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Constitucionalidade do Projeto de Lei nº 5.003/2001.

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Agenda 07/08/2007 às 00:00

5. Liberdades de pensamento, liberdade filosófica e liberdade religiosa.

Afirmou Paul Medeiros Krause ao comentar a proibição de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica contra não-heterossexuais: "Manifesta ofensa ao princípio da liberdade de pensamento, religiosa e filosófica. O § 5.º é de inconstitucionalidade manifesta. Que se considera "ação constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica"? Esse texto por exemplo? A homilia de um sacerdote? Será preciso retirar algumas páginas da Bíblia, como aquelas em que São Paulo recrimina a pederastia? O Estado totalitário, em sua ideologia oficial decreta: o homossexualismo é moral; é um supervalor. Qualquer oposição a esta verdade, ainda que de índole moral, ética, filosófica e científica (psicológica) estão proscritas. Trata-se de delito de opinião. É o Estado fascista quem diz o que se pode ou não pode pensar, crer ou descrer? Os cidadãos brasileiros estão sendo submetidos ao regime de tutela legal: são relativamente incapazes, não estão aptos a raciocinar sozinhos" (sic).

Inacreditáveis tais colocações. Primeiramente, homossexualidade não é sinônimo de pederastia ou pedofilia (relacionamento com menores), pois a pedofilia também existe entre heterossexuais, na mesma proporção que entre homossexuais. Trata-se de absurdo preconceito a confusão de tais conceitos (que, novamente, é feita sem nenhuma base científica que lhe justifique).

Ademais, o Estado não estará considerando a homossexualidade um "supervalor" com a aprovação do PL 5003/2001: estará apenas proibindo o preconceito por orientação sexual, seja ela homo, hétero ou bissexual, assim como o preconceito por identidade de gênero. É pacífico que não há nenhum direito absoluto: a liberdade de pensamento, a liberdade filosófica e a liberdade religiosa têm limites, não são absolutas. A pessoa tem total liberdade para falar o que bem entender, contudo sofrerá conseqüências se afrontar o direito alheio – como o direito ao respeito (integridade física, psíquica, proibição da ofensa moral etc).

Troque o leitor "homossexual" por "negro" ou "mulher". Ou seja, pense o leitor no seguinte exemplo: imagine que um ministro religioso ou qualquer outra pessoa pregasse que negros fossem pessoas imorais cujo "estilo de vida" deveria ser combatido/condenado pela sociedade... Lembre-se o leitor das ideologias segregacionistas que existiam até bem poucas décadas atrás (como o apartheid) que colocavam negros e brancos em castas quase completamente separadas da sociedade, com argumentos idênticos ou, no mínimo, muito similares aos hoje utilizados contra homossexuais. Será que o leitor considera como permitida essa disseminação de ódio contra negros, mesmo se baseada em dogmas religiosos?

Pois bem, é exatamente isso o que acontece com homossexuais atualmente: inúmeros ministros religiosos e inúmeras pessoas em geral pregam o ódio e a intolerância contra homossexuais, disseminando idéias de repressão contra o homossexual que "ousa" ser ele mesmo e portar-se com seu namorado [05] da mesma forma que um heterossexual o faz com sua namorada...

A liberdade de expressão (filosófica, religiosa etc) tem limites: ninguém pode validamente ofender terceiras pessoas. Se ofender, estará incorrendo em ato ilícito e deverá ser punida por isso (danos morais, injúria, difamação etc – quanto a estes tipos penais, incidirão enquanto não for aprovado o PL 5003/2001 ou outro similar).

Ora, da mesma forma que se pune o preconceito por cor de pele com prisão visa-se punir o preconceito por orientação sexual e identidade de gênero com prisão. Os fatos sociais apontam para a existência de grande quantidade de atos preconceituosos por orientação sexual e identidade de gênero, donde a aprovação do PL 5003/2001 é medida absolutamente constitucional, que visa garantir a isonomia aos cidadãos homossexuais, bissexuais e transgêneros.

Por fim, veja-se este último trecho: "Não obstante a deficiência técnica e a manifesta inconstitucionalidade do presente projeto de lei, espero que vozes de bom senso se ergam enquanto há tempo, para evitar a aprovação dessa aberração pelo Senado. Ficaria muito satisfeito se ouvisse manifestações da CNBB, das comunidades evangélicas, das comunidades judaica e islâmica, de pessoas sensatas das letras jurídicas. Estou fazendo a minha parte. Não poderei ser acusado de omissão. Todavia, quem não preza a sua liberdade, não se queixe de perdê-la" (sic).

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A constitucionalidade do PL 5003/2001 foi cabalmente demonstrada (necessidade de proteção da comunidade GLBTT contra preconceito por orientação sexual e identidade de gênero, embora, como demonstrado, heterossexuais também se encontram protegidos por este projeto de lei). Contudo, o ponto a que queremos chegar com a transcrição deste trecho é o seguinte: será que aquele autor considera realmente que teria o direito de reprimir manifestações de amor homoafetivas quando ditas manifestações são permitidas/toleradas no caso de amor heteroafetivo?

É evidente que pessoas homossexuais têm o mesmo direito de serem respeitadas e de manifestarem seu afeto em público da mesma forma permitida às pessoas heterossexuais. Não há fundamento lógico-racional que justifique a discriminação de pessoas homossexuais em relação às pessoas heterossexuais pelo simples fato de terem orientação sexual diversa destas. Afronta flagrantemente a isonomia uma discriminação deste naipe, pois homossexuais (bissexuais etc) são trabalhadores e pagam seus tributos da mesma forma que heterossexuais, donde se têm as mesmas obrigações, também devem necessariamente ter os mesmos direitos.

Em suma: ninguém tem o direito de reprimir a manifestação do afeto de determinada pessoa quando tal é permitido a outra, assim como ninguém tem o direito de agredir física e psicologicamente nenhuma pessoa, em especial por uma característica sua que independe de escolha (orientação sexual não se escolhe, se descobre).


6. Conclusão

Ante o exposto, resta absolutamente demonstrada a constitucionalidade do PL 5003/2001, tendo em vista que a população GLBTT é gravemente discriminada no Brasil, sendo alvo cotidianamente de inúmeras agressões físicas e psicológicas por parte de pessoas homofóbicas, o que justifica a proteção estatal a tal parcela da população ante o aspecto material da isonomia. Por outro lado, heterossexuais também estão protegidos por este projeto de lei, visto que ele proíbe genericamente o preconceito por orientação sexual, seja ela qual for.


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VIEIRA, TEREZA RODRIGUES (coord.). BIOÉTICA E SEXUALIDADE. 1ª Edição, São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2004.


Notas

01 Note-se: não do "sexo" masculino ou feminino, mas da compreensão cultural de masculinidade e feminilidade – conceitos estes que variam conforme cada cultura: o que é masculino para determinada cultura muitas vezes não o é para outras. Os kils escoceses (usados em determinadas ocasiões) são uma prova disso, assim como o costume dos homens franceses de se cumprimentarem com beijos no rosto: tais atitudes não são consideradas masculinas no Brasil. No Brasil, o futebol é considero "esporte de homem", masculino; nos EUA, o futebol (soccer) é um esporte praticado principalmente por mulheres (tanto que é o país com maior número de títulos mundiais nessa modalidade – futebol feminino), sendo os "esportes masculinos", por exemplo, o beisebol, o basquete e o hóquei no gelo.

02"Art. 8º-B Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs: / Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.

03 Assim como bissexuais com companheiros(as) do mesmo sexo.

04 Nada excessivo – igual ao permitido/tolerado entre heterossexuais também "na rua".

05 Para usar o exemplo do homossexual masculino, ressaltando-se que o mesmo acontece com as mulheres homossexuais.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Constitucionalidade do Projeto de Lei nº 5.003/2001.: Uma réplica a Paul Medeiros Krause. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1497, 7 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10248. Acesso em: 22 nov. 2024.

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