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Agora é lei: quarto de hotel é local de freqüência individual e de uso exclusivo do hóspede

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Agenda 09/04/2009 às 00:00

4. A NOVA LEI Nº 11.771/2008

Lei nº 11.771/2008, que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo, estabelece:

"Art. 23 Consideram-se meios de hospedagem os empreendimentos ou estabelecimentos, independentemente de sua forma de constituição, destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertado em unidades de freqüência individual e de uso exclusivo do hóspede, bem como outros serviços necessários aos usuários, denominados de serviços de hospedagem, mediante adoção de instrumento contratual, tácito ou expresso, e cobrança de diária." (grifamos)

A nova lei estabelece, de modo insofismável, que os quartos ou apartamentos de hotéis, pousadas, motéis, hospedarias e similares, denominados genericamente de meios de hospedagem, constituem "unidades de freqüência individual" e de "uso exclusivo do hóspede".

A Lei nº 11.771/2008 veio a sanar o absurdo de que um quarto de hotel seja local público, de freqüência coletiva.

Diante dos expressos e conclusivos termos fixados na Lei nº 11.771/2008, encontra-se o confronto de teses "freqüência coletiva" X "freqüência individual" para cobrança de direitos autorais em quartos de meios de hospedagem que disponibilizam rádios e televisão a seus hóspedes.

Mas, como compatibilizar as duas leis (LDA e Lei Geral do Turismo) ?

A resposta a esta questão encontra-se na Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei 4.657/1942). Da combinação dos parágrafos 1º e 2º, do artigo 2º, da LICC resulta que uma disposição geral não se entende ter revogado a disposição geral já existente, podendo subsistir as duas, quando, não havendo entre elas incompatibilidade, a nova lei geral não disponha, inteiramente, sobre a matéria de que trata a disposição geral anterior.

A seu turno, o parágrafo 2º, do artigo 2º, da LICC ao preceitua que "a lei nova, que estabelece disposições gerais ou específicas a par das já existentes", não revoga nem modifica a lei anterior.

Tendo em vista a imprecisão desta regra legal a doutrina firmou os princípios que CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA assim expõe:

"Esta coexistência não é afetada quando o legislador vote disposições gerais a par das especiais ou disposições especiais a par das gerais já existentes, porque umas e outras não se mostram, via de regra, incompatíveis. Não significa isso, entretanto, que uma lei geral nunca revogue uma lei especial, ou vice-versa, porque nela poderá haver dispositivo incompatível com a regra especial, da mesma forma que uma lei especial pode mostrar-se com dispositivo inserto em lei geral. O que o legislador quis dizer (Lei de Introdução ao Código Civil, art. 2º, § 2º, Lei Geral de Aplicação das Normas, art. 4º, parág. único) foi que a generalidade dos princípios numa lei desta natureza não cria incompatibilidade com regra de caráter especial. A disposição especial irá disciplinar o caso especial, sem colidir com a normação genérica da lei geral, e, assim, em harmonia poderão simultaneamente vigorar". [35]

Como a Lei nº 11.771/2008 estabelece que os quartos de estabelecimentos de hospedagem são "locais de freqüência individual e de uso exclusivo do hospede" a inclusão de hotel no rol de "locais de freqüência coletiva" (artigo 68, parágrafo 3º, da Lei nº 9.610/1998), deve ser entendida apenas e tão somente aplicável às áreas onde as pessoas circulam livremente, tais como recepção, saguões, corredores, restaurantes, bares, salões para festas, recepções e conferências, áreas de lazer, piscina e garagem.

Convivem, assim, harmonicamente, o comando do artigo 68 da Lei nº 9.610/1998 e o artigo 23 da Lei nº 11.771/2008.

Nesse sentido de lembrar que o Colendo Supremo Tribunal Federal preconiza:

"HERMENÊUTICA. DISPOSITIVOS APARENTEMENTE ANTAGONICOS. SE POSSÍVEL, DEVE-SE OPTAR PELA INTERPRETAÇÃO QUE SE CONCILIA".[36]

Por outro lado a Lei nº 11.771/2008 restabeleceu a coerência lógica de que a disponibilização de aparelhos de rádio e televisão em quartos de meios de hospedagem não configura "representações e execuções públicas" ou mesmo possa ser considerado como "local de freqüência coletiva".


5. CONCLUSÕES

om a constitucionalização dos direitos autorais (CF, artigo 5º, XXVII), passaram os mesmos a integrar patrimônio exclusivo de seu titular, razão pela qual nada mais justo que se cobre pela transmissão de sons e imagens nos exatos e precisos termos legais.

Contudo, há de se considerar que, igualmente, goza de proteção da Carta Magna a intimidade e privacidade do hóspede em quarto de hotel, considerada que é como residência para efeitos de sua violação.

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Ressalte-se, por outro lado, que o autor da obra já percebe o direito autoral pela exibição de sua produção artística em razão desta ser objeto de transmissão pela emissora de rádio ou de televisão, caracterizando-se como ilógico e de juridicidade questionável admitir a percepção deste mesmo direito no momento da recepção do sinal de transmissão. Assim, em razão de um fato gerador único estaria configurada uma verdadeira hipótese de bis in idem.

A pretensão de ser devida tal contribuição ao órgão fiscalizador, como atualmente consagrado no Superior Tribunal de Justiça, decorre da interpretação genérica conferida aos hotéis como sendo "lugares de freqüência coletiva".[15] (16)

Agora, referida lacuna legal restou suprida pela Lei nº 11.771/2008, que estabelece taxativamente que os quartos de hotel são LOCAIS DE FREQÜÊNCIA INDIVIDUAL e DE USO EXCLUSIVO DO HÓSPEDE.

In claris cessat interpretatio (dispensa-se a interpretação quanto o texto é claro), sendo que a Lei nº 11.771/2008 é suficientemente clara, taxativa e precisa dispensando maiores reflexões interpretativas.

Assim, como a nova lei conceitua de forma específica e objetiva os quartos de hotel, não há como prevalecer a referência genérica do artigo 68, § 3 da Lei nº 9.610/1998 a tais dependências de meios de hospedagem.

Nem se argumente a prevalência da Lei nº 9.610/1998 sobre a Lei nº 11.771/2008 em razão de sua especificidade ao tratar de direitos autorais, posto que ao apreciar a disponibilidade de rádio e televisão em quartos de hotel não há como deixar de considerar a conceituação legal desta dependência hoteleira.

Tem-se, então, que se impõe, como imperativo de Direito, a interpretação conjunta da Lei nº 9.610/1998 (artigo 68) e da Lei nº 11.771/2008 (artigo 23), para concluir que é indevida a cobrança de direitos autorais pela simples disponibilização de rádio e televisão em quartos de hotel.

Ademais, não há de se argumentar que a noção de público não pode ser confundida com a de privacidade, posto que, como já anteriormente assinalado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal estabelece que o conceito de "casa"‘, para fins da proteção jurídica a que se refere o artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal engloba os quartos de hotel.

Nessa conformidade, a manutenção do entendimento de que quarto de hotel é "local de freqüência coletiva", ou mesmo como constatamos em alguns arestos, é "local público embora de hospedagem remunerada" constitui flagrante infringência à Lei nº 11.771/2008.

Ainda de assinalar que LDA é expressa ao fixar que os negócios jurídicos sobre direitos autorais são interpretados restritivamente, razão pela qual a prescrição de que quarto de hotel é local de freqüência individual deve ser interpretada em sua literalidade.

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Em síntese, subsume-se que tendo a Lei nº 11.771/2008 consagrado que os quartos dos meios de hospedagem, denominação genérica de hotéis, motéis, pousadas e similares, constituem unidades de freqüência individual e de uso exclusivo do hóspede, o artigo 68, caput, da Lei nº 9.610/1998 devidamente integrado ao parágrafo 3º, para disciplinar "representações e execuções públicas", continua em plena vigência, sendo aplicável nestes estabelecimentos apenas às dependências de uso coletivo, qual sejam, em áreas em que as pessoas circulam livremente.

Desse modo, a cobrança de contribuição autoral em quartos de hotel, local de freqüência individual conforme o comando da Lei nº 11.771/2008, estaria a configurar verdadeira duplicidade, pois o fato gerador da contribuição é uno e as empresas de comunicação já pagam ao órgão controlador a contribuição devida em decorrência da transmissão de obras musicais.

Importante ressaltar que ao Juiz cabe aplicar o ordenamento jurídico sem repudiar a lei, que o integra harmoniosamente e "não obstante a flexibilidade e a liberdade de interpretar a norma, conforme demonstram os resultados da doutrina e da jurisprudência, a lei ainda é a base principal da razão jurídica". [37]

Por derradeiro, em razão do disposto na Lei nº 11.672/2008 (Lei dos Recursos Repetitivos), cabe lembrar que eventuais Recursos Especiais interpostos pelos estabelecimentos hoteleiros face à cobrança de direitos autorais, deverão referir-se ao fato de que a controvérsia não envolve jurisprudência dominante e nem a matéria já afeta ao Superior Tribunal de Justiça, sob a égide da Lei nº 9.610/1998, mas versa sobre interpretação conjunta da LDA com a Lei nº 11.771/2008, sendo que esta especificou que os quartos de hotel constituem local de freqüência individual.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1)DINIZ, Maria Helena, "Dicionário Jurídico Saraiva", São Paulo, 1988, Editora Saraiva, vol. II, pag. 888.

(2)Apelação Cível Processo 2003.001.03592, TJ-RJ, 11ª Câmara Cível, Relator Desembargador José Carlos de Figueiredo, julgado em 25.06.2003.

(3)Recurso Especial Processo REsp 95.577-RS, STJ, 4ª Turma, Relator Ministro Barros Monteiro, julgado em 28.1999, DJU de 13.12.1999.

(4)Recurso Especial Processo REsp 988/87, STJ, 3ª Turma, Ministro Ari Pargendler, julgado em 12.08.2008, DJU de 13.08.2008.

(5)BAPTISTA, Francisco de Paula. "Compêndio de Hermenêutica Jurídica", 1984, São Paulo, Editora Saraiva, pag. 27-28.

(6)MARINHO, Arthur de Souza, Sentença de 29 de setembro de 1944, "Revista de Direito Administrativo", vol. I, pag. 227.

(7)MAXIMILIANO, Carlos, "Hermenêutica e Aplicação do Direito", 18ª edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1999, pag. 118/119.

(8)Apelação Cível, Processo 70009853607, TJ-RS, 14ª Câmara Cível, Relator Desembargador Sejalmo Sebastião de Paula Nery, julgado em 27.06.2006, DJ-RS de 05.07.20067.

(9)Apelação Cível Processo 107.243-4/3-00, TJ-SP, 2ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Theodoro Guimarães, julgado em 30.03.1999.

(10)Voto do Ministro Massami Uyeda no julgamento do Recurso Especial Processo REsp 740.358-MG, STJ, 4ª Tuma, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, julgado em 07.12.2006, DJU de 19.03.2007).

(11)Recurso em Habeas Corpus Processo RHC 90.376-2-RJ, STF, 2ª Turma, Relator Ministro Celso de Melo, julgado em 03.04.2007, DJU de 18.05.2007.

(12)Embargos de Divergência em Recurso Especial Processo EResp 45.675-RS, STJ, 2ª Seção, Redator Ministro Waldemar Zveiter, Voto do Ministro Aldir Passarinho Júnior, julgado em 09.08.1999, DJ de 02.04.2001.

(13)DINIZ, Maria Helena, "Curso de Direito Civil Brasileiro", vol. III, São Paulo, Editora Saraiva, 2001, pags. 87/88.

(14)Recurso Especial Processo REsp 68.514, STJ, 2ª Seção, Relator Ministro Nilson Naves, julgado em 12.06.1996, DJU de 18.11.1996.

(15)Recurso Especial Processo REsp 556.340-MG, STJ, 3ª Turma, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 09.06.2004, DJU de 11.10.2004.

(16)Recurso Especial, Processo REsp 627.650-MG, STJ, 3ª Turma, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 08.11.2005, DJU de 19.12.2005.

(17)Agravo Regimental no Agravo de Instrumento Processo AgRg 957.081-RJ, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior. julgado em 18.03.2008, DJU de 12.05.2008.

(18)Recurso Especial Processo REsp 791,630, STJ, 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em 15.08.2006, DJU de 04.09.2006.

(19)Recurso Especial Processo REsp 542.112-RJ, STJ, 4ª Turma, Relator Ministro Barros Monteiro, julgado em 01.09.2005, DJU de 17.10.2005.

(20)Apelação Cível, Processo 70006385033, TJ-RS, 9ª Câmara Cível, Relator Desembargador Sergio do Nascimento Cassiano, julgado em 15.09.2004.

(21)Apelação Cível Processo 70003292794, TJ-RS, 10ª Câmara Cível, Relator Desembargador Jorge Alberto Schreiner Pestana, julgado em 29.08.2002.

(22)Embargos Infringentes Processo 70000599498, TJ-RS, 3º Grupo de Câmaras Cíveis, Relator Desembargador Sérgio Pilla da Silva, julgado em 07.04.2000.

(23)Apelação Cível Processo 2000.001.11442, TJ-RJ, 14ª Câmara Cível, Relator Desembargador Walter Felippe D’Agostino, julgado em 14.08.2001, Ementário TJ-RJ 38/2001, nº 10, de 06.12.2001.

(24)Embargos Infringentes Processo 2004.005.00097, TJ-RJ, 2ª Câmara Cível, Relator Desembargador Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 26.05.2004.

(25) Apelação Cível Processo 2000.001.05663, TJ-RJ, 10ª Câmara Cível, Relator Desembargador João N. Spyrides, julgado em 10.10.2000, Ementário TJ-RJ nº 32/2002, de 24.10.2002.

(26)Apelação Cível Processo 465692-4, TA-MG, 3ª Câmara Cível, Relatora Juíza Selma Marques, julgado em 23.02.2005, DJ-MG 05.03.2005.

(27)Apelação Cível Processo 2.0000.00.416117-5/000, TA-MG, 3ª Câmara Cível, Relator Juiz Maurício Barros, julgado em 24.03.2004, DJ-MG de 03.04.2004.

(28)Apelação Cível Processo 133.018-4/2-00, TJ-SP, Relator Desembargador Antonio Galvão Leite Cintra, julgado em 10.06.2003.

(29)Apelação Cível Processo 137.748-40, TJ-SP, 10ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Ruy Camilo, julgado em 02.09.2003.

(30)Apelação Cível Processo 0430.250-7, TJ-PR, 18ª Câmara Cível, Relator Desembargador José Carlos Dalacqua, julgado em 10.10.2007, DJ PR 7497.

(31)Apelação Cível Processo 29994-0/188, TJ-GO, 1ª Câmara Cível, Relator Desembargador Juarez Távora de Siqueira, julgado em 13.04.1993, DJ-GO de 27.041993.

(32)Apelação Cível Processo 024.94.011794-8, TJ-ES, 1ª Câmara Cível, Relator Desembargador Arnaldo Santos Souza, julgado em 03.04.2001, DJ-ES 08.05.2001.

(33)Apelação Cível Processo 1996.009660-4, TJ-SC, Relator Desembargador Jorge Henrique Schaefer Martins, julgado em 12.02.2003).

(34)Apelação Cível Processo 9147, TJ-MT, Relator Desembargador José Silvério Gomes.

(35)PEREIRA, Caio Mário da Silva, "Instituições de Direito Civil", Rio de Janeiro, Editora Forense, 1978, Vol. I, pag.124.

(36)Recurso em Mandado de Segurança Processo 15.825-PE, STF, 1ª Turma, Relator Ministro Lafauette de Andrada, julgado em 30;051066, DJU de 19.10.1966.

(37)CAMARGO, Margarida Lacombe de, "Hermenêutica e Argumentação: Uma Contribuição ao Estudo do Direito", Rio de Janeiro, 2001, Editora Renovar, pag. 260.

Sobre o autor
Claudio Roberto Alves de Alves

Advogado no Rio de Janeiro (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Claudio Roberto. Agora é lei: quarto de hotel é local de freqüência individual e de uso exclusivo do hóspede. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2108, 9 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12609. Acesso em: 24 nov. 2024.

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