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Da ausência do direito líquido e certo no mandado de segurança individual: conseqüências processuais

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Agenda 01/12/2010 às 11:03

4. CONCLUSÕES

O mandado de segurança constitui procedimento especial de importância ímpar na concreção dos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Está ele em sintonia absoluta com os consagrados ditames do Estado Democrático do Direito.

A autoridade pública, dentro de um Estado que se propõe democrático, deve sempre ter em vista os interesses e anseios da população, plasmados no ordenamento através de seus direitos e garantias individuais. O administrador, nesse ensejo, somente deve praticar aqueles atos expressamente previstos no ordenamento jurídico. Qualquer ato que destoar desta imposição deve ser invalidado, seja pelo próprio administrador, seja por intermédio do Poder Judiciário.

A res publica não pode ser, ao contrário do que a tradição brasileira tem experimentado, considerada como coisa própria, como se o administrador público fosse dono, em clara reminiscência do período brasileiro das Capitanias Hereditárias, do Estado. Ao contrário, o administrador sempre age para e em função dos administrados.

Eis, então, que exsurge a importância do mandado de segurança, remédio que visa, justamente, a anular ou evitar a prática de condutas (ativas ou omissivas) lesivas aos direitos subjetivos dos indivíduos, quando o responsável for autoridade pública ou agente da pessoa jurídica no exercício das atribuições do poder público.

Nesse ensejo, estudar o mandado de segurança em consonância com os princípios democráticos de direito constitui ponto fundamental com o escopo de concretizar os ideais democráticos esposados por nossa Carta Magna.

Norteado sempre pelos princípios do Estado Democrático de Direito, percebeu-se que não se pode restringir o uso do mandado de segurança a somente quando o direito fosse de fácil percepção, dispensando do magistrado maiores análises jurídicas da questão lançada ao seu julgamento.

A liquidez e certeza que se exigem para o cabimento do mandamus devem ser interpretadas como qualificativos dos fatos alegados, e não do direito.

E assim é pela própria natureza do mandado de segurança, cuja gravidade pressupõe celeridade no seu julgamento, sem possibilidade de maiores dilações probatórias.

O cabimento do mandado de segurança deve ser amplo. Sendo ação apta a defender os direitos subjetivos dos indivíduos sempre que os fatos, e somente eles, sejam incontroversos.

Sendo os fatos comprovados de forma prévia, o juiz não pode se furtar a apreciar o pedido do impetrante sob a alegação de a questão envolver pesquisas complexas, cuja percepção exigiria utilização dos princípios hermenêuticos trazidos pela ciência jurídica e filosófica.

Uma vez ocorrido o fato, que, no mandado de segurança, deve ser provado de plano, a incidência da norma é automática, cabendo ao magistrado dizer quais são os efeitos jurídicos de tal incidência, no exercício de seu poder-dever de dizer o direito. No exercício, enfim, da jurisdição.

E qual é um dos atributos principais das decisões emanadas do Poder Judiciário que as difere, por exemplo, das decisões tomadas no âmbito administrativo? A qualidade da coisa julgada.

O Judiciário, quando responde à pretensão que se lhe apresenta por meio do processo, dá solução definitiva à lide deduzida. O juiz, apreciando o mérito debatido, dizendo se o pedido formulado procede ou não, dá a última resposta cabível.

E no mandado de segurança, enquanto ação, de procedimento especial, que é, as coisas não são diferentes.

Dessarte, se o juiz chegar a apreciar o mérito debatido, concedendo ou não a segurança vindicada, a sentença que proferir possuirá, sim, a qualidade da coisa julgada material. Será o provimento, portanto, inimpugnável e imutável.

Enumerem-se, enfim, as conclusões a que se chegou com os estudos realizados neste trabalho:

I- A expressão direito líquido e certo é inadequada, porquanto a liquidez e certeza são atributos dos fatos alegados, e não do direito;

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II- Para que o mandado de segurança seja via adequada para defender direitos subjetivos dos indivíduos basta que haja a conjunção dos seguintes pressupostos: ilegalidade e abuso de poder de autoridade pública ou a ela equiparada; a conduta não seja impugnável por habeas corpus ou habeas data; haja prova pré-constituída dos fatos alegados;

III- O atributo da liquidez e certeza exigido pelo inciso LXIX, artigo 5.º da Constituição Federal é, justamente, a existência de prova pré-constituída dos fatos alegados. Uma vez presente tal requisito, o mandado de segurança será perfeitamente cabível para apreciar a pretensão deduzida em juízo, plasmada no pedido;

IV-O direito subjetivo defendido através do mandado de segurança pode ser, até mesmo, de difícil percepção, não sendo necessário que haja previsão expressa em lei. O juiz não pode, portanto, escusar-se de conhecer do pedido sob a alegação de que o seu exame envolveria análises profundas e complexas do direito. No mandado de segurança podem-se analisar quaisquer questões jurídicas, por mais truncadas que possam parecer à primeira vista;

V-A conseqüência da ausência da liquidez e certeza dos fatos alegados será extinção do processo sem julgamento do mérito;

VI-Por outro lado, uma vez incontroversos os fatos, o juiz conhecerá do mandado de segurança e analisará o mérito debatido, concedendo ou denegando a segurança. Fá-lo-á através de uma sentença de mérito;

VII-A sentença que extingue o processo sem julgamento do mérito, por serem os fatos controversos, exigindo dilação probatória, não fará coisa julgada material, mas apenas formal. Assim, ao impetrante será facultada a possibilidade de defender seus direitos pelas vias ordinárias, através de um novo processo (cf. artigos 8.º e 16 da Lei n.º 1.533/1951 e Súmula 304 do Supremo Tribunal Federal);

VIII-á a sentença que denega (ou concede) a segurança, por entender o juiz que ao impetrante não assiste o direito subjetivo invocado, não obstante provados os fatos alegados, possui a qualidade da coisa julgada material. O impetrante não poderá, assim, ter seu pedido reavaliado através de um novo processo, mesmo que pelas vias ordinárias. O único meio de atacar a res judicata assim formada será a ação rescisória (nesse sentido, conferir decisões da Corte Suprema nos mandados de segurança inseridos nas RTJ 55/698, 58/735, 65/573, 65/505, 63/11, 58/736, 75/508, 75/633, 70/862, 55/692 e 52/345, bem como o artigo 468 do Código de Processo Civil);

De todo o exposto, percebe-se que a posição defendida neste trabalho tem em vista a aplicação ampla do mandado de segurança, com o escopo de concretizar, de forma mais célere e eficaz, os direitos e garantais individuais. Fazendo isso, acredita-se estar em consonância com os princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito, visando à integração da eficácia das normas constitucionais.


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Notas

  1. GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide Ed., 1992. p. 109.
  2. Ibid. p. 111.
  3. PAIXÃO JÚNIOR, Manuel Galdino da. Teoria Geral do Processo. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 212.
  4. Ibid. p.213
  5. Ibidem. p. 211.
  6. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 112.
  7. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 18.ª ed. Revista e atualizada – São Paulo: Malheiros, 2002. p. 258.
  8. FERREIRA, Benedicto de Siqueira. Da natureza jurídica da ação: exposição e crítica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1940. p. 129. (apud PAIXÃO JÚNIOR, Manuel Galdino da. Teoria Geral do Processo. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 86.)
  9. cf.. CINTRA, Antônio de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit. p. 258-259.
  10. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit. p. 259.
  11. Ibid. p. 259.
  12. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 113.
  13. CARNELUTTI, Francesco, Derecho y proceso. Buenos Aires: Europa-América, 1971, p. 61. (Apud PAIXÃO JÚNIOR, Manuel Galdino da. Teoria Geral do Processo. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 154)
  14. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 113-114
  15. v. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Op.cit. p. 274.
  16. PAIXÃO JÚNIOR, Manuel Galdino da. Op. cit. p. 212.
  17. DINAMARCO, Cândido Rangel. Limites da sentença arbitral e de seu controle jurisdicional. Artigo publicado no Júris Síntese n.º 33 – Jan/Fev de 2002.
  18. COUTURE, Eduardo J. Fundamentos Del Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1974. p. 401.
  19. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit. p. 307
  20. COUTURE, Eduardo J. Fundamentos Del Derecho Procesal Civil. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1974. p. 403
  21. Ibid. p. 416.
  22. Ibidem. p. 417-418.
  23. Ibidem. P. 422.
  24. BUZAID, Alfredo. Do mandado de segurança. V. I: Do mandado de segurança individual. – São Paulo: Saraiva, 1989. p. 25.
  25. Voto no Mandado de Segurança n.º 60, in Arquivo Judiciário, Vol. 39, p. 346 (apud BARBI, Celso Agrícola. Do Mandado de Segurança. 7.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 44.)
  26. BARBI, Celso Agrícola. Op. cit. p. 49.
  27. BUZAID, Alfredo. Op. cit. p. 76.
  28. PAIXÃO JÚNIOR, Manuel Galdino da. Op. cit. p. 31
  29. FAGUNDES, Miguel Seabra. O Contrôle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 4.ª ed (atualizada). Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 261.
  30. BARBI, Celso Agrícola. Op. Cit. p. 62.
  31. Ibid. p. 62
  32. BUZAID, Alfredo. Op. cit. p. 108-109.
  33. FAGUNDES, Miguel Seabra. Op. cit. p. 269-270.
  34. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Mandado de Segurança. 3.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 19.
  35. Op. cit. p. 115.
  36. SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19.ª ed. Revista e atualizada – São Paulo: Malheiros, 2001. p. 448-449.
  37. MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, "habeas data", ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e argüição de descumprimento de preceito fundamental. 24.ª ed. atualizada por Arnaldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes – São Paulo: Malheiros, 2002. p. 35-36.
  38. Op. cit. P. 17.
  39. FAGUNDES, Miguel Seabra.Op. cit. p. 279-280.
  40. MAXIMILIANO, Carlos, Parecer, Jornal do Comércio, 28/08/1934; cf. CASTRO NUNES, Do mandado de segurança, p. 89 (apud BARBI, Celso Agrícola. Op. cit. P. 84)
  41. BUZAID, Alfredo. Op. cit. p. 88.
  42. Op. cit. p. 281.
  43. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. – Belo Horizonte: Livraria Del Rey, 1990. p. 83.
  44. Op. cit. p. 61-62.
  45. Op. cit. p. 36-37.
  46. Cf. PAIXÃO JÚNIOR, Manuel Galdino da. Op. cit. p. 212.
  47. Vide Título I, Capítulo I, item 4 e Capítulo III.
  48. Salvo quando o documento necessário à prova do alegado se ache em repartição ou estabelecimento público, caso em que o juiz ordenará, preliminarmente, a exibição desse documento em original ou em cópia autêntica, nos termos do §1º, artigo 6.º da Lei n.º 12.016/09.
  49. BARBI, Celso Agrícola. Op. cit. p. 55.
  50. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 31.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. V. I. p. 53.
  51. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Op. cit. p. 17.
  52. Op. cit. p. 17.
  53. BARBI, Celso Agrícola. Op. cit. 224-225.
  54. FAGUNDES, Miguel Seabra. Op. cit. p. 308.
Sobre o autor
Danilo Cruz Madeira

Procurador Federal / PGF / AGU. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília - UnB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MADEIRA, Danilo Cruz. Da ausência do direito líquido e certo no mandado de segurança individual: conseqüências processuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2709, 1 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17973. Acesso em: 19 dez. 2024.

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