3. TABELA PRICE. A PRÁTICA DO ANATOCISMO E SUAS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS.
Como já dito anteriormente, a prática de juros está, quase sempre, ligada a abusividade e ilegalidade. Ao beneficiar o consumidor, as taxas de juros são sempre calculadas com base em risíveis patamares, como, por exemplo, a ridícula taxa de 0,500% 10 ao mês para a remuneração da poupança no mês de outubro de 2009, enquanto 9,05% ao mês de juros para o cheque especial do Banco Rendimento S.A. 11
Portanto, houve-se por bem, ao longo de vários períodos, instituir medidas protetivas a quem depende de crédito remunerado a juros, via de regra a parte mais frágil da relação. Foi nesse espírito que surge na legislação brasileira o Decreto nº 22.262, de 07 de abril de 1933, também conhecido por Lei da Usura, pelo então presidente Getúlio Vargas.
O referido Decreto fora expedido em um panorama histórico de revoluções, com a instituição de políticas de modernização do país promovidas pelo presidente Vargas durante o governo provisório. Dessa feita, iremos tecer algumas considerações acerca do mencionado diploma.
3.1. O DECRETO 22.626/33 – LEI DA USURA.
3.1.1. Conceito de usura
Como adendo, necessário se faz trazer o conceito gramatical e etimológico da palavra usura:
Usura 12
Datação
s. XIII cf. FichIVPM
Datação
s. XIII cf. FichIVPM
Acepções
substantivo feminino
juro, renda ou rendimento de capital
Rubrica: economia, termo jurídico.
contrato de empréstimo com cláusula de pagamento de juros por parte do devedor
Rubrica: termo jurídico.
empréstimo de dinheiro a juros superiores à taxa legal; agiotagem
Derivação: por extensão de sentido. juro exagerado, extorsivo; onzena, agiotagem.
Derivação: por extensão de sentido. lucro excessivo.
Derivação: por extensão de sentido. Uso: informal.
qualidade ou característica de quem é avarento, mesquinho, tem apego excessivo ao dinheiro, aos bens materiais; avareza, mesquinharia, sovinice
Derivação: por extensão de sentido. Regionalismo: Nordeste do Brasil.
desejo exacerbado de poder ou riquezas, honras ou glórias; ambição, cobiça
Etimologia
lat. usúra,ae ´´uso de alguma coisa; emprestar dinheiro a juros´´, do rad. de usum, supn. de utor,utèris,usus sum,uti ´´usar´´; ver us(u)-; f.hist. sXIV husuras
Sinônimos
ver sinonímia de lucro
Homônimos
usura(fl.usurar)
(grifos não constam do original)
Portanto, o termo "usura" indica a aplicação exarcebada de juros, de forma abusiva, beirando as raias da extorsão. Ainda, Luiz Antônio Scavone Júnior (2008, p. 317) entende que:
A usura é conceituada a partir da percepção de juros exorbitantes e lucros excessivos, resultando, daí, duas espécies no sistema pátrio: usura pecuniária, relativa aos juros exorbitantes e usura real, que se refere aos lucros excessivos e corresponde ao conceito de lesão.
Uma visão etimológica do vocábulo "usura" leva a considerá-lo como o interesse ou proveito extraído do uso ou posse de coisa emprestada. A usura em excesso resulta no foenus, ou seja, a ganância ou lucro exagerado, que é reprimido pelo direito pátrio em algumas modalidades.
Como noticiado pelo referido autor, a usura pode ser apresentada em duas espécies: real e pecuniária. Tal distinção surge da própria legislação pátria, nos termos da Lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951, que versa sobre crimes contra a economia popular, a qual, em seu artigo 4º, prescreve:
Art. 4º. Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando:
a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro superiores à taxa permitida por lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada por moeda estrangeira; ou, ainda, emprestar sob penhor que seja privativo de instituição oficial de crédito;
b) obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de cinco mil a vinte mil cruzeiros.
Portanto, segundo o citado diploma legal, a usura pecuniária caracteriza-se pela cobrança exorbitante de juros, acima dos limites impostos pela lei. Já a usura real, que engloba o conceito de lesão, seria a configuração de lucro exorbitante em face do montante cobrado do devedor.
Segundo argumenta Caio Mário da Silva Pereira (1999, p. 323), acerca da lesão ocasionada pelo lucro exarcebado do credor:
Pode-se genericamente definir lesão como o prejuízo que uma pessoa sofre na conclusão de um ato negocial resultante da desproporção existente entre as prestações das duas partes. Nosso direito pré-codificado concebeu, portanto, o instituto da lesão com estas duas figuras, caracterizando-se a lesão enorme, como defeito objetivo do contrato: o seu fundamento não era nenhum vício presumido do consentimento, mas assentava na injustiça do contrato em si; já a lesão enormíssima fundava-se no dolo com que se conduzia aquele que do negócio tirava o proveito desarrazoado, porém dolo presumido ou dolo ex re ipsa, que precisava ser perquirido na intenção do agente. Segundo a noção corrente, que o nosso direito adotou, a lesão qualificada ocorre quando o agente, premido pela necessidade, induzido pela inexperiência ou conduzido pela leviandade, realiza um negócio jurídico que proporciona à outra parte um lucro patrimonial desarrazoado ou exorbitante da normalidade.
Daí é possível perceber a intenção de criar mecanismos de freio aos abusos que lesionavam os devedores, pretensões alcançadas em razão da expedição do Decreto 22.626/33.
Outro fator decisivo para que se inserisse tal norma no ordenamento jurídico brasileiro foi, sem dúvida, o contexto histórico que caracterizava o país em meados do século XX, o que será visto logo adiante.
3.1.2. Do contexto histórico da edição do Decreto 22.626/33
Como já mencionado, o referido diploma legal nasce numa época de grande revolução social brasileira. A enciclopédia virtual Wikipédia, de forma condensada e precisa, nos dá uma ideia do escorço histórico da gênese da citada norma:
Governo Provisório (1930 - 1934)
Nomeado presidente, Getúlio Vargas usufruía de poderes quase ilimitados e, aproveitando-se deles, começou a tomar políticas de modernização do país. Ele criou, por exemplo, novos ministérios - como o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e o Ministério da Educação e Saúde -, e nomeou interventores de estados. Na prática, os estados perdiam grande parte da sua autonomia política para o presidente. Continuou com a Política de Valorização do Café (PVC) e criou o Conselho Nacional do Café e o Instituto do Cacau, atendendo assim a algumas das reivindicações das oligarquias cafeeiras.
A Getúlio Vargas também é creditado, nesta época, a Lei da Sindicalização, que vinculava os sindicatos brasileiros indiretamente - por meio da câmara dos deputados - ao Presidente. Vargas pretendia, assim, tentar ganhar o apoio popular, para que estes apoiassem suas decisões (a política conhecida como populismo). Assim sendo, houve, na Era Vargas, grandes avanços na legislação trabalhista brasileira, muitos deles não devidos exatamente a Vargas - a quem cujo crédito maior é o estabelecimento da CLT - mas sim por parte de parlamentares constituintes do período. Mudanças essas que perduram até hoje 13
Portanto, é possível observar que as tendências populistas do presidente Vargas não só aceleraram o desenvolvimento da tutela estatal em âmbito trabalhista como, também, o desenvolvimento de medidas protetivas ao hipossuficiente, principalmente no âmbito da remuneração do capital emprestado.
É nesse momento que surge o Decreto 22.626, de 07 de abril de 1933. A finalidade maior do referido Decreto é aferida da leitura de seu próprio preâmbulo 14, que preceitua:
O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil:
Considerando que todas as legislações modernas adotam normas severas para regular, impedir e reprimir os excessos praticados pela usura;
Considerando que é de interesse superior da economia do país não tenha o capital remuneração exagerada impedindo o desenvolvimento das classes produtoras;
Decreta:
(grifos não constam do original)
Portanto, a preocupação de Vargas era instituir freios ao apetite voraz caracterizador do capitalismo, embora suas motivações sejam interpretadas por muitos como mera demagogia ditatorial, nos resguardando a não entrar nesse mérito.
As medidas adotadas pelo Decreto visavam limitar a aplicação dos juros, e proibir determinadas práticas que oneravam sobremaneira o devedor. Nesse passo, observa-se a instituição de penas para o caso de prática da Usura, como se observa abaixo:
Art. 13. É considerado delito de usura, toda a simulação ou prática tendente a ocultar a verdadeira taxa do juro ou a fraudar os dispositivos desta lei, para o fim de sujeitar o devedor a maiores prestações ou encargos, além dos estabelecidos no respectivo título ou instrumento.
Penas - prisão por (6) seis meses a (1) um ano e multas de cinco contos a cinqüenta contos de reis.
No caso de reincidência, tais penas serão elevadas ao dobro.
Parágrafo único. Serão responsáveis como co-autores o agente e o intermediário, e, em se tratando de pessoa jurídica, os que tiverem qualidade para representá-la.
Art. 14. A tentativa deste crime é punível nos termos da lei penal vigente.
Art. 15. São consideradas circunstâncias agravantes o fato de, para conseguir aceitação de exigências contrárias a esta lei, valer-se o credor da inexperiência ou das paixões do menor, ou da deficiência ou doença mental de alguém, ainda que não esteja interdito, ou de circunstâncias aflitivas em que se encontre o devedor.
3.1.3. A vigência do Decreto 22.626/33
Não obstante a sua expedição no ano de 1933, tudo indica que referida norma foi recepcionada pela Carta da República de 1988.
Sobre o instituto da recepção do ordenamento jurídico diante de nova ordem constitucional, extrai-se trecho da obra do professor Pedro Lenza (2006, p. 74/75):
Todas as normas que forem incompatíveis com a nova Constituição serão revogadas, por ausência de recepção. Vale dizer, a contrario sensu, a norma infraconstitucional que não contraria a nova ordem será recepcionada, podendo, inclusive, adquirir uma nova "roupagem". Como exemplo lembramos o CTN (Código Tributário Nacional – Lei n. 5.172/66), que, embora tenha sido elaborado com quorum de lei ordinária, foi recepcionado pela nova ordem como lei complementar, sendo que os ditames que tratam sobre matérias previstas no art. 146, I, II e III, da CF só poderão ser alterados por Lei Complementar.
Pode-se afirmar, então, que, nos casos de normas infraconstitucionais produzidas antes da nova Constituição, incompatíveis com as novas regras, não se observará qualquer situação de inconstitucionalidade, mas, apenas, como vimos, de revogação da lei anterior pela nova Constituição, por falta de recepção.
Nesse sentido, e tomando emprestadas como paradigma as ideias do respeitável autor supramencionado, tem-se que não seria de todo absurdo arguir, inclusive, que o Decreto 22.626/33 não foi apenas recepcionado pelo texto constitucional vigente, uma vez que não houve qualquer incompatibilidade material entre a Constituição Federal de 1988 e a norma anti-usura, bem como foi alçado ao status de Lei Complementar, levando-se a efeito o art. 192, CF, que versa:
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.
Sendo certo que o Decreto 22.626/33 fornece diretrizes para limitação dos juros e inibição de práticas consideradas abusivas, conclui-se que, de certa forma, regulamenta o Sistema Financeiro Nacional, sendo, portanto, norma com status de Lei Complementar, assim como o Código Tributário Nacional. Portanto, a referida norma somente poderia ser alterada, derrogada ou ab-rogada, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, mediante Lei Complementar.
Nesse passo, observa-se tentativas malfadadas de ab-rogação ou derrogação do referido normativo, pela edição de Medidas Provisórias de dúbia constitucionalidade.
Dentre as tentativas mencionadas, podemos citar a edição das Medidas Provisórias 2.170-36 15, de 23 de agosto de 2001, que dispõe sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, e 2.160-25 16, também de 23 de agosto 2001, que dispõe sobre a Cédula de Crédito Bancário e institui a alienação fiduciária em garantia de coisa fungível ou de direito, futuramente convertida na Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004.
As mencionadas espécies normativas preceituam:
MP 2.170-36/01
Art. 5º - Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.
Lei 10.931/04
Art. 28. A Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial e representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta corrente, elaborados conforme previsto no § 2o.
§ 1o Na Cédula de Crédito Bancário poderão ser pactuados:
I - os juros sobre a dívida, capitalizados ou não, os critérios de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização, bem como as despesas e os demais encargos decorrentes da obrigação;
(grifo nosso)
Tais normativos estão em franco desacordo com o art. 4º da Lei da Usura, Dec. 22.626/33, que preceitua:
Art. 4º. E proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.
Portanto, patente o choque legislativo, uma vez que em uma das espécies normativas, qual seja, o Dec. 22.626/33, norma com status de Lei Complementar, se proíbe e contagem de juros dos juros (exaustivamente demonstrada capitalização composta de juros) enquanto, nas normas hodiernas, Medida Provisória e Lei Ordinária, fica expressamente permitida a capitalização de juros.
Primeiramente, urge salientar a natureza da Medida Provisória. Conforme o art. 62. da Constituição Federal, a Medida Provisória é cabível em casos de relevância ou urgência, quando, em razão da celeridade, o Presidente da República vale-se do referido instrumento normativo para disciplinar determinadas matérias. Ressalte-se que a Medida Provisória tem eficácia por prazo determinado, 60 dias, podendo permanecer em vigor em casos específicos, como durante o recesso parlamentar.
O mesmo art. 62, em seu § 1º, inciso III, preceitua que é vedada a edição de Medida Provisória versando sobre matéria reservada a Lei Complementar, que exige quorum privilegiado e maiores formalidades para sua promulgação.
Nesse passo, a referida MP 2.170-36/01 fora declarada inconstitucional, incidenter tantum, em várias ações oriundas do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, dentre as quais podemos citar a mais expressiva, que julga arguição de inconstitucionalidade nos autos do processo 2006.00.2001.774-7, de Relatoria do Desembargador Lécio Resende, publicada no DJ de 15/08/2006, cujo extrato:
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 5º DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2170-36. OPERAÇÕES REALIZADAS PELAS INSTITUIÇÕES INTEGRANTES DO SISTEMA FINANCEIRO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. MATÉRIA PREVISTA EM LEI COMPLEMENTAR. ART. 192, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL COM A REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 40.
A matéria inserida em Medida Provisória que dispõe sobre "a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional", consolidando e atualizando a legislação pertinente, não pode dispor sobre matéria completamente diversa, cuja regulamentação prescinde de Lei Complementar. Declarada, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do art. 5º, da Medida Provisória 2170-36.(20060020017747AIL, Relator LÉCIO RESENDE, Conselho Especial, julgado em 04/07/2006, DJ 15/08/2006 p. 69)
(...)
Constata-se, pois, que o sistema financeiro nacional é regulado por intermédio de leis complementares, sendo vedada a edição de medidas provisórias em temas reservados à lei complementar, conforme dispõe o item III, do § 1º, do art. 62, da Constituição Federal, verbis:
(...)
As matérias que regulam o Sistema Financeiro Nacional devem ser previstas em Leis Complementares, que deverão dispor sobre a relação existente entre ele e as instituições financeiras.
Permito-me transcrever parte do ilustrado Parecer da douta Procuradoria de Justiça, ofertado aos autos, verbis:
"Segundo José Afonso da Silva Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pág. 804), o Sistema Financeiro Nacional é um sistema financeiro parapúblico, que, ao contrário do sistema público que trata das finanças e orçamentos públicos, é responsável pelas "instituições financeiras creditícias, públicas ou privadas, de seguro, previdência (privada) e capitalização", de forma a garantir o controle do Poder Público sobre tais instituições.
A regulamentação desse sistema, ensina José Afonso da silva, dá-se com a disposição sobre as "relações institucionais do sistema financeiro", ou seja, as relações do Poder Público com as instituições financeiras públicas ou privadas, excluindo-se as relações entre as instituições financeiras e os usuários de seus serviços, que serão tratadas por normas próprias.
Por fim, salienta o autor que, "embora o controle do Poder Público sobre as instituições financeiras possa também amparar interesses dos usuários, isso não interfere diretamente com as relações destes com aqueles, que se regem por outras normas (...), de sorte que as leis complementares só são exigidas na disciplina das relações institucionais"."
A referida Medida Provisória tem como objeto fixar regras sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro nacional, consolidando e atualizando a legislação pertinente ao assunto.
Portanto, a matéria inserida por contrabando em Medida Provisória que dispõe sobre "a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional" consolidando e atualizando a legislação pertinente, não pode dispor sobre matéria completamente diversa, cuja regulamentação prescinde de Lei Complementar.
(...)
Sendo patente que o art. 5º, da Medida Provisória em questão, dispõe sobre a relação existente entre o Sistema Financeiro Nacional e as Instituições Financeiras, inquestionável é a aplicabilidade do artigo constitucional que exige o emprego de lei complementar, ou seja, art. 192, caput, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 40.
Assim, incidenter tantum, declaro a inconstitucionalidade do art. 5º, da Medida Provisória 2170-36.
Ressalte-se, ainda, que, conforme já mencionado, o referido normativo padece dos requisitos ensejadores de edição de Medida Provisória, nos termos do art. 62. da Constituição Federal, quais sejam, relevância e urgência. Além do mais, o prazo de vigência, conforme o citado artigo, é de apenas 60 (sessenta) dias, até a edição de norma definitiva da matéria.
Portanto, injustificadas as várias reedições da MP para tratar de assunto que não represente relevância ou urgência em sua apreciação. Ao contrário, tal projeto exige prévio estudo de viabilidade econômica e social, possibilitando implementar medidas econômicas justas, e não apenas legais.
Portanto, a referida Medida Provisória nasce morta, na medida em que está fadada à inconstitucionalidade, como bem decidido pela Justiça do Distrito Federal, embora o Superior Tribunal de Justiça insista na aplicação fria e distante do mencionado normativo. Registre-se, por oportuno, que se encontra em trâmite perante o Pretório Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI 2316-1, em que se discute a aplicação da Medida Provisória 2.170-36/01, sendo certo que, não obstante não exista qualquer julgamento, os Ministros vêm se posicionando pela suspensão da eficácia da MP até o julgamento final da Ação, como se observa dos Informativos do Supremo Tribunal Federal de número 262 17 e 413 18.
É certo o grande interesse público que orbita a matéria, como demonstrado pelo Ofício 2008/DPS da Defensoria Pública do Distrito Federal, Núcleo de Sobradinho, assinado pelo Defensor Público Dr. Cláudio Ribamar Santana, protocolizado nos autos referenciados, nos seguintes termos:
Solicitamos a Vossa Excelência informações acerca do julgamento da ADIN 2316-1, proposta pelo Partido Liberal em face do art. 5º da Medida Provisória n. 2.170-36, de 23 de agosto de 2003, que permitiu às instituições financeiras a prática da capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano.
(...)
Ressalto a urgência da definição da matéria por essa Corte Constitucional, uma vez que inúmeras pessoas hipossuficientes de todo país serão beneficiadas por eventual declaração de inconstitucionalidade. 19
Quanto à aplicação da Lei 10.931/04, interessante citar julgado do TJDFT, nos autos do processo, nos termos do voto do Desembargador Relator Flavio Rostirola, litteris:
"ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. INCISO I, PARÁGRAFO PRIMEIRO, DO ARTIGO 28 DA LEI N. 10.931/2004. AUTORIZAÇÃO EM LEI ORDINÁRIA DE CAPITALIZAÇÃO DE JUROS EM CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. MATÉRIA AFETA AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. TEMA A SER PREVISTO EM LEI COMPLEMENTAR. AFRONTA DIRETA ÀO ARTIGO 192, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COM REDAÇÃO CONFERIDA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 40. 1. Ao autorizar a capitalização de juros em cédula de crédito bancário, o inciso I, parágrafo primeiro, do artigo 28 da lei n. 10.931/2004 afronta diretamente o artigo 192, caput, da Constituição Federal de 1988, que determina caber à lei complementar a regulamentação de matéria afeta ao Sistema Financeiro Nacional. 2.Declarada, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do inciso I, parágrafo primeiro, do artigo 28 da lei n. 10.931/2004." (AIL 2008.00.2.000860-8, Relator Desembargador Flavio Rostirola, Conselho Especial, julgado em 20.05.2008, DJ 05.09.2008).
As matérias que disciplinam o Sistema Financeiro Nacional devem ser reguladas por diploma legal complementar, inclusive, quanto à participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.
(...)
Acerca da regulamentação do Sistema Financeiro Nacional, cumpre ressaltar que este não se confunde com o sistema público que trata das finanças e orçamentos públicos. Vale trazer à baila contribuição do douto representante do Ministério Público, ao citar o augusto doutrinador José Afonso da Silva:
Segundo José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pág. 804), o Sistema Financeiro Nacional é um sistema financeiro parapúblico, que, ao contrário do sistema público que trata das finanças e orçamentos públicos, é responsável pelas ‘instituições financeiras creditícias, públicas ou privadas, de seguro, previdência (privada) e capitalização’, de forma a garantir o controle do Poder Público sobre tais instituições.
A regulamentação desse sistema, ensina José Afonso da Silva, dá-se com a disposição sobre as ‘relações institucionais do sistema financeiro’, ou seja, as relações do Poder Público com as instituições financeiras públicas ou privadas, excluindo-se as relações entre as instituições financeiras e os usuários de seus serviços, que serão tratadas por normas próprias.
Por fim, salienta o autor que, ‘embora o controle de Poder Público sobre as instituições financeiras possa também amparar interesses dos usuários, isso não interfere diretamente com as relações destes com aqueles, que se regem por outras normas (...), de sorte que as leis complementares só são exigidas na disciplina das relações institucionais.
Dessa forma, as leis complementares exigidas pelo artigo 192 da Carta Magna devem dispor sobre a relação entre o Sistema Financeiro Nacional e as instituições financeiras. Nota-se que tal conteúdo é o apresentado pelo dispositivo da lei ora impugnada. (fl.117).
Diante desse panorama, constata-se, sem dificuldades, que o rechaçado artigo 28, parágrafo primeiro, inciso I da Lei n. 10.931/2004 trata de capitalização de juros, matéria esta afeta ao Sistema Financeiro Nacional, cuja regulamentação deve ocorrer por meio de lei complementar.
Em outras palavras, o dispositivo combatido autoriza, em sede de lei ordinária, a capitalização mensal de juros em cédulas de crédito bancário, quando tal tema deveria ser normatizado por lei complementar. Resta, de tal sorte, flagrante a afronta aos ditames constitucionais.
Neste momento, convém enfatizar a vigência do princípio da supremacia da Constituição, por meio do qual as situações jurídicas devem conformar-se com a Carta Magna, considerada lei fundamental. O texto constitucional serve como norte na elaboração do ordenamento jurídico pátrio, repelindo-se, dessarte, a introdução de novéis diplomas legais que contrariem os ditames constitucionais.
Nessas condições, DECLARO a inconstitucionalidade incidenter tantum do inciso I, parágrafo primeiro, do artigo 28 da Lei n. 10.931/2004, em decorrência da estampada violação direta ao artigo 192 da Constituição Federal de 1988.
(grifamos)
Mais uma vez, é possível notar a prudência do TJDFT em declarar a inconstitucionalidade da MP 2.170-36/01 e da Lei 10.931/04, na medida em que ambas enfrentam matérias alheias à sua seara, afrontando o art. 192. da Constituição Federal, sendo óbvia, pois, em contrapartida, a aplicação plena do Decreto 22.626/33, vez que se adéqua materialmente à Constituição Federal, não configurando vício formal de constitucionalidade por ter sido introduzida no ordenamento jurídico pátrio sob a égide de outra ordem constitucional.
3.2. A TABELA PRICE E O ART. 4º DO DECRETO 22.626/33
Conforme amplamente demonstrado, o Decreto 22.626/33 visa coibir práticas lesivas à economia popular. Dentre essas práticas, podemos destacar a capitalização composta de juros. Tal vem sendo tão deletéria quanto os empréstimos feitos à elevadas taxas de juros, intimamente relacionados a agiotas e seus pouco ortodoxos métodos de cobrança.
O que difere os agiotas dos bancos e instituições financeiras em geral é, unicamente, os métodos de cobrança, menos incisivos, contudo, de igual abusividade.
Nesse sentido, preceitua o já citado art. 4º do Decreto 22.626/33:
Art. 4º. É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.
Nessa esteira, restou exaustivamente comprovado pela melhor doutrina que a contagem de juros sobre juros é o mesmo que capitalização composta de juros, e, por sua vez, sinônimo de anatocismo 20.
Portanto, a mencionada norma proíbe a prática da contagem de juros sobre juros (capitalização de juros – anatocismo) em periodicidade inferior a um ano.
Mais uma vez, trazemos a notícia de que a Tabela Price é construída com base em tabelas precedentes de capitalização composta de juros, e por sua vez, é uma tabela cuja sistemática é eminentemente a capitalização composta de juros, na maioria esmagadora das vezes em periodicidade mensal, conforme seu próprio criador, o Reverendo Richard Price, nos termos seguintes:
ESTAS Tabelas podem ser encontradas na maioria dos livros que tratam de Juro Composto e anuidades; mas tem sido, neste estudo, tantas vezes necessário consultá-las, que foi preciso poupar o leitor o trabalho de recorrer a outros livros por causa delas.
(PRICE, 1803, p. 286. apud NOGUEIRA, 2007, p. 28).
Portanto, não há conclusão mais lógica senão que a sistemática da Tabela Price, aplicada a financiamentos em geral, é totalmente ilegal. Nesse sentido, prudentemente vêm decidindo alguns Tribunais país a fora.
O entendimento, contudo, não é unânime entre as turmas e câmaras dos Tribunais de Justiça, dentre os quais, é possível citar entendimento favorável à aplicação da Tabela Price oriundo do TJDFT:
CIVIL. PROCESSO CIVIL. REVISÃO DE CONTRATO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. VEDAÇÃO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. APLICAÇÃO ISOLADA. REPETIÇÃO DE INDEBITO. POSSIBILIDADE. FORMA SIMPLES.
1. Não obstante questionável constitucionalidade da Medida Provisória 1.963-17/2000 e suas sucessivas reedições, o julgador deve ainda verificar caso a caso a ocorrência de efetivo anatocismo, prática que difere da capitalização per si, para só então afastar a cláusula que o estabelece de forma sorrateira.
2. A prática defesa é a que evidencia a contagem de juros sobre juros não vencidos - o anatocismo. Dessa forma, a mera aplicação da Tabela Price não denota a prejudicialidade na contagem dos juros.
3. É admitida a incidência da comissão de permanência, desde que não incida cumulativamente com correção monetária, juros remuneratórios, moratórios e/ou multa contratual, e desde que calculada a base da taxa de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato.
4. É cabível a repetição do indébito dos valores vertidos em excesso, desde que na forma simples, a fim de evitar o enriquecimento ilícito do banco em detrimento do consumidor.
5. Apelo parcialmente provido tão-somente para determinar que a comissão de permanência incida de forma isolada e seja calculada à taxa média do mercado, limitada à taxa do contrato.
(20080110123565APC, Relator FLAVIO ROSTIROLA, 1ª Turma Cível, julgado em 17/09/2009, DJ 28/09/2009 p. 97)
PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. EMPRÉSTIMO CONTRAÍDO JUNTO À INSTITUIÇÃO BANCÁRIA PARA A AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. APLICAÇÃO TABELA PRICE. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO E EMISSÃO DE BOLETO BANCÁRIO. INSCRIÇÃO DO NOME DO DEVEDOR NOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO.
A matéria relativa à capitalização de juros, pelas instituições financeiras, não demanda Lei Complementar, uma vez que, com a alteração da redação do art. 192. da Constituição Federal pela EC 40/03, especificamente em relação ao pretérito parágrafo terceiro, não há mais a exigência desse rito legislativo para autorizar a citada capitalização.
A jurisprudência do Col. Superior Tribunal de Justiça admite ser possível a capitalização mensal dos juros para os contratos celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da publicação da MP 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o nº 2.170-36/2001. Logo, em se tratando de contratos firmados posteriormente à edição da citada norma, a cobrança de juros capitalizados em períodos inferiores a um ano afigura-se perfeitamente possível.
Não há qualquer restrição legal que impeça o uso do sistema francês de correção, denominado tabela price.
É admitida a incidência da comissão de permanência após o vencimento da dívida, desde que não cumulada com juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e/ou multa contratual. Precedentes do STJ.
Com a entrada em vigor da nova regulamentação do Conselho Monetário Nacional - CMN (Resolução n. 3.518/2007), a TAC e a cobrança pela emissão de boletos bancários foram extintas, uma vez que não estariam mais previstas nas regras que padronizaram as cobranças feitas pelos diferentes bancos e financeiras. Logo, são nulas de pleno direito a cobrança dessas taxas, consoante, inclusive, a legislação consumerista.
O simples ajuizamento de ação revisional de contrato não é suficiente para obstar a inscrição do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito. Precedentes do STJ.
Recurso conhecido e provido parcialmente.
(20080111254253APC, Relator ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, 6ª Turma Cível, julgado em 22/07/2009, DJ 16/09/2009 p. 56)
Alguns magistrados e doutrinadores sustentam ainda que deve prevalecer o direito de livre estipulação contratual entre as partes. Entretanto, em regra os contratos bancários são adesivos, não cabendo ao devedor opinar sobre as suas condições. Nesse aspecto, não há como prevalecer o princípio da liberdade contratual, eis que apenas é exercida pela instituição financeira.
Há, ainda, o entendimento de que o Decreto 22.626/33 não se aplica às instituições financeiras, conforme demonstrado a seguir:
CÍVEL. - AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL COM PEDIDO DE LIMINAR. - CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. - NOVAÇÃO. - CONFISSÃO DE DÍVIDA. -APLICAÇÃO DO DECRETO-LEI 22 .626/33 ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. - IMPOSSIBILIDADE. - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. - EXCLUSÃO. - TBF. - AINDA QUE PACTUADA NÃO É POSSÍVEL A SUA INCIDÊNCIA. - SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I. É pacífico o entendimento jurisprudencial que a Lei de Usura não se aplica às instituições financeiras, II. Quanto à comissão de permanência, é nula a cláusula que a autoriza por sujeitar o devedor ao exclusivo arbítrio do credor, e se verificando a sua cumulação com outros consectários, sua exclusão se faz necessária. III. A TBF, ainda que pactuada, é vedada sua utilização como índice de correção monetária, pois foi instituída para ser utilizada exclusivamente como base de remuneração. Há, portanto, vedação legal para a sua aplicação como encargo moratório ou fator de utilização monetária.
(TJPR - Apelação Cível - 0200859-7. Relator: Lidio José Rotoli de Macedo. Julgamento: 29/10/2002. Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível (extinto TA). Publicação: 14/11/2002 DJ: 6250)
DIREITO CIVIL. REVISÃO DE CONTRATO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. LIMITAÇÃO DE JUROS.
I. A capitalização de juros é permitida nos contratos celebrados com instituições financeiras, posteriormente à edição da Medida Provisória n° 1.963-17/2000, perenizada sob o n° 2.1270-36/2001 pela EC 21/2001.
II. A controvérsia sobre a aplicação dos juros foi dirimida pelo Supremo Tribunal Federal, por meio do enunciado da Súmula nº 596, do seguinte teor: "As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional."III. Ausente previsão contratual que estabeleça a cobrança de comissão de permanência, carece a parte de interesse processual, nesse aspecto.
IV. A mera propositura de ação judicial pelo devedor visando à discussão de cláusula contratual não pode se erigir em obstáculo à inclusão de seu nome nos serviços de proteção ao crédito. Precedentes STJ.
V. Negou-se provimento ao recurso.
(20080111575384 APC, Relator JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA, 6ª Turma Cível, julgado em 07/10/2009, DJ 21/10/2009 p. 184)
Tal argumento tem por base a Súmula 596 do STF, que entende pela impossibilidade de aplicação da Lei da Usura às instituições que compõem o sistema financeiro nacional.
No entanto, conforme entendimento também do TJDFT, essa tese sumular aplica-se tão somente à limitação dos juros, devendo, contudo, serem restritos às taxas médias praticadas no mercado. Quanto à capitalização, é entendimento jurisprudencial no sentido de que é vedada, ainda que expressamente convencionada, sendo a autorização apenas aos recursos do Tesouro Nacional, litteris:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. AFASTAMENTO. INAPLICABILIDADE DO ART. 5º MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/01. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA CUMULADA COM JUROS MORATÓRIOS E MULTA MORATÓRIA.
1. As instituições financeiras não se submetem à limitação de juros compensatórios sobre o capital mutuado (Enunciado 596 do excelso STF). Todavia, isso não significa que estão autorizadas a estipular juros exorbitantes, que devem ser ajustados à taxa média de mercado praticada ao tempo do contrato, divulgada pelo Banco Central do Brasil.
2. É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada, salvo nos casos previstos em lei, como na cédula de crédito rural, industrial e comercial. A autorização dada pela Medida Provisória 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, somente diz respeito à administração dos recursos do Tesouro Nacional, não podendo ser aplicada a qualquer contrato bancário, uma vez que o sistema financeiro nacional somente pode ser regulado por leis complementares.
3. Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 294), é legal a previsão contratual de cobrança, na hipótese de inadimplência, de comissão de permanência à taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato, desde que não cumulada com correção monetária, multa e juros moratórios.
(20070110903460APC, Relator NATANAEL CAETANO, 1ª Turma Cível, julgado em 29/07/2009, DJ 10/08/2009 p. 119) (grifo nosso)
Verifica-se que até o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo contra o fluxo, admitindo a aplicação da Tabela Price mediante fria e distante análise mecânica da lei, donde podemos destacar o seguinte julgamento:
PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - AGRAVO REGIMENTAL - CONTRATO BANCÁRIO - FINANCIAMENTO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS - CONTRATO POSTERIOR À EDIÇÃO DA MP 2.170-36 - PREVISÃO CONTRATUAL - DISCUSSÃO SOBRE EVENTUAL CONSTITUCIONALIDADE - IMPOSSIBILIDADE - COMPETÊNCIA DO STF - JUROS MORATÓRIOS - LIMITAÇÃO EM 1% AO MÊS - AFASTAMENTO DOS EFEITOS DA MORA - MANUTENÇÃO DA POSSE DO BEM - IMPOSSIBILIDADE DE EXAME - INOVAÇÃO EM SEDE DE REGIMENTAL - DESPROVIMENTO.
1 - Inicialmente, cumpre asseverar que, em sede de recurso especial, a competência desta Corte Superior de Justiça se limita a interpretar e uniformizar o direito infraconstitucional federal, a teor do disposto no art. 105, III, da Carta Magna. Assim sendo, resta impossibilitado o exame de eventual inconstitucionalidade da Medida Provisória 1.963-17 (atualmente MP 2.170-36), sob pena de usurpação da competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal.
2 - Sob o ângulo infraconstitucional, a eg. Segunda Seção deste Tribunal Superior já proclamou o entendimento de que, nos contratos firmados por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, posteriormente à edição da MP 1.963-17/2000, de 31 de março de 2000 (atualmente reeditada sob o nº 2.170-36/2001), admite-se a capitalização mensal dos juros, desde que expressamente pactuada. In casu, além da pactuação ser posterior à edição da referida medida provisória, o próprio agravante reconheceu, ainda na inicial, a expressa previsão da capitalização mensal dos juros.
Desta forma, resta incontroversa a efetiva pactuação no contrato em tela.
3 - Em relação à limitação dos juros moratórios, a v. acórdão recorrido limitou-os em 1% ao mês, a teor dos artigos 1º e 5º do Decreto 22.626/33. Todavia, os efeitos da mora foram afastados pelo Tribunal a quo.
4 - Incabível eventual discussão acerca da manutenção da posse do bem em nome do autor, porquanto tal matéria não foi discutida em nenhum momento, desde a prolação da sentença, não cabendo inovar a tese jurídica em sede de agravo regimental.
5 - Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 788.068/RS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 25/04/2006, DJ 15/05/2006 p. 236)
Contudo, o que o Colendo STJ não levou em consideração foi a edição de Súmula pelo Supremo Tribunal Federal, enunciado nº 121, sobre o tema, inadmitindo a capitalização composta de juros nos contratos de financiamento, o que transcende a edição de norma posterior, mormente se eivada de vício de constitucionalidade.
Nesse aspecto, é a tese da Súmula 121 do Pretório Excelso:
SÚMULA Nº 121
É VEDADA A CAPITALIZAÇÃO DE JUROS, AINDA QUE EXPRESSAMENTE CONVENCIONADA.
A referida tese sumular é cristalina, não admitindo interpretação diversa. Uma vez configurada a capitalização de juros, ilegal é o contrato.
Como já noticiado, tramita no Pretório Excelso Ação Direta de Inconstitucionalidade, de nº 2316-1, ajuizado pelo Partido Liberal (PL) em 19 de setembro de 2000. Na referida ação pretende-se a declaração de inconstitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória 2.170-36/01 (à época MP 1.963-22/00), que permite a capitalização composta de juros em periodicidade inferior a um ano, cujo julgamento pelo Pleno do STF ainda não ocorreu, embora os Ministros venham se posicionado pela inconstitucionalidade como demonstrado.
Enquanto o julgamento definitivo da lide não se conclui, valemo-nos das reiteradas decisões do Tribunal de Justiça do Distrito Federal no sentido da ilegalidade da aplicação da Tabela Price por sua natureza de capitalização composta de juros, em que podemos citar:
CIVIL. APELAÇÃO. REVISÃO DE CLÁUSULAS DE CONTRATO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. LIMITAÇÃO E CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. IMPOSSIBILIDADE.
I - As instituições financeiras não estão adstritas a limites pré-definidos de juros, não sendo abusiva a cláusula contratual que os fixa em patamar superior a 12% (doze por cento) ao ano.
II - Conforme jurisprudência majoritária neste Tribunal, está vedada a capitalização mensal de juros
(20070111422559APC, Relator NATANAEL CAETANO, 1ª Turma Cível, julgado em 29/04/2009, DJ 18/05/2009 p. 61)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. FINANCIAMENTO. VEÍCULO AUTOMOTOR. TABELA PRICE. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. PRELIMINAR: CERCEAMENTO DE DEFESA. PRECLUSÃO. MÉRITO: CAPITALIZAÇÃO INCONTROVERSA. MP 2.170-36/2001. INCONSTITUCIONALIDADE. RECURSO PROVIDO.
I - Não há afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa se contra a decisão que indeferiu a produção de prova pericial a parte não se insurgiu no momento oportuno, operando-se a preclusão.
II - A capitalização de juros só é permitida nos casos expressamente autorizados por norma específica, não sendo admitida em contratos bancários de abertura de crédito direto ao consumidor, encontrando, em regra, vedação expressa no ordenamento jurídico pátrio, nos termos do art. 4º do Decreto nº 22.626/33.
III - O Superior Tribunal de Justiça já decidiu não ser razoável a interpretação de que o art. 5° da Medida Provisória n° 2.170-36, que permite a capitalização de juros em período inferior a um ano teria aplicação em qualquer operação financeira, na medida em que se destinou a fixar regras sobre a administração dos recursos do Tesouro Nacional, acrescentando ainda que se deve "ter em conta que a Constituição Federal, no art. 192, dispõe que o Sistema Financeiro Nacional será regulado por leis complementares, e, no § 1º do art. 62, veda a edição de medidas provisórias sobre matéria reservada a lei complementar" (AGREsp 609379/RS), fundamento este que, inclusive, respaldou a declaração incidental de inconstitucionalidade do referido art. 5º por esta Corte (AIL 2006.00.2.001774-7).
IV - Recurso provido.
(20070110225596APC, Relator NÍVIO GERALDO GONÇALVES, 1ª Turma Cível, julgado em 19/12/2007, DJ 04/03/2008 p. 16)
AGRAVO REGIMENTAL NA APELAÇÃO CÍVEL - REVISÃO DE CONTRATO - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - IMPOSSIBILIDADE - DECISÃO MANTIDA.
1 - O art. 557, do Código de Processo Civil, autoriza o relator a negar seguimento ao recurso manifestamente improcedente, inadmissível, prejudicado ou em confronto com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.
2 - Desnecessária perícia para comprovar que a conhecida Tabela Price implica capitalização de juros. O próprio criador da Tabela, identificada com seu nome, assim o diz em 1.781, no título da obra: "Tabela de juros compostos", in: "Observations on Reversonary Payments" Ed. Tcadell - Londres.
2.1 - Exigir tal providência é determinar a realização de provas sobre circunstâncias públicas e notórias (art. 334, I, do CPC).
2.2 - É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada, conforme enunciado nº 121 do Supremo Tribunal Federal.
3 - As cláusulas abusivas são nulas de pleno direito, conforme disposição do caput do art. 51. do CDC.
4 - Negou-se provimento Agravo Regimental.
(20070111276592APC, Relator JOÃO MARIOSA, 3ª Turma Cível, julgado em 16/09/2009, DJ 30/09/2009 p. 34)
APELAÇÃO CÍVEL. MÚTUO HABITACIONAL. SFH. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. SALDO DEVEDOR. AMORTIZAÇÃO. TABELA PRICE JUROS. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. A amortização da prestação paga deve ocorrer antes da correção do saldo devedor, sob pena de se outorgar ao credor injustificada vantagem na relação com o seu devedor (vencido o Relator).
2. É ínsita à Tabela Price a capitalização mensal de juros, proibida pelo ordenamento jurídico (STF 121), salvo hipóteses excepcionais (STJ 93) estranhas ao caso concreto.
3. Restando caracterizada a sucumbência recíproca em igual proporção, impõe-se a divisão dos ônus respectivos.
4. O saldo devedor deve ser corrigido conforme previsão contratual.
(20020111150406APC, Relator FERNANDO HABIBE, 4ª Turma Cível, julgado em 20/05/2009, DJ 10/06/2009 p. 78)
EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE COBRANÇA. PREVI. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. AMORTIZAÇÃO DAS PRESTAÇÕES E ATUALIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR. TABELA PRICE. ATO JURÍDICO PERFEITO.
1. Na ausência de lei complementar sobre a ordem de amortização das prestações pagas, prevalece a regra inserta na Lei n. 4.380/64, seja porque o contrato em epígrafe não diz respeito ao Sistema Financeiro de Habitação, seja porquanto mister privilegiar a interpretação mais favorável ao consumidor. Vale dizer: correta a prévia amortização do saldo devedor.
2. O sistema Price foi importado da França, o qual possui uma realidade econômico-jurídica completamente diversa da nossa. Sua aplicação implica necessariamente o cálculo de juros exponenciais, que esbarram no art. 4º do Dec. n. 22.626/33, assim como no verbete n. 121. da súmula do STF ("É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.").
3. "Não há que se falar em violação ao ato jurídico perfeito, uma vez que o nosso ordenamento jurídico permite a revisão de cláusulas contratuais a qualquer tempo" (APC 20010110385538, Rel. SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS, DJU 09/04/2003, p. 46).
4. Recurso conhecido e desprovido. Maioria.
(20040111024307EIC, Relator WALDIR LEÔNCIO C. LOPES JÚNIOR, 2ª Câmara Cível, julgado em 10/11/2008, DJ 05/03/2009 p. 28) (grifos não constam do original)
Portanto, a corrente mais expressiva da matéria é no sentido da ilegalidade da aplicação da Tabela Price em contratos de financiamento, nos termos do art. 4º do Decreto 22.626/33, mesmo após a superveniência de norma revogadora, na medida em que essas normas padecem de vício de inconstitucionalidade, conforme demonstrado.
3.3. A TABELA PRICE E O ART. 6º DO DECRETO 22.626/33
Outra questão que implica na ilegalidade da Tabela Price vem a ser sua exigibilidade antecipada dos juros.
Nesse sentido, demonstra o professor Scavone Júnior (2008, 215):
Nesse sistema, os juros são recebidos sobre todo o capital acumulado e não sobre a parcela de capital correspondente. Apenas o resíduo do valor da prestação total é utilizado para amortização do capital.
Por conseguinte, o valor total pago a título de juros suplanta aquele devido em razão dos juros capitalizados de forma simples na exata medida em que a taxa é aplicada, a cada período, sobre todo o capital.
Portanto, conforme se depreende da observação do referido professor, e conforme demonstrado em itens anteriores (precisamente o item 2.5), a capitalização de juros pela Tabela Price se dá de forma antecipada, antes do vencimento, confrontando o art. 6º da Lei da Usura, litteris:
Art. 6º. Tratando-se de operações a prazo superior a (6) seis meses, quando os juros ajustados forem pagos por antecipação, o calculo deve ser feito de modo que a importância desses juros não exceda a que produziria a importância liquida da operação no prazo convencionado, as taxas máximas que esta lei permite.
(grifamos)
Nesse aspecto, de forma objetiva e pragmática, o citado doutrinador discorre:
Em suma, o ponto fundamental para a conclusão da proibição da tabela price pelo critério do art. 6.º do Decreto 22.626/33, pode ser resumido no seguinte exemplo: o capital de R$ 100.000,00 pelo prazo de quinze anos e amortizações mensais, iguais e sucessivas, com taxa de juro de 1% ao mês, pela tabela price equivalerá ao pagamento total, a titulo de juros, de R$ 116.029,63.
Todavia, considerando uma "série de pagamentos", decompondo o mesmo capital em razão de idêntico prazo, o pagamento total de juros importa em R$ 90.500,00.
Por outro lado, as parcelas obtidas pela aplicação da tabela price correspondem à taxa de juros de 1,2821% ao mês, de forma simples, incidindo sobre cada parcela de capital tendo em vista o prazo para restituição.
Portanto, considerada a série de pagamentos e a fórmula para obtenção do montante (valor futuro) com capitalização simples sobre cada parcela de capital em razão do prazo, o sistema francês oculta taxas de juros maiores que aquelas declaradas.
Em outras palavras, como a tabela price antecipa os juros vincendos, acaba ocultando uma taxa maior de juros capitalizados de forma simples.
(SCAVONE JÚNIOR, 2008, p. 218/220)
Portanto, a Tabela Price, cobrando os juros por antecipação, mascara a real taxa de juros, uma vez que o valor total de juros suplanta os que seriam devidos se aplicada a capitalização simples. Nesse passo, patente sua ilegalidade, dessa feita, ante o critério do art. 6º, Dec. 22.626/33.
3.4. A TABELA PRICE SOB A ÓTICA DOS ARTIGOS 5º, XXXII, 170, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
A Constituição Federal assegura, no rol dos direitos e garantias fundamentais, a defesa ao consumidor (art. 5º, XXXII, CF) como meio de repressão ao abuso de poder econômico.
Mais adiante no texto constitucional, observa-se a instituição de princípios que regulam a Ordem Econômica e Financeira, prescrevendo, no art. 170, V:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
V - defesa do consumidor;
A fim de conferir eficácia ao citado dispositivo constitucional, surge o Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. O referido diploma legal busca proporcionar a proteção da parte mais fraca da relação, o consumidor, em face de eventuais abusos por parte do fornecedor de serviços, normalmente detentor de grande capital, e, consequentemente, poder.
Cumpre registrar o pacífico entendimento de que o CDC aplica-se às relações bancárias. Tal conclusão parte do art. 3º, § 2º, do próprio Código na medida em que se considera serviço qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária.
Consolidando tal entendimento, surge a Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:
297. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.
Partindo desse pressuposto, o art. 6º, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, prescreve:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
(grifamos)
Comentando esse trecho, Eduardo Gabriel Saad (2002, p. 182):
São abusivas as cláusulas que exigem do consumidor prestações desproporcionais ao valor da aquisição ou que tentam anular as normas legais de proteção ao consumidor.
Esse Código resistiu ao fascínio da definição de uma cláusula abusiva. Limitou-se a enumerar, no art. 51, as hipóteses que fazem configurar a abusividade do ajuste com o consumidor. Temos para nós que essa relação de hipóteses não é exaustiva.
Em se tratando de caso concreto a que não se reporte o precitado art. 51, em que sejam perceptíveis cláusulas em desacordo com os princípios informativos e basilares deste código é inquestionável que elas, mesmo assim, não deixa de ser abusivas.
Cabe questionar: seria abusiva taxa que sobreleva a taxa de juros, utilizando-se de sistemática de capitalização composta? Fica claro que a amortização da dívida por intermédio da Tabela Price onera excessivamente o devedor. Prova disso são as tabelas comparativas lançadas ao longo desse trabalho (vide itens 1.3 e 2.4.3).
Portanto, seria aplicável a hipótese do art. 6º, IV, do CDC, na medida em que se traduz em verdadeira cláusula abusiva a que estabelece a sistemática composta de juros pela Tabela Price para cálculo de amortização de um capital.
Ainda, o art. 51. do referido diploma consumerista, conforme esposado por Eduardo Gabriel Saad, complementa o art. 6º, estabelecendo hipóteses de cláusulas abusivas, dentre as quais destacamos:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou equidade;
Tratando desse inciso, o referido autor:
Quando e onde as obrigações forem consideradas iníquas e colocarem o consumidor em desvantagem exagerada ou forem incompatíveis com a boa-fé e a equidade, a respectiva cláusula é nula. Esse inciso é um prolongamento do inciso VIII do art. 6º:"a facilitação da defesa de seus direitos (do consumidor), inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência. (SAAD, 2002, p. 462)
Ainda Cláudia Lima Marques (2004, p. 796) comenta:
As expressões utilizadas, boa-fé e equidade, são amplas e subjetivas por natureza, deixando larga margem de ação ao juiz; caberá, portanto, ao Poder Judiciário brasileiro concretizar através desta norma geral, escondida no inciso IV do art. 51, a almejada justiça e equidade contratual. Segundo renomados autores, o CDC ao coibir a quebra da equivalência contratual e considerar abusivas as cláusulas que coloquem o consumidor em "desvantagem exagerada" está a resgatar a figura da lesão enorme e a exigir um dado objetivo de equilíbrio entre as prestações. Parece-nos que a norma do inciso IV do art. 51. do CDC, com a abrangência que possui e que é completada pelo disposto no § 1º do mesmo art. 51, é verdadeira norma geral proibitória de todos os tipos de abusos contratuais, mesmo aqueles já previstos exemplificativamente nos outros incisos do art. 51.
Portanto, pautando-se nos princípios da boa-fé, os contratos em geral não podem estipular cláusulas que onerem excessivamente o consumidor. Nesse passo, volta-se a perguntar: seria o caso de aplicar o citado inciso nos contratos que estabelecem a Tabela Price como sistemática de amortização?
Sobre a utilização da capitalização composta de juros, Dallagnol (2002), citando Antônio de Pádua Collet e Silva, no seu artigo "Entendendo os Aspectos Legais dos Juros", descreve:
Parte o autor de um exemplo básico para que se possa "sentir" a diferença. Parte do valor do principal de R$ 1.000,00, taxa de juros de 8% ao mês, de período mensal.
Primeiro considera período inferior a um ano, com prazo de um semestre (seis meses), do que resultaria ao fim um total com juros legais somando R$ 1.480,00. O valor do principal e o valor do montante de juros não variam a cada mês, sendo o principal ao longo dos seis meses de R$ 1.000,00, e o valor dos juros de R$ 80,00 em cada mês. Já do cálculo com juros capitalizados resultaria um total de R$ 1.586,87. A cada mês o valor do principal se altera, somando-se os juros do período anterior, o que resulta numa alteração do valor dos juros a cada mês, pois embora a taxa de juros não varie o principal aumenta (R$ 80,00 no primeiro, R$ 86,40 no segundo,...).
Daí concluiu que, neste primeiro exemplo, comparando os valores obtidos, os juros capitalizados resultaram uma remuneração para o capital em + 58%, enquanto os juros legais resultaram uma remuneração para o principal em + 48%. Deste modo os juros capitalizados proporcionaram um ganho comparativamente maior em + 7,22% sobre os juros legais.
Em seguida, considera o autor para os mesmos dados básicos um período superior a um ano (o que muda um pouco porque os juros legais podem ser capitalizados de ano a ano), um prazo de cinco anos (60 meses). O total com juros legais após o período de 5 anos soma R$ 27.888,25. O valor do principal e a remuneração mensal de juros não varia dentro de cada ano. Somente ao completar cada ano o montante de juros do ano é acrescido ao valor do principal (juros compostos em períodos anuais). Já o total com juros capitalizados após o período de 5 anos é de R$ 101.257,06. Não é erro de digitação, é este absurdo mesmo. A cada período mensal varia o valor do principal, incorporando-se o valor dos juros do período anterior, bem como a cada período varia o montante de juros, pois embora a taxa de juros seja a mesma o valor do principal aumenta.
Conclui o autor, após comparar os valores totais obtidos com os dois critérios de cálculo, que os juros capitalizados aumentaram a remuneração para o principal em + 10.025,7%, enquanto os juros legais proporcionaram um aumentaram a remuneração para o principal em + 2.288,8%. A aplicação dos juros capitalizados geraram um ganho comparativamente maior em +263,08% sobre o ganho proporcionado pelos juros legais.
Cientes da restrição de tal intuição, especialmente pelos menos favorecidos, os preceitos bíblicos condenam a usura desde o Antigo Testamento. Talvez já soubessem, naquela época, dos resultados em se depositar um único grão de trigo no primeiro quadrado de um tabuleiro de xadrez, dobrando esta quantia nos quadrados seguintes. O número de grãos começa bem pequeno: 1, 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128,... mas quando chega no 64° quadrado, o resultado é quase 18, 5 quintilhões de grãos!
Além do exemplo alistado acima, fazemos remissão às tabelas e cálculos colacionados nesse trabalho para que se chegue a uma conclusão óbvia: a Tabela Price é iníqua, na medida em que estabelece obrigações extremamente desvantajosas ao devedor.
Nesse passo, o art. 6º, V, do CDC, assegura ao devedor o direito à modificação destas cláusulas que venham a estabelecer prestações desproporcionais, caso típico da aplicação da Tabela Price, conforme demonstrado acima.
Portanto, observa-se que, não bastassem as disposições frontais constantes da Lei da Usura, Decreto 22.626/33, a Tabela Price pode ser enfrentada pelas vias do Código de Defesa do Consumidor e seus princípios garantidores da proteção aos direitos da parte hipossuficiente. Nesse aspecto, conta-se com a subjetividade do julgador para aferir a abusividade da cláusula que estipule a utilização da Tabela Price como sistema de amortização.
Nos termos ainda dos artigos 4º, III, e 6º, II, estão insculpidas, além do artigo 46, 52 e 54, do Código de Defesa do Consumidor, normas que garantem o direito do prévio conhecimento do conteúdo dos contratos. O direito a plena informação sobre o negócio é crucial a fim de que o devedor esteja a par de suas obrigações e encargos. A responsabilidade da informação é do fornecedor, pautado na boa-fé que norteia os contratos consumeristas.
Nesse sentido, observa Scavone Júnior (2007, p. 229/230) acerca da aplicação da Tabela Price nos contratos de financiamento:
Ademais, já escrevemos alhures que o sistema francês é utilizado para mascarar o preço real pretendido, principalmente nos contratos de compromisso de compra e venda de imóveis.
De fato, mesmo aqueles que conhecem o significado, dificilmente sabem demonstrar os labirínticos cálculos envolvidos e prever o alcance dos aumentos que serão carreados Às parcelas em decorrência da aplicação da tabela price.
(...)
Sendo assim, ainda que o sistema francês fosse considerado legal diante do Decreto 22.626/33, restaria inviável sua utilização no âmbito das relações de consumo no curso da contratação.
Portanto, a simples menção da amortização não é suficiente para colocar o contratante a par de todas as implicações do Sistema Francês de Amortização. Assim, impõe-se medida de esclarecimento cabal de todas as implicações da aplicação da Tabela Price, conforme, inclusive, entendimento do TJDFT, in litteris:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - REVISÃO DE CONTRATO - APELAÇÃO CÍVEL - CONTRATO DE MÚTUO - SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: APLICABILIDADE. As disposições do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90) são aplicáveis aos contratos bancários. É o teor do enunciado na Súmula nº. 297. do STJ.
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. NECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL EXPRESSA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 5º DA MP 2.170/01. A capitalização de juros só é admitida quando autorizada por lei específica, incidindo a vedação geral contida no enunciado da Súmula 121 do Pretório Excelso, nos casos em que inexistente o permissivo legal.
O Conselho Especial desta Corte declarou a inconstitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória nº. 2.170/01, o qual trouxe previsão autorizativa da capitalização mensal de juros nos contratos bancários em geral, invadindo matéria reservada a Lei Complementar.
Mesmo quando autorizada por lei específica, a capitalização mensal de juros só pode ser empregada nas relações de consumo se constar, expressamente, do contrato, sob pena de ferir o direito de informação do consumidor, previsto no art. 6º, incisos III e IV do CDC.
TABELA PRICE: INAPLICABILIDADE. O emprego da Tabela Price como método de amortização do débito, promove a capitalização de juros, devendo ser substituído pelo Sistema de Amortização Constante.
PRECEDÊNCIA DA ATUALIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR SOBRE A AMORTIZAÇÃO DAS PRESTAÇÕES. (1) O critério de prévia correção do saldo devedor e posterior amortização das prestações pagas constitui procedimento lógico e justo, porquanto a primeira prestação do financiamento é paga apenas um mês após o empréstimo do capital, de maneira que, se a amortização das prestações anteceder a correção do saldo devedor, a atualização monetária não incidirá sobre o valor total do capital emprestado, mas apenas de parte dele; (2) O art. 6º, letra ´´c´´, da Lei nº. 4.380/64, que determinava o reajuste do saldo devedor somente após o amortização das parcelas pagas, foi revogado diante de sua incompatibilidade com a nova regra ditada pelo art. 1º do Decreto-lei nº. 19/66, o qual instituiu novo sistema de reajustamento dos contratos de financiamento e atribuiu competência ao BNH para editar instruções sobre a correção monetária dos valores. Precedentes do STJ. Ademais, referido dispositivo não determinava que a amortização das prestações deveria anteceder à correção monetária, mas apenas fixava critérios para a aplicação do disposto no artigo anterior, ou seja, previa em que casos se aplicaria o art. 5º da Lei nº. 4.380/64 aos contratos do Sistema Financeiro de Habitação, deixando claro que tais disposições não se aplicavam indistintamente a todos os contratos, como pretendem alguns.
CORREÇÃO DO SALDO DEVEDOR. SUBSTITUIÇÃO DO IPC-R PELO PES/CP: IMPOSSIBILIDADE. Muito embora o contrato de financiamento imobiliário submeta-se às disposições do Código de Defesa do Consumidor, o emprego do IPC-r na correção do saldo devedor do financiamento não se afigura abusivo, nem acarreta onerosidade excessiva a justificar sua substituição pelo plano de equivalência salarial que foi adotado apenas para a correção das prestações.
(20040111139386APC, Relator LUCIANO VASCONCELLOS, 3ª Turma Cível, julgado em 12/03/2008, DJ 29/04/2008 p. 35) (grifamos)
Portanto, é claro que, não obstante as normas diretas sobre a proibição da capitalização composta de juros, a aplicação da Tabela Price poderia ser enfrentada, ainda, pelas vias do Código de Defesa do Consumidor. As cláusulas abusivas que compõem os contratos de financiamento pela sistemática Price, bem como a supressão de informações, segundo as normas de defesa consumeristas, implicariam em sua nulidade, sem, ao menos, ser necessário suscitar a ilegitimidade da operação.
3.5. OS EFEITOS DEVASTADORES DA CAPITALIZAÇÃO COMPOSTA DE JUROS NO CIDADÃO BRASILEIRO. O CRÉDITO COMO INSTRUMENTO DE ASCENSÃO.
A maioria esmagadora dos trabalhadores brasileiros possui uma renda muito aquém do que se espera para satisfazer suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene. Transporte e previdência social (art. 7º, IV, da Constituição Federal).
O crédito financeiro é de alta valia, uma vez que garante ao assalariado alcançar objetivos e sonhos que de outra forma não seria possível, mesmo tratando-se de anseios básicos inerentes ao homem, quais sejam, moradia, transporte, lazer.
O princípio constitucional da dignidade da pessoa, previsto no art. 1º, inciso III do texto constitucional, garante que toda e qualquer pessoa alcance seus anseios citados acima. E uma das formas de se alcançar a tão sonhada casa própria, um automóvel, a viajem de férias, é justamente valendo-se de financiamentos ou empréstimos.
Contudo, esses instrumentos são, na verdade, meio de lucros estratosféricos por parte de quem detém o capital, bancos e instituições financeiras, que aplicam o mesmo capital de muitos usuários de crédito que depositam seus salários nos referidos bancos, que os utilizam remunerando por intermédio de taxas baixíssimas para conceder a outros empréstimos e financiamentos com taxas de juros imorais.
Ao que parece, o Poder Público, e incluam-se segmentos do Poder Judiciário, cruzam os braços quanto a essas práticas, insistindo o Poder Executivo Federal em editar normas flagrantemente inconstitucionais chancelando a deletéria e usurária prática da capitalização composta de juros, flagrante anatocismo, agiotagem, que se praticada por qualquer um de nós, pessoas físicas, importa em crime. É cruel impor tamanha onerosidade como obstáculo ao anseio de uma pessoa, que muitas vezes não se concretiza justamente pelo embaraço e desestruturação financeira causada pela incidência de juros sobre juros.
É justamente o que ocorre com a adoção do sistema Price de amortização. Nesse sentido, Karl Marx já tecia críticas ao referido sistema, principalmente ante a já descrita declaração de Richard Price da mágica transformação de um centavo de Libra, £ 0,01, em milhões de esferas de ouro sólido como o globo terrestre. Nesse aspecto, cita-se trecho de O Capital:
A concepção de o Capital ser valor que se reproduz a si mesmo e aumenta na reprodução, graças à propriedade inata de durar e acrescer por toda a eternidade – a virtude infusa dos escolásticos –, levou Dr. Price a fabulosas idéias que deixam muito para trás as fantasias dos alquimistas; idéias em que Pitt acreditava piamente, fazendo delas, em suas leis sobre o fundo de amortização da dívida pública, os pilares da política financeira.
(...)
Price ficou simplesmente deslumbrado com a monstruosidade do número resultante da progressão geométrica. Pondo de lado as condições da reprodução e do trabalho, considerava o Capital um autômato, mero número que acresce (como Malthus via o homem em sua progressão geométrica), e assim podia pensar que descobrira a lei de seu crescimento, com a fórmula s = c (1+J)n, onde s = capital + juros compostos, c = Capital adiantado, j = taxa de juro (expressa em partes-alíquotas de 100) e n = número de anos que dura o processo.
(MARX, p. 454/456, apud NOGUEIRA, 2008, p. 39)
Como bem dito, o capital não deve se reproduzir de forma exarcebada por si só. Sendo certo que há riscos na concessão de crédito e que esse deve ser remunerado, as taxas de juros deveriam ser elaboradas a fim de atender a esses requisitos, de forma simples, objetiva e justa. Não servir como instrumento alquímico para alcançar assombrosas quantias que, de outro lado, esmagam alguém impossibilitado de suportar a amortização da dívida adquirida e a cumulação dos juros vencidos e vincendos, conforme demonstramos ocorrer na Tabela Price.
Portanto, essas considerações concludentes demonstram quão deletéria para o consumidor brasileiro é a aplicação das tabelas de amortização na sistemática da capitalização composta de juros, mormente no que atine à aplicação da Tabela Price. O que ocorre, contudo, é uma certa medida de reparação a lesões, ainda que tardia, por parte do Poder Judiciário, embora não unanimemente.
Esperamos que, daqui em diante, possa-se estabelecer um diálogo não apenas sobre a legalidade fria e distante das normas reguladoras do Sistema Financeiro Nacional, e passemos a questionar a moralidade dessas normas.
3.6. CONCLUSÕES
De todo o exposto, é possível observar que a capitalização composta de juros ocorre na Tabela Price, conforme amplamente comprovado por seu próprio desenvolvedor, além de profissionais da área econômica e matemática. Tal prática, também conhecida como capitalização composta de juros ou anatocismo, é extremamente lesiva ao devedor, vez que o onera sobremaneira.
Cientes dessa lesividade, o Poder Executivo Federal, à época chefiado pelo Presidente Getúlio Vargas, expediu Decreto regulando a matéria, Dec. 22.626/33, em que se proíbe expressamente a capitalização composta de juros em periodicidade inferior a anual bem como a cobrança antecipada desses. Percebe-se, em um passado recente, medidas para mitigar sua aplicação, como a edição de Medidas Provisórias que enfrentam matéria que desafia Lei Complementar, sob a égide da Constituição Federal de 1988. Contudo, essas normas vêm sendo paulatinamente consideradas inconstitucionais mediante controle difuso, apresentado vício formal em sua elaboração, aguardando uma decisão definitiva oriunda do Pretório Excelso.
Os Tribunais, principalmente o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, entendem, em regra, pela aplicabilidade do Decreto 22.626/33 aos contratos de financiamento em geral, sendo certa sua ilegalidade face a incidência de juros sobre juros. Portanto, partindo do pressuposto de que a Tabela Price capitaliza juros de forma composta, não resta dúvida quanto à sua ilegalidade no sistema jurídico brasileiro, não obstante a insistência das instituições financeiras em aplicá-la como sistemática de amortização de capital, sendo passível de nulidade por cláusulas abusivas nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Mesmo sendo possível a aplicação da Tabela Price, sua elaboração é por demais complexa, criando óbice ao devedor conhecer todos os aspectos que a orbitam, incidindo sua aplicação, pois, na infringência ao direito de informação ao consumidor.
Portanto, certo de que a Tabela Price é ilegal, impõe-se seu expurgo da prática financeira. Ressalte-se que os fundamentos basilares da República incluem a dignidade da pessoa humana, e, por extensão, a concretização de anseios dentre os quais à moradia, lazer, saúde, vestiário, transporte, e que, por vezes, se alcance mediante a concessão de créditos e financiamentos, que obstaculizam tais objetivos ao invés de promovê-los, mediante a utilização de práticas altamente lesivas.
Contudo, a Tabela Price não pode ser deixada de aplicar tão somente por falta de amparo legal. Sendo certo que o Poder Legislativo representa a voz coletiva, estaria remando contra a maré se elaborasse normativo que permita a aplicação indiscriminada da Tabela Price, na medida em que estaria fazendo prevalecer o interesse de classes, não o interesse popular, raiz da democracia.
Esperamos, assim, que o entendimento de que a Tabela Price deve ser extirpada em contratos de financiamento e empréstimo seja consolidado de uma vez por todas, a ponto de não restar dúvida sobre sua ilegalidade e, acima de tudo, abusividade.