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Os direitos autorais e a problemática da reprodução não autorizada de obras

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Agenda 09/06/2010 às 00:00

RESUMO

O estudo do presente tema visa a análise da viabilidade de reprodução de obras, sem autorização do autor, quando não trouxer qualquer prejuízo direto ou indireto a este. Esta possibilidade deverá ser observada à luz de uma interpretação sistemática e a ponderação de interesses a ser realizada entre a legislação autoral vigente e direitos fundamentais, tais como cultura, informação e liberdade de expressão. Desta forma, concluir-se-á pela necessidade ou não de modificação da disciplina normativa adotada no Brasil e a possibilidade ou não da reprodução de obras sem autorização do autor no contexto legal atual.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Autoral. Reprodução não autorizada. Legislação.


Introdução

A delimitação do tema proposto parece, em primeira análise, um objetivo simples e que beira a obviedade, qual seja, a problemática da reprodução de obras não autorizadas dentro do contexto da propriedade intelectual. Acontece que, desde a invenção da imprensa e a conseqüente possibilidade de reprodução de cópias das obras originais em grande escala, a seara da propriedade intelectual vem trazendo inúmeros reflexos e discussões acirradas para o mundo jurídico, como, por exemplo, a consagração dos direitos patrimoniais do autor até o atendimento da função social da propriedade intelectual.

A destacada "problemática" se acentua ainda mais quando nos deparamos com uma revolução tecnológica constante e incontrolável, acarretando o surgimento de novas formas de difusão da produção artística, literária e científica, onde o ordenamento jurídico deve encontrar um agasalho suficiente para atender às necessidades do criador – artista –, bem como do corpo social.

O que se pretende é analisar, à luz de princípios norteadores implícitos ou explícitos atinentes à espécie, a viabilidade da reprodução não autorizada de obras, a título gratuito ou oneroso, não se olvidando da necessidade de proteção ao artista, nem tampouco da necessidade de proteção ao interesse social.


1. Breves considerações sobre os direitos autorais

Como é cediço, o direito de autor corresponde a um liame jurídico existente entre o criador e sua obra exteriorizada em um plano sensível.

Segundo os ensinamentos de Bittar, direito de autor significa "o ramo do Direito Privado que regula as relações jurídicas advindas da criação e da utilização econômica de obras intelectuais, estéticas e compreendidas na literatura, nas artes e na ciência". [01]

Os direitos autorais são previstos constitucionalmente, no art. 5°, incs. XVII e XVIII, além da Lei de Direitos Autorais (LDA), nº. 9610/98. Igualmente, diversas Convenções Internacionais tratam do tema, como a de Berna.

Representam uma categoria de direito sui generis, consoante a teoria de Henris Debou, levada a cabo na Alemanha, vez que sua natureza jurídica não se cinge a um único aspecto, tendo em vista que apresentam reflexos nos campos morais e patrimoniais. Costa Netto, ao explicar a teoria em comento, leciona:

Com efeito, a teoria dualista, que foi apresentada por Debois em 1950, parte do ponto de vista de que o autor que decide publicar sua obra se insere em uma dupla condição: ele engaja de uma vez os seus interesses pecuniários e espirituais aqui entendidos como suas concepções literárias e sua reputação. [02]

Neste contento, o conteúdo dos direitos autorais se divide em direitos morais e direitos patrimoniais do autor.

Insta registrar que os direitos morais do autor se classificam dentro dos direitos da personalidade, vez que os aspectos abrangidos estão intimamente ligados à natureza humana, decorrente de um vínculo infinito entre o criador e sua obra. Carlos Mouchet e Sigfido Radaelli asseveram que "el derecho moral es el aspecto del derecho intelectual que concierne a la tutela de la personalidad del autor como creador y a la tutela de la obra como entidad propia". [03]

O art. 24 da LDA enumera exemplificadamente os direitos morais do autor, a saber:

I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;

II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

III – o de conservar a obra inédita;

IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-lo ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;

V – o de modificar a obra, antes ou depois de ser utilizada;

VI – o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;

VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor,que, em todo caso, será indenizado se ocorrer dano ou prejuízo que lhe seja causado.

Já os direitos patrimoniais do autor dizem respeito à utilização econômica da obra e constituem uma faculdade, tendo em vista que o autor pode ou não autorizar e determinar as condições de utilização da criação engenhosa, através do contrato de cessão ou do contrato de concessão. [04]

Dentre as características básicas dos direitos patrimoniais, merecem relevo: o cunho real ou patrimonial, o caráter de bem móvel (art. 3º); a alienabilidade (possibilidade de transmissão pela via contratual ou sucessória); a temporaneidade; penhorabilidade e prescritibilidade. [05] Tais características evidenciam uma profunda divergência entre os direitos morais que são inalienáveis e perpétuos.

Os direitos patrimoniais encontram-se elencados no art. 29 da LDA e, basicamente, evidenciam a necessidade de autorização expressa do autor para comercialização e divulgação de sua obra, seja a nível, de reprodução parcial, integral, recitação, execução musical, dentre outros.

De outro norte, o art. 46 da destacada legislação trata das limitações aos direitos do autor. Ainda que a legislação autoral brasileira confira proteção à obra, é conveniente elucidar que a proteção sobre a mesma não se faz de maneira absoluta, já que o legislador, nos arts. 46, 47 e 48, trata da possibilidade de exploração dessas obras, sem que viole os direitos autorais. São limitações que têm objetivo social e cultural, e são específicas e fechadas. Vejamos o que dispõe o art. 46:

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

I – a reprodução:

a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;

b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza;

c) de retratos, ou de forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros;

d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braile ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários.

II – a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;

III – a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagem de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;

IV – o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou;

V – a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;

VI – a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro.

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O propósito do presente artigo é analisar se estas limitações condizem com o interesse social. Para isto, é necessário observar que a conjuntura mundial de divulgação de obras é avassaladoramente distinta de eras anteriores, eis que a Internet é um mundo de propagação incontrolável. Ademais, faz-se mister uma interpretação sistemática, com base em outros direitos fundamentais, e, ao final, concluir pela necessidade ou não de mudança de nossa legislação.


2. Função social da propriedade intelectual

Sabe-se que o direito de propriedade não se exaure sobre os bens corpóreos. José Afonso da Silva entende que a propriedade não se cinge em uma instituição única, mas várias instituições diferenciadas. [06] Para o autor, além da propriedade ordinária, existem as denominadas propriedades especiais, tais como propriedade autoral, industrial e a de bem de família. Pontes de Miranda [07] comunga deste mesmo entendimento, no sentido de os bens imateriais passarem a ser suscetíveis de direitos dominicais e direitos reais.

Não é por outra a razão que o legislador inclui os direitos autorais na categoria de bens móveis, conforme art. 3° da LDA.

Em face do esposado, observa-se que a propriedade intelectual, no campo dos direitos autorais, se justifica na necessidade de valorização econômica da criação, bem como na proteção contra usurpação, plágio e demais modalidades de violação.

Considerando a propriedade intelectual como uma instituição especial do direito genérico de propriedade, o legislador, ao disciplinar o instituto, não pode ficar imune às exigências sociais e contrariar os anseios da consciência jurídica nacional.

É bem verdade que o interesse público jamais negaria a proteção de uma determinada obra intelectual, assegurando ao autor inúmeras prerrogativas, dentre elas a exploração econômica. Se assim não o fosse, em razão do vasto efeito cultural que a obra engenhosa tende a causar, verificar-se-ia um total desestímulo à produção de cunho intelectual e à propagação da cultura. Para Vieira Manso nada justificaria que terceiros se locupletassem com a exploração da obra, sem que o autor tivesse uma participação pecuniária satisfatória. [08]

Em contrapartida, esse mesmo interesse público jamais se contentaria com uma proteção excessiva ao autor, sem que lhe fosse imposto qualquer tipo de ressalva ou limitação, com o desígnio de que a obra cumpra o seu papel cultural e atenda à função social.

Sim, estamos falando de função social da propriedade intelectual em nome do interesse público.

A Revolução Francesa e o Estado Social contribuíram definitivamente para a difusão do princípio em comento. Atualmente, a Constituição Brasileira, ao mesmo tempo que garante o direito de propriedade, [09] disciplina que a propriedade deverá atender a sua função social. [10] Outrossim, considera o princípio da função social da propriedade entre os princípios da ordem econômica, que tem por objetivo a realização da justiça social e existência digna das pessoas. [11] Anota Gilmar Ferreira Mendes que

Consoante firme jurisprudência do Bundesverfassungsgericht, a definição do conteúdo e a imposição de limitações ao direito de propriedade há de observar o princípio da proporcionalidade. Segundo esse entendimento, o legislador está obrigado a concretizar um modelo social fundado, de um lado, no reconhecimento da propriedade privada e, de outro, no princípio da função social da propriedade. [12]

Destarte, observa-se que, para a concretização do princípio da função social, o legislador deverá lançar mão de algumas limitações ao direito de propriedade. Entretanto, tais limitações devem se conformar com o estritamente necessário, levando-se em consideração as estruturas jurídicas preexistentes e o interesse da sociedade. Há de existir, nessa linha, uma ponderação entre o interesse individual (do autor) e o interesse coletivo.

Partindo-se da premissa que qualquer espécie de propriedade deverá atender a uma função social, não se concebe que a propriedade intelectual, que assegura a prerrogativa da exploração econômica da obra para o autor, se realize de forma totalmente selvagem, absoluta e exclusiva, ou seja, o fato de o legislador proteger demasiadamente o autor, em detrimento de um acesso difícil da população aos direitos de informação e à cultura.

Sobre o assunto se manifesta propriamente Denis Borges Barbosa

A raiz histórica e os fundamentos constitucionais da propriedade intelectual são muito menos naturais e muito mais complexos de que a da propriedade romanística; como se verá, disto resulta que – em todas as suas modalidades – a propriedade intelectual é ainda mais funcional, ainda mais condicionada, ainda mais socialmente responsável, e seguramente muito menos plena do que qualquer outra forma de propriedade. [13]

O que se questiona, no entanto, é saber se o legislador ao adotar e estabelecer as limitações já estudadas atendeu às exigências de interesse público já questionadas. Quanto à proteção aos direitos do autor, não se duvida. Mas o que se põe em xeque é justamente a dificuldade de acesso da coletividade às obras protegidas.

Certamente, realizando uma interpretação sistemática do ordenamento pátrio, percebe-se, com facilidade, que, além das limitações trazidas pelo órgão legislativo, não se devem olvidar direitos e princípios constitucionalmente assegurados que, de alguma forma, colidem com o direito igualmente constitucional de exploração econômica da obra, tais como liberdade de expressão, direto à informação e o direito de acesso ao acervo cultural brasileiro.

Quando se fala, assim, em função social da propriedade intelectual, o assunto não se encerra nas limitações do art. 46 da LDA. Pois se assim o fosse, outros direitos constitucionais seriam letra morta.

Deve-se analisar a conjuntura econômica e educacional da população, e diante de um estudo incisivo concluir se realmente o princípio da função social vem se tornando efetivo em face da realidade brasileira, visto que uma legislação excessivamente protecionista para o autor não coere com o ideal de proporcionalidade, princípio vetor para definição das tensões entre direitos fundamentais. Uma lei que excede nas proteções, e pouco limita, pode ser arbitrária e em desacordo com as efetivas necessidades sociais.

É sabido que apenas pequena porção da sociedade brasileira tem condições financeiras adequadas para o acesso à cultura, informação. Ainda que a internet seja uma forma de propagação incontrolável de obras, estima-se que menos de 1/3 da população brasileira tenha acesso. De qualquer forma, a internet não pode ser um parâmetro de acesso a obras, visto que vem se tornando um grande palco de pirataria, conduta criminalmente tipificada. Por fim, importa ressalvar que outros autores, como Vieira Manso, corroboram este entendimento. Leciona que:

Tendo o Direito Autoral, como direito em geral, o fim último de proporcionar os meios de realização de objetivos sociais, cabe-lhe reconhecer ao autor de obras intelectuais direitos subjetivos que, através da exclusividade, incentivem a criação dessas obras, que são elementos substanciais do patrimônio cultual de um povo, sem, contudo, possibilitar o entrave do desenvolvimento social, o que terminaria por constituir verdadeira instituição do abuso de direito. A exclusividade, pois, de acordo com a mecânica da justiça distributiva e tendo em conta a finalidade do próprio Direito Autoral, não há de ser absoluta ou, como diria Ascarelli, deve sofrer limitações para que possa alcançar aquela finalidade de progresso que, em definitivo, justifica a tutela. [14]


3. Colisão dos direitos autorais com outros direitos fundamentais

Já restou demonstrado que o caráter absoluto dos direitos patrimoniais sofre certas limitações, justificadas pelos interesses da cultura, da informação, da liberdade de expressão e da opinião pública.

Acrescente-se, contudo, que as limitações, trazidas no bojo da LDA, [15] não satisfazem por completo aqueles interesses, pois é preciso realizar uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, a fim de que os direitos e garantias constitucionais tenham eficácia e efetividade plenas.

Para melhor entendermos o propósito do presente trabalho, não se pode perder de vista que a exclusividade do direito patrimonial do autor, quando excessiva, representa um regresso ao estímulo cultural e ao direito de informação. Aliás, a obra só atinge um valor intelectual quando esses interesses são atendidos.

Não pairam dúvidas de que a legislação autoral brasileira é excessivamente protecionista e pouco assegura aos cidadãos a possibilidade de reprodução de obras sem autorização, especificamente na seara do uso privado.

Assim, é conveniente trazer a lume alguns direitos que colidem com a dita legislação, para, após, concluir sobre a necessidade de reforma da lei autoral, a qual, inclusive, já foi aprovada por resolução nº 67 da ABPI (Associação Brasileira de Propriedade Intelectual).

Dentre os direitos colidentes, analisar-se-ão os direitos à cultura, liberdade de expressão e informação.

Dispõe o art. 215, caput, da referida Carta que "O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais".

Nesse sentido, calha salientar que o direito à cultura se consubstancia em um direito fundamental do cidadão, cuja efetividade só é possível a partir de medidas positivas do órgão estatal, responsável pela formulação de uma política cultural oficial. [16]

Deve-se analisar a legislação brasileira à luz da realidade da pirataria e da proteção excessiva ao autor, o que impede a eficácia da norma constitucional que traz em seu bojo o dever do Estado de fomentar e difundir a cultura.

Ora, segundo Denis de Freitas, em sua obra The Copyright System, o principal objeto do direito autoral é a cultura. [17]

Em um país onde o nível cultural e o processo educacional são de baixos níveis, como o Brasil, além do injustificado preço dos livros, CDs e demais produtos intelectuais, não se vislumbra qualquer fundamento para que a possibilidade de reprodução de uso privado se dê em pequenos trechos da obra. Isso dificulta, sobremaneira, o acesso cultural às classes sociais mais desfavorecidas, que, de um modo geral, não possuem condições financeiras para arcar com o exorbitante preço que é cobrado pelos livros.

Nesse sentido, se manifestou o atual Ministro da Cultura, Gilberto Gil, em palestra realizada no I Congresso Internacional da Propriedade Intelectual, sediado em São Paulo, no dia 31 de março do ano de 2004.

Os direitos de propriedade intelectual sempre se pautaram pela busca de um equilíbrio entre os direitos do criador, que deve receber uma justa compensação pelo seu esforço criador, e o conjunto da sociedade, que deve ter garantido o seu direito de acesso à informação, à tecnologia e ao patrimônio cultural comum. [18] (Grifo nosso).

Um outro ponto que merece total relevo são as execuções públicas gratuitas, que só podem ser feitas no recinto dos estabelecimentos de ensino (art. 46, inc. VI da LDA), o que impossibilita os analfabetos e demais pessoas de terem um contato direto com as manifestações culturais.

Desse modo, é evidente que há uma necessidade de reformulação na legislação autoral, pois as limitações lançadas muitas vezes constituem um grande obstáculo para que a cultura seja realmente difundida, papel este pertinente ao próprio Estado, nos moldes dos arts. 225 e ss. da Lei Maior.

A liberdade de expressão é um direito fundamental, previsto constitucionalmente no art. 5º, inc. IX, situando-se nos direitos da personalidade, assegurando a cada pessoa o seu espaço de movimento, de modo que possa expressar o seu pensamento livremente, sem que o Estado e outros indivíduos possam interferir. [19]

Nesse compasso, como qualquer liberdade pública, a liberdade de expressão não é absoluta. Um excelente caso de análise prática é o extraído da dissertação de Mestrado Mônica Lima [20], em que a estudante pernambucana Micheline Carvalho, fã do saudoso Vinícius de Moraes, prestou um tributo ao poeta e criou um site com letras de poemas e músicas do autor. O site foi um sucesso, entretanto os herdeiros do poeta, detentores dos direitos patrimoniais e responsáveis pela administração de sua obra, ameaçaram a estudante de processo judicial, e obrigaram a retirada da página da rede, com base na legislação de direito autoral vigente no país.

Entretanto, na seara dos direitos autorais, uma legislação que restringe consideravelmente o direito de citação ou que impede, por exemplo, a fã do poeta Vinícius de Moraes, de utilizar sua liberdade de expressão para homenagear o autor, sem intuito de lucro, está abolindo a liberdade civil em detrimento dos direitos do autor. Ora, a estudante não teve qualquer intuito de lucro direto ou indireto!

Já o direito de informação tem sede constitucional no art. 5°, inc. XIV da Constituição, contendo a seguinte formulação: "é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional".

Trata-se do direito do leitor e do ouvinte em saber o que realmente se passa e ter a liberdade de buscar os meios culturais disponíveis para aumentar o seu nível intelectual.

Ricardo Coelho assegura que o direito do homem de se informar e transmitir as informações, através de processos interpessoal e midiático, constitui um elemento essencial no processo de maturação dos direitos humanos, sendo necessária a estipulação de medidas legais tendentes ao exercício pleno desse direito. [21]

Destarte, o que se pretende ressaltar é que o direito constitucional de ser informado não pode ser tolhido em virtude de uma legislação que muito assegura ao autor e pouco oferece à sociedade, já que os maiores veículos de informação recebem proteção autoral. Restrições continuadas e acrescidas à informação e à criatividade não atendem definitivamente aos ideais do interesse público!

Necessita-se de uma legislação equilibrada, pois o custo para o acesso às informações é dispendioso, e, atualmente, quem não se engaja na chamada "sociedade de informação" [22] tem espaço restrito no concorrido mercado de trabalho.

Com base nessas considerações relevantes, é óbvio que as limitações impostas ao direito do autor não estão de acordo com o direito de proporcionalidade, posto que impedem a efetividade de direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, a qual tem eficácia plena e imediata. Isso decorre, inexoravelmente, de uma legislação que impõe diversas limitações para o público ter acesso a uma obra protegida, o que a torna mercenária.

Em decorrência, da colisão do direito de propriedade intelectual com outros direitos fundamentais, positivados na Constituição Brasileira, deve-se, na hipótese de violação dos direitos autorais, fazer uma interpretação sistemática, convidando os direitos fundamentais, e com base no princípio da proporcionalidade, verificar, no caso concreto, se a indenização cível é realmente cabível.

Sobre o autor
Gustavo Tenorio Accioly

Advogado. Pós-graduado em Direito Processual Civil e Civil pela Universidade Dom Bosco. Pós-graduado em Direito do Trabalho pela UNIDERP. Pós-graudando em Direito Constitucional pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ACCIOLY, Gustavo Tenorio. Os direitos autorais e a problemática da reprodução não autorizada de obras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2534, 9 jun. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/15001. Acesso em: 23 dez. 2024.

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