho material, que pode ser restituído muita das vezes com facilidade, mas sim de subentendidos e mais significativos direitos fundamentais da pessoa colocados no vértice da hierarquia dos valores.

No Brasil, o primeiro julgamento que reconheceu direito à indenização por danos existenciais foi no TST (Tribunal Superior do Trabalho) nos autos de Recurso de Revista nº 727-76.2011.5.24.0002, com o relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann (Julgado em 19 de junho de 2013, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28.06.2013). Desde então, a jurisprudência brasileira vem admitindo o reconhecimento da aplicabilidade do conceito de dano existencial, sobremaneira em face da necessidade premente do desestímulo de práticas dessa natureza.[10] 

 3.2              DANO EXISTENCIAL NO AMBIENTE LABORATIVO

Com a Lei nº 13.467/2017, o legislador optou por incluir um novo Título à CLT para tratar dos danos extrapatrimoniais, o que contemplou o dano moral, o dano existencial e qualquer outro tipo de dano que pudesse vir a ser denominado. O Título referido é o Título II-A da CLT. Seus artigos listados abordam detalhadamente os bens tutelados cuja ofensa origina o direito à reparação dos danos de natureza extrapatrimonial.

 Esta responsabilização é em virtude das relações trabalhistas, conforme mencionado no art. 223-A da CLT: “Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.”  

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Diante da percepção de novos danos na esfera de interesses não patrimoniais, a lesão à existência também resta presente nas relações de trabalho, visto que este dano foi incorporado expressamente no texto legal pela reforma de 2017[11]. Assim, a jurisprudência pátria têm vislumbrado o dano em estudo de modo a ampliar as possibilidades de reparação e assegurar maior completude indenizatória.

Na seara laborativa, OLIVEIRA exibe a configuração do dano existencial em tais exemplos:

 [...] muitas vezes o acidente do trabalho ou a doença ocupacional representa para o empregado o desmonte traumático do seu projeto de vida, o encarceramento numa cadeira de rodas ou o sepultamento dos sonhos acalentados quanto à possibilidade de uma vida melhor. O marco divisório imposto pelo sinistro altera compulsoriamente o rumo da vida, apontando para uma existência arruinada, sombria, sem perspectivas animadoras. Nessas hipóteses, sem dúvida, emerge a figura jurídica do dano existencial.[12]

 Julgados dos Tribunais Trabalhistas já acumulam considerável quantidade de decisões que reconhecem o dano em tela,  sendo oportuno citar o seguinte julgados do TRT da 3ª região:

 DANO EXISTENCIAL - “[...] As mudanças sociais, econômicas e políticas elevaram a pessoa humana ao centro do ordenamento jurídico, entendendo que o valor da dignidade humana é início e fim de tutela do Direito. [...] Com esse objetivo, a metodologia de estudo do dever de reparar sofreu impactos da elevação da pessoa ao centro do ordenamento jurídico, passando, então, a tutelar a proteção dos danos patrimoniais e extrapatrimonais, dentre eles, o dano existencial. Defendemos, por conseguinte, que o dano existencial constitui uma afronta à dignidade da pessoa humana, culminando no desrespeito à solidariedade social, ao ter como consequência um dano injusto que afeta a existência digna do sujeito. O dano existencial restringe a existência do trabalhador, ao limitar a sua liberdade de se autodeterminar socialmente. No plano do Direito do Trabalho, o dano existencial, provocado, por exemplo, por jornadas exaustivas, trabalho análogo à condição de escravo e por acidentes do trabalho, obriga o trabalhador a se (re)orientar socialmente, limitado que foi em sua liberdade. O empregador interfere diretamente nas relações sociais do empregado, ao desrespeitar a sua dignidade, causando-lhe o dano existencial. Com efeito, o dano existencial é autônomo em relação dano moral, que afeta a subjetividade da pessoa humana, e assim, deve ser reparado de forma distinta. [...] Assim, por meio do reconhecimento do dano existencial, o Direito do Trabalho amplia o seu espectro de proteção, caminha rente à realidade e à pulsação da vida, e reconhece o dever de respeito às condições dignas de trabalho, fazendo cumprido o seu papel de dignificação, bem como de realização da pessoa humana pelo trabalho". (Ariete Pontes de Oliveira e Luiz Otávio Linhares Renault. O Dever de Reparar o Dano Existencial no Plano do Direito do Trabalho, in Direitos do Trabalhador: teoria e prática: homenagem à Professora Alice Monteiro de Barros. Belo Horizonte: RTM, 2014, p. 98/99). (TRT da 3ª Região; Processo: 0001073-93.2014.5.03.0135 RO; Data de Publicação: 22/05/2015; Disponibilização: 21/05/2015, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 116; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator: Luiz Otavio Linhares Renault; Revisor: Convocada Martha Halfeld F. de Mendonca Schmidt) (grifo nosso).[13]

 Neste caso acima, fica evidente que ao proferir a decisão, o Relator abordou com profundeza e com a atenção necessária acerca da gravidade dos efeitos e das consequências da ocorrência do dano existencial na seara laborativa.

Por todo exposto, constatou-se que o dano existencial no direito do trabalho decorre, portanto, da conduta patronal no momento em que o empregador ou preposto despeja sobre o obreiro óbices em se relacionar, conviver em sociedade, realizar atividades que lhe tragam bem-estar físico e psíquico e, por consequência, felicidade.

Em outros termos análogos, com seu poder diretivo o impede de executar, prosseguir ou até de recomeçar seus projetos de vida que serão, por sua vez, cruciais para o seu crescimento ou realização profissional, social e pessoal.[14] 

 3.2.1        Caracterização do Dano Existencial na Seara de Metas Abusivas no Varejo de Serviços

 A costumeira imposição de metas humanamente inatingíveis aos trabalhadores do ramo das vendas de varejo é assunto que ainda persiste na realidade das relações trabalhistas.

Metas de venda precisam concernir à realidade do alcance que a empresa tem em atrair os consumidores, observar a geografia espacial e social em termos de demanda dos produtos ofertados, compatibilidade com a estrutura do mercado e muitos outros fatores para que as metas de venda sejam impostas aos vendedores.[15]

Ulteriormente, somado às metas de venda de produtos no varejo, originou-se as metas de vendas de serviços, sendo oportuno mencionar, por exemplo: garantias, seguro, adesão a cartão de crédito, serviço de instalação dos produtos e etc.Esta realidade transmudou o plano das metas de venda de serviços como acessórias para metas obrigatórias aos vendedores, que por sua vez, muito embora tenham vendido muitos produtos, possuem também o dever de agregar serviços a suas vendas.

Diante disso, visando a soberania lucrativa da instituição e munido do poder diretivo, o empregador passa a realizar grave pressão e terror psicológico sobre o empregado, para que atinja o objetivo esperado pela empresa, não importando o meio em que o obreiro utilize para tanto.

Entretanto, com a negativa ou resistência pelo obreiro que não quer se corromper alterando suas escolhas habituais e valores, inicia-se em seu desfavor diversos comportamentos que, nas palavras de MENEZES podem ser assim exprimidos:

 [...] ocorre através de gestos, comportamentos obsessivos e vexatórios, humilhações públicas e privadas, amedrontamento, ameaças, ironias, sarcasmos, difamações, exposição ao ridículo, sorrisos, suspiros, trocadilhos, jogo de palavras de cunho sexista, indiferença à presença do outro, silêncio forçado, sugestão para o pedido de demissão, ausência de serviço e tarefas impossíveis ou de dificílima realização, controle de tempo no banheiro, divulgação pública de detalhes íntimos, agressões e ameaças, etc[16]

 No contexto das metas, os vendedores ficam temerosos pela ameaça à dispensa, que na maioria dos casos se torna efetiva, e assim passaram a realizar práticas ilícitas e/ou adquirir tais serviços ainda que não lhes fosse útil ou de seu interesse. Destaca-se, contudo, que essas condutas são os últimos meios de alcance pelo trabalhador sob o contexto perturbador exposto.

A 6ª turma do TRT da 3ª Região ao julgar o Recurso Ordinário dos autos nº 0010713-31.2017.5.03.0066, condenou uma grande empresa do ramo do varejo ao pagamento de indenização por dano moral a um empregado pelo motivo de a loja adotar o sistema da venda casada, a qual é proibida pelo art. 39 do CDC:

 O trabalhador alegou que era obrigado a efetuar vendas enganosas, junto com os produtos oferecidos a clientes, tais como garantia estendida, seguro residencial, seguro proteção familiar e títulos de capitalização. Além disso, segundo alegou, caso não cumprisse as metas estabelecidas, era submetido a humilhações, o que lhe gerava muito constrangimento.

Uma testemunha ouvida no caso comprovou a ilegalidade cometida pela empresa. Em seu depoimento, garantiu que havia metas a serem cumpridas na empresa e que aqueles que vendiam menos se sentiam humilhados com a situação. Em outro trecho do depoimento, a testemunha confirmou as vendas casadas: disse que recebiam ordens para venderem todos os produtos atrelados a “serviços” constituídos de garantia estendida e seguros; que só poderiam vender produtos sem serviços se a meta já tivesse sido alcançada e que, caso o cliente chegasse ao caixa e não concordasse com a inserção dos serviços, o vendedor tinha que inventar uma desculpa para não fazer a venda, dizendo, por exemplo, que o produto havia acabado.

Para o desembargador José Murilo de Morais, redator do recurso da empresa, ficou caracterizada a prática pela ré de conduta antijurídica e o dano dela decorrente (grifo nosso).[17]

 Cabe destacar que a maior parte da doutrina tem entendido a pertinência da condenação por dano existencial, especialmente diante de reincidente estabelecimento de metas desproporcionais e abusivas e  submissão do empregado a jornadas exaustivas ou extenuantes.[18]

Consoante ao lastimável fenômeno, ARAÚJO aduz que:

 A gestão por estresse ocorre pelas cobranças exacerbadas, estabelecimento de metas, comparações, prazos apertados e constante vigilância, sob o pretexto de isso ser necessário para fomentar o desempenho dos funcionários. Por fim, a gestão por medo é pautada no constante clima de ameaça, implícita ou explícita, sobre a permanência do empregado no quadro de funcionários. Angustiado com a possibilidade do desemprego, ele procura afinar-se com as demandas exigidas, podendo até mesmo tornar-se agressivo, contribuindo assim para o clima de tensão no trabalho.[19]

 Neste azo, apresenta-se entendimento jurisprudencial que denota a violação aos princípios morais do obreiro:

 SISTEMA DE VENDA CASADA. Prática imposta pela ré nas vendas efetuadas pelos seus empregados. A venda casada é uma prática expressamente proibida pelo código do consumidor (art. 39, i), que consiste, basicamente, na imposição de que a aquisição de um produto ou serviço seja acompanhada da compra de outro bem ou da utilização de outro serviço. Trata-se, então, de ato ilícito que lesiona o consumidor. Logo, a conduta da empresa ao forçar que seus empregados ludibriassem os clientes, embutindo o serviço nos produtos vendidos, sob pena de cancelamento das vendas e configuração de desídia, caracterizou ato ilícito e acarretou em constrangimento e violação aos princípios morais e éticos dos seus vendedores. Portanto, está caracterizado o dano moral. (TRT 23ª R.; ROT 0000665-81.2018.5.23.0046; Primeira Turma; Rel. Des. Paulo Barrionuevo; Julg. 26/11/2019; DEJTMT 04/12/2019, grifo nosso).[20]

 Veja-se que os efeitos consequentes da imposição de tais metas não traduz uma prática inócua, muito ao contrário disso, possui elevado potencial em lesionar o projeto de vida e o sentido da existência da parte hipossuficiente dessa relação de trabalho, que diante do desespero acaba por embutir os serviços a mando de seu patrono aderindo condutas que não compunham sua expectativa de projeto de vida pessoal.

 3.2.2        Assédio Moral

 As singularidades da prática abusiva em estudo, são suficientes para presumir que nesta problemática também haveria a constatação do assédio moral, que pode ser definido para CRUZ, como perseguição insistente, importunação ou moléstia ao conjunto de costumes de um indivíduo.[21].

 Na seara laborativa, Márcia Novaes Guedes conceitua assédio moral como:

 [...] todos aqueles atos comissivos ou omissivos, atitudes, gestos e comportamentos do patrão, da direção da empresa, de gerente, chefe, superior hierárquico ou dos colegas, que traduzem uma atitude de contínua e ostensiva perseguição que possa acarretar danos relevantes às condições físicas, psíquicas, morais e existenciais da vítima.[22] 

 A diferença entre assédio e dano existencial consiste em o dano existencial ser gerado a partir do processo de assédio moral ao qual é submetido a vítima. Em contrapartida, o dano existencial pode ser gerado a partir de múltiplos fenômenos, sendo um deles o assédio moral.[23]

Esse abuso é tipicamente tido em nome da produtividade e lucro, e ultrapassa os limites humanos e existenciais sem respeitar a proteção ao trabalhador garantida pela Carta Magna, legislações e Súmulas vigentes.

A título de exemplo, a Súmula n. 42 do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região ensina que: “A cobrança de metas está inserida no poder de comando do empregador, não configurando assédio moral, desde que respeitada a dignidade do trabalhador.” [24]

Nesse diapasão, a conduta esperada pelo patrono deveria assegurar condições adequadas para o trabalho e também propiciar um ambiente saudável e não hostil como ocorre, ao passo que obriga um indivíduo que lhe é subordinado, a praticar condutas que vão em desacordo com sua vontade e convicção existencial para apenas garantir exacerbado lucro. Ainda nesta toada, o papel do poder diretivo do empregador tem o elemento necessário para o melhor desempenho das atividades dos empregados, uma vez que é dele que emergem as orientações para o fomento empresarial.

A jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região no tocante ao assédio moral no contexto de metas abusivas, entendeu que:

 RECURSO ORDINÁRIO. ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL. REPARAÇÃO DEVIDA. O assédio moral organizacional é fenômeno abusivo decorrente de culturas organizacionais nas quais, não obstante inexista intuito deliberado de exclusão do âmbito laboral ou de prejudicar algum empregado em específico, se dissemina a prática nociva e generalizada de gestão empresarial por estresse, com imposição de metas excessivas, dotadas de elevado potencial lesivo à integridade psicofísica das pessoas. A Convenção nº 190 da OIT estabelece balizas hermenêuticas para a reparação integral dos efeitos das condutas danosas, ampliando o conjunto de pessoas tuteladas, âmbitos, espaços e modos de ocorrência, de modo a orientar a construção de uma cultura em organizações assimétricas voltadas à civilizar e a (re) humanizar as relações de trabalho. Recurso autoral conhecido e parcialmente provido. (TRT 1ª R.; ROT 0010622-55.2015.5.01.0004; Sétima Turma; Relª Desª Sayonara Grillo Coutinho; Julg. 09/02/2022; DEJT 12/02/2022, grifo nosso).[25]

 Neste caso, o relator reconhece a prática nociva da cobrança de metas e ainda demonstra o quanto a reparação de todos efeitos das condutas patronais devem ser efetivas para voltar àquele ambiente humanizado para a relação laboral.

Os casos estão cada vez mais recorrentes, e é possível identificar que a manifestação do assédio como estratégia de política de metas, se dá em diferentes ramos de empreendimentos, entre eles, confecções de vestuário e sapatos, bancos, comércio de venda em geral, telemarketing e entre outros. 

Outrossim, pela insistência da empresa neste modelo de gestão que se torna lucrativo, a prática abusiva é reiterada, uma vez que seu ganho é muito superior à rotatividade de mão de obra ou até mesmo condenações trabalhistas com valores irrisórios em comparação ao que se alcança com a exploração irreparável a estes obreiros.

Entretanto, cabe mencionar que a responsabilização e indenização pela ocorrência do assédio apenas se dará mediante arsenal probatório nos autos, e foi neste sentido que o TRT da 18ª Região decidiu muito recentemente.

 Ao julgar o Recurso Ordinário proveniente dos autos nº 0011737-22.2020.5.18.0018, a desembargadora Kathia Albuquerque, da Segunda Turma do referido tribunal, manteve a decisão a quo e desproveu o pleito do Reclamante que alegou ter sido obrigado a realizar vendas casadas de produtos com garantias e serviços, e por ter sido obrigado a praticar conduta ilegal no trabalho teve a dignidade violada e foi exposto a situação vexatória. A desembargadora fundamentou seu voto se pontuando que tais alegações devem ser provadas, pois a obrigação em indenizar a conduta do patrono é condicionada à existência de prejuízo advindo do abalo sofrido pelo trabalhador, e assim, deveriam ter sido apresentadas as provas do nexo causal muito embora as consequências do fato pudessem ser presumidas.[26] 

Em contrapartida, no julgamento do Recurso Ordinário proveniente dos autos nº  0010700-66.2016.5.03.0066, o magistrado Hitler Eustácio Machado Oliveira entendeu diferentemente ao passo que entendeu que a conduta da empregadora viola o princípio da dignidade humana, previsto na Constituição Federal de 1988 e que deve nortear as relações de trabalho, gerando inegável dano moral ao trabalhador, e que por este motivo esses danos são presumidos, ou seja, não dependem de prova, já que decorrem da própria prática ilegal adotada pela empresa.[27] 

Com o objetivo de a demonstrar o deferimento de condenação ao pagamento de indenização extrapatrimonial a estes vendedores, afirma a jurisprudência que:

 INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VENDA CASADAS. OBRIGAÇÃO IMPOSTA PELA EMPRESA. Comprovada nos autos a expressa determinação de efetuar venda casada, de produtos e serviços como garantia estendida ou seguros, e que os vendedores muitas vezes sequer informavam ou esclareciam sobre os eventuais serviços contratados, seja por incentivo do superior hierárquico ou por necessidade de alcançar as metas, não há dúvidas de que a conduta ilegal da reclamada refletia nos vendedores, que tinham a obrigação de assim proceder, ainda que tivessem que omitir informações do cliente para concluir as vendas e alcançar as metas impostas pela empresa. Comprovadas, outrossim, as pressões impostas para o cumprimento das metas, de forma grosseira, e até as ameaças de dispensas, caso não atingidas, tais fatos mostram-se suficientes à caracterização de ofensa à moral e ao deferimento de indenização. (TRT 17ª R., RO 0001171-56.2015.5.17.0005, 3ª Turma, Rel. Desembargador Mário Ribeiro Cantarino Neto, DEJT 19/07/2016). (TRT-17 - RO: 000117120155170005, Relator: MÁRIO RIBEIRO CANTARINO NETO, Data de Publicação: 19/07/2016, grifo nosso).[28]

 Sabe-se que a maior parte da fração do tempo de um dia da vida de um indivíduo, que está inserido no mercado laborativo, ocorre no trabalho, haja vista como de notório saber, a jornada tradicional brasileira ser de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais como aduz o art. 7º, inciso XIII da CRF.

A reparação aos que sofrem este assédio merece medir a verdadeira extensão do dano causado à vítima, pois, o que se demonstra pelos casos é que a perseguição para o abatimento de tais metas não possuem “folga”. Ou seja, enquanto não cumpridas, o trabalhador será dispensado de forma injusta levando consigo os resquícios deste terror psicológico ou sairá por sua iniciativa abrindo mão de direitos que lhe pertenciam.

Neste passo, a seguir serão apresentadas possibilidades onde a legislação atual possibilita a rescisão indireta do contrato de trabalho de modo a oferecer algum refúgio ao obreiro inserido no contexto estudado, ainda que não sejam suficientes de forma única.

Sobre a autora
Alessa Alcantara Albuquerque

Formada em 2022 pela PUCPR e atualmente Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALBUQUERQUE, Alessa Alcantara. Metas abusivas de venda de varejo de serviços: a proposta da configuração do dano existencial com a rescisão indireta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7155, 2 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101849. Acesso em: 2 nov. 2024.

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