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Hipóteses de configuração da responsabilidade civil do transportador aéreo

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Agenda 27/11/2010 às 06:44

Estudam-se as principais hipóteses de responsabilidade civil do transportador aéreo, nomeadamente extravio de bagagens, "overbooking", acidentes aéreos, cancelamento e atrasos de vôos.

Resumo: O presente trabalho possui como objetivo analisar as principais hipóteses de configuração da responsabilidade civil do transportador aéreo, nomeadamente o extravio de bagagens, o overbooking, os acidentes aéreos, o cancelamento e atrasos de vôos, bem como o famigerado "apagão aéreo". Da análise dos distintos diplomas aplicáveis a essas situações, constatou-se que o extravio de bagagens está sujeito ao regime previsto no Código de Defesa do Consumidor, não havendo limitação do quantum indenizatório; no overbooking, como o vôo nem chegou a iniciar, deve-se aplicar o CDC, uma vez que o Código Brasileiro de Aeronáutica não traz normas específicas sobre esta matéria; nas situações de cancelamento e atrasos de vôos, a regulamentação deve estar sujeita à disciplina prevista no Código Brasileiro de Aeronáutica, enquanto o denominado "apagão aéreo" está sujeito ao CDC, prevendo uma responsabilidade baseada no risco. Desse modo, independentemente de quem seja a culpa, surgirá o dever de indenizar os consumidores lesados. Nada impede que, posteriormente, essas companhias aéreas busquem o ressarcimento do valor pago ou dos prejuízos diretamente sofridos do responsável último pelo dano, a União. Por fim, nas situações de acidentes aéreos, a responsabilidade do transportador aeronáutico é objetiva, devendo ser aplicado tanto o CC-02 quanto o CDC.

Palavras-chave: responsabilidade civil; transportador aéreo; extravio de bagagens; overbooking; acidentes aéreos; cancelamento e atrasos de vôos; "apagão aéreo".


1. Introdução

A responsabilidade civil do transportador aéreo é um tema hodierno e bastante útil para a sociedade moderna. Atualmente, o avião é o principal meio de transporte, sendo considerado também o mais seguro do mundo. Apesar dessa segurança, muitos acidentes e problemas envolvendo este meio de transporte ainda são bastante frequentes. É o que ocorre, por exemplo, nos casos de overbooking, extravio de bagagens, cancelamento e atraso de vôos, acidentes com aeronaves e, mais recentemente, no famigerado "apagão aéreo".

Estas são as questões mais recorrentes e importantes em torno do tema. As primeiras já foram, e ainda são, bastante debatidas na doutrina e na jurisprudência, enquanto a última, recente na história da aviação brasileira, ainda precisa ser analisada de forma mais profunda e coesa.

Todas essas questões devem ser analisadas em pormenor. Convém que os consumidores estejam atentos aos seus direitos e às obrigações que devem ser cumpridas pelas companhias aéreas nessas situações. É esse o objetivo do presente trabalho: elucidar os leitores sobre um tema bastante atual, examinando as suas diversas nuances e, em consequência, determinar as obrigações que competem às companhias aéreas e os direitos que podem ser exigidos pelos passageiros.


2. Extravio de Bagagens

Antes de adentrarmos no tema em análise, convém esclarecer que o contrato de transporte encontra-se previsto nos artigos 730 e seguintes do CC-02, sem equivalente no CC-16. O artigo 732 do CC-02 estabelece que aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais.

Desse modo, a responsabilidade civil do transportador aéreo é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, pela Convenção de Varsóvia, que foi parcialmente alterada pelo Protocolo de Haia e introduzido no ordenamento brasileiro pelo Decreto 56.463/65, bem como por outras legislações especiais, desde que não contrariem as disposições do diploma civil.

Também é necessário mencionar a diferença entre vôos aéreos nacionais e internacionais, e os seus respectivos regimes jurídicos de regulação.

Segundo Silvio de Salvo Venosa (2005, p. 180): Pelo artigo 1° da Convenção, considera-se transporte internacional aquele que tem como ponto de partida e ponto de destino, haja ou não interrupção de transporte, ou baldeação, dois pontos de destino de países diversos, ou mesmo o de um só deles, havendo escala em outros países (território sujeito à soberania, suserania, mandato ou autoridade de outro Estado, seja ou não contratante) Para a caracterização como vôo internacional é irrelevante ser a transportadora nacional ou estrangeira; o que define o transporte internacional são os pontos de partida e destino ou eventual escala em outro país. O transporte doméstico, entre pontos dentro do território nacional, é regulado pelo Código Brasileiro de Aeronáutica.

Enquanto os vôos nacionais são disciplinados pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, os vôos internacionais são regidos pela Convenção de Varsóvia. Porém, para a abordagem do presente tema, pouco importará essa diferenciação, eis que o Código Brasileiro de Aeronáutica abarcou quase na sua totalidade o disposto na Convenção.

O extravio de bagagens será estudado com base na Convenção de Varsóvia. Tudo que se falar ao seu respeito poderá ser utilizado também para o Código Aeronáutico.

O artigo 22 da Convenção dispõe que, no transporte de mercadorias, ou de bagagem despachada, a responsabilidade do transportador se limita à quantia de duzentos e cinqüenta francos por quilograma, salvo declaração especial de "interesse na entrega", feita pelo expedidor no momento de confiar ao transportador os volumes, e mediante o pagamento de uma taxa suplementar eventual. Neste caso, fica o transportador obrigado a pagar até à importância da quantia declarada, salvo se provar ser esta superior ao interesse real que o expedidor tinha na entrega.

Quanto aos objetos que o viajante conservar sob sua guarda, estabelece que a sua responsabilidade se limita à quantia de cinco mil francos por viajante.

Há, contudo, que se ter alguma cautela, uma vez que, em 1990, surgiu o Código de Defesa do Consumidor, assegurando, em seu artigo 6°, inciso VI, a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos. Em seu artigo 51, inciso I, dispõe que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor, pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis.

Diante da análise destes dois diplomas legais, verifica-se um evidente conflito de normas. Enquanto a Convenção de Varsóvia limita o valor indenizatório relativo à responsabilidade do transportador, o CDC garante a efetiva indenização dos prejuízos causados, não limitando o quantum reparatório. Ademais, o diploma consumerista repudia de forma expressa qualquer cláusula que atenue a responsabilidade do fornecedor de serviços.

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O CDC não revogou integralmente a Convenção de Varsóvia, nem o Código Brasileiro de Aeronáutica, apesar de ser uma lei mais recente. Haverá, no entanto, uma suspensão dos dispositivos daqueles diplomas quando for evidente a antinomia entre o CDC e os mesmos.1

No entanto, alguma doutrina ainda sustenta que nos conflitos entre lei interna e tratado, prevalece o tratado, tornando impossível a aplicação da lei consumerista neste âmbito.

Antes de se chegar a uma resposta concreta sobre qual das leis é a mais adequada, é preciso esclarecer que a Convenção de Varsóvia foi estabelecida em 12 de outubro de 1929, numa época em que os transportes aéreos eram pouco desenvolvidos. Nesse período, tornava-se necessário o aparecimento de normas que não criassem dificuldades ao avanço deste recente setor.

Como o transporte aeronáutico não era o meio mais seguro, procurava-se uma lei que limitasse o valor das indenizações causadas pelos acidentes ocorridos. Desse modo, foi elaborada a Convenção de Varsóvia, que apenas indeniza totalmente os passageiros nos casos em que se configura dolo ou culpa grave.

Atualmente, esse tipo de regra já não se pode considerar compatível com a vida moderna, até porque o avião é considerado o meio de transporte mais seguro do mundo. Apesar dessa incompatibilidade, a Convenção continua em vigor no território brasileiro.

O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, foi elaborado em 11 de setembro de 1990, quando há muito o setor aeronáutico já se consolidava como o meio de transporte mais procurado e seguro do mundo.

O artigo 1° deste diploma é bastante claro ao dispor que o presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48. de suas Disposições Transitórias. Por serem as suas disposições de ordem pública e de interesse social, pode-se considerar que a normas previstas na lei 8.078/90 são cogentes, não podendo ser afastadas pela vontade das partes.

Também por ter sido elaborada nos termos do artigo 5°, inciso XXXII, do artigo 170, inciso V, da Constituição Federal e do artigo 48 de suas Disposições Transitórias, não pode ser submetida a um patamar inferior relativamente à Convenção de Varsóvia. Apesar disso, alguns doutrinadores continuam a insistir que, quanto ao tema em análise, o tratado continua a se soprepor ao CDC. Ora, caso este entendimento fosse o mais correto, o tratado também acabaria por se sobrepor à Constituição Federal.

Diante de tais considerações, torna-se claro que a Convenção de Varsóvia encontra-se ultrapassada quanto à fixação do quantum indenizatório relativo ao extravio de bagagens. Portanto, os limites de indenização estabelecidos em suas normas não mais prevalecem, uma vez que são incompatíveis com o regime do Código de Defesa do Consumidor.

Nas hipóteses de extravio de babagens, a determinação do montante a ser pago a título de indenização encontra-se deferido ao CDC, e não à Convenção de Varsóvia. Além da lei 8.078/90 ser uma lei especial, na medida em que regula todas as relações de consumo, também é lei posterior relativamente à Convenção, tendo sido publicada 1990 e entrado em vigor em 13 de março de 1991, enquanto a Convenção foi publicada em 1929 e inserida no ordenamento brasileiro em 24 de novembro de 1931.

Além do mais, também convém ressaltar que o CDC encontra-se expressamente amparado pela Constituição Federal, conforme disposto no artigo. 5º, inciso XXXII da Carta Magna.

Quanto ao referido tema, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu igual posicionamento, eliminando quaisquer dúvidas que ainda podiam subsistir: O fato de a Convenção de Varsóvia revelar, como regra, a indenização tarifada por danos materiais não exclui a relativa aos danos morais. Configurados esses pelo sentimento de desconforto, de constrangimento, aborrecimento e humilhação decorrentes do extravio de mala, cumpre observar a Carta Política da República — incisos V e X do artigo 5º, no que se sobrepõe a tratados e convenções ratificados pelo Brasil (Supremo Tribunal Federal. RE 172.720-9. Relator Min. Marco Aurélio. Publicado em 06/02/96).

Também o Tribunal de Justiça de São Paulo dispõe no mesmo sentido: Indenização. Responsabilidade civil. Transporte aéreo. Extravio da bagagem. Ressarcimento. Limitação prevista na Convenção de Varsóvia. Inaplicabilidade. Declaração do conteúdo e pagamento de tarifa compatível. Orientação inexistente no bilhete de passagem. Verba devida. Fixação por arbitramento. Recurso provido (Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível n. 43.874-4. Relator Desembargador Laerte Nordi. Publicado em 12/8/97).

Com o mesmo entendimento o julgado do Superior Tribunal de Justiça: Prevalece o entendimento na Seção de Direito Privado "de que tratando-se de relação de consumo, em que as autoras figuram inquestionavelmente como destinatárias finais dos serviços de transporte, aplicável é à espécie o Código de Defesa do Consumidor (Superior Tribunal de Justiça. REsp 538.685. Relator Min. Raphael de Barros Monteiro. Publicado em 16/2/2004).


3. Overbooking

Para que as consequências jurídicas quanto à prática do overbooking sejam melhor compreendidas, é necessário proceder a uma análise crítica sobre a sua origem e o seu conceito. Após esse primeiro exame, será estudada a reparação de danos nas situações em que se configura o seu exercício, que, apesar de ter uma razão de ser, não pode ficar imune à responsabilidade civil.

Até o início da década de 1990, quando a regulação do transporte aéreo ainda era muito marcada pela interferência governamental, que controlava as ofertas e os preços das passagens aéreas, verificava-se um baixo aproveitamento dos assentos oferecidos em vôos regulares, assim considerados aqueles que operam independentemente do número de passagens reservadas. Nessa época, convivia-se sem maiores problemas com os denominados no-show, isto é, os passageiros que reservam bilhetes, mas que não comparecem no momento do embarque.

Porém, a partir dessa mesma década, uma série de fatores contribuiram para que a prática de reserva de passagens se tornasse prejudicial às companhias aéreas. Com a diminuição da interferência governamental, a introdução de tarifas reduzidas, a globalização e a maior liberdade na concorrência, a procura por esse meio de transporte se tornou maior que a oferta de lugares, representando o no-show um verdadeiro prejuízo para essas empresas.

Desse modo, as transportadoras aéreas passaram a adotar a prática do overbooking, isto é, a venda de passagens com reserva em número superior aos assentos disponíveis nas aeronaves.

Apesar de atuar com o objetivo de evitar ou de, pelo menos, minimizar os prejuízos advindos com os no-show, frequentemente comparecem para embarque os passageiros com reservas em quantidade superior à capacidade da aeronave, impossibilitando os excedentes de viajarem e, consequentemente, gerando prejuízos de ordem moral e material para os mesmos.

Segundo Helio de Castro Farias, Secretário Geral da Sociedade Brasileira de Direito Aeroespacial, depois da adoção, com sucesso, de overbooking como medida protetora contra o no-show, muitas empresas aéreas passam a usar o overbooking também para otimizar o aproveitamento econômico da aeronave, não apenas em relação aos assentos ocupados mas igualmente para priorizar as passagens cuja tarifa contribui para gerar melhor lucratividade ("yield"). Para a mesma classe são comercializados bilhetes de passagem com preços diferenciados (tarifa de excursão, de grupo, ponto a ponto e outras) e com regras específicas, as quais produzem variados resultados econômicos; dessa forma o bilhete que corresponde à melhor lucratividade tem prioridade sobre os outros que passam a ser mascarados de overbooking (Disponível em: https://www.sbda.org.br/revista/Anterior/1605.htm).

Alguns poderiam entender que para os casos de overbooking seria possível a aplicação do disposto no parágrafo único do artigo 231 do Código Brasileiro de Aeronáutica, o qual prevê que a transportadora contratual deverá arcar com as despesas de transporte de qualquer espécie, alimentação e hospedagem, sem prejuízo da responsabilidade civil.

No entanto, essas hipóteses devem ser aplicadas para os casos de interrupção ou atraso do transporte. Para o passageiro que ficou sem embarcar por conta do overbooking, o vôo nem chegou a iniciar, não configurando as situações elencadas no referido dispositivo legal.

Quanto ao no-show, o Código Brasileiro de Aeronáutica não obriga o transportador a revalidar ou reembolsar o seu bilhete, mas também não aplica qualquer tipo de penalidade a esse tipo de passageiro.

Ademais, sempre que se configurava o overbooking, as companhias aéreas buscavam enquadrar a situação nos dispositivos da Convenção de Varsóvia, tratando o assunto também como "atraso do vôo" e, portanto, recaindo na problemática descrita anteriormente.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro refutou esse argumento: As limitações, no plano da composição dos danos decorrentes do descumprimento do contrato de transporte aéreo constantes da Convenção de Varsóvia e adotadas no direito interno nacional pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, não se podem sobrepor aos termos da Carta Constitucional de 1988, mormente no que diz respeito ao ressarcimento do dano moral, expressamente assegurado como garantia individual (art. 5°,V e X da Constituição Federal) pelo que não foram elas recepcionadas pela ordem constitucional vigente. Demais disso, havendo nosso sistema constitucional afastado a primazia dos tratados e convenções internacionais sobre as normas de direito interno, estabelecendo a equivalência entre ambos, as regras limitadoras de indenização contidas na Convenção de Varsóvia não se aplicam em face da norma de direito interno que dispõe de forma diversa, visto como posterior, devendo a transportadora, face à responsabilidade presumida constitucionalmente para as concessionárias de serviço público, arcar com a indenização equivalente à completa reparação do dano (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível n° 4401/00. Desembargador Carlos Raymundo Cardoso. Publicado em 02/08/2000).

Não há dúvidas de que o contrato de transporte aéreo celebrado no Brasil seja regido pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, no entanto, esse diploma não traz normas específicas sobre o overbooking e o no-show, eis que entrou em vigor no ano de 1986, antes mesmo que essa prática tomasse a amplitude que atualmente tem.

Não obstante a existência de tal lacuna, o artigo 5º, inciso XXXII, da CF, determina que o Estado promova a defesa do consumidor, o que nos leva a concluir que a solução se encontra na lei 8.078/90, mais especificamente no artigo 46 e seguintes da legislação extravagante.

Nesse mesmo sentido, segue a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal: Civil. Código de defesa do consumidor. Danos morais. Empresa de viagem. Pacote turístico. Deficiência na prestação de serviço. Overbooking no hotel. Traslado hotel-aeroporto não cumprido. Aborrecimentos. Angústias e desconfortos suportados pelo recorrente. Dano moral configurado na espécie dos autos. Dever de indenizar configurado. Sentença parcialmente reformada. 1. a empresa fornecedora de serviço tem o dever de indenizar o consumidor pela má prestação de serviço, nos termos do art. 6º, inc. Vi c/c art. 14, ambos do CDC (Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Acórdão 221835. Relator Alfeu Machado. Publicado em 29/08/2005. Disponível em https://www.tjdft.jus.br).

O artigo 22 do CDC assevera que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Nesse sentido a lei 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175. da Constituição Federal, considera serviço adequado aquele que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

O Código de Defesa do Consumidor ainda estabelece que, em casos de descumprimento dessas obrigações, as pessoas jurídicas serão compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados. Portanto, o passageiro que foi prejudicado pela prática do overbooking pode requerer a devolução do valor pago pela passagem, ou ser incluído no vôo seguinte para o mesmo destino pela mesma empresa, bem como pode pedir o endosso do bilhete e embarcar em outra companhia.

A transportadora também será responsável pelas despesas com alimentação, transporte e comunicação. Havendo necessidade de o passageiro esperar o dia seguinte para o embarque, deverá arcar com os gastos relativos à hospedagem e despesas pessoais do mesmo. Todos esses compromissos devem ser assumidos pelas empresas aéreas sem prejuízo de eventuais indenizações por danos morais e materiais.

Segundo o Superior Tribunal de Justiça: É cabível o pagamento de indenização por danos morais a passageiro que, por causa de overbooking, só consegue embarcar no dia seguinte à data designada, tendo em vista a situação de indiscutível constrangimento e aflição a que foi submetido, decorrendo o prejuízo, em casos que tais, da prova do atraso em si e da experiência comum (Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 521.043-RJ. Relator Ministro Castro Filho. Publicado em 12/08/03. Disponível em www.stj.jus.br).

Em outro julgado, o STJ seguiu o mesmo entendimento: o impedimento de vôo por causa de overbooking é causa de dano extrapatrimonial que deve ser indenizado (Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 481.931-MA. Relator Ministro Cesar Asfor Rocha. Publicado em 26/11/2004).

No mesmo sentido está a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal: I - Inobstante a infraestrutura dos modernos aeroportos ou a disponibilização de hotéis e transporte adequados, tal não se revela suficiente para elidir o dano moral quando o atraso no vôo se configura excessivo, a gerar pesado desconforto e aflição ao passageiro, extrapolando a situação de mera vicissitude, plenamente suportável. II - Diversamente do atraso de vôo decorrente de razões de segurança, que, ainda assim, quando muito longo, gera direito à indenização por danos morais, a prática de overbooking, constituída pela venda de passagens além do limite da capacidade da aeronave, que é feita no interesse exclusivo da empresa aérea em detrimento do direito do consumidor, exige sanção pecuniária maior, sem, contudo, chegar-se ao excesso que venha a produzir enriquecimento sem causa (Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 211.604-SC. Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior. Publicado em 26/03/1999).

Qualquer cláusula contratual que limite a responsabilidade das empresas aéreas pelos danos causados ao passageiro será considerada nula. Os órgãos de defesa do consumidor consideram, inclusive, que ela será tida como abusiva.

As discussões quanto à prática do overbooking não devem ficar restritas ao cabimento ou não de indenizações, principalmente às relativas ao dano moral, devendo também abranger o quantum da reparação. É preciso saber qual o justo valor capaz de ressarcir o passageiro prejudicado e, ao mesmo tempo, penalizar as companhias aéreas, estimulando-as a agirem com mais cuidado no momento de fixar os percentuais de sobre-reserva e, assim, diminuir os riscos de surgimento do overbooking.

Nessas situações, o valor atribuído a título indenizatório deve ser avaliado e arbitrado pelo magistrado, a quem competirá instruir todo o processo. Às partes restará apenas sugerir a quantia que achar mais razoável e demonstrar, em juízo, por quais motivos deseja o deferimento do pleito.

No momento da aferição do valor devido, deve-se atentar, portanto, para essa dúplice função da indenização: a reparação dos efeitos danosos causados à vítima em decorrência de tal ato e o desestímulo à repetição da conduta danosa, obrigando as companhias aéreas a terem mais cautela e respeito para com os consumidores.

Nessa mesma linha de pensamento, convém citar a decisão proferida pelo STJ: [...] não obstante o grau de subjetivismo que envolve o tema da fixação da indenização, uma vez que não existem critérios determinado e fixos para a quantificação do dano moral, reiteradamente, tem-se pronunciado essa Corte no sentido de que a reparação do dano deve ser fixada em montante que desestimule o ofensor a repetir a falta, sem constituir, de outro modo, enriquecimento indevido (Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 588.172-RJ. Relator Ministro Castro Filho. Publicado em 14/02/2005).

Sobre a autora
Mariana Sena Vieira Paupério Pereira

Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia, Brasil. Advogada. Mestre em Direito na área de especialização jurídico-privatística pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Portugal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Mariana Sena Vieira Paupério. Hipóteses de configuração da responsabilidade civil do transportador aéreo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2705, 27 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17916. Acesso em: 18 nov. 2024.

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