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O regime militar de 1964 e a violação dos direitos humanos.

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7. A TORTURA FOI REGRA, NÃO EXCEÇÃO

Durante todo o período ditatorial, os avanços nos métodos de punição aos revolucionários foram severamente dolorosos. Os abusos cometidos pelos interrogadores aos presos passaram de exceção para regra, tornando-se um método cientifico muito visado pelos torturadores, agregando até em seus currículos, passando de teoria para prática em pouco tempo. Os presos eram usados como cobaia em experimentos e formação de novos métodos de tortura a fim de atingir seus pontos vulneráveis.

Em um dos relatos trazidos pela obra “Brasil: Nunca Mais” mostra o quão pesado era os tratamentos e experiencias implantados nessas pessoas:

“[...] Na Polícia do Exército, a supte. foi submetida a espancamento inteiramente despida, bem como a choques elétricos e outros suplícios, com o ‘pau de arara’. Depois de conduzida à cela, onde foi assistida pelo médico, a supte. foi, após algum tempo, novamente seviciada com requintes de crueldade numa demonstração de como deveria ser feita a tortura; [...] (PANDOLFI, 1970, p. 32)

Ainda baseado em relados da obra, constata-se que, a grande maioria dos atos praticados pelos acusados dos inquéritos policiais durante o regime militar eram de crimes políticos, militâncias partidárias e oposições ao governo onde, muitas vezes, a autoridade judicial não tomava conhecimento sobre prisões e espancamentos. Para complicar ainda mais a situação, os acusados não tinham direito ao habeas corpus, visando seu direito a liberdade, devido a cassação da garantia pelo AI-5.

Partindo disso, a Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada pela Lei n° 12.528/2011, emitiu um relatório no qual conta parte dos horrores vividos pelas vítimas dos opressores. Uma das vítimas prestou depoimento à Comissão contando ter sido

[...] barbaramente torturado para dar informação. A tortura era tão violenta que eles fecharam as portas do QG, porque os soldados estavam olhando. Me enfiaram um cassetete desse tamanho assim [faz uma medida com as mãos aludindo a algo em torno de 20 cm], de aço, no rabo, com choque elétrico. Eu já estava todo ferido, não tinha a mínima condição. Me penduram numa grade; aquele sangue, aquele pus, escorria (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014, p. 693).

A “variedade” de métodos está em grandes números. Casos como uso de choques, desgaste higiênico, estupros, pressão psicológica, entre outros, são motivos pelo qual não devemos deixar a história se repetir nos dias atuais.

De acordo com o artigo 5° da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada e colocada em prática, ou não, no Brasil, diz que “ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento de castigo ou crueldade” o que de fato acabou não sendo cumprido durante esse período de tempo no Brasil.

Os maus-tratos no Brasil foram aplicados indistintamente, não importando a idade, sexo, ou situação psicológica em que aquelas pessoas se encontravam. Os maus-tratos não eram ligados apenas a dor física, mas também a dor psicológica, visando os traumas que irão ser deixados por aquelas ações. Crianças foram sacrificadas na frente dos pais, mulheres grávidas tiveram seus filhos abortados e esposas sofreram para incriminarem seus maridos.

Liberdade de expressão, de escolha, de ir e vir e até mesmo a liberdade das manifestações religiosas e culturais foram massacradas durante esse período. Interrompidos de andar, falar, reagir e lutar, as pessoas começaram a revidar todo e qualquer abuso daquela época, fazendo com que a repressão aumentasse e o numero de mortos ou desaparecidos também. Os assaltos a bancos que ocorriam naquela época financiavam todo o movimento político e revolucionário daquelas pessoas que, muitas vezes, eram estudantes, mulheres, negros e toda a classe social mais prejudicada por essas ações. A repressão sempre aconteceu, mas naquela época se intensificou e foi mascarada pelas autoridades.


8. MOVIMENTOS QUE BUSCARAM O ACESSO À JUSTIÇA E A HERANÇA DA DITADURA MILITAR NO BRASIL PARA A SOCIEDADE.

Após estudos sobre a evolução do acesso ao direito no Brasil e a difícil aproximação da justiça, é importante ponderar os meios que buscavam aproximar o direito em âmbito internacional e as consequências deixadas pelas ações durante o regime militar. O direito de acesso à justiça foi mitigado com a ascensão do golpe militar, pois editou inúmeros atos constitucionais que tinham por finalidade restringir direitos da sociedade (SPENGLER; BEDIN, 2013, p. 139)

A partir da década de 60, tornou-se de extrema importância que todos conseguissem ter acesso e usufruir de seus direitos de fato, tendo a necessidade de concretizar os novos direitos fundamentais conquistados pelas minorias e pela sociedade em suas lutas diárias contra o sistema repressor.

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Apesar da teoria ser um cenário muito aconchegante, na realidade isso demorou a se tornar prático e nem mesmo após décadas do fim da ditadura, esses direitos são usufruídos da forma correta. Se tornou público e reconhecido o direito ao acesso a justiça, mas não foi planejado de forma correta como isso seria colocado em prática na sociedade.

Com isso, se torna necessário a busca pelos direitos fundamentais a partir de uma história de necessidades de reconhecimento dos direitos do povo. Diz Carneiro (2000, p.30), que as imensas revoluções sobre o direito da humanidade e visibilidade de concretizar tais direitos é uma conquista não muito longe. Este novo mundo vê a possibilidade de exigir do Estado a garantia de uma vida digna.

É necessário um maior desenvolvimento ético para que sejam resgatados valores desenvolvidos ao longo dos séculos, colocando em pauta diversas questões que compreendam diretamente as necessidades da população nos dias atuais, destacando o direito a justiça na sua acepção mais ampla, trazendo para perto do povo a concretização da vida digna e a proteção judicial de todos.

A paralisação das instituições publicas sobres esses assuntos desde a ditadura militar é um fator contribuinte muito grande para a continuidade do desrespeito aos direitos individuais de cada um. O que se consegue absorver é que até mesmo o poder judiciário Brasileiro ainda é muito conservador. Além disso, o Exercito Brasileiro não reconhece toda a violação sistemática dos direitos humanos perpetuados desde o regime ditatorial, ocasionando, ainda nos dias de hoje, a impunidade dessas pessoas e a perpetuação da cultura da violência no país. Assim, a reforma das instituições públicas poderia trabalhar como aliada na consolidação de práticas mais democráticas no Brasil.

De acordo com Silva Filho

“a ausência de uma adequada transição política contribui para que a democracia não se desenvolva, para que ela fique isolada em um discurso democrático ao qual corresponde, em verdade, uma prática autoritária” (SILVA FILHO, 2011, p. 282-3)

Desse modo, ainda é necessário lutar contra todos os sistemas opressores nos dias atuais. A história mostra como os antecedentes sofreram para conquistar os direitos que a sociedade tem hoje em dia, e a luta para que possamos ultrapassar esse autoritarismo mascarado que ainda existe na sociedade e impede a concretização dos direitos fundamentais não pode parar.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesse estudo, observou-se que, a adversidade constitucional no regime ditatorial foi terminantemente censurada e exaurida, diante de um contexto caracterizado pela opressão.

Indiscutivelmente, de fato, não existia na época direitos básicos para a sociedade, logo, não existia Constituição, tampouco constitucionalismo brasileiro. Diante dessa perspectiva, prevê no art. 16° da Declaração do Homem e do Cidadão, que serviu de base para a chamada “Declaração Universal dos Direitos Humanos” que: “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”.

A priori, as duas premissas mais desrespeitadas durante o regime são os direitos fundamentais e a separação de poderes. Não havia sequer um artigo que evidenciasse como prioridade a sociedade civil e cada vez mais, colocava em destaque os anseios do governo acima dos direitos sociais.

É fundamental ter consciência histórica quanto ao passado do país, para distanciar-se ao máximo do que um dia já aconteceu, bem como, não cometer o mesmo erro de concordar com um poder constituinte duvidoso.

Inobstante, foi sob o pretexto de interesse popular que os militares passaram a ter o domínio judicial da época. As contínuas violações aos direitos fundamentais era apenas o começo de um longo período obscuro, no qual, não existia argumentação válida senão a daqueles que estavam no poder. Hoje, com o arbítrio da democracia acessível a todos, enfrenta-se tudo com debates e argumentos, sobretudo, com respeito à pluralidade de ideias e de classes.

A democracia e o constitucionalismo são fundamentais para o funcionamento efetivo de um poder constituinte preocupado com o povo. Não existe super heróis (Poder Executivo, Judiciário, Legislativo e militares) que irão consertar um país com dificuldades. Nesse caso, torna-se necessário compreender as limitações da sociedade e os obstáculos da elaboração de um planejamento constitucional, para que assim, tenha-se uma nação democrática e harmônica com o propósito da Constituição.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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TEIXEIRA, B. E.; OLIVEIRA, C. D. DIREITOS HUMANOS E DITADURA MILITAR: OS ENTRAVES DA EXPERIÊNCIA AUTORITÁRIA PARA A EFETIVIDADE DO DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA NO BRASIL. Ditadura Militar, [s. l.], 2016. Disponível em: https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/sidspp/article/view/15829/0. Acesso em: 12 dez. 2022.

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Abstract: The article presents a reflective, historical and social approach to the various impacts caused in the Brazilian dictatorial period, with emphasis on the non-guarantee of human rights, strategies of social and political repression, in addition to various other effects of the exceptional regime experienced in the country. It aims to understand what were the legal measures used by rulers and authorities for a greater maintenance of Power, in addition to clearly showing the torture methods used to contain citizens and revolutionaries of the time. The methodology used bibliographical and documentary research, providing a greater qualitative approach and covering the reading and analysis of several doctrinal works, as well as articles and jurisprudence. Therefore, we sought to understand the way in which the government acted, in addition to reflecting constitutionalism and the different stages of access to justice in Brazil. The decline of Human Rights, and the exorbitant advance of the repressive power will be analyzed according to the historical-social context. We intend to demonstrate that the flexibility and complication of people's living conditions were extremely reinforced during and after the civil coup of 1964, in which its effects still last until the present day. The research results point to a dark heritage in Brazilian democracy, the personal and historical traumas of a suffered and tortured society, also due to the lack of institutional reform in order to be able to guarantee all the rights provided for by law, and redemocratize the country coherently with the main pillars of a modern society.

Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

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