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A desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais

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Agenda 28/09/2010 às 06:03

5 CONCLUSÃO

Sem dúvida alguma, os atributos da personalidade da pessoa jurídica, entre os quais se inclui a separação do patrimônio desta em relação aos bens de seus sócios, devem ser resguardados pelo ordenamento jurídico, por atender aos vetores de uma sociedade pluralista optante pelo capitalismo.

Entretanto, o instituto da pessoa coletiva deve desapegar-se da sua raiz liberalista, que prestigia o individualismo, para voltar-se aos atuais objetivos da função social da empresa e da boa-fé nas relações jurídicas das sociedades, a fim de limitar a sua validade aos atos que busquem um objetivo social e responsável, mesmo diante do capitalismo. Afinal, o lucro não precisa estar divorciado das finalidades sociais da empresa.

Os interesses egoístas de enriquecimento ou de um prosseguimento incondicional de uma empresa descapitalizada, sem o correspondente cumprimento das obrigações sociais, nas quais se inclui o pagamento preferencial dos tributos devidos em relação aos contratos voluntariamente assumidos, não pode mais ser visto como um simples caso de mora ou um risco inerente à atividade empresarial. O risco é somente do gestor, e não do Estado.

O inadimplemento de obrigações tributárias é mais grave que o descumprimento de um contrato, pois é ofensa direta ao ordenamento legal e aos objetivos sociais da pessoa jurídica e quebra da boa-fé contra os súditos do Estado, que necessitarão arcar com o déficit de serviços deixado pelos inadimplentes de tributos devidos.

O Estado – ou seus cidadãos – não pode pagar pela decisão unilateral do empresário que, mesmo diante de claras evidências de incapacidade financeira da pessoa jurídica que administra, prefere descumprir a lei e continuar com a atividade da empresa sem qualquer suporte patrimonial, utilizando-se do capital que deixou de recolher ao Fisco, em benefício único dos próprios administradores. Tal atitude não condiz com os princípios informadores da personificação da pessoa jurídica.

A hipótese é de inegável infração de lei, a ensejar a responsabilidade dos terceiros elencados no art. 135 do CTN, independentemente de prova de culpa, em virtude da natureza objetiva da espécie.

Por se tratar de responsabilidade objetiva em decorrência de lei, a solidariedade dos sócios pode ser auferida pela Administração, no processo administrativo de constituição do crédito tributário, mediante a notificação dos sócios administradores para apresentarem, se houver, prova de fato dirimente da sua culpabilidade, sob pena de fazer constar no título executivo – a CDA – a sua co-responsabilidade pelo pagamento.

Mas se a responsabilização não ocorrer na via administrativa, pode também o Judiciário, nos autos do executivo fiscal, redirecionar o feito para os sócios gerentes da empresa, em decorrência da infração à lei impositiva da obrigação tributária, no caso o art. 3º do CTN.

De outro lado, a inadimplência tributária também é ato de desvio de finalidade da pessoa formal, devendo por isso ser imputado unicamente ao administrador que faz essa opção contrária à lei, uma vez que não se pode aceitar que um instituto criado pelo direito possa servir de escudo para o cometimento de ilicitude.

Nesse sentido, a opinião de Requião:

Não temos dúvida de que a doutrina, pouco divulgada em nosso país, levada à consideração de nossos Tribunais, poderia ser perfeitamente adotada, para impedir a consumação de fraude contra credores e mesmo contra o Fisco, tendo como escudo a personalidade jurídica da sociedade. [30]

Napoleão Nunes também destaca que os atos contrários à lei devem ser imputados aos próprios dirigentes da pessoa jurídica, e não a esta.

Em síntese, ocorrendo a hipótese em que se constata terem os dirigentes, controladores ou acionistas da entidade agido em fraude à Lei ou aos fins da entidade, valendo-se da personalidade do ente dirigido ou controlado, pode (e mesmo deve) o Juiz lhes impor de logo a responsabilidade pessoal e ilimitada pela obrigação descumprida pela entidade, isto é, passa a ser exigível, direta e imediatamente, desses agentes o desempenho daquele dever jurídico descumprido pela pessoa jurídica da qual têm a direção ou o controle, desde que ocorrente a situação ilícita, que é o seu suporte material ou fático. [31]

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A pessoa jurídica foi criada para servir ao homem, e não o contrário. Por isso, a observação de Tepedino para que atente o jurista na espécie instrumental do instituto, que busca um objetivo maior e não é fim em si mesmo.

... o intérprete deve estar atento para a diversidade de princípios e de valores que inspiram a pessoa física e a pessoa jurídica, e para que esta, como comunidade intermediária, seja merecedora de tutela jurídica apenas e tão-somente como um instrumento (privilegiado) para a realização social das pessoas que, em seu âmbito de ação, é capaz de congregar. [32]

Por tudo isso, deve o julgador desconsiderar o inadimplemento do tributo como um ato da pessoa jurídica, imputando-o aos sócios responsáveis pela administração desta, a fim de estender aos bens particulares dos últimos a garantia pelo pagamento da execução.

Por derradeiro, ratifica-se que para a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica às execuções fiscais é suficiente uma regra de cunho geral no ordenamento jurídico, como é o caso do art. 50 do CC, sendo desnecessária uma norma especial tributária, haja vista que não se está a tratar de definição de tributo ou de obrigação tributária, mas tão somente de alargamento da garantia patrimonial executiva aos bens dos sócios.

Assim, a aplicação do art. 50 do Código Civil às execuções fiscais é medida que pode e deve ser adotada pelos tribunais, como forma de concretude da função social da pessoa jurídica e dos valores sociais da livre iniciativa, bem como de adequação da atividade empresarial aos princípios gerais da atividade econômica.


6 REFERÊNCIAS

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BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

CORRÊA DE OLIVEIRA, J. L. A dupla crise da pessoa jurídica. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979.

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 1999.

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GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo Tributário. São Paulo: Atlas, 2009.

MAIA FILHO, Napoleão Nunes. A Desconsideração da Pessoa Jurídica em Face da Evolução do Direito Obrigacional e os Limites de sua Aplicação Judicial. Obtida via internet. [2009?]. Disponível em <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/24367/Desconsidera%C3%A7%C3%A3o_Pessoa_Jur%C3%ADdica.doc.pdf?sequence=1>. Acesso em: 20 junho 2010.

MARTINS, Ives Granda da Silva (Coordenador). Execução Fiscal. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário, 1º vol. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, 1º vol. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, 2º vol. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, vol. 4. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

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TEPEDINO, Gustavo et al. Código Civil Interpretado, vol. I. 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

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TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Tributário e Direito Privado. São Paulo: Editora RT, 2003.


Notas

  1. BASTOS. 1998, p. 426.
  2. CARRAZZA, 2004, p. 52.
  3. MELLO, 2002, p. 684.
  4. MACHADO. 2005, p. 49.
  5. BERNARDO MORAES, 2002, p. 257.
  6. TEPEDINO, 2004, p. 106.
  7. DINIZ, 2003, p. 71.
  8. SILVA, op. cit., p. 288.
  9. SILVA, op. cit., p. 289.
  10. REQUIÃO, vol. 1, 2003, p. 376.
  11. CORRÊA DE OLIVEIRA, 1979, p. 608.
  12. CORRÊA DE OLIVEIRA, 1979, p. 610.
  13. REQUIÃO, 2003, p. 377.
  14. REQUIÃO, op. cit., p. 378.
  15. MACHADO, op. cit., pp. 114/115.
  16. MACHADO, op. cit., p. 115.
  17. RE 390840/MG, Relator Min. MARCO AURÉLIO, j. 09/11/2005, DJ 15-08-2006, p. 25.
  18. MAIA FILHO, [2009?]. pp. 4-5.
  19. FERRAZ JR., 2001, p. 297.
  20. TÔRRES, 2003, p. 470.
  21. STJ, 2ª Turma, EDcl no REsp 656071/SC, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 15/06/2009.
  22. MACHADO, 2005, p. 159.
  23. STJ, REsp 670423, 2009.
  24. STJ, AgRg no AI nº 1.058.751/RS, DJe 23/04/2010.
  25. MACHADO, op. cit., p. 651.
  26. PAULSEN, 2003, p. 557.
  27. DINIZ, op. cit., p. 180.
  28. RODRIGUES, 2003, p. 11.
  29. TRF 1ª Região. AC 199938000198011, e-DJF1 12/03/2010, p. 252.
  30. REQUIÃO, op. cit., p. 379
  31. MAIA FILHO, Napoleão Nunes, op. cit., p. 8.
  32. TEPEDINO, Gustavo, 2004, p.132-133.
Sobre o autor
Alvacir de Sá Barcellos

Procurador Federal, especialista em Direito Público pela UnB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARCELLOS, Alvacir Sá. A desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2645, 28 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17466. Acesso em: 5 nov. 2024.

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