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Prescrição dos complementos de aposentadoria oriundos de norma regulamentar.

Alcance e aplicação das Súmulas 326 e 327 do TST

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Agenda 12/10/2010 às 16:11

É impossível a incidência de prescrição total sobre a complementação de aposentadoria, pela sua natureza de prestações periódicas.

"A Lei é o Direito prometido; a Jurisprudência, o Direito realizado".

Pórtico do Laboratório de Jurisprudência da Universidade de Brasília.

RESUMO

A presente monografia analisa a prescrição incidente na pretensão de complementação de aposentadoria e o alcance e aplicabilidade das súmulas 326 e 327 do Tribunal Superior do Trabalho, que abordam o tema. Parte-se de uma visão geral da complementação de aposentadoria enquanto previdência complementar no Brasil, sua origem, previsão legal e jurisprudência concernente. Em segundo momento, apresenta-se uma breve análise da prescrição no Direito do Trabalho, abordando-a conceitualmente, sua previsão na Constituição Federal, na Consolidação das Leis do Trabalho e entendimento jurisprudencial do tema. Com base nos dois primeiros capítulos, o último capítulo ataca o tema central do trabalho, apresentando a intersecção entre a prescrição da complementação de aposentadoria. Apresentando as hipóteses de prescrição, com base na natureza dos objetos a prescrever, conclui-se pela impossibilidade da incidência de prescrição total sobre a complementação de aposentadoria, pela sua natureza de prestações periódicas. Em decorrência disto, afasta-se a aplicação da súmula 326 do Tribunal Superior do Trabalho, por considerá-la contrária ao ordenamento jurídico pátrio, sugerindo a ampliação do alcance da súmula 327, por mostrar-se esta em harmonia com o Direito brasileiro e os objetivos do Direito do Trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Direito do Trabalho; Previdência Complementar; Prescrição; Súmulas 326 e 327 do TST.


INTRODUÇÃO.

É hoje notória a crise em todo o sistema da previdência social do Brasil. Em decorrência dos riscos inerentes à incerteza do regime geral de previdência, combinados com a sensível redução nos rendimentos dos empregados após sua aposentadoria, já há muito tempo se tecia a possibilidade da complementação da aposentadoria do empregado por parte do trabalhador, o que resultou na edição da Lei 6.435/77, posteriormente em seu lugar vigendo a Lei Complementar 109/01, por determinação do artigo 202 da Constituição Federal, sendo desta forma instituída e regida a previdência complementar.

Como todo direito, surgem controvérsias e violações ao direito à complementação de aposentadoria avençada entre empregado e empregador. Estas violações geram para o titular do direito violado a pretensão, o direito de ação; esta pretensão, porém, não se prolonga indefinidamente no tempo, sofrendo, num certo prazo, a prescrição.

É aqui que nasce o questionamento central deste texto, já que inúmeras controvérsias surgiram e surgem acerca do prazo prescricional aplicável à complementação de aposentadoria, e em qual modalidade. Para dirimir tais dúvidas, editou o Tribunal Superior do Trabalho as súmulas 326 e 327, que acabaram por aprofundar ainda mais as divergências. Formula-se, assim, o problema: como se dá a prescrição dos complementos de aposentadoria oriundos de norma regulamentar e qual o alcance e aplicação das súmulas 326 e 327 do Tribunal Superior do Trabalho nesta matéria?

Para sua resolução, inicia-se uma análise sucinta da complementação de aposentadoria em seus aspectos fundamentais, desvendando sua formação e composição e apresentando as principais linhas de entendimento jurisprudencial e doutrinário, além de sua previsão legal. Posteriormente, o foco é voltado para a prescrição no Direito do Trabalho, por meio de uma análise das fontes de sua formação, principalmente a Constituição Federal e a Consolidação das Leis do Trabalho, com nova análise da jurisprudência pertinente, a fim de apresentar os seus aspectos gerais e aqueles pertinentes ao tema do trabalho.

Com base nos dois primeiros capítulos, é possível, no terceiro e último, estabelecer a intersecção entre a prescrição no Direito do Trabalho e a complementação dos proventos de aposentadoria proveniente de norma regulamentar, de modo a explicitar as diversas teses acerca dos prazos e modalidades de prescrição a incidir sobre esta pretensão. Com base nestes pontos iniciais, continua-se por desvendar a natureza da pretensão objeto de prescrição, para depois confrontar as súmulas 326 e 327 do Tribunal Superior do Trabalho com a prescrição qüinqüenal e bienal do inciso XXIX do artigo 7º da Constituição Federal e a prescrição no Código Civil para, por fim, apresentar críticas ao alcance e aplicação das citadas súmulas, tendo em vista a importância do tema na defesa dos direitos do trabalhador – parte hipossuficiente na relação de trabalho – objetivo último e central do Direito do Trabalho.


I. A COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA: BREVE ANÁLISE.

O sistema da previdência social no Brasil não reproduz, para os obreiros jubilados, os mesmos rendimentos que estes obtinham quando em atividade. Por ser pautado, desde a vigência da Constituição de 1967, em "salários-de-contribuição" ponderados em múltiplos do salário-mínimo, temos até hoje a redução significativa dos rendimentos do trabalhador ao se aposentar. Diante de tal cenário, muitas empresas viram-se "sensibilizadas pelo mau funcionamento da previdência estatal e pela redução abrupta entre o salário percebido na ativa e o valor pago quando aposentado." [01]

Como destaca Francisco Antônio de Oliveira [02],

Há muito tempo algumas empresas vinham se comprometendo a complementar a aposentadoria dos seus empregados, quer a expensas próprias, quer mediante contribuição dos mesmos e da própria empresa. E a partir da Lei n. 6.435 [03], de 15.7.77, a matéria foi devidamente regulamentada, instituindo-se as entidades fechadas e abertas de previdência privada, sendo que as empresas que se destinam à complementação aos seus empregados enquadradas nas de entidades fechadas são de previdência privada.

Tem-se, assim, que a complementação de aposentadoria por entidade fechada de previdência social constitui sempre um plus aos seus empregados.

Ora, sendo este um benefício complementar à aposentadoria, tem seu início na data de jubilação do trabalhador, ponto crucial para as análises objeto deste trabalho. Tem-se, no entanto, que no período anterior à concessão da complementação de aposentadoria, não estaríamos no campo da mera expectativa de direito, mas sim de direito adquirido, já que, como apresenta Oliveira [04], a complementação de aposentadoria "concedida em contrato ou estatuto da empresa tem a índole de condição suspensiva, pois que a eficácia ou a aquisição do direito está subordinada à verificação da condição, qual seja a de atingir tempo necessário ao requerimento da aposentação." Tal conclusão se explica pois, como nos ensina Clóvis Bevilácqua [05], "a condição suspensiva torna apenas o direito esperado, mas ainda não realizado. Todavia, com o seu advento, o direito se supõe ter existido desde o momento em que se deu o fato que o criou."

Este direito se desenvolve, portanto, durante toda a duração da relação de emprego, até a aposentadoria do empregado; isto reflete profundamente na evolução do valor a ser devido a título de complementação de aposentadoria, em decorrência da evolução da própria remuneração do obreiro em decorrência do tempo e do seu progresso na empresa. Assim, atingimos o conceito das parcelas a integrar esta complementação.

Pois bem, se a complementação de aposentadoria objetiva manter os rendimentos do empregado posteriormente à jubilação, decorrência lógica é que esta complementação não inclua tão somente o salário em dinheiro, mas todas as parcelas que integram a remuneração. Assim, integrariam a complementação, "além do pagamento em dinheiro [...], a alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações in natura que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado" (artigo 458, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho) e, além desta "importância fixa estipulada, [...] as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador" (artigo 457, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho), adicionais devidos pelo trabalho extraordinário (artigos 59 a 61 da Consolidação das Leis do Trabalho e 7º, XVI, da Constituição Federal) e adicionais diversos, recorrentemente presentes nas discussões salariais pós-rescisão. Freqüentemente em nossa jurisprudência, encontramos controvérsias acerca da inclusão, na complementação, de parcelas como horas extras, ticket alimentação, adicional por tempo de serviço [06] e outros adicionais:

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SUPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA – HORAS EXTRAS.

Os valores correspondentes às horas extras possuem nítido caráter salarial. Integram, pois, a remuneração do empregado para fins de cálculo da complementação de aposentadoria. [07]

REGIME COMPLEMENTAR DE PREVIDÊNCIA – HORAS EXTRAS – NATUREZA SALARIAL – HABITUALIDADE – INTEGRAÇÃO À APOSENTADORIA E PENSÃO.

Integrando o salário padrão do obreiro, em face da sua habitualidade, as horas extras também integrarão a complementação de aposentadoria e pensão. [08]

I.1. PREVISÃO LEGAL.

A regência atual da previdência privada de caráter complementar é do artigo 202 da Constituição Federal, do qual decorreu a edição da Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001 (Regime de Previdência Complementar).

O caput do artigo 202 da Constituição Federal traz as principais características do regime de previdência privada, definindo-o como complementar, autônomo e facultativo, razão pela qual merece ser citado em sua integralidade:

O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. [grifei]

Remete-nos a Lei Maior à Lei Complementar 109/2001 que reproduz, em seu artigo 1º, as disposições do artigo 202 daquela. No seu artigo 2º, determina que os planos de previdência complementar serão operados com exclusividade por entidades de previdência complementar que têm como "objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário", planos estes que dependem de autorização específica, por força do artigo 6º da mesma Lei.

Os demais dispositivos da Lei Complementar 109/2001 tratam da instituição, administração, planos de benefícios, organização, fiscalização e patrocínio das entidades abertas e fechadas de previdência complementar, sendo que somente as últimas nos interessam; é dispensável, no entanto, a análise pormenorizada destas normas, sendo importante voltar nosso foco à abordagem de aspectos específicos encontrados na jurisprudência pátria.

I.2. POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS.

A jurisprudência em torno da complementação de aposentadoria forma-se, em sua maioria, sem grandes divergências – encontramos sim, no entanto, grande dúvida acerca da sua prescrição e natureza de pleito, temas a serem abordados no último capítulo. Cabe agora, portanto, apresentar a jurisprudência trabalhista acerca de aspectos da formação e da natureza da obrigação resultante em complementação de aposentadoria por parte do empregador.

Já de início revela-se a compreensão da missão do Direito do Trabalho na defesa do trabalhador, sujeito vulnerável da relação de trabalho, pelo estabelecimento da forma de aplicação das normas acerca da complementação de aposentadoria. Eis a letra da disposição pertinente, a súmula 288 do Tribunal Superior do Trabalho:

Complementação dos proventos da aposentadoria

A complementação dos proventos da aposentadoria é regida pelas normas em vigor na data da admissão do empregado, observando-se as alterações posteriores desde que mais favoráveis ao beneficiário do direito.

Esta protetividade deve ser interpretada na sua mais profunda intenção: o resguardo absoluto do trabalhador, hipossuficiente, raras vezes consciente das conseqüências que acordos trazem a seus direitos. Como ensina Oliveira, [09] "por isso, as normas laborais são um mínimo; impedem se conceda menos ao trabalhador; o que pactuarem a mais, terá eficácia entre as partes e será exigível." Como dispõe o Texto Consolidado, em seu artigo 468, a norma mais benéfica ao trabalhador não poderá ser excluída de seus direitos, ainda que de forma bilateral, com a concordância deste.

Esta orientação é, em profunda corretude, recorrente em nossos tribunais, como, por exemplo, neste julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região:

FUNBEP-FUNDO DE PENSÃO MULTIPATROCINADO-DIFERENÇAS DE COMPLDE APOSEN-TADORIA-GRATIFICAÇÃO SEMESTRAL-PARCELA DO INSS

O pagamento da gratificação semestral sobre a parcela do INSS não poderia ter sido suprimido pela Resolução 13-82, conforme entendimento sedimentado na Súmula 288 do TST, por se tratar de alteração prejudicial, somente podendo atingir os empregados dos reclamados que fossem admitidos posteriormente á sua vigência, que não era o caso da reclamantes desta ação (Súmula 51 do C. TST). Devidas as diferenças de complementação de aposentadoria, em parcelas vencidas e vincendas, até a implantação em folha de pagamento, observando-se o marco prescricional estabelecido. [grifei] [10]

As súmulas 87, 92 e 97 do Tribunal Superior do Trabalho tratam da regulamentação da complementação de aposentadoria e de sua relação com o benefício previdenciário instituído por órgão oficial. Determina o Tribunal, por meio delas, que a complementação de aposentadoria concedida pela empresa não acumula-se com benefício da mesma natureza estabelecido por regulamento posterior, caso equivalentes em sua natureza, mas acumula-se, pelo seu próprio caráter complementar, com o benefício previdenciário oficial, mesmo que, sendo este majorado, possa parecer desnecessária a complementação anteriormente avençada. Em ambos os casos, a regulamentação inclui todos os atos que gerem direitos aos trabalhadores, desde a instituição da complementação, ainda que pendente de regulamentação.

Importantíssima disposição decorre das decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho das 2ª e 9ª Regiões, acerca da composição da base de cálculo da complementação de aposentadoria – como já abordado, abarcando todas as parcelas da remuneração – e da responsabilidade solidária entre patrocinadora e fundo de pensão para o pagamento das complementações. Eis duas decisões, a segunda recentíssima, neste sentido:

COMPLEMENTACAO DE APOSENTADORIA. INTEGRACAO DAS HORAS EXTRAS E ADICIONAL NOTURNO.

O objetivo da complementação da aposentadoria e fazer com que o empregado receba na inatividade a mesma remuneração que recebia na ativa. Em conseqüência, cabível na complementação a integração das horas extras e adicional noturno complementação de aposentadoria no décimo terceiro salário: se a empresa faz complementação de aposentadoria no décimo terceiro salário, deve fazê-lo de forma correta, isto e, de acordo com o salário de dezembro. [grifei] [11]

Considerando a existência de parcelas salariais deferidas em sentença transitada em julgado, que refletem na base de cálculo da complementação de aposentadoria, entendo que incumbia às reclamadas procederem a alteração do valor do benefício. Não pode ser o autor prejudicado pela ausência de repasse pela patrocinadora (COPEL Distribuição S.A.) das verbas não integradas ao salário, devidas durante o contrato, objetivando a correspondente complementação. [grifei] [12]

Tratam-se, portanto, de verbas devidas, apenas não pagas em época própria. A atividade jurisdicional condenatória teve como pressuposto lógico antecedente, a declaração de um direito preexistente não reconhecido pela empregadora no momento em que nasceu. [13]

Ora, temos portanto que, havendo majoração posterior à rescisão do contrato de trabalho das verbas remuneratórias ou reconhecimento de novas verbas, por exemplo, por condenação judicial do empregador, caberá pedido de diferença da complementação de aposentadoria em decorrência do aumento do valor-base de cálculo da complementação, conclusão importante para a análise proposta no último capítulo.

No tocante ao reajuste do valor da complementação de aposentadoria paga ao empregado, determina a Seção de Dissídios Individuais I do Tribunal Superior do Trabalho, por meio de sua Orientação Jurisprudencial 224, que, por força da Medida Provisória 542/94, convalidada na Lei 9.069/95, o critério para o reajuste da complementação é anual.

Estabelecidos, assim, os conhecimentos iniciais necessários à compreensão do instituto da complementação dos proventos de aposentadoria decorrente de norma regulamentar, cabe agora uma breve análise da visão trabalhista da prescrição para, no último capítulo, integrar os dois primeiros no entendimento acerca da prescrição das pretensões decorrentes da complementação de aposentadoria.


II. A PRESCRIÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO.

Em atendimento à segurança jurídica, essencial à harmonia de nossa ordem social, nenhum direito de ação pode perpetuar-se indefinidamente; em algum momento, o detentor de direito que se faz inerte é penalizado com a perda do direito de ver este seu direito satisfeito por ação. Conceito celebrado é formulado por Câmara Leal [14], para quem prescrição

é a extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso. [Temos como] seu objeto - ação ajuizável; sua causa eficiente - a inércia do titular; seu fator operante - o tempo; seu fator neutralizante - as causas legais preclusivas de seu curso; seu efeito - extinguir ações.

Estas causas preclusivas citadas por Câmara Leal são a interrupção e a suspensão da prescrição, previstas nos artigos 197 a 204 do Código Civil, além da previsão de que "contra os menores de dezoito anos não corre nenhum prazo de prescrição", do artigo 440 da CLT. Ainda, como destaca Süssekind [15], "na Justiça do Trabalho, a jurisprudência se firmou no sentido de que o simples ajuizamento da ação, seguida da citação do réu, que independe de despacho do juiz, interrompe a prescrição".

De acordo com o artigo 193 do Código Civil, "a prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita". Isto decorre da natureza de instituto de ordem pública da prescrição, caráter bem explorado por Süssekind [16]:

São de ordem pública as normas legais que regem a prescrição, eis que, com tais disposições, o Estado objetiva evitar a perenização de situações jurídicas susceptíveis de controvérsia, a fim de propiciar a segurança das relações jurídicas. Por se tratar de instituto de ordem pública, somente por lei e, obviamente, pela Lei Maior, a prescrição pode ser instituída.

Cabe destacar que as disposições analisadas neste trabalho não dizem respeito à decadência, que é o perecimento não da ação, como na prescrição, mas extinguindo "diretamente o direito e, com ele, a ação que o protege." Destaca Délio Maranhão [17] que

a decadência diz respeito, de um modo geral, ao exercício dos chamados direitos potestativos, ou seja, daqueles que conferem ao seu titular o poder de influir, com a sua manifestação de vontade, sobre a condição jurídica de outrem, sem o concurso da vontade deste. [grifou o autor]

Finalmente, é importante informar que, por força do artigo 207 do Código Civil, os prazos decadenciais são fatais, não sofrendo interrupção ou suspensão; ademais, como informa Süssekind [18], "quando o exercício do direito depender de decisão judicial, a sentença será constitutiva". São decadenciais, por exemplo, o prazo de trinta dias para que o empregador ajuíze pedido de abertura de inquérito para apurar falta grave que rescinda contrato de trabalho do artigo 853 da Consolidação das Leis do Trabalho, e o prazo para ajuizamento de ação rescisória, aplicável à Justiça do Trabalho por combinação dos artigos 836 da CLT e 495 do CPC.

Via de regra, a prescrição começa a fluir da ciência, pela parte credora, da violação da obrigação pela parte devedora [19], como se aduz do artigo 189 do Código Civil: "violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição..." No caso das complementações de aposentadoria não pagas, as disposições acerca do termo inicial da prescrição encontramos nas súmulas 326 e 327 do TST, de que trataremos adiante.

II.1. CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

A previsão de disposições acerca da prescrição em textos constitucionais é um tanto incomum. Nos poucos casos em que é prevista, o é na forma da prescrição aquisitiva, usucapião, e não como prescrição extintiva. Tal peculiaridade nos é destacada por Süssekind [20]:

Pela primeira vez na história do Direito do Brasil, uma Constituição inseriu no seu texto norma sobre a prescrição do direito de ação. E o fez apenas quanto às ações referentes a créditos resultantes das relações de trabalho, como se a prescrição nas ações civis, comerciais, tributárias previdenciárias etc. tivesse importância inferior.

[...] Aliás, não conhecemos nenhuma Carta Magna que trate da prescrição extintiva; só da aquisitiva (usucapião), visando a assegurar o direito à propriedade de imóvel a quem o ocupa por tempo razoável estatuído em lei.

Peculiarmente, portanto, no inciso XXIX do artigo 7º da Constituição Federal encontramos o dispositivo central da prescrição no Direito do Trabalho. Eis sua letra:

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social:

[...]

XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.

Esta é a redação dada ao dispositivo pela Emenda Constitucional nº 28, de 25 de maio de 2000, em atendimento ao princípio de isonomia entre trabalhadores urbanos e rurais. Originalmente, sua redação era a seguinte:

Art. 7º. [...]

XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de:

a) cinco anos para o trabalhador urbano, até o limite de dois anos após a extinção do contrato;

b) até dois anos após a extinção do contrato, para o trabalhador rural.

Do disposto no inciso XXIX do artigo 7º da Constituição Federal podemos destacar duas modalidades de prescrição no Direito do Trabalho: a prescrição parcial e a prescrição total.

A prescrição parcial é a qüinqüenal; transcorridos cinco anos da violação da obrigação pelo devedor -- neste caso, o empregador -- estará o direito de ação versando sobre tais direitos prescrito, incidindo a prescrição individualmente sobre cada prestação periódica, mês a mês, parcela a parcela, etc. Temos assim que, havendo a supressão de uma verba mensal, a ação para reclamá-la prescreverá em cinco anos, independentemente da do mês anterior, que terá prescrição um mês antes daquela, e da parcela do mês posterior, que prescreverá um mês após a primeira.

A prescrição bienal, na parte final do inciso, é a total. Nela concentram-se e encerram-se todos os prazos prescricionais de todas as verbas devidas e não pagas pelo contrato findo. Assim, transcorridos dois anos da extinção do contrato de trabalho, encontrará a prescrição o direito de ação por todos os direitos decorrentes de obrigações não cumpridas pelo empregador, que ainda não prescreveram pela prescrição qüinqüenal. Conclui-se, exemplificando, que sendo devidos doze meses de parcelas devidas e não pagas, extinguindo-se o contrato de trabalho ao fim desses doze meses, prescreverão os direitos de ação sobre estas parcelas todos à mesma data, exatamente dois anos após a extinção do contrato de trabalho.

É esta, pois, a base de todo o sistema de prescrição extintiva no direito do trabalho, erigida ao status constitucional. Cabe, agora, pormenorizar este sistema, por meio de disposições específicas da Consolidação das Leis do Trabalho e da jurisprudência pátria.

II.2. CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO.

A nossa Consolidação das Leis do Trabalho, que data de 1943, certamente não contava originalmente com os dispositivos prescricionais determinados pela Constituição Federal de 1988. Como expõe Süssekind [21], "o artigo 11 da CLT [aludia] à prescrição do direito de pleitear a reparação de qualquer ato infringente de dispositivo do texto consolidado." Em razão disso, foi editada a Lei nº 9.658, de 1988, que veio a adequá-lo ao texto original do artigo 7º inciso XXIX da Constituição. No entanto, este dispositivo não foi atualizado a fim de acompanhar as alterações da Emenda Constitucional nº 28, de 2000, motivo pelo qual encontram-se o caput e seus incisos obsoletos.

O já citado artigo 440 da CLT indica-nos que "contra os menores de 18 (dezoito) anos não corre nenhum prazo de prescrição", ampliando a disposição do artigo 198 inciso I do Código Civil, que suspende a prescrição contra, entre outros incapazes, os menores de dezesseis anos, por remissão ao artigo 3º inciso I do mesmo Codex.

Além destas normas gerais, aborda a Consolidação a prescrição da ação para reaver diferença de salário-mínimo (artigo 119), o termo inicial da prescrição do direito de pleitear férias (artigo 149), como matéria de defesa em embargos à execução (artigo 884 §1º) e em suas disposições transitórias, em relação à prescrição prevista em lei anterior (artigo 916), disposições que se não faz necessário aqui pormenorizar. Resta-nos, portanto, analisar a jurisprudência de nossos tribunais acerca da matéria, para, posteriormente, passar à abordagem da prescrição específica das complementações de aposentadoria oriundas de norma regulamentar.

II.3. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL.

Assim como na Consolidação das Leis do Trabalho, nossa jurisprudência traz entendimentos gerais e específicos em seus acórdãos, súmulas e orientações. As disposições específicas acerca da prescrição de aposentadoria oriunda de norma regulamentar, nas súmulas 326 e 327 do Tribunal Superior do Trabalho, são analisadas no próximo capítulo.

As disposições específicas, que prescindem de maior detalhamento neste trabalho, tratam do termo inicial da prescrição da ação de acidente no trabalho (súmula 230 do STF), da prescrição de prestações reclamadas em dissídio coletivo (súmula 349 do STF), da prescrição das ações de cobrança para contribuições do FGTS, trintenária, limitada à bienal constitucional (súmula 210 do STJ, combinada com a súmula 362 do TST), do termo inicial de prescrição na ação de indenização por incapacidade laboral (súmula 278 do STJ), da prescrição de pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração contratual (súmula 294 do TST), da contagem dos prazos em se tratando de períodos descontínuos de trabalho (súmula 156 do TST), da prescrição de ação para corrigir desvio de função e reenquadramento (súmula 275 do TST) e da prescrição da ação de cumprimento de sentença normativa (súmula 350 do TST).

A súmula 308 do Tribunal Superior do Trabalho reitera e explica as disposições do artigo 7º inciso XXIX da Constituição Federal, expondo que

I. Respeitado o biênio subseqüente à cessação contratual, a prescrição da ação trabalhista concerne às pretensões imediatamente anteriores a cinco anos, contados da data do ajuizamento da reclamação e, não, às anteriores ao qüinqüênio da data da extinção do contrato.

Este era o texto da Orientação Jurisprudencial nº 204 da SDI-1, incorporada à sumula 308, que originalmente só tratava da transição entre o regime de prescrição anterior e posterior à Constituição Federal de 1988.

Importante disposição faz-se presente na súmula 268 do Tribunal Superior do Trabalho, determinando que, em relação aos pedidos idênticos, a ação trabalhista, ainda que arquivada, interrompe a prescrição, somando-se esta causa de interrupção àquelas arroladas no artigo 202 do Código Civil. Quanto ao tempo de sua argüição, não se conhece da prescrição não argüida na instância ordinária, por força da súmula 153 do Tribunal Superior do Trabalho.

Ainda como norma geral, encontramos um posicionamento dúbio: enquanto a súmula 114 do TST declara inaplicável a prescrição intercorrente na Justiça do Trabalho, a súmula 327 do STF orienta em sentido oposto, permitindo-a. Nesta matéria, interessante é a análise de acórdão do TST, de relatoria do Ministro Armando de Brito [22]:

Entendo não ser aplicável o Enunciado nº 114/TST na hipótese de depender o ato processual de iniciativa da parte. A prescrição intercorrente é aplicável na Justiça do Trabalho quando desacompanhado o Reclamante de advogado [...]. Não seria razoável estender tal interpretação [da súmula 114 TST] àqueles casos em que o estancamento do processo acontece ante a inércia do autor em praticar atos esperando pela iniciativa das partes ad aeternum, prejudicando sobremaneira um dos princípios básicos do processo trabalhista, ou seja, a celeridade processual.

No entanto, entende Francisco Antônio de Oliveira [23], em obra específica acerca dos enunciados do TST, que "a prescrição assumida pelo Tribunal Superior do Trabalho, embora contrariando entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal, atende mais à realidade trabalhista." E isto alega, fundamentando que

no processo trabalhista a liqüidação de sentença não passa de mero incidente de natureza declaratória da fase cognitiva (apuração do quantum) e integrativo da execução. E os embargos não têm a dignidade de ação, mas de simples pedido de reconsideração ao juízo de primeiro grau. [...] Em não havendo ação na execução e, âmbito trabalhista, não há falar em prescrição, ressalvada a possibilidade antes da liqüidação de sentença [...].

Por fim, vale destacar como norma geral a exposta nas súmulas 78 do TFR e 106 do STJ, expondo ambas que, sendo proposta a ação em prazo hábil, a demora na citação do réu, "por motivos inerentes ao mecanismo da justiça", não enseja a argüição de prescrição ou decadência.

Analisados, assim, os aspectos pertinentes da complementação de aposentadoria e da prescrição no direito do trabalho, faz-se possível a conjunção destes entendimentos, para proceder com a análise da prescrição da pretensão de obter o pagamento ou diferença de complementação de aposentadoria na Justiça do Trabalho.

Sobre o autor
Bruno Grego Santos

Mestrando em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; graduado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (2007). Atualmente é Procurador Jurídico e Diretor do Departamento Jurídico do Município de Marialva, Assessor Jurídico delegado do Serviço de Água e Esgoto de Marialva, membro da Comissão de Advocacia Pública da OAB Paraná, diretor da Comissão de Advocacia Pública da OAB Maringá e membro do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública. É pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Direito Administrativo Democrático da Faculdade de Direito do Largo São Francisco - NEPAD-USP. Venceu o VII Prêmio Innovare na categoria Advocacia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GREGO SANTOS, Bruno. Prescrição dos complementos de aposentadoria oriundos de norma regulamentar.: Alcance e aplicação das Súmulas 326 e 327 do TST. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2659, 12 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17600. Acesso em: 23 nov. 2024.

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