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Agora é lei: quarto de hotel é local de freqüência individual e de uso exclusivo do hóspede

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Agenda 09/04/2009 às 00:00

A cobrança de direitos autorais pela disponibilização de equipamentos de som e imagem (rádio e televisão de canais abertos e por assinatura) em quartos de hotel é objeto de grandes controvérsias.

SUMÁRIO

: 1. Introdução. 2. Evolução Legislativa. 3. Posicionamento jurisprudencial. 4. A nova Lei nº 11.771/2008. 5. Conclusões. 6. Referências Bibliográficas

1. INTRODUÇÃO

cobrança de direitos autorais pela disponibilização de equipamentos de som e imagem (rádio e televisão de canais abertos e por assinatura) em quartos de hotel constitui, de longa data, matéria que tem sido objeto de grandes controvérsias.

A Lei de Direitos Autorais - LDA classifica hotéis como "local de freqüência coletiva", em redação que agride a melhor técnica legislativa, posto que o parágrafo 3º do artigo 68 disciplina matéria diversa daquela constante do caput do referido artigo, que versa sobre representações "representações e execuções públicas".

Por outro lado, na falta de uma conceituação específica para os quartos de hotel, estes são englobados pela atual LDA no conjunto de dependências hoteleiras, as quais caracterizadas como "local de freqüência coletiva". Assim, o quarto de hotel é equiparado às demais áreas comuns do estabelecimento, onde são devidos direitos autorais pela execução de obras musicais, litero-musicais e de fonogramas. Tal equívoco tem acarretado pesados e indevidos gravames à categoria dos meios de hospedagem, além da incerteza quanto à realização de novos investimentos no setor.

Não bastasse isso, constitui princípio basilar da LDA que os negócios jurídicos sobre direitos autorais devem ser interpretados restritivamente, tornando-se necessário que não se aplique extensivamente a mesma norma legal para dependências de natureza distinta.

A Lei nº 11.771/2008, de 17.09.2008 (DOU de 18.09.2008), mais conhecida como Lei Geral do Turismo, esclarece definitivamente a natureza dos quartos de hotel, conceituando-os como "unidades de freqüência individual e de uso exclusivo do hóspede".

O objetivo da presente análise é descaracterizar que a disponibilização de rádio e televisão em quartos de hotel seja equiparada a "exibições e espetáculos coletivos" como os que se realizam em cinemas, teatros e estádios de futebol.

Nesse sentido será apreciada neste trabalho a evolução doutrinária e jurisprudencial da matéria, com a exata delimitação dos conceitos de "transmissão", "retransmissão", "representações e execuções públicas" e "locais de freqüência coletiva", com especial ênfase à Lei nº 11.771/2008.


2. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

Constituição Federal confere tutela específica à propriedade intelectual, dispondo que "aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras" (artigo 5º, inciso XXVII).

Já o inciso XXVIII do mesmo artigo assegura "nos termos da lei", "proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução de imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas" (alínea "a"), além de "o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos interpretes e às respectivas representações sindicais e associativas" (alínea "b").

Até a edição da Lei nº 5.988/1973 os direitos autorais eram tutelados por dispositivos do Código Civil e de legislação esparsa, sendo que a partir de 1998 a Lei nº 9.610 passou a regular a matéria, revogando quase todos os dispositivos da norma anterior e alterando alguns conceitos básicos.

Agora, em 2008, acaba de ser editada a Lei nº 11.771/2008, que coloca termo a uma acirrada polêmica travada em sede doutrinária e jurisprudencial, estabelecendo que os quartos de hotel constituem "unidades de freqüência individual e de uso exclusivo do hóspede", tal qual ocorre em sua residência.

Assim, sob o crivo do preceito constitucional de que "aos autores cabe o direito autoral na forma da lei", a expressão hotéis constante do artigo 68, parágrafo 3º, da LDA deve ser interpretada em conjunto com Lei nº 11.771/2008, para excluir os quartos de estabelecimentos hoteleiros do pagamento de direitos autorais em razão da disponibilidade de equipamentos de rádio e televisão, posto que estas dependências constituem "unidades de freqüência individual.

Ademais, a par de considerável diferença de enfoques das Leis nºs 5.988/1973 e 9.610/1998, constitui preceito comum que "interpretam-se restritivamente os negócios jurídicos sobre direitos autorais".

A respeito da interpretação restritiva leciona a mestre civilista MARIA HELENA DINIZ:

"Aquela em que o intérprete e aplicador da norma limita a incidência de seu comando, impedindo que produza efeitos injustos ou danosos, porque suas palavras abrangem hipóteses nelas, na realidade, não se contém.

Este ato interpretativo não reduz o campo normativo, mas determina tão somente os limites ou as fronteiras exatas da norma, com o auxílio de elementos lógicos e de fatores jurídico-sociais, possibilitando a aplicação razoável e justa da norma, de modo que corresponda à sua conexão no sentido". (¹)

Oportuno trazer à colação aresto que aborda com percuciência a interpretação restritiva prevista em ambos os diplomas legais que disciplinam os direitos autorais:

"O art. 4º da Lei nº 9610/98, efetivamente, determina que sejam interpretados restritivamente os negócios jurídicos sobre direitos autorais. Portanto, a exegese restritiva dos instrumentos negociais relativa aos direitos autorais nada mais é do que a interpretação exata, verdadeira do negócio, evitando-se a extensão ou a supressão de alguma coisa; a precisão deve ser alcançada com a avaliação dos elementos lógicos do negócio, sem qualquer dilatação do negócio". (²)

Em se tratando de matéria controvertida, necessário examinar os dispositivos que historicamente disciplinaram a matéria, como o artigo 73 da Lei nº 5.988/1973, que estabelecia:

"Art. 73 - Sem autorização do autor, não poderão ser transmitidos pelo rádio, serviço de alto-falantes, televisão ou outro meio análogo, representados ou executados em espetáculos públicos e audições públicas, que visem a lucro direto ou indireto, drama, tragédia, comédia, composição musical, com letra ou sem ela, ou obra de caráter assemelhado.

§ 1º Consideram-se espetáculos públicos e audições públicas, para os efeitos legais, as representações ou execuções em locais ou estabelecimentos, como teatros, cinemas, salões de baile ou concerto, boates, bares, clubes de qualquer natureza, lojas comerciais e industriais, estádios, circos, restaurantes, hotéis, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem, recitem, interpretem ou transmitam obras intelectuais, com a participação de artistas remunerados, ou mediante quaisquer processos fonomecânicos, eletrônicos ou audiovisuais.

§ 2º Ao requerer a aprovação do espetáculo ou da transmissão, o empresário deverá apresentar à autoridade policial, observando o disposto na legislação em vigor, o programa, acompanhado da autorização do autor, intérprete ou executante e do produtor de fonogramas, bem como do recibo de recolhimento em agência bancária ou postal, ou ainda documento equivalente em forma autorizada pelo Conselho Nacional de Direito Autoral, a favor do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, de que trata o art. 115, do valor, dos direitos autorais das obras programadas" (grifamos).

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Apesar de o artigo considerar indevidamente a disponibilização de rádio e televisão em quartos de hotel como execução de "espetáculo público" e "audição pública", o foco principal é a obtenção de "lucro direto ou indireto", razão pela qual sob a vigência da Lei nº 5.988/1973 os Tribunais reconheceram a não obrigatoriedade de cobrança de direitos autorais em quartos de hotel. Ocorre que a existência de rádio e televisão nos quartos de hotel encontra-se agregada ao mobiliário e utensílios que guarnecem esta dependência objetivando reduzir no hóspede a sensação de impessoalidade do ambiente.

Por outro lado, os hotéis têm como atividade o ramo de hospedagem, vale dizer, a música não se insere como fator de mercancia e nem sequer para obtenção de lucro direto ou indireto, não servindo como elemento essencial para captação de clientela. O que incrementa um estabelecimento hoteleiro, de forma a proporcionar-lhe lucro, são as condições atinentes à própria hospedagem, como preço, conforto das instalações, móveis, estilo, limpeza, segurança e outros serviços prestados e jamais por possuir nos quartos equipamentos de som e imagem,

posto que "ninguém se hospeda e vai-se trancar em quarto de hotel para ouvir música ou ver televisão". (³)

À título ilustrativo de mencionar a manifestação do Ministro ARI PARGENDLER, da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, sobre o entendimento jurisprudencial na vigência da Lei

nº 5.988/1973:

"Durante a vigência da Lei nº 5.988/1973, prevaleceu nesta casa a orientação, segundo a qual, por tratar-se de rádio receptor individual, desprovido assim de sistema de retransmissão (sonorização ambiental), e de televisão, também independente, eram indevidos os direitos autorais". [4]

Observe-se, mais, que a prescrição do parágrafo 2º, do artigo 73 da LDA anterior ao estabelecer a exigência de o empresário "apresentar o programa ao requerer a aprovação do espetáculo ou da transmissão", está a demonstrar, a toda evidência, que se refere a espetáculos muito mais amplos do que a simples transmissão de sons e imagens em equipamentos disponibilizados aos hóspedes.

Ademais, como a disponibilização de aparelhos de rádio e televisão em quartos de hotel, constituindo serviço de natureza singular e não coletiva, não configura "espetáculo público ou audição pública" e nem objetiva o lucro direto ou indireto, era considerada indevida a cobrança de diretos autorais sob a égide da lei anterior.

Contudo, considerando que o pressuposto de "lucro direto ou indireto" sempre constituiu motivo de interpretações conflitantes, a lei atual acabou por retirar tal exigência, introduzindo um elemento novo, que é a "prévia e expressa autorização do autor ou titular do direito para que a comunicação seja levada ao público" e retirando a expressão "que visem lucro direto ou indireto".

A grande diferença entre as duas leis (Lei nº 5.988/1973 - LDA anterior e Lei nº 9.610/1998 - LDA atual) encontra-se no fato de que a primeira confere especial ênfase ao fator "lucratividade em espetáculos e audições públicas" como o elemento gerador da obrigação, enquanto a lei vigente prioriza a "execução pública em locais de freqüência coletiva".

Ambas as leis iniciam suas disposições fixando alguns conceitos dos quais, para a presente análise, os mais importantes são o de "transmissão" e "retransmissão", sendo que o primeiro restou ampliado pelo novo ordenamento em razão de avanços tecnológicos.

Na moldura legal, transmissão é a "difusão de sons ou sons e imagens, por meio de ondas radioelétricas, sinais de satélites, fio, cabo ou outro condutor, meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético", enquanto retransmissão é conceituada como a "emissão simultânea da transmissão de uma empresa por outra" (Lei nº 9.610/1998, artigo 5º, incisos II e III).

Assim, ocorre simples transmissão quando aparelhos de rádio ou televisão individuais, disponibilizados no quarto de hotel, recebem diretamente sinais de som e imagem, podendo o próprio hóspede, a seu talante, acionar ou não tais equipamentos, com livre escolha de estações e canais, sem qualquer imposição ou ingerência por parte do estabelecimento. Desse modo, os

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previsto no caput do artigo, sendo de ressaltar que este não trata de freqüência coletiva, mas de execução pública.

Segundo FRANCISCO DE PAULA BAPTISTA, dentre as hipóteses que determinam a necessidade de interpretação do texto legal, alinha-se a ocorrência de defeitos em sua redação, resultando daí obscuridade e equivoco em seu sentido. [5]

Tem-se, assim, sob a ótica do princípio da razoabilidade, que existem apenas duas alternativas para harmonizar os preceitos do caput e do parágrafo 3º:

-ou o parágrafo extrapola sua função complementar e elucidativa do caput,

-ou a expressão "freqüência coletiva" do parágrafo 3º integra o conceito de "representações e execuções públicas" constante do caput.

Quanto ao parágrafo 3º ultrapassar os limites fixados pelo caput, tal hipótese é juridicamente inviável, posto que "o parágrafo sempre foi, numa lei, disposição secundária de um artigo em que se explica ou modifica a disposição principal". [6]

Desse modo, a expressão "freqüência coletiva" do parágrafo 3º só pode ser entendida como um dos elementos integrantes do conceito de "representações e execuções públicas" contido no caput, posto que, por simples hermenêutica jurídica, este deve prevalecer sobre aquele.

Nessa conformidade, em razão da indispensável integração do parágrafo 3º com o caput, tem-se como conseqüência lógica que a intenção da expressão "freqüência coletiva" é a de caracterizar locais em que há circulação de público, onde, positivamente não se enquadram os quartos de hotel. Tanto assim o é que o caput do artigo 68 veda a utilização de "teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas".

Logo, a captação de som e imagem no interior de um quarto de hotel não pode ser considerada como execução pública porque não é imposta a uma coletividade de pessoas, mas se dirige, facultativamente, ao ambiente de fruição particular e íntimo dos hóspedes, tal qual quando se liga o rádio ou a televisão no âmbito de sua residência.

Nessa linha de raciocínio conclui-se logicamente que a representação ou execução pública em hotéis só pode ocorrer em áreas de uso comum destes estabelecimentos, onde há a eventual possibilidade de circular uma pluralidade de pessoas.

Ademais, importante ressaltar que os hotéis são constituídos por um conjunto de dependências para utilização de hóspedes e não hóspedes: umas de uso coletivo - áreas onde as pessoas circulam livremente, como a recepção, saguões, corredores, restaurantes, bares, salões para festas, recepções e conferências, áreas de lazer, piscina e garagem e outras de uso restrito, como os quartos de hóspedes.

Em relação ao parágrafo 3º, aparentemente dissociado do caput do artigo 68, de consignar que, muitas das vezes, a falta de técnica legislativa deixa na penumbra o espírito da lei, sendo de se observar que na hipótese a real intenção da referida norma, ao mencionar a expressão

"freqüência coletiva" é caracterizar os locais em que há circulação de público.

De fato, é de todo inimaginável a realização de um espetáculo, representação ou audição públicas em quartos de hotel, por mais ampla que seja esta dependência.

Conforme lição do mestre hermeneuta CARLOS MAXIMILIANO, em sua clássica obra "Hermenêutica e Aplicação do Direito", no sentido de que não se encontra preceito isolado em ciência alguma, todos estão em perfeita comunhão e de sua interpretação conjunta exsurge luz para a solução da controvérsia. Lembra ainda o saudoso exegeta que "deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis" [7], pois, conforme consagrado pelo axioma do Direito Romano: "interpretatio illa sumenda, qua absurdum evitetur" (deve ser escolhida aquela interpretação pela qual se evite o absurdo).

De outra feita, admitir que os aposentos hoteleiros constituam local de freqüência coletiva nos levaria a conclusão absurda de que um casal de hóspedes, em suas intimidades, correria o risco de ter seu comportamento tipificado como o ilícito previsto no artigo 233 do Código Penal: "praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público".

Saliente-se, nesse sentido, a observação do Desembargador SEJALMO SEBASTIÃO DE PAULA NERY, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que aponta o equívoco do legislador ao empregar a expressão "freqüência coletiva":

"Freqüência significa assiduidade, repetição, e nunca foi sinônimo de reunião. Freqüentar um local significa ir muitas vezes, repetidamente, a esse local. Ora, em assim sendo, só haverá freqüência coletiva em motéis e hotéis quando muitas pessoas, ao mesmo tempo, e repetidamente, se reunirem nesses locais, circunstância que é completamente inimaginável". [8]

Por outro lado, é sabido e consabido que "público" é o local franqueado a todas as pessoas e onde cada um pode freqüentar e se locomover independentemente de qualquer autorização de quem quer que seja.

A

demais, oportuno assinalar que "o sentido de público a mens legis reservou para aqueles recintos que estão sempre em movimento, em que a entrada é franqueada, sem vínculo; a freqüência é aberta e duradoura e a programação nasce da obra dos que governam a casa, ordinariamente sem consulta aos freqüentadores. No caso dos apartamentos privados, o seu uso ocorre apenas para quem ali se hospeda e já se acha vinculado a uma determinada prevalência; ou só o hóspede, querendo, é que poderá movimentar a programação, ou jamais usá-la (…...) O quarto, ou apartamento, ou suíte, de hotel ou motel (onde está o rádio-receptor) jamais poderá ser considerado ambiente público, uma vez fechadas as portas pelo usuário. Ao contrário, é privadíssimo, ainda que se admita que o estabelecimento é público, isto é, de freqüência coletiva. Se aquilo fosse ambiente público, qualquer um poderia nele adentrar, ainda que outrem já estivesse nele, como acontece, por exemplo, num teatro, num cinema, num clube, numa loja, numa rodoviária, no estádio de futebol, num restaurante etc. No entanto, desde que alguém ingresse e feche a porta, torna-se privadíssimo, tão impenetrável como o ‘box’ de um sanitário ocupado. Logo o toque em aparelho receptor, aí, jamais poderá ser considerado audição ou espetáculo público". [9]

O

ra, a luz da comezinha lógica, não se pode considerar um quarto de hospedagem como local

de freqüência coletiva, sendo, portanto, inviável que nesta dependência haja execução pública de qualquer coisa que seja, situação que descaracteriza a hipótese de incidência da norma tutelar dos direitos autorais.

De outra feita, constitui fato notório que muitas pessoas residem em quartos de hotel e modernamente muitas residem nos denominados "flats", "apart-hotel", "condohotel" ou "hotel-residência".

Nesse passo, oportuno trazer a colação esclarecedor voto do Ministro MASSAMI UYEDA, do Superior Tribunal de Justiça:

"Segundo Allan Rocha de Souza, "[…] todos os direitos privados tem limitações […]" e "[…] não poderia ser diferente no âmbito do dos direitos autorais […]". "[…] observa-se […] uma assimetria entre a despatrimonialização do direito civil a partir de sua constitucionalização e, em nosso caso, elevação do princípio de proteção da dignidade humana a uma das finalidades essenciais do Estado, e o que tem acontecido com os movimentos internacionais e nacionais de proteção autoral, onde nota-se, principalmente nas três últimas décadas, uma ampliação do processo de privatização de seus usos, restrição dos usos livres legalmente autorizados, expressando-se nas ''tendências patrimonialista, argentária, anti-social, que preside tantas de nossas novas leis de propriedade intelectual,'' afetando as próprias bases dos direitos autorais, que ''estão hoje corroídas por uma evolução economicista, que sufoca preocupações culturais.'' Diante disso, vislumbra-se um processo diverso, e não justificado, do que acontece com as demais áreas do direito civil, processo este que é na verdade assemelhado ao desenvolvimento histórico inicial do direito civil, talvez por seu tardio reconhecimento em comparação com os demais ramos civilísticos, repetindo os direitos autorais agora, com o neo-liberalismo, o período de apogeu da doutrina liberal, em sacrifício dos interesses coletivos que necessariamente o compõem." (in "A Função Social dos Direitos Autorais", Ed. Faculdade de Direito de Campos, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, págs.274/275).

Nos termos acima expostos, deve ser ressaltado que um quarto, como espaço em que uma (ou mais) pessoa(s) busca(m) privacidade, não pode ser compreendido como local de freqüência coletiva. Por mais transitório que seja o lapso a que esteja submetida a posse do dormitório (de hotel ou de motel), somente poderá ingressar no espaço delimitado pelo cômodo se o(s) possuidor(es) assim o permitir(em). Nesta hipótese, ocorre a proteção dos aposentos de modo individualizado, como se fosse uma residência particular.

(..........)

No tocante às áreas comuns (como corredores, halls e saguões), de livre acesso, franqueado a todos, são realmente espaços públicos por natureza.

Entretanto, pretender-se a extensão da natureza de espaço público a quartos individualizados de motéis, tal entendimento extrapola os limites do razoável. Na desarmonia entre as previsões do caput e do parágrafo do artigo da legislação em tela, deverá prevalecer o primeiro, por questão de hermenêutica jurídica". [10]

Ainda de considerar que, como o texto legal não especifica a dimensão de incidência de direitos autorais no âmbito destes estabelecimentos, situação que se constitui ponto nodal da divergência na doutrina e na jurisprudência, para esclarecer se os quartos de hotel encontram-se inseridos no conceito de locais de freqüência coletiva, necessário fixar a natureza jurídica destas dependências.

A transmissão de som e imagem realizada na esfera de atuação individual de um quarto de hotel é como se ocorresse na residência do hóspede.

A privacidade de um quarto de hotel equivale à privacidade do lar. O quarto de hotel não é lugar comum, mas é privativo do hóspede que o utiliza e não pode receber o tratamento de coisa comum, sob pena de incorrer em ofensa ao artigo 5º, inciso XI, da Carta da República.

Nesse sentido, o Colendo Supremo Tribunal Federal, em sua missão de definir conceitos no nível constitucional, esclarece:

"Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel". [11]

Registre-se, ainda, que o princípio da não contradição, axioma fundamental da Filosofia enunciado na Antiga Grécia por Parmênides, afirma a impossibilidade de uma mesma coisa ser e não ser ao mesmo tempo ou ter e não ter, ao mesmo tempo, determinada propriedade.

Assim, não pode ser um conceito considerado como válido para o Direito Penal e inválido para o Direito Civil ou outros ramos do Direito.

Sob tal ótica, os aposentos hoteleiros não constituem local público ou mesmo local acidentalmente público e simultaneamente lugares de freqüência individual, dependendo da legislação aplicável, preferindo-se esta em razão de sua adéqua à garantia constitucional.

Nesse passo, oportuno lembrar o seguinte aresto específico:

"Não me parece que colocação do serviço à disposição do hóspede no quarto do hotel seja efetivamente equiparável a espetáculo público ou audição pública. Entendo que é uma conveniência, porque o quarto do hotel, na verdade tenta reproduzir o lar de uma pessoa quando está fora dele, em que dispõe de uma televisão e dispõe evidentemente, também de um rádio......Tenho que apenas a transmissão nas áreas comuns do hotel estaria sujeita a isso, mas não a disponibilidade do rádio no quarto". [12]

Outra circunstância que está a caracterizar o caráter de freqüência individual dos quartos ou apartamentos de meios de hospedagem é a celebração do contrato de hospedagem, instrumento negocial que, mesmo firmado de modo informal, identifica as partes contratantes, individualizando-as e descaracterizando sua natureza coletiva.

A propósito, o Decreto nº 5.406/2005, artigo. 3º, estabelece:

"§ 1º Serviços de hospedagem são aqueles prestados por empreendimentos ou estabelecimentos empresariais administrados ou explorados por prestadores de serviços turísticos hoteleiros, que ofertem alojamento temporário para hóspedes, mediante adoção de contrato de hospedagem, tácito ou expresso, e cobrança de diária pela ocupação da unidade habitacional".

Os contratos de hospedagem fazem parte da realidade da hotelaria nacional, possuindo todos os

elementos de um contrato de adesão, na acepção do Código de Defesa do Consumidor e com "características dos contratos de execução contínua, pois se protraem no tempo, caracterizando-se pela prática ou abstenção de atos reiterados, solvendo-se num espaço mais ou menos longo de tempo". [13]

A exigência de celebrar contrato de hospedagem enfatiza, ainda mais, que os aposentos hoteleiros não se constituem em locais de freqüência coletiva, ante a individualização dos contratantes (hotel e hóspede).

Sobre o autor
Claudio Roberto Alves de Alves

Advogado no Rio de Janeiro (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Claudio Roberto. Agora é lei: quarto de hotel é local de freqüência individual e de uso exclusivo do hóspede. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2108, 9 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12609. Acesso em: 24 nov. 2024.

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