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A imprescritibilidade da ação de ressarcimento em decorrência da prática de ato ilícito que causa prejuízo ao erário por improbidade administrativa

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Agenda 06/09/2010 às 08:32

No confronto da Constituição com a Lei nº 8.429/92, as ações de ressarcimento estão sujeitos aos prazos prescricionais para os ilícitos praticados por agentes públicos?

SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO. 2 PATRIMÔNIO PÚBLICO. 2.1 Considerações gerais sobre o patrimônio público. 2.2 Patrimônio Público em sentido estrito. 3 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 3.1 Noções gerais sobre improbidade administrativa. 3.2 Improbidade administrativa que causa lesão ao erário. 3.3 Recuperação do patrimônio público. 4 INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO . 4.1 Conceito e regras gerais referentes à prescrição . 4.2 A prescrição no Direito Administrativo. 5 A IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO DE RESSARCIMENTO NAS HIPÓTESES DE ILÍCITOS QUE CAUSEM PREJUÍZO AO ERÁRIO. 5.1 A ressalva de imprescritibilidade prevista no §5º do art. 37 da Constituição Federal. 5.2 O posicionamento do STJ precursor da interpretação . 5.3 O Posicionamento do STF. 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS


1.INTRODUÇÃO

A Lei nº 8.429/92, conhecida como a Lei Geral de Improbidade Administrativa, dispõe sobre as condutas e sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de prática de ato de improbidade no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e estabelece a punição de tais agentes pela prática de atos ímprobos.

No mesmo instrumento normativo, em seu art. 23, ficam estabelecidos os prazos prescricionais para a propositura de ações destinadas a levar a efeito as sanções nele previstas. Disciplina que deverá ser obedecido o lapso prazal de cinco anos para buscar a punição de tais agentes públicos e, decorrendo tal prazo, fulminada a pretensão pelo instituto da prescrição.

Já a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, normatiza, no § 5º, que serão estabelecidos por lei os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que ocasionem prejuízos ao erário, ressalvando as correlatas ações de ressarcimento.

Com base numa interpretação sistemática, levando-se em conta o dispositivo constitucional que excepciona as situações de ações de ressarcimento da regra estabelecida no art. 37 que prevê a existência de prazos prescricionais para os ilícitos praticados por agentes públicos, surgiram questionamentos acerca da extensão de tal exceção, em confronto com os prazos estipulados na legislação infraconstitucional, a exemplo da Lei n° 8429/92.

Parte da doutrina, a exemplo de grandes nomes como Elody Nassar, Ada Pellegrini Grinover e Washington de Barros Monteiro defendem a prescritibilidade, com base na eleição do princípio da segurança nas relações jurídicas e a necessidade de sua estabilização. Por outro lado, José Afonso da Silva, Maria Sylvia Zanella de Pietro, Manoel Gonçalves Ferreira Filho dentre outros entendem imprescritível a interposição de ação para busca do ressarcimento ao erário, tendo em vista que a redação do dispositivo constitucional é expresso neste sentido.

Assim, a presente pesquisa pretende aprofundar nas teses desenvolvidas pela doutrina especializada e na jurisprudência e buscar a solução para o tema, uma vez que, como supracitado, a interpretação do dispositivo constitucional gerou varias conclusões, como por exemplo, que diante da ressalva estabelecida no art. 37, §5º da CF, quanto às ações de ressarcimento ao erário, o prazo prescricional seria de dez anos, pois a ausência de previsão legal ocasiona a aplicabilidade do art. 206 do C.C.

Ocorre que, de início, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se pela imprescritibilidade e o Supremo Tribunal Federal encampou a referida tese, conforme se observa no Mandando de Segurança 26210. Atualmente, percebe-se o posicionamento reiterado de ambas as Cortes quanto ao tema que se pretende discorrer, sendo este o entendimento que se defende no presente trabalho.

No primeiro capítulo, discorre-se acerca das noções de patrimônio público, seu alcance e natureza, aclarando acerca do instituto em sentido estrito, consistente nos bens e valores economicamente mensuráveis. Em seguida, trata-se do tema da improbidade administrativa, expondo, em linhas gerais, suas características principais e após, discorrendo de forma mais específica sobre a modalidade de improbidade que causa lesão ao erário. Finaliza-se a abordagem examinando a recuperação do patrimônio público, estabelecendo-se um paralelo entre ressarcimento ao erário.

No quarto capítulo, aborda-se o instituto da prescrição em linhas gerais e sua incidência em diversos ramos do direito, mais especificamente na seara civil e tributária. Após, trata-se do mesmo instituto diretamente ligado ao Direito Administrativo, demonstrando as nuances e particularidades de sua aplicação nesse ramo próprio. Por fim, no capítulo último, o tema da imprescritibilidade da ação de ressarcimento nas hipóteses de ilícitos que causem prejuízo ao erário examina-se a partir do § 5º do art. 37 da Constituição Federal, utilizando-se do entendimento majoritário da doutrina especializada, expondo ainda o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, com ênfase na compreensão externada no Mandado de Segurança nº 26210.

Para a investigação proposta realiza-se pesquisa teórica, por meio da coleta de dados em organismos relacionados ao estudo, análise e interpretação de textos legislativos e constitucionais, de jurisprudência, de direito comparado, bem como de bibliografia especializada sobre Direito Constitucional e Direito Administrativo. Utilizam-se ainda Notas Técnicas e Pareceres elaborados pela AGU, bem como o entendimento dos tutores do curso de Pós Graduação em Direito Público da UnB como material de estudo, pois são diretamente aplicadas nas teses jurídicas defendidas pela Administração Pública Federal.


2PATRIMÔNIO PÚBLICO

2.1.Considerações gerais sobre patrimônio público

Patrimônio encerra a noção de conjunto de bens e direitos, de natureza móvel ou imóvel, de natureza corpórea ou incorpórea, que podem ser dispostos na forma da lei, englobando ainda atributos morais e sociais. [01]

Já a Lei nº 4717/65, conhecida como a Lei de Ação Popular, em seu art. 1º, elucida que "consideram-se patrimônio público, para os fins referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico e turístico", pertencentes à União, Estados, Distrito Federal, Municípios e órgãos da administração indireta.

Em complemento, a Lei nº 8.429/92 revela que os atos de improbidade administrativa praticados em face de entidade que "receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% do patrimônio ou da receita anual" também se submetem a sua aplicação. Assim, ampliou a noção de patrimônio publico, incluindo as entidades não pertencentes a estrutura estatal originária, mas que dela recebam auxílio.

Dessa forma, conclui Fernando Rodrigues Martins que patrimônio público configura como o conjunto de bens, dinheiro, valores, direitos e créditos pertencentes aos entes públicos, por meio da administração direta, indireta ou fundacional, "cuja conservação seja de interesse público e difuso, estando não só os administradores, como também os administrados, vinculados a sua proteção e defesa." [02]

E ainda assevera o mesmo autor que a noção de patrimônio público encerra todo tipo de situação em que a Administração estiver envolvida, inclusive sua própria moral como objeto a ser resguardado pela sociedade e pelos agentes públicos, submetendo-se aos valores da probidade e honestidade, afastando práticas corruptas e imorais. Tal interpretação emana da própria Lei de Improbidade Administrativa, que busca a proteção da Administração em seu sentido mais amplo, protegendo-a da concussão, prevaricação, malversação e toda sorte de ilícitos.

Atualmente, patrimônio público e moralidade ganharam status de direitos humanos, pois uma vez tutelados por documentos de cunho internacional, projetam proposições dirigidas ao ser humano e desvincula-se de uma ordem constitucional específica.

Nesta linha de raciocínio, Fernando Rodrigues cita a aprovação pelo Congresso Nacional Brasileiro, através do Decreto Legislativo 152, de 25.06.2002, posteriormente promulgada pelo Decreto Presidencial 4.410, de 07.10.2002 da Declaração de Caracas (Convenção Interamericana Contra a Corrupção). Nele, reconhece-se que "a corrupção solapa a legitimidade das instituições públicas e atenta contra a sociedade, a ordem moral e a justiça, bem como contra o desenvolvimento integral dos povos" e que o combate a corrupção "reforça as instituições democráticas e evita distorções na economia, vícios na gestão pública e deterioração da moral social." [03]

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Uma vez incorporado o documento de ordem internacional ao ordenamento jurídico pátrio, ganham suas disposições equivalência a emenda constitucional, a exemplo da Convenção Interamericana contra a Corrupção e da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, ambas tendo o Brasil como signatário. Ainda no entendimento do Doutor Fernando Martins, conclui-se que tais documentos internacionais de combate a corrupção, formulados com vistas à proteção direta do patrimônio público e da moralidade administrativa, transbordam da órbita meramente contratualista entre os Estados pactuantes. Nesse momento, positivados direitos humanos na Carta Magna "em normas gerais e abstratas, transforma-os em direitos fundamentais e permite que a política, mediante a sua forma moderna de Estado, com todo seu aparato burocrático-funcional, venha emprestar-lhes coercibilidade efetiva em nossa vida cotidiana." [04]

Assim, a noção de patrimônio público abrange não somente sua vertente econômica, mas se atrela a tutela de valores principiológicos resguardados constitucionalmente a serem verificados tanto pelos agentes públicos, administradores e administrados, na concretização dos postulados estabelecidos pelas normas constitucionais e legais.

2.2.Patrimônio Público em sentido estrito

Conforme alertado anteriormente, a noção de patrimônio público, além de alcançar os elementos de valor econômico, encontra informação advinda também de princípios ausentes de tangibilidade financeira, mas de valia ética ou moral. Dessa forma, o acervo público abrange essa gama de bens e valores, mensuráveis ou não economicamente, de que sejam titulares as pessoas jurídicas de direito público, de administração direta ou indireta.

São partes desse acervo, segundo o entendimento de Fernando Rodrigues Martins [05], os bens públicos, o erário público, os direitos e o patrimônio moral. De acordo com o professor Célio Rodrigues da Cruz, a noção de patrimônio público pode ser verificada em dois sentidos. De forma ampla, ao abranger em seu conceito os elementos expostos na Lei de Ação Popular; ou restritamente, noção adstrita ao "conjunto de bens e direitos de valor econômico pertencente ou vinculado aos entes da Administração Pública direta e indireta." [06] Neste último sentido, encontra-se verificada a expressão erário.

Sendo assim, erário público seria uma parcela do patrimônio público, exprimível através do aspecto financeiro, concretizado através dos dinheiros e valores do Estado. Dessa forma, a expressão erário carrega consigo a própria noção de tesouro público. No plano econômico, a função do erário carrega consigo a função de meio de troca, unidade de conta (expressão numérica dos ativos e passivos) e reserva de valor, como meio para acumulação de valores para aquisições futuras.

Já os bens públicos, segundo o Código Civil Brasileiro, são os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, sendo todos os outros particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.

Nos dizeres de Fernando Rodrigues Martins, bem público será todo bem móvel, imóvel ou semovente "de que sejam titulares as pessoas jurídicas de direito público – tanto da Administração direita quanto indireta- caracterizados por uma relação jurídica administrativa e com destinação pública específica (afetação)". [07]

Marçal Justen Filho [08] alerta que tais bens se submetem ao regime jurídico de direito público, o que ocasiona restrição às faculdades de uso, fruição e disponibilidade de tais bens, sendo um instrumento para o desempenho das funções públicas e conferindo identidade ao Estado. Sua titularidade estatal proporciona a promoção da satisfação dos direitos fundamentais do povo, bem como possibilita a fruição democrática e adequada.

De acordo com o nosso Código Civil, os bens públicos podem ser classificados em bens de uso comum, de uso especial e dominicais. Os primeiros serão utilizados concorrentemente por toda a comunidade. Os de uso especial destinam-se a utilização para cumprimento das funções públicas e os dominicais são empregados para fins econômicos.

Alerta Marçal que tal classificação demonstra insuficiência na medida em que o legislador desconsiderou, em sua classificação, a relevância dos bens móveis e dos direitos. Além disso, a partir da Constituição Brasileira de 1988, outra categoria de bens surgiu, de titularidade do povo, mas não de seu uso comum, consistente no meio ambiente e recursos naturais, bens que merecem especial proteção e que, apesar de serem de propriedade da sociedade, poderá ter seu uso ou fruição interditado.

Sendo assim, a noção de patrimônio público, em sentido estrito, pode ser expressa através de seu aspecto economicamente mensurável, consistente no conjunto de bens e valores de titularidade estatal. Tal conjunto será objeto de proteção especial, tendo em vista sua titularidade pública, e seu desvio, perda, malbaratamento configurará hipótese de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, que será explanado posteriormente.


3IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

3.1 Noções gerais sobre improbidade administrativa

O art. 4º da Lei nº 8.429/92 dispõe que "os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato de assuntos que lhe são afetos". Tal determinação foi consagrada, de início, no Texto Constitucional Brasileiro, em seu artigo 37, caput.

Segundo Waldo Fazzio Júnior [09], o intuito do legislador ordinário, ao repetir os preceitos expostos na Constituição Federal, é dar ao comando a força de concretização própria das regras, num plano mais estreito e objetivo, transformando a diretriz idealista e abstrata disposta na Carta Magna em comando pragmático e concreto.

Colhe-se que nem a Constituição Federal nem a LGIA (Lei Geral de Improbidade Administrativa) conceituam o que se entende por ato de improbidade administrativa. Determinam a observância dos princípios constitucionais aos agentes públicos, mas não revelam claramente o significado e alcance de tal improbidade. Mas percebe-se a tendência em se aproximar os conceitos de moralidade e probidade, em certos momentos, como se sinônimo fossem. Também se conclui que a improbidade administrativa aparece como um obstáculo à eficácia constitucional, na medida em que nega assistência e zelo aos parâmetros da Carta Constitucional.

Segundo José Afonso da Silva, a improbidade seria uma imoralidade administrativa qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem. [10]

Para Pedro Roberto Decomain [11], ato de improbidade administrativa seria qualquer ofensa aos princípios norteadores consignados na Constituição Federal, mesmo que dele não surja dano patrimonial ao erário, a exemplo do desrespeito ao princípio da eficiência, que poderá fazer surgir ato ímprobo sem necessariamente ocasionar perdas financeiras ao patrimônio público.

O dever geral de probidade, destinado concretamente aos agentes públicos através da Lei nº 8.492/92, gera a obrigação de que os princípios constitucionais administrativos sejam ativamente cuidados e velados, tendo em vista a natureza dos bens tutelados. É inegável a existência de interesse difuso da sociedade de que sejam observadas a probidade administrativa e a integridade do patrimônio público, tendo em vista a potencialidade de projeção social dos atos que contra elas atentem.

Quanto ao elemento subjetivo da improbidade administrativa, a doutrina e jurisprudência já dissonaram bastante a respeito do tema. Waldo Fazzio Júnior relata que o dolo ou a culpa devem ser verificados para ocorrência da improbidade administrativa, esclarecendo que a modalidade culposa só será possível no caso de improbidade que importa em lesão ao erário, prevista no art. 10 da LGIA. Nos casos do art. 9° e 11, o dolo é inafastável. [12]

Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o referido entendimento, que caminha no mesmo sentido do supracitado doutrinador, unificando o posicionamento da Primeira e Segunda Turmas de Direito Público daquela Corte. Colaciono:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 11 DA LEI 8.429/92). ELEMENTO SUBJETIVO. REQUISITO INDISPENSÁVEL PARA CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PACIFICAÇÃO DO TEMA NAS TURMAS DE DIREITO PÚBLICO DESTA CORTE SUPERIOR. SÚMULA 168/STJ. PRECEDENTES DO STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NÃO CONHECIDOS.

1. Os embargos de divergência constituem recurso que tem por finalidade exclusiva a uniformização da jurisprudência interna desta Corte Superior, cabível nos casos em que, embora a situação fática dos julgados seja a mesma, há dissídio jurídico na interpretação da legislação aplicável à espécie entre as Turmas que compõem a Seção.

É um recurso estritamente limitado à análise dessa divergência jurisprudencial, não se prestando a revisar o julgado embargado, a fim de aferir a justiça ou injustiça do entendimento manifestado, tampouco a examinar correção de regra técnica de conhecimento.

2. O tema central do presente recurso está limitado à análise da necessidade da presença de elemento subjetivo para a configuração de ato de improbidade administrativa por violação de princípios da Administração Pública, previsto no art. 11 da Lei 8.429/92. Efetivamente, as Turmas de Direito Público desta Corte Superior divergiam sobre o tema, pois a Primeira Turma entendia ser indispensável a demonstração de conduta dolosa para a tipificação do referido ato de improbidade administrativa, enquanto a Segunda Turma exigia para a configuração a mera violação dos princípios da Administração Pública, independentemente da existência do elemento subjetivo.

3. Entretanto, no julgamento do REsp 765.212/AC (Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 23.6.2010), a Segunda Turma modificou o seu entendimento, no mesmo sentido da orientação da Primeira Turma, a fim de afastar a possibilidade de responsabilidade objetiva para a configuração de ato de improbidade administrativa.

4. Assim, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido de que, para a configuração do ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/92, é necessária a presença de conduta dolosa, não sendo admitida a atribuição de responsabilidade objetiva em sede de improbidade administrativa.

5. Ademais, também restou consolidada a orientação de que somente a modalidade dolosa é comum a todos os tipos de improbidade administrativa, especificamente os atos que importem enriquecimento ilícito (art. 9º), causem prejuízo ao erário (art. 10) e atentem contra os princípios da administração pública (art. 11), e que a modalidade culposa somente incide por ato que cause lesão ao erário (art. 10 da LIA).

6. Sobre o tema, os seguintes precedentes desta Corte Superior: REsp 909.446/RN, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 22.4.2010; REsp 1.107.840/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 13.4.2010; REsp 997.564/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 25.3.2010; REsp 816.193/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 21.10.2009; REsp 891.408/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJe de 11.02.2009; REsp 658.415/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 3.8.2006. No mesmo sentido, as decisões monocráticas dos demais integrantes da Primeira Seção: Ag 1.272.677/RS, Rel. Herman Benjamin, DJe de 7.5.2010; REsp 1.176.642/PR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Dje de 29.3.2010; Resp 1.183921/MS, Rel. Min. Humberto Martins, Dje de 19.3.2010.

7. Portanto, atualmente, não existe divergência entre as Turmas de Direito Público desta Corte Superior sobre o tema, o que atra a incidência da Súmula 168/STJ: "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado".

8. Embargos de divergência não conhecidos.

(EREsp 875163 / RS, EMBARGOS DE DIVERGENCIA EM RECURSO ESPECIAL 2009/0242997-0, Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 30/06/2010).

A Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 37, § 4º afirma que "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível."

Em seqüência, a Lei nº 8429/1992 estabeleceu três categorias de improbidade, elegendo como critério o bem jurídico atingido. Na seção I do capítulo II trata dos atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito; na Seção II, atos de improbidade que causam prejuízo ao erário e na Seção III, atos de improbidade que atentam contra os princípios da Administração Pública.

Por pertinência com o tema a ser abordado, será aprofundado o estudo na categoria de improbidade que causa lesão ao erário.

3.2 Improbidade administrativa que causa lesão ao erário

A Lei de Improbidade Administrativa, em seu Art. 10, elucida que ações ou omissões que proporcionem perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades citadas no artigo 1° do mesmo diploma normativo configuram ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário.

No art. 10 da LGIA, percebe-se a eleição do aspecto objetivo da improbidade, ou seja, o desfalque ao patrimônio publico econômico e os prejuízos decorrentes da ação ímproba. Qualquer ação que afete a integridade do patrimônio público configurará ato de improbidade administrativa. Percebe-se a preocupação com o efeito do ato sobre o patrimônio público, consistente no desfalque, desvio, apropriação, malbaratamento e perda, podendo ser ocasionado por conduta omissiva ou comissiva.

A LGIA ocupou-se em proteger, nesta modalidade de improbidade, o erário público, consistente nos dinheiros e haveres estatais, bem como os bens públicos, numa acepção mais restrita da noção de patrimônio público. Neste momento, voltou-se a atenção para o aspecto econômico-financeiro do patrimônio, tutelando sua faceta monetária.

Ainda, nesta modalidade, o beneficiário do ato de improbidade não será o agente público, mas sim um terceiro, estranho a administração pública, utilizando-se de artifício facilitador promovido por agente, ocasionando o enriquecimento deste terceiro, em conseqüente lesão ao erário publico. Sendo assim, não é necessária a ocorrência de locupletamento por parte do agente, mas somente a lesão ao erário público. Existindo ainda tal enriquecimento, observa-se a ocorrência da improbidade que importa enriquecimento ilícito, exposta no artigo 9. da LGIA.

No mesmo artigo, encontram-se elencadas condutas que geram lesão ao patrimônio público, mas tal rol não é exaustivo, pois outros atos não expressos no enunciado podem ser nele subsumidos, tendo em vista a utilização do vocábulo "notadamente" em sua redação.

Sendo assim, de acordo com a LGIA, em seu artigo 10, são considerados atos de improbidade administrativa que causam lesão ao erário as seguintes condutas:

I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)

XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.

Segundo, Waldo Fazzio Júnior, as modalidades lesivas ao erário podem ser reunidas da seguinte forma: facilitação de percepção de vantagem indevida (inciso I), possibilitação que terceiro obtenha vantagem (inciso II), doação ilegal (inciso III), permissão do uso de pessoal e da máquina administrativa (inciso IV), permissão para realização de negócio superfaturado (inciso V) gestão irresponsável (incisos VI, VII, IX, X, XI), lesão decorrente de licitação (inciso VIII), permissão para que terceiro de aproprie de valores públicos (inciso XII), facilitação no uso de valores públicos por terceiro (inciso XIII), gestão associada e rateio de consórcio público irregulares ( incisos XIV, XV).

Resta alertar ainda que a conduta que ensejar a perda patrimonial de entidade pública deverá ser ilegal, pois, atuando o agente público dentro dos ditames legais, o ensejamento de perdas patrimoniais publicas decorrentes desse agir não configurarão atos ímprobos.

Salienta ainda Fernando Rodrigues que, através da leitura do caput do art. 10, elencam-se as condutas que ensejariam perda patrimonial, consistentes no desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação. Mas, nos incisos do mesmo artigo, colhe-se a informação de que o descumprimento de obrigações legais são aptas a gerar a presunção da ocorrência de prejuízo, sem comprovação do dano.

Alerta ainda Carina Bellini [13] que a prática de ato de improbidade, na maior parte das vezes, acarretará seu enquadramento nas três modalidades de improbidade previstas na LGIA, tendo em vista ser difícil imaginar-se a prática de um ato que, lesionando o patrimônio público, não acarrete o enriquecimento ilícito do agente e não atente contra os princípios da administração pública

3.3 Recuperação do patrimônio público

A LGIA tem seu campo de incidência principal na preservação do patrimônio público e na persecução dos responsáveis por danos causados a seu acervo material ou moral.

Carina Bellini Cancela [14], embasando-se no objeto tutelado pela Lei de Improbidade e levando em conta a natureza de tal objeto, revela que recuperação do patrimônio público é expressão abrangente, na medida em que alberga sua persecução numa acepção mais ampla, indo além dos valores econômicos e alcançando os bens e direitos de valor artístico, cultural, histórico e estético, de cunho imaterial e moral inclusive.

Já o ressarcimento ao erário encerra a noção de busca dos valores econômico-financeiros lesionados por ato de improbidade administrativa, sendo assim uma espécie de recomposição patrimonial.

A LGIA prevê, em seu Art. 12, II, que o ressarcimento se dará de forma integral, com a perda dos bens e valores incrementados de forma ilícita ao patrimônio do agente. Ainda, neste caso, advém em conjunto a aplicação das penas de perda da função publica, suspensão de direitos políticos, pagamento de multa, proibição de contratar com o poder publico ou receber benefícios fiscais ou creditícios.

A recomposição do patrimônio público será buscada através da interposição de ação civil por improbidade administrativa, a ser proposta pelo Ministério Publico ou pelo órgão responsável pela representação judicial da pessoa jurídica interessada. Com a finalidade de se possibilitar o ressarcimento integral do dano ocasionado, o art. 7. da LGIA permite que seja interposto pedido cautelar de indisponibilidade dos bens do indiciado aptos a assegurarem o completo ressarcimento do dano.

A interposição da ação de improbidade administrativa deverá guardar observância aos prazos prescricionais disciplinados no art. 23 da LGIA, consistentes em 05 anos, caso ajuizada em face de agente político, detentor de mandato, cargo em comissão ou função de confiança; e, quanto aos detentores de cargo efetivo, devem ser observados os lapsos prazais estabelecidos na legislação correlata.

Sobre a autora
Gabriela Pereira Franco

Procuradora Federal, Coordenadora Estadual do IBAMA-DF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Gabriela Pereira. A imprescritibilidade da ação de ressarcimento em decorrência da prática de ato ilícito que causa prejuízo ao erário por improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2623, 6 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17340. Acesso em: 23 dez. 2024.

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