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Da execução das decisões de pagar quantia pela técnica diferenciada

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Agenda 08/05/2008 às 00:00

5. Dos requisitos para a execução diferenciada

Segundo nossa concepção, os requisitos para a execução diferenciada das decisões definitivas são os mesmos que fizeram a doutrina e a jurisprudência permitir, nas condições acima apreciadas, a execução diferenciada para as decisões provisórias, vale dizer: a) a verossimilhança de direito do credor; e, b) o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação a tal direito; ou, b1) a constatação de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do devedor.

Estes requisitos que autorizam a execução diferenciada encontram-se positivados no art. 273 do CPC, o qual é norma de referência dentro do nosso sistema para toda e qualquer situação em que se evidencie necessidade de se empregar efetividade à satisfação de um direito que se apresente, no mínimo, verossímil. [16]

Com efeito, o art. 273, mais do que fixar elementos para a satisfação antecipada em um processo de conhecimento, fixou uma técnica consistente, segundo Cândido Rangel Dinamarco, "em oferecer rapidamente a quem veio ao processo pedir determinada solução para a situação que descreve, precisamente aquela solução que ele veio ao processo pedir. Não se trata de obter medida que impeça o perecimento do direito, ou que assegure ao titular a possibilidade de exerce-lo no futuro". A técnica conceder-lhe-á o exercício do próprio direito afirmado. [17]

Preenchidos os requisitos autorizadores, deve a técnica diferenciada ser deferida. No caso da execução definitiva, a situação se torna mais fácil do que na provisória, porquanto o primeiro requisito a ser verificado, a verossimilhança, já se encontra naturalmente superado pelo juízo de certeza a respeito do direito (em execução). Em realidade, não se investiga mais a aparência de direito do credor, porquanto tem-se a certeza dele em virtude do trânsito em julgado da decisão judicial (ora exeqüenda) que o reconheceu.

O segundo requisito a ser analisado para concessão da técnica diferenciada se mostra alternativo, podendo apresentar-se sob a forma de fundado receio de dano de difícil recuperação ao direito do credor ou abuso do direito de defesa por parte do devedor.

O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação está ligado à questão temporal, isto é, ao prejuízo que advirá justamente do processamento do procedimento tradicional de execução pelo credor para fazer valer o direito. Pode-se, por exemplo, citar a situação de um credor de alimentos que necessita da verba alimentar inadimplida nos últimos 20 meses para realizar tratamento de saúde, não podendo esperar o tempo de desenvolvimento da execução pela forma tradicional. Veja-se que, neste caso, mostra-se inócuo o pedido de execução pelo art. 732 ou 733, ambos do CPC, seja em face do tempo que necessitaria a execução para se desenvolver pela forma sub-rogatória, seja em razão da impossibilidade de processamento do pedido de prisão pelo fato do número de meses de inadimplência ser superior a três [18].

De fato, o foro é rico em apresentar situações onde o processamento da execução pela modalidade sub-rogatória se afigura altamente danosa ao credor, devendo para tais casos, ser aceita a técnica diferenciada coercitiva. Pode-se lembrar, por exemplo, do credor que esteja passando por sérias dificuldades financeiras e, inclusive, se encontre pagando juros à instituição bancária para sobreviver, não sendo razoável que tenha que se submeter ao processamento da execução pela forma tradicional expropriatória (a qual, diga-se de passagem, jamais lhe permitirá receber do devedor os mesmos juros que está pagando à instituição bancária). A urgência no recebimento dos valores, no caso, autoriza a forma diferenciada de execução para evitar maiores danos ao jurisdicionado que teve o direito já reconhecido por sentença transitada em julgado.

Com efeito, não é justo que, diante de situações de periclitância do credor, deva este aguardar a tramitação do modelo tradicional de expropriação que, ao fim, representará uma denegação de justiça pelo tempo que levará para atingir a satisfação do direito.

O abuso do direito de defesa, como segundo requisito alternativo ao deferimento da tutela executiva diferenciada, diz respeito à desproporcionalidade do procedimento utilizado pelo devedor diante da situação fática. Pode-se, por exemplo, lembrar o caso do devedor que, ao longo do próprio procedimento expropriatório, começa a valer-se de expedientes para protelar o direito do credor, em legítimo abuso do processo. Também o mero fato de o credor ter claras condições de adimplir a dívida, já reconhecida e transitada em julgado, e não o fazer, à espera do procedimento sub-rogatório, sem dúvida apresenta-se como ato inaceitável e de claro abuso.

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Por certo, não se justifica a utilização da execução na forma sub-rogatória, por exemplo, diante de uma situação de inadimplemento de dívida de pequeno ou médio valor contra devedor abastado, já que isso se apresenta como abuso de direito.

Segundo registrou Chaim Perelman, "o que é essencial é que, num Estado Democrático de Direito, quando um poder legítimo ou um direito qualquer é submetido ao controle judiciário, ele poderá ser censurado se for exercido de forma desarrazoada, portanto, inaceitável." [19]

De se notar que nada autoriza que uma simples execução de sentença leve anos se desenvolvendo, quando, muitas vezes, poderia ser solucionada num curto prazo, acaso contasse com a colaboração do devedor que, ao invés de valer-se de expedientes para protelar o cumprimento, poderia alienar seus bens extrajudicialmente para adimplir a obrigação.

Constitui verdadeiro abuso o postergamento desarrazoado do processo, devendo, sempre que se verificar tal situação, ser adotadas medidas alternativas para afastar a situação lesiva.

Ora, a satisfação de um crédito a longo prazo presume-se que se constitua, até prova em contrário – porque a vida assim demonstra -, em fato gerador de dano pesado a cargo do credor, devendo o sistema operar contra tal situação iníqua.

A falta de uma técnica capaz de satisfazer um direito quando evidente e em risco, ou quando verificada a utilização abusiva do direito de defesa contra ele, sem dúvida, representa uma falta do Estado com o seu compromisso de prestar uma adequada tutela jurisdicional, o que, evidentemente, não se pode admitir [20], devendo-se, destarte, aceitar-se técnicas diferenciadas para afastar tal situação.


6. Do emprego de meios coercitivos nas execuções diferenciadas

Nas situações onde a forma tradicional de execução não se mostrar adequada, evidenciando-se o preenchimento de certos requisitos, poderá o magistrado valer-se da técnica diferenciada coercitiva para fazer valer sua decisão, isto é, poderá emitir ordem para cumprimento da decisão proferida em prazo razoável, sob pena de o obrigado responder por uma sanção.

A sanção a ser aplicada para o caso de descumprimento da decisão deverá ostentar efeito verdadeiramente coativo e inibitório, vale dizer, deverá ser contundente o suficiente a fim de atuar psicologicamente sobre a vontade do devedor, mostrando-lhe que mais vale cumprir a decisão do que se sujeitar aos efeitos da sanção que incidirá no caso de seu descumprimento.

A medida deverá ser fixada caso a caso, segundo o prudente arbítrio do juiz, respeitando a proporcionalidade. De nada valerá a fixação de medida que seja desproporcional ou que vise a alterar uma situação na qual o devedor não tem ingerência.

De outra banda, mostra-se correto o pensamento segundo o qual quanto mais facilmente puder ser satisfeita a decisão pelo devedor que tem patrimônio, mais desarrazoado é o descumprimento e mais contundente deverá ser o meio coercitivo. Outrossim, a imprescindibilidade por parte do credor do adimplemento da obrigação pelo devedor, igualmente, autoriza a aplicação de sanções contundentes para o caso de descumprimento da ordem.

O meio coercitivo a ser arbitrado deve levar em conta as peculiaridades do caso fático, mediante decisão fundamentada. De se frisar que deve ser utilizado como forma de forçar o cumprimento possível da decisão, e não como maneira de agravar ainda mais a situação do devedor que não ostenta patrimônio ou condições de pagar o débito. Aliás, se o devedor não ostentar verdadeiras condições de adimplir, o meio coercitivo, perde a razão de ser e não será exigível.

A medida sancionatória será fixada para o futuro e não deve ser arbitrada visando ao fato de o demandado se sujeitar a ela, mas, sim, para que psicologicamente não queira a ela se submeter.

Não se verifica razão, data venia, na preocupação de parte da doutrina [21] no sentido de que, se o magistrado puder criar uma sanção para o caso de desatendimento da decisão, pode "ampliar’ o seu poder e surpreender as partes, o que seria de fato seria perigoso.

Ora, tal preocupação não procede, pois o poder que se está atribuindo ao juiz já lhe é outorgado em inúmeras outras situações (v.g. nas obrigações de fazer). De outro lado, aqui, as sanções somente terão sua manutenção acaso o devedor, tendo condições de cumprir a obrigação, sem qualquer razão, não o faça. Em outras palavras, se o executado não tiver condições de adimplemento, não subsiste a medida coercitiva, não se mantendo a sanção criada pelo juiz.

Ora, não há dúvida de que a aplicação de uma sanção cumulada à regra do art. 475-J, tal como multa diária, é de grande impacto e dá mais força à decisão judicial que determina o cumprimento da sentença. Tal sanção serve para moralizar a atuação do devedor, à medida que somente atuará sobre ele caso dolosamente tenha condições de adimplir e não o faça. Aliás, tal situação de onerosidade somente no caso de descumprimento doloso é da essência de qualquer medida coercitiva, inclusive daquela do art. 475-J, aliás, como bem já observou o processualista gaúcho Guilherme Rizzo Amaral:

"Assim, sendo o réu desprovido de patrimônio, ou sendo impossível o cumprimento da obrigação contida no preceito, não há que se falar em aplicação da multa, eis que inadequada, inapta para coagir o demandado. (...) Adequado, assim, é afastar a multa de 10%, caso o devedor venha a comprovar, no curso do processo, a ausência de patrimônio apto a saldar o valor da condenação." [22]

A situação, aliás, é parecida com aquela que se verifica nas obrigações de fazer, nas quais a sanção imposta perde a eficácia, caso não puder ser satisfeita por razões externas a vontade do devedor [23].

Data venia, a sustentação de impossibilidade de fixação de meios coercitivos para forçar o cumprimento da sentença somente interessa ao devedor que tem condições de adimpli-la, mas não quer, já que, se assim não fosse, não teria por que se preocupar com tal sanção.

O meio coercitivo repousa na conduta dolosa por parte do executado que não se dispõe a voluntariamente cumprir a ordem, muito embora tenha patrimônio. Com este, que avilta a justiça, o sistema não pode compactuar.

6.1. Das espécies de meios coercitivos e técnicas alternativas

Para as decisões que devem ser cumpridas imediatamente, seja em função de perigo de dano irreparável (art. 273, I) ou de abuso de direito de defesa (art. 273, inc. II), têm-se utilizado as medidas coercitivas previstas no art. 461, parágrafos 4º e 5º, do CPC, as quais, no entanto, são meramente exemplificativas.

A fixação de multa diária para o caso de desatendimento da decisão [24] é uma das modalidades mais simples de ser empregada, ostentando claro efeito inibitório à medida que vai onerando o devedor a cada dia em que prossegue a inadimplência. Trata-se de medida eficiente e que, pois, não pode ser vedada, aliás, conforme já registrou Daniel Francisco Mitidiero [25].

A propósito, Marcelo de Lima Guerra, não somente defende a aplicação da multa como meio coercitivo para as obrigações de pagar quantia, como também refere que ela deve ser tratada com preferência, em primeiro lugar. [26]

Particularmente, embora sejamos defensores da aplicação da multa, entendemos que ela não tem preferência alguma e que é o caso fático que vai apresentar sua conveniência. Muitas vezes não será cabível a multa pela própria incapacidade patrimonial do devedor, devendo logo, ser aplicado outro meio coercitivo.

Seja como for, a multa uma vez fixada, como tem caráter de coibição ao descumprimento da decisão, somente começará a fluir após a intimação da parte para cumprir a decisão, ciente da cominação de multa, e mesmo assim se verifique o inadimplemento, que se configurará após esgotado o prazo para atendimento da decisão [27].

Assim como qualquer outra sanção, a multa não pode ser fixada de forma retroativa. A aplicação retroativa pode ser comparada àquela situação de "nulla poena, sine praevia lege", vale dizer, nula é a penalidade sem disposição válida que a culmine antes do ato tido como ilícito. [28]

A exigibilidade da multa se dá a partir do primeiro dia de descumprimento da obrigação cominada, podendo aquele que figura como seu beneficiário executá-la em partes e periodicamente durante a tramitação da ação. Tal execução da multa trafegará pela modalidade sub-rogatória, mas nem por isso perde sua vantagem coercitiva porquanto representa gravame ao demandado.

Além da multa para o caso de desatendimento da ordem de adimplir a obrigação, mostra-se possível a aplicação de meio coercitivo consistente na suspensão de algum direito do demandado, desde que não seja fundamental, como por exemplo, o de dirigir veículo automotor enquanto não satisfazer a obrigação constante da sentença. Trata-se de medida coercitiva poderosa contra o devedor que dirige, porque diariamente estará incidindo sobre sua vida enquanto não cumprir a decisão.

A restrição a um direito, sem dúvida, apresenta grande força para os casos em que o devedor ostenta condições de adimplir a dívida principal, mas não possui condições de adimplir com eventual multa coercitiva, a qual, destarte, se apresentaria inócua. A restrição, por exemplo, de utilização do telefone celular pelo devedor, como meio inibitória ao não cumprimento da decisão judicial de adimplir com a sentença, pagando o que deve, pode representar gravame na vida diária do demandado, causando-lhe dissabores que se apresentam como desestímulo ao desatendimento injustificado da decisão.

O desrespeito à sanção imposta e em vigência (por exemplo, suspensão do direito de dirigir em razão do desatendimento à decisão judicial), terá sua prova a cargo do credor e, uma vez comprovada, em tese, autorizará o juiz a remeter cópia dos autos ao Ministério Público para propor denúncia, na esfera adequada, já que, em tese, configurada a ocorrência do crime de desobediência (art. 330, CP).

Lembre-se, contudo, que a sanção a ser aplicada, seja ela qual for, somente será exigível nos casos em que o devedor injustificadamente não cumprir a decisão.

A pena de prisão, ainda que meramente coercitiva, não se afigurará possível, porquanto no nosso sistema é absolutamente proibida a prisão civil fora dos casos autorizados pela própria Constituição Federal de 1988, a qual limita a permissão às hipóteses de alimentante inadimplente e depositário infiel.

Não procede o argumento sustentado por parte da doutrina autorizada [29], segundo o qual a Constituição teria referido somente a proibição de prisão "por dívida", de forma que o emprego da prisão como mecanismo de coerção processual não encontraria qualquer óbice.

Ora, se a Constituição autorizasse a prisão civil fora dos casos de dívida monetária, como defendem alguns, como se pode explicar que a própria Carta menciona, como exceção, a prisão civil do depositário fiel, que não tem sua prisão decretada em razão de dívida? Se a regra fosse a de possibilidade de prisão civil, salvo os casos de dívida, não faria sentido a exceção constante no texto constitucional referente ao depositário fiel que, com efeito, nada tem a ver com dívida.

Aliás, tal linha de raciocínio, já sedimentada por parte da inteligência doutrinária pátria [30], é bem exposta por Eduardo Talamini [31]: "a prisão civil do depositário infiel funciona precisamente como mecanismo de preservação da autoridade do juiz". "O preceito constitucional consagrou essa hipótese como exceção justamente porque a regra geral nele contido é a vedação de qualquer prisão civil (qualquer prisão que não seja aplicada como sanção retributiva à prática de conduta tipificada como crime)."

Destarte, somente com a alteração do texto constitucional se poderá falar em prisão civil por descumprimento de ordem judicial.

Fora essas sanções, existem inúmeras outras que o julgador poderá, dentro das peculiaridades do caso concreto e segundo o seu prudente arbítrio, determinar para forçar o adimplemento voluntário da obrigação, afastando-se a necessidade da técnica sub-rogatória, infelizmente tão degradada e morosa.

Sobre o autor
Márcio Louzada Carpena

advogado em Porto Alegre (RS), mestrando em Direito Processual Civil pela PUC/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARPENA, Márcio Louzada. Da execução das decisões de pagar quantia pela técnica diferenciada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1772, 8 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11212. Acesso em: 19 nov. 2024.

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