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A captação de recursos externos pelos municípios brasileiros no sistema ONU de cooperação internacional.

O poder local e sua relevância mundial

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Agenda 13/01/2010 às 00:00

6 – A INCONSTITUCIONALIDADE DA LIMITAÇÃO IMPOSTA AOS MUNICIPIOS PELA RESOLUÇÃO DA COFIEX Nº 294/2006.

Questão muito preocupante para a atuação dos municípios brasileiros em âmbito internacional diz respeito às limitações impostas pela COFIEX no que concerne à possibilidade de se buscar financiamentos externos.

A Resolução da COFIEX/MPGO nº 294, de 2006 assim dispõe em sua integralidade, in verbis:

"A Comissão de Financiamentos Externos, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 18, inciso IV, da Resolução COFIEX nº 290, de 01 de setembro de 2006, referente ao Regimento Interno da COFIEX, resolve:

Que somente serão considerados pela comissão os pleitos de operação de crédito externo de interesse de municípios, com garantia da União, que atendam aos seguintes critérios:

(i) população superior a cem mil (100.000) habitantes, de acordo com informação atualizada fornecida pelo IBGE. Neste caso, levar-se-á em consideração uma margem de tolerância de 10% sobre a população divulgada;

(ii) capacidade de pagamento com classificação A ou B, de acordo com os critérios previstos na Portaria MF 89/1997, de 25 de abril de 1997;

(iii) limite da dívida financeira - considerados os efeitos da operação de crédito pleiteada - de até 90% da Receita Líquida Real, daqueles municípios que refinanciaram dívidas sob amparo da Medida Provisória nº 2.185, de 24 de agosto de 2001;

(iv) limite da dívida consolidada líquida - considerados os efeitos da operação de crédito pleiteada - de até 110% da Receita Corrente Líquida, para aqueles municípios que não refinanciaram dívidas sob amparo da Medida Provisória nº 2.185, de 24 de agosto de 2001;

(v) valor do desembolso total da operação de crédito inferior a 20% da Receita Corrente Líquida do município;

(vi) contrapartida com recursos próprios, prevista para a operação de crédito, de pelo menos 50% do valor do projeto a ser financiado; e

(vii) em havendo projeto em execução deverá ser apresentado certificado, emitido por parte do organismo financiador e ratificado pela Comissão de Financiamentos Externos, atestando seu bom desempenho.

Deverá ser criado, no âmbito da COFIEX, Grupo de Trabalho para elaborar critérios de hierarquização de projetos no âmbito de futuros programas de financiamento externo a municípios.

Os casos omissos serão solucionados pela COFIEX ou por normativa complementar."

Verifica-se na Resolução que seis dos setes requisitos dizem respeito à questão fiscal. Em meio a estes requisitos, o primeiro é o que merece atenção, diante da sua falta de razoabilidade e coerência com a realidade brasileira, com o novo modelo de Cooperação Internacional que prega o fortalecimento do poder local, e contra a Constituição da República de 1998, que tem como principio fundamental o federalismo centrifugo descentralizador de três níveis, que incluiu todos os municípios sem qualquer distinção como entes da federação brasileira.

O inciso (i) da Resolução nº 294 veta a análise de qualquer pleito por recursos externos dos municípios com população inferior a 100.000 (cem mil) habitantes, admitindo uma tolerância de 10% da população divulgada. O que significa que 95% dos 5.564 [45] municípios brasileiros não irão participar diretamente do novo modelo de Cooperação Internacional.

Segundo BARROS e CÉSÁRIO:

é fato que há uma constante preocupação do governo federal com o endividamento dos municípios, o que serve de argumento para restringir a cooperação financeira internacional. Todavia o Presidente da Confederação Nacional de Municípios demonstrou em uma pesquisa apresentada em fevereiro de 2008 que "em relação ao endividamento fiscal, somente sete dos 5.564 municípios do país estão acima do nível determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que é 1,2 vezes o orçamento anual". Isso demonstra que os municípios brasileiros apresentam condições (pelo menos fiscais) de ampliar o financiamento internacional. (2008)

Este dado trazido pelo Presidente da Confederação Nacional de Municípios demonstra claramente que a limitação imposta no inciso primeiro da aludida Resolução fere o principio da razoabilidade e da proporcionalidade que deve pautar os atos da administração pública federal. Isto significa dizer que um município brasileiro que tenha 89.000 (oitenta e nove mil) habitantes, com ótimos indicativos fiscais e com projetos bem elaborados para promover o seu desenvolvimento social, não poderá pleitear qualquer recurso internacional somente porque não atingiu o numero mínimo de habitantes exigido na aludida Resolução.

Ao prevalecer esta limitação imposta pelo próprio poder executivo central, as autoridades locais brasileiras não deixarão de ser meros expectadores e recebedores passivos de assistência e nunca passarão a ser efetivos sujeitos vetores do desenvolvimento humano, simplesmente porque o fenômeno não poderá atingir ao seus principais veiculadores, por causa de uma equivocada decisão política do Poder Executivo central.

Não por acaso, dos 80 projetos aprovados pela COFIEX no ano de 2008 apenas 8% eram de iniciativa municipal. [46]

Em uma federação centralizadora de recursos que 60% da arrecadação cabe a União e apenas 15% aos municípios, em que grande parte desses vivem praticamente dos repasses da União (atualmente ameaçados pela crise internacional), acabar com a alternativa da busca de recursos externos para promover o desenvolvimento econômico e social é atentar diretamente contra os Direitos Humanos dos seus próprios cidadãos, que devem ser protegidos a qualquer custo.

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GUIDO F. S. SORARES (1994, p. 170) foi categórico em afirmar que, nos termos das Cartas das Nações Unidas, a transferência internacional de recursos como mecanismo para "promover o progresso econômico e social de todos os povos" [47] é antes de mais nada um Direito de Desenvolvimento dos Estados menos favorecidos e um Dever de Cooperação dos países industrializados.

O Brasil como membro da ONU, ao publicar a aludida Resolução nº 249, feriu de morte o direito de desenvolvimento de 95% dos municípios brasileiros. Estes continuarão a esperar, sem qualquer tipo de comprometimento, a atuação isolada do poder central para resolver os seus problemas locais. Esta escolha administrativa vai em direção contrária aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, desenvolvidos pelo PNUD, que se pautaram justamente na importância das cidades e dos conhecimentos locais para a efetivação da Cooperação Internacional.

Ademais, a Resolução nº 249 da COFIEX atenta diretamente contra cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988, mais especificamente o seu art. 60, §4º, uma vez que afasta a forma federativa do estado brasileiro ao impor limitações a determinados municípios em detrimento de outros de forma autoritária e centralizadora.

O federalismo centrífugo brasileiro deve estar sempre presente na interpretação da Constituição e na rejeição de aspectos inconstitucionais de qualquer ato normativo que tende a abolir o federalismo, centralizando competências ou limitando o seu processo evolutivo de descentralização. [48]

A Resolução nº 249 da COFIEX ao vedar a participação de municípios com menos de 100.000 habitantes no processo de financiamento através de recursos internacionais reafirmou a tradição de autoritarismo e centralização de poder da federação brasileira, em movimento contrário à evolução constitucional e a modernização do federalismo.

José Luiz Quadros Magalhães atenta que é fundamental para a leitura correta da Constituição e para a elaboração de normas infraconstitucionais, a compreensão do federalismo brasileiro centrífugo que busca sempre a descentralização de competências. Qualquer contrato, medida provisória, atos administrativos e emendas à Constituição que tendem a abolir a forma federal centrífuga do estado são inconstitucionais. Lembra, ainda, que o artigo 60, §4º prevê uma limitação material à reforma Constitucional, vedando categoricamente qualquer emenda que tende a abolir a forma federal. Conclui o seu raciocínio da seguinte maneira:

No caso especifico da vedação a emendas tendentes a abolir a forma federal, essa limitação só pode ser compreendida a partir do sentido do nosso federalismo, no caso, um federalismo centrífugo.

Isto quer dizer que:

1. O artigo 60 não veda emendas sobre o federalismo, mas emendas tendentes a abolir a forma federal.

2. Ao vedar emendas tendentes a abolir a formal federal, no nosso caso específico, em um federalismo centrífugo, que tem um movimento constitucional em direção à descentralização, só serão permitidas emendas que venham a aperfeiçoar o nosso federalismo ou, em outras palavras, que venham a acentuar a descentralização.

3. Emendas que venham a centralizar, em um modelo federal historicamente originário de um Estado unitário e altamente centralizado, são vedadas pela Constituição, pois tenderiam à extinção do estado federal brasileiro. Centralizar mais o nosso modelo significa transformá-lo de fato em um estado unitário descentralizado.

4. Logo, qualquer emenda que centralize mais competências na União é inconstitucional e deve sofrer o controle de constitucionalidade.

5. Finalmente, o modelo centrífugo (federalismo que tende constitucionalmente à descentralização) é princípio constitucional que se impõe não apenas ao legislativo e ao constituinte derivado, mas também a toda a atuação dos poderes da União e, obviamente, também ao executivo. (2003, p. 88)

Percebe-se, portanto, que todos os atos normativos dos agentes públicos da União, sejam do executivo ou do legislativo, que tendem a centralizar as suas competências em detrimento da descentralização são inconstitucionais por atentar contra a forma federativa do Estado brasileiro e constituem um retrocesso ao processo da evolução constitucional.

A Resolução nº 294 da COFIEX andou na contramão do processo de descentralização das competências na federação. O poder executivo da União ao impor limites e discriminar municípios pelo seu numero de habitantes restou por uniformizar e padronizar procedimentos de observância obrigatória para todos os municipios, jogando por terra a principal característica do federalismo nacional de três níveis, onde União, Estados Membros e Municípios possuem seu próprio poder constituinte derivado, sendo todos estes entes da Federação, neste sentido, iguais.

Por fim, vale ressaltar que a Constituição Federal ao elevar os Municípios como entes da Federação, não elevou somente os Municípios com mais de 100.000 habitantes. Não se pode aceitar que um ato normativo do executivo federal discrimine o que a Constituição não o fez.

A Resolução nº 294 da COFIEX, portanto, ao impor limites inconstitucionais aos Municípios criando discriminação não prevista na Constituição, feriu a forma federal do Estado brasileiro, não sendo norma de observância obrigatória para os Municípios dada a sua manifesta inconstitucionalidade.


7 - CONCLUSÃO

Ainda há muito que se aprimorar e amadurecer no tema da Cooperação Descentralizada como novo modelo da Cooperação Internacional, não só no Brasil como em todo o mundo. Todavia, no que se refere a esse país parece que o tema ainda anda longe dos seus principais interessados que não atentaram para a sua importância.

Os municípios brasileiros, assim como seus habitantes, ainda não se convenceram da importância da atuação em âmbito internacional. Ainda gera um desconforto e um estranhamento prefeitos municipais que viajam ao exterior em busca de recursos para o desenvolvimento social das suas cidades. Estas viagens, claro excluindo aquelas em caráter nitidamente de aproveitamento próprio de políticos corruptos e inescrupulosos da res pública, restam por se tornar alvo de confrontos políticos entre Câmaras de Vereadores e Prefeituras, além de ótima oportunidade para "furos" jornalísticos.

A relevância dos conhecimentos locais e o comprometimento de seus representantes foram reconhecidos internacionalmente como vetores do desenvolvimento humano, sem os quais novamente irá fracassar o esforço da Cooperação Internacional na tentativa de promover o progresso econômico e social de todos os povos. Como exemplo deste reconhecimento tem-se o Banco Interamericano de Desenvolvimento que no ano de 2006 criou em parceria com o Ministério de Planejamento do Brasil o Programa PROCIDADES que oferece linhas de crédito especiais aos municípios brasileiros interessados em promover o seu desenvolvimento urbano.

A captação de recursos internacionais pelos municípios é uma forma concreta de atender as suas demandas locais e promover o seu desenvolvimento social. A atuação internacional dos governos subnacionais, que a pouquíssimo tempo atrás era totalmente rejeitada porque afetava a soberania dos governos centrais, hoje é aceita e estimulada no cenário das relações internacionais e não devem ser negada por estes próprios atores em nível nacional.

A par da falta de amadurecimento da Cooperação Descentralizada no Brasil, da dependência do governo local perante o governo central, não por acaso o seu principal avalista internacional, e da ausência de previsão constitucional da atuação isolada dos governos subnacionais, foi demonstrado que no tema exclusivamente referente à busca de financiamento internacional existe um caminho aberto pelo Ordenamento Jurídico brasileiro a ser percorrido pelos municípios. Os procedimentos administrativos já foram regulados pelo governo central e estão à disposição dos entes municipais.

Além disto, instrumentos como o orçamento participativo e a criação dos conselhos municipais demonstram o sucesso que a democracia participativa incentivada e valorizada em âmbito local aproxima os anseios da sociedade civil à atuação estatal.

Resta neste momento aos municípios fazerem boas escolhas administrativas, consultar a sua população, e engendrar projetos técnicos internacionais viáveis e capazes de provar que o desenvolvimento humano global será de fato efetivado a partir do nível local.

Todavia, a limitação da participação neste processo de municípios com menos de 100.000 habitantes deve ser combatida, uma vez que este critério não mede a real capacidade destes em contrair financiamentos externos, além de ser manifestamente inconstitucional por atentar a forma federativa do Estado brasileiro.

Não se pode deixar a margem do processo de internacionalização 95% dos entes municipais, através de uma medida seletiva e autoritária do poder central em confronto direito com o federalismo nacional que busca o fortalecimento dos governos regionais e locais, através da descentralização de competências e atribuições.

O Poder Executivo federal deve pensar rapidamente em uma solução capaz de resolver esta distorção e os Municípios devem ajuizar as ações de controle de constitucionalidade próprias para dar efetividade aos anseios sociais de seus administrados através do canal aberto do fenômeno da internacionalização.

Enquanto tal distorção não for sanada, uma solução possível seria a realização de consórcios municipais, onde o governo federal não teria tanta preocupação no endividamento dos municípios, uma vez que o próprio consórcio seria capaz, por si só, de oferecer garantias às agencias de fomento internacional, que é justamente o que mais dificulta este tipo de financiamento.

Aos municípios brasileiros e a sociedade civil local, cabem, portanto, assumir criativamente o seu novo papel de sujeitos efetivos da cooperação internacional e deixar para o passado a aversão e a desconfiança da atuação internacional, e o ranço da dependência exclusiva do governo federal para resolver as suas próprias demandas locais.

Não há dúvida que o processo de internacionalização dos municípios poderá trazer benefícios econômicos, sociais e políticos. Em um país de recursos limitados, principalmente em âmbito municipal, e de índices de desenvolvimento humanos muito aquém do satisfatório. A Cooperação Descentralizada, portanto, é uma prática que deve ser valorada, incentivada e facilitada pelos poderes locais e central do Brasil.

Sobre o autor
Edgard Marcelo Rocha Torres

Procurador da Fazenda Nacional, especialista em direito Público pelo CAD/UGF, pós graduando em direito internacional pelo CEDIN/FMC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES, Edgard Marcelo Rocha. A captação de recursos externos pelos municípios brasileiros no sistema ONU de cooperação internacional.: O poder local e sua relevância mundial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2387, 13 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14186. Acesso em: 23 nov. 2024.

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