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Aspectos controversos da interrupção do fornecimento de energia elétrica por falta de pagamento

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Agenda 29/10/2008 às 00:00

8. A INADIMPLÊNCIA NA CONTRAPRESTAÇÃO

Sem prejuízo da contínua prestação do serviço público, o art. 6º, § 3º, da Lei nº 8.987/95, dispõe de modo exaustivo das situações em que a sua interrupção é excepcionalmente permitida, a saber: (i) em caso de emergência; (ii) circunstâncias específicas de origem conhecida e previsível, desde que precedidas de aviso (razões de ordem técnica, segurança das instalações e inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade).

Interessa-nos a terceira hipótese contemplada na Lei nº 8.987/95, que enseja a interrupção do serviço em face da inadimplência do usuário quanto ao pagamento do valor cobrado a título de remuneração pela prestação do serviço. Enquanto, de um lado, a concessionária tem o dever de disponibilizar um serviço adequado, eficiente, seguro e contínuo, desde que essencial, de outro lado, cumpre ao usuário remunerá-la pelo serviço prestado.

Nesse sentido, para o fornecimento de energia elétrica, o art. 14, I, da Lei nº 9.427/96 expressamente dispõe que o consumidor final é responsável pela contraprestação pela execução do serviço, mediante o pagamento de tarifa. Idêntica assertiva contém o art. 91, da Resolução nº 456 da ANEEL, "in verbis":

Art. 91. A concessionária poderá suspender o fornecimento, após prévia comunicação formal ao consumidor, nas seguintes situações:

I - atraso no pagamento da fatura relativa a prestação do serviço público de energia elétrica.

O descumprimento intencional da obrigação, portanto, implica em violação ao dever de pagar pelo benefício auferido e incorporado à esfera patrimonial do devedor. Isto é, embora ciente do "quantum debeatur", o usuário voluntariamente deixa de adimplir com a obrigação pecuniária devida e, por isso, obtém vantagem econômica ao não despender a quantia que seria investida como contraprestação.

No tocante ao fornecimento de energia elétrica, o serviço é feito em prestações continuadas, o que quer dizer que a obrigação de pagar se renova a cada vencimento, mês a mês. Nessa hipótese, o vencimento da obrigação, desde que acompanhado de prévio aviso, constitui o devedor desidioso em mora, nos termos do art. 394, combinado com o art. 397 do CC/2002.

Cumpre destacar que o art. 6º, § 3º, da Lei nº 8.987/95, ao arrolar a inadimplência do usuário como causa de interrupção do serviço a ele prestado, desde que pré-avisado, não faz referência ao descumprimento fortuito da obrigação. Considerando-se que a regra em comento é medida excepcional e restritiva da esfera de direitos dos usuários, plausível que seja interpretada nos limites de sua redação.

Nesse sentido, não deve o operador do Direito, ao interpretar o conteúdo da norma, expandir o alcance da restrição pretendida pelo legislador ordinário, em prejuízo dos usuários do serviço. Como a Lei previu a inadimplência pura e simples, sem qualquer destaque quanto ao descumprimento fortuito, é certo que a leitura do dispositivo deve contemplar somente a hipótese de inadimplência culposa da obrigação.

Com efeito, não seria razoável admitir como causa de interrupção do serviço a inadimplência do usuário em função de fator alheio à sua vontade. Se o evento que repercutiu a mora escapa ao domínio do usuário, impõe-se reconhecer a ilegalidade da interrupção fundada nesse motivo, com lastro no art. 396, combinado com o art. 393, "caput", do CC/2002.

Não obstante, ao permitir a interrupção do serviço público quando verificada a inadimplência do consumidor, o art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95, ressalva: "considerado o interesse da coletividade". "A priori", a interrupção do serviço por falta de pagamento afeta somente a esfera de direitos patrimoniais do consumidor individualmente considerado. Não há repercussão direta contra terceiros estranhos à relação firmada entre a concessionária e o consumidor contratante do serviço, ora inadimplente.

No serviço de fornecimento de energia elétrica, considerando que a sua execução se dá de modo específico e de livre fruição, portanto, um serviço "uti singuli" remunerado por tarifa, a prestação pode ser suprimível quando verificada a inadimplência do usuário. O mesmo não acontece com os serviços gerais ou "uti universi", isto é, aqueles prestados compulsoriamente e remunerados por tributo geral, o que, consequentemente, impede o seu sobrestamento.

Destarte, em situações peculiares a interrupção pode inviabilizar determinadas atividades relevantes para a sociedade, cuja ausência importa em graves prejuízos não só ao consumidor inadimplente, mas também ao universo de sujeitos indeterminados que mantém alguma relação de dependência com aquele. Haveria, então, reflexos tanto na esfera privada do devedor como nos vários indivíduos beneficiados com a atividade por ele desempenhada. Assim, quando a energia é fornecida a entidades que prestam serviços públicos essenciais propriamente ditos, v.g., hospitais e estações de tratamento de água, sua prestação é insusceptível de interrupção. Nesse sentido, Fábio Amorim da Rocha assevera:

Evitando prejuízos à coletividade, dificuldades no Judiciário em se reverter liminares concedidas, jamais a suspensão do fornecimento do serviço por falta de pagamento deverá atingir as redes de iluminação pública, praças e logradouros públicos, assistência médica e hospitalar, tratamento e abastecimento de água, captação e tratamento de esgoto e lixo, transporte coletivo, creches, escolas, etc [grifo nosso]. [39]

Do contrário, restaria prejudicada toda a coletividade indistintamente, mormente quando somadas as mazelas desencadeadas com a falta de energia naqueles estabelecimentos, como o aumento da violência em locais ermos, equipamentos hospitalares inoperantes, escassez generalizada de água nas residências, ou o acúmulo de lixo orgânico em decomposição nos centros urbanos, por exemplo. Por isso, antes de paralisar o serviço, a despeito da falta de pagamento, a concessionária deve observar se há interesse da coletividade envolvido, caso em que estará desautorizada a interrupção, segundo o disposto no art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95.

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O fato de a norma ressalvar o interesse coletivo, porém, não significa impossibilidade absoluta de interrupção do serviço quando o usuário é o próprio Poder Público. Ao contratar o fornecimento de energia elétrica para um determinado órgão ligado ao Ente Federado, por exemplo, a Administração Pública faz às vezes do consumidor, posto ser ela a destinatária final da relação. Da mesma forma, quando uma entidade pública com personalidade jurídica própria pactua junto à concessionária o fornecimento de energia elétrica para as suas instalações, há relação de consumo e, por isso, remanesce o vínculo obrigacional entre as partes.

De um lado, a concessionária se obriga a disponibilizar o serviço de modo adequado e contínuo e, de outro, o Ente Público usuário do serviço responsabiliza-se pela remuneração correspondente. Nesse sentido, "a continuidade do serviço público é assegurada não por conta da natureza jurídica do respectivo ente, mas em favor do interesse da coletividade que não pode ser privada dos serviços essenciais ao bem comum". [40]

Muitos municípios inadimplentes têm advogado no sentido de que não seria possível a interrupção do fornecimento de energia elétrica, pois, em se tratando de serviço prestado ao Poder Público enquanto unidade consumidora, haveria sucumbência do interesse público em proveito do particular. Para essa corrente, embora não se trate de um contrato administrativo disciplinado pelas normas próprias do Direito Público, aplicar-se-ia o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular ao ajuste firmado entre o Ente consumidor e o fornecedor do serviço, mesmo sendo esta relação contratual regida preponderantemente pelo Direito Privado:

Por outro lado, se o usuário do serviço for pessoa jurídica de Direito Público, a interrupção do fornecimento é inadmissível, porque, além de estar em causa o interesse público – cuja supremacia é indiscutível em termos principiológicos –, o ente público pode invocar, em sentido diametralmente oposto, o postulado da continuidade dos serviços que presta à população em geral. [41]

É cediço que o interesse público deve prevalecer quando em conflito com interesse privado. Todavia, a inadimplência contumaz da Administração Pública não deve ser tomada como pressuposto de manutenção da estrutura administrativa do Estado. Afinal, vale a regra de que as despesas do Erário Público devem ser previstas e lançadas no orçamento, cujo cumprimento deve ser minuciosamente observado na gestão financeira, conforme determina o art. 165 e seguintes da CF.

Ora, se o custo do fornecimento de energia é antecipadamente lançado no orçamento, atrelado à respectiva fonte de receita, a falta de pagamento da obrigação pecuniária somente pode resultar da desídia do gestor público, quando não raro da destinação diversa da verba que fora reservada segundo a Lei Orçamentária. Tal conduta, além de moralmente repreensível, poderá ensejar responsabilização na esfera administrativa, cível e criminal. Nesse sentido, Raul Luiz Ferraz Filho e Maria do Socorro Patello de Moraes acrescentam que:

Ao coagir seu co-contratante a desembolsar seus recursos para custear a prestação de serviços públicos, a Administração Pública viola a garantia patrimonial da concessionária, pois desequilibra a equação econômico-financeira da concessionária e a liberdade de trabalho do agente econômico, ao mesmo tempo em que viola a garantia de imutabilidade contratual e modifica o seu objeto, já que se impõe a adição de contrato acessório de financiamento. E tal ilícito não tem sustentação na ordem jurídica, que se funda na boa-fé dos contratos. [42]

A propósito, Luiz Gonzaga Pereira Neto, ao analisar o princípio da continuidade do serviço público, explica que "sua função teleológica é proteger a coletividade e não a Administração Pública". [43] Por isso, o princípio da supremacia do interesse público não pode ser aclamado em defesa de um suposto direito de continuidade "ad aeternum" do serviço prestado à pessoa jurídica de Direito Público, sob pena de institucionalização da inadimplência contumaz.


9. CONCLUSÃO

Quando a utilização do serviço específico e divisível é compulsória, a sua mera disponibilidade faz surgir para o usuário a obrigação de pagamento, na modalidade de taxa (tributo específico). De outro lado, quando a utilização do serviço público é facultativa, a remuneração deste é feita mediante tarifa ou preço público, sendo devida apenas quando efetivamente auferido o serviço pelo usuário. É o que ocorre, na maioria das vezes, com o fornecimento de energia elétrica, mormente quando prestado via concessionária.

Não obstante, a atividade econômica ligada à prestação de serviços públicos sofre especial limitação no seu exercício, sobretudo ao ser submetida às regras próprias do regime de Direito Público, tendo em vista a preservação do interesse da coletividade. Através da aplicação do princípio constitucional da função social da propriedade, tanto as concessionárias prestadoras de serviços públicos quanto o próprio Poder Público concedente devem buscar alternativas concretas de modo a viabilizar a confluência entre a atividade econômica e a garantia da existência digna, tracejada pelos ditames da justiça social, a exemplo das chamadas "tarifas sociais". Até porque, a principal finalidade do serviço público não é garantir uma rentabilidade ao Estado, mas assegurar a disponibilidade de determinadas atividades reputadas relevantes à sociedade.

Assim, o fornecimento de energia elétrica cumpre com a sua função social ao satisfazer às necessidades essenciais da população, de modo adequado, eficiente e contínuo, desde que atendidos, ainda, os requisitos de segurança, atualidade, generalidade e modicidade das tarifas. Vale destacar que, se o serviço interessa a toda a sociedade, deve ser garantida não só a sua disponibilidade, mas também a sua contínua prestação, com fulcro na supremacia do interesse público.

Em função do relevante interesse público investido na prestação do fornecimento de serviço de energia elétrica, sabe-se que o próprio exercício do direito de greve constitucionalmente assegurado na Lei Maior pode sofrer limitação, com o objetivo de preservar, ainda que parcialmente, as atividades reputadas essenciais. Em que pese considerar-se exaustivo o rol de atividades essenciais descritas no art. 10, da Lei nº 7.783/89, que regulamenta o exercício do direito de greve, é possível questionar que não só aqueles, mas também outros serviços cuja supressão possa acarretar "perigo iminente a sobrevivência, a saúde, ou a segurança da população", podem ser concebidos como essenciais, com supedâneo no art. 11, parágrafo único, daquele mesmo diploma legal.

Entrementes, a relação firmada entre o Poder Público concedente e o particular a quem foi delegada a execução do serviço não se confunde com a relação entre este último e o usuário do serviço. A primeira situação é regida eminentemente pelas disposições e princípios inerentes ao regime de Direito Público; a segunda, quase sempre evidencia uma relação de consumo – própria do Direito Privado –, desde que o usuário seja o destinatário final do serviço prestado.

A exploração do serviço público de fornecimento de energia elétrica, à luz do art.175, da CF, está sujeita à concessão, autorização ou permissão, exigindo-se, para tanto, prévia licitação. Todavia, embora a execução possa ser transferida a um particular quando assim aprouver o interesse público, a titularidade do serviço permanece sob a responsabilidade do Poder Público concedente, que não se desincumbe do dever de fiscalização, através de sua Agência Reguladora.

Como corolário do regime jurídico inerente aos contratos administrativos estabelecidos entre o Poder Público e as concessionárias de serviço público, elementar a sujeição dessa relação, sobretudo, aos princípios do inescusável do Estado de promover-lhe a prestação; supremacia do interesse público; adaptabilidade; universalidade; impessoalidade; continuidade; transparência; motivação; modicidade das tarifas; e controle sobre as condições de sua prestação. Destarte, com lastro no princípio da proporcionalidade, é garantida à concessionária a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, "ex vi" do art. 9º, §§ 2º e 4º, da Lei nº 8.987/95.

Por outra vertente, a relação enveredada ao usuário do serviço em face da concessionária evidencia uma típica relação de consumo, desde que o fornecimento encontre nesse usuário a figura do destinatário final do serviço, nos moldes dos arts. 2º e 3º, do CDC. Todavia, se o serviço prestado se destina à integralização do processo produtivo, exclui-se a caracterização da relação de consumo.

Nesse sentido, os serviços públicos remunerados por tributo não podem ser inseridos no âmbito da relação de consumo, eis que corrobora numa relação tributária entre Estado e contribuinte. Diferentemente, os serviços custeados por tarifa admitem a caracterização da relação de consumo, já que excluída do campo da incidência tributária.

A partir da análise do art. 2º, "caput", do CDC, verifica-se que não há óbice para que a pessoa jurídica de Direito Público seja considerada consumidora e, portanto, sujeita à especial proteção daquele diploma normativo. Com efeito, compreende-se que a presunção de vulnerabilidade (art. 4º, I, do CDC), ao menos sob o aspecto do domínio da técnica, estende-se também ao Poder Público, desde que destinatário final de produtos ou serviços disponibilizados no mercado de consumo.

Figurando no polo da relação de consumo, a Administração Pública não assume posição privilegiada perante a concessionária, tal como ocorreria nos contratos administrativos regidos pelo Direito Público. Assim, a pessoa jurídica de Direito Público, enquanto unidade consumidora, receberá o mesmo tratamento dispensado aos demais usuários do serviço.

Quanto à interpretação da obrigatoriedade da prestação de serviços contínuos, quando essenciais, a doutrina e a jurisprudência não são pacíficas. Há quem entenda que, a partir da proposta lançada no art. 22, do CDC, além de adequados, eficientes e seguros, nenhum serviço essencial pode sofrer solução de continuidade.

Em aparente colisão com o disposto no art. 22, do CDC, o art. 6º, § 3º, da Lei nº 8.987/95, disciplina as hipóteses em que a interrupção não constitui descontinuidade do serviço, a saber: situações emergenciais, razões de ordem técnica ou de segurança das instalações, e a inadimplência do usuário.

Segundo a corrente defensora da impossibilidade de interrupção do serviço essencial, a medida impõe ao devedor consequências que ultrapassam a sua órbita patrimonial, fazendo recair sobre ele a responsabilidade pessoal pela inadimplência, o que fere de morte o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Além disso, em decorrência da própria essencialidade do serviço, a sua supressão total encontra-se vedada pela Lei nº 7.783/89, aplicada por analogia, mormente ao restringir o exercício do direito de greve em atividades consideradas essenciais.

Conforme ainda os que advogam a ilegalidade da medida de interrupção do fornecimento de energia elétrica em face da inadimplência do usuário, a concessionária não poderia optar pela via mais gravosa ao consumidor, posto lhe ser facultado o manejo da demanda judicial para a satisfação do crédito. Vale dizer, a interrupção evidenciaria uma medida indireta de cobrança de dívida, o que escapa à "mens legis". Destarte, o empreendimento responsabiliza-se pelo o risco inerente à sua atividade, inclusive quanto ao inadimplemento de alguns usuários.

Em que pese as respeitáveis argumentações em defesa da inadmissibilidade da interrupção do fornecimento de energia elétrica aos usuários inadimplentes, tal entendimento pode ser refutado à luz de uma interpretação sistemática da legislação vigente e dos princípios constitucionais.

Levando-se em consideração a existência hipotética de antinomia entre as normas regentes, dois aspectos merecem destaque. Num primeiro momento, dada a vulnerabilidade do consumidor na relação jurídica e o caráter principiológico das normas do CDC, há de se reconhecer que os dispositivos legais devem ser interpretados favoravelmente ao consumidor. Num segundo plano, porém, aplicando-se a regra de solução em direito intertemporal, verifica-se que tanto pela regra da especialidade como pela regra da posterioridade a Lei nº 8.987/95 não é derrogada pelo CDC.

A essencialidade do serviço de "produção e distribuição de energia elétrica" explicitada no art. 10, I, da Lei nº 7.783/89, deve ser interpretada em consonância com disposto no art. 11, parágrafo único, daquele mesmo diploma legal. Vale dizer, são essenciais os serviços dos quais, além de inseridos no rol dos que são insusceptíveis de paralisação pelo movimento paredista, seu desatendimento coloque em perigo iminente a sobrevivência, a saúde, ou a segurança da população. Assim, à luz do que dispõe o art. 22, do CDC, por exclusão, não há obrigação de continuidade quando o serviço não é considerado essencial.

Descumprindo o usuário com a obrigação de remunerar pelo serviço prestado e consumido, ocorre o rompimento unilateral da avença, restando inexigível da concessionária o adimplemento correspondente, com fundamento na "exceptio non adimpleti contractus" (art. 477, do CC/2002). A interrupção do fornecimento de energia decorre, portanto, da resolução contratual por inexecução culposa do devedor, o que afasta a ideia de caráter de cobrança indireta ou sanção.

Além disso, não se pode obrigar o fornecedor a prestar gratuitamente um serviço, se assim não se obrigou por força de contrato ou por determinação legal. Do contrário, a continuidade nessas circunstâncias importaria em enriquecimento ilícito por parte do devedor contumaz (art. 884, "caput", do CC/2002), o que também realça ofensa ao princípio da boa-fé objetiva (art. 113, do CC/2002) e ao princípio da isonomia material (art. 5º, "caput", da CF).

Cumpre destacar que, ao atuar sob o amparo do art. 6º, § 3º, da Lei nº 8.987/95, dos arts. 14, I e 17, "caput", da Lei nº 9.427/96, além do art. 91 da Resolução nº 456/00 da ANEEL, o ato de interrupção manejado pela concessionária reveste-se de licitude. Todavia, subsiste à concessionária o dever de disponibilizar permanentemente o serviço à população, de modo a permitir o acesso universal ao serviço, tendo em vista a função social que lhe é inerente. Em outras palavras, não é facultado à concessionária interromper arbitrariamente o serviço segundo sua conveniência e oportunidade.

Há, ainda, situações em que, embora inicialmente permitida a interrupção do serviço ante a inadimplência do usuário, a ausência do serviço importa em prejuízo que transcende ao indivíduo inadimplente. É o caso em que o serviço é prestado a um usuário determinado que desenvolve atividade de interesse público, v.g., as hipóteses enumeradas no art. 94, parágrafo único, da Resolução nº 456/00, da ANEEL, dentre elas unidades hospitalares e de tratamento de água e esgoto. Nessas situações peculiares, em razão do interesse maior da coletividade, a possibilidade de interrupção resta obstada, em conformidade com o que dispõe o art. 6º, § 3º, II, da Lei nº 8.987/95.

A ressalva ao interesse coletivo, todavia, não autoriza a desídia por parte do Poder Público, enquanto unidade consumidora, na obrigação de pagar a respectiva remuneração pelo serviço auferido, já que não se justifica como interesse público.

Há que se prevalecer, portanto, a possibilidade de interrupção do serviço público de fornecimento de energia elétrica, mediante a inadimplência do usuário, salvo circunstâncias excepcionais em que há potencial prejuízo ao interesse público.

Sobre o autor
André Luiz Berro Pereira

Advogado Especialista em Direito Público pela UNIFACS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, André Luiz Berro. Aspectos controversos da interrupção do fornecimento de energia elétrica por falta de pagamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1946, 29 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11902. Acesso em: 5 nov. 2024.

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