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O termo de ajustamento de conduta ambiental e o princípio da obrigatoriedade

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Agenda 07/12/2010 às 19:16

3 REPERCUSSÃO DO TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA AMBIENTAL SOBRE O PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE

Pretende-se abordar, nesse momento, se a celebração de um compromisso, estudado na seção 1, na área ambiental, pode afetar o exercício da ação penal pública, no caso da conduta do agente se enquadrar em um tipo penal, nos moldes em que foi colocado na seção 2.

Inicialmente, de se notar duas posições doutrinárias e jurisprudenciais bem definidas sobre o tema. A primeira corrente aduz, com arrimo no parágrafo 3º do artigo 225 da Constituição Federal, que as esferas civil, administrativa e penal são independentes, de modo que não há falar em vinculação para a propositura da ação penal quando firmado um TAC. Já o segundo posicionamento, que parece trazer uma visão mais moderna da matéria, ao tempo em que proporciona maior segurança jurídica, aponta haver certa interdependência entre as esferas, promovendo o ajuste, então, reflexos na persecução penal.

Entre os signatários da primeira posição, compreende-se Alexandre Soares da Cruz, para quem, considerando-se o disposto no parágrafo 3º do artigo 225 da Magna Carta, se a reparação do dano por meio de ajuste de conduta fosse tida como causa de afastamento da ação penal, "[...] estaria o MP sendo o protagonista de grave violação estatal ao preceito constitucional retro transcrito, consistente em mandado de incriminação expresso [...], agredindo (por proteção deficiente) o direito fundamental ao meio ambiente" [44].

Assevera o autor supramencionado que, diante da independência entre as esferas, o compromisso cível não tem o condão de obstar eventual resposta penal a condutas formal e materialmente típicas, na medida em que aquele, na sua visão, não retiraria a justa causa (vista como indícios de autoria e materialidade) para a ação penal.

Acrescenta que ao legislador incumbe a tarefa de decidir sobre quais condutas ofensivas aos bens jurídicos protegidos deve recair a tutela penal, motivo pelo qual também não haveria como impedir a denúncia com base na fragmentariedade do Direito Penal.

Destaca, igualmente, que, em que pese a legislação penal ambiental ter valorizado a reparação do dano, esta manteria seu caráter cível e não se confundiria com a sanção penal que se busca por meio da ação penal, não afastando o interesse processual.

Fernando Reverendo Vidal Akaoui também se filia a essa postura, enfatizando que se posiciona:

[...] dentre aqueles que sustentam a completa autonomia entre as esferas de responsabilidade ambiental, e observamos que o legislador, ao determinar na Lei de Crimes Ambientais que a reparação do dano ambiental é pressuposto para a obtenção da transação penal (art. 27) e para a suspensão condicional do processo (art. 28), já demonstrou sua intenção de não fundir os âmbitos de responsabilização. [45]

Eládio Lecey exterioriza igual pensamento, ao consignar, em análise pormenorizada da Lei n°. 9.605/1998, que:

Mesmo ocorrendo ajustamento na esfera civil e até com reparação do dano, remanescerá a necessidade de intervenção no juízo criminal. Logicamente, tendo ocorrido termo de ajustamento de conduta com composição do dano e sendo a infração de menor potencial ofensivo, cabível, de regra, a transação penal, como já foi aqui destacado. Em caso de infração de médio potencial ofensivo, constatada, posteriormente, a efetiva reparação do dano por laudo, preenchida estará condição da suspensão do processo porventura aplicada. Finalmente, a reparação do dano poderá influenciar, em caso de sentença condenatória, na aplicação da pena. Não terá, no entanto, o condão de afastar a ação penal. [46]

O Colendo Superior Tribunal de Justiça, anote-se, também já decidiu no mesmo sentido dos doutrinadores acima relacionados:

RHC – CRIME AMBIENTAL – ACEITAÇÃO DE SURSIS PROCESSUAL-INDICIAMENTO POSTERIOR AO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA JÁ REALIZADO. POSSIBILIDADE DE SEU CANCELAMENTO. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA QUE NÃO IMPEDE A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. ÁREAS DE ATUAÇÃO DIVERSAS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA – IMPOSSIBILIDADE – EXAME DA MATÉRIA DE MÉRITO. REVOLVIMENTO DE PROVAS – SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

[...]

A assinatura do termo de ajustamento de conduta não impede a instauração da ação penal, pois esta ocorre em área de atuação diversa.

Se o laudo é inapto para demonstrar a existência do crime, impõe-se o acolhimento da pretensão do recorrente, com o conseqüente trancamento da ação penal.

Dado provimento ao recurso para determinar o cancelamento do indiciamento e para trancar a ação penal. [47]

Apesar de todos os argumentos trazidos à baila, a segunda corrente oferece fundamentos mais atuais, a partir da constatação da falência do sistema punitivo tradicional, conforme será demonstrado.

Inicialmente, há de se lembrar que o Direito Ambiental volta-se precipuamente para a prevenção do dano ambiental, ou para sua reparação da forma mais rápida e integral possível, caso este não tenha sido evitado. Por outro lado, orienta-se no sentido de conciliar desenvolvimento econômico e preservação, promovendo o desenvolvimento sustentável.

Entre os meios previstos na legislação pátria para fazer atuar os princípios do Direito Ambiental, notadamente se encontra o Termo de Ajustamento de Conduta, título executivo extrajudicial (ou judicial) estudado na seção 1, que, segundo Hugo Nigro Mazzilli:

[...] apresenta notórias vantagens sobre a ação civil pública ou coletiva, porque permite uma solução negociada para grande parte das lesões transindividuais, ajudando a descongestionar a Justiça, bem como garantindo mais eficaz acesso dos lesados à tutela individual e coletiva de seus interesses. [48]

Além disso, como salienta Luis Roberto Proença, o instrumento em tela é louvável porque:

[...] dá-se uma oportunidade ao infrator de retomar a trilha da legalidade, em moldes factíveis, evitando-se uma disputa judicial, que poderá atingir a sua imagem (pessoal ou institucional) perante a comunidade, além de acarretar-lhe os inerentes custos, e que, no mais das vezes, apenas protelará a realização de atos, que já são por ele reconhecidos como exigidos por lei. [49]

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Por óbvio que os princípios basilares do Direito Ambiental, justamente por atuarem como articuladores e conformadores do ordenamento, não poderiam ser esquecidos pelo Direito Penal Ambiental, especialmente pela Lei n°. 9.605/1998.

Concebeu-se, pois, um Direito Penal nitidamente reparador, em que o próprio legislador acabou por interligar as esferas de responsabilização por meio da reparação, no artigo 9º da lei em comento, o que é reconhecido, ainda que em forma de crítica, por José Roberto Marques, observando que "[...] o legislador acabou considerando, ao mesmo tempo, a reparação do dano para efeitos civil e penal [...], contrariando a obrigatoriedade da tríplice responsabilização" [50].

Desta feita, parece inegável que, em havendo um ajuste de conduta efetivamente cumprido, ou seja, regularizada a atividade ou reparado integralmente o dano, perderia o sentido o ajuizamento de ação penal para apurar crime ambiental em tese perpetrado pelo compromitente, ressalvada alguma peculiaridade do caso concreto.

Em casos como esses, a independência entre as esferas não pode se sobrepujar a uma interpretação sistemática, com a necessária ponderação entre os valores consagrados na Constituição, entre eles o direito à liberdade e ao meio ambiente sadio e equilibrado, conforme propõe, com acerto, Édis Milaré, ao afirmar que:

[...] a obrigatoriedade da ação penal não pode, de forma alguma e em nenhuma situação, suprimir ou adiar condutas e atividades de cunho preventivo ou reparador, dado que estas últimas visam a preencher melhor a finalidade de resguardar os recursos naturais e a qualidade ambiental. [51]

De fato, segundo enfatiza a professora Helena Regina Lobo da Costa, alinhar-se à proposta de esferas independentes de responsabilidade "[...] traz a forte sensação de que algo está ‘fora de ordem’" [52], mormente quando se tem em conta as penas privativas de liberdade máximas relativamente brandas da maioria dos crimes ambientais e a redação do artigo 7º da Lei n°. 9.605/1998, que trata da substituição daquelas pelas restritivas de direitos quando fixadas em valores inferiores a quatro anos, presentes os demais requisitos, bem como se toma conhecimento do teor do artigo 8º a 13, que estabelecem penas restritivas que poderiam ser facilmente alcançadas, nos dizeres de Rômulo de Andrade Moreira:

[...] com o ajustamento de conduta, sem a necessidade (e isso é fundamental) de se iniciar a ação penal, com todos os custos dela decorrentes, seja para o acusado (que se livraria das "cerimônias degradantes" do processo penal), seja para o Ministério Público (que passaria a se preocupar com ilícitos ainda mais graves). [53]

Ademais, esclarece o autor retro citado que, à luz do artigo 20 da lei em referência, o valor da reparação mínima a ser fixado em sede de sentença condenatória também poderia ser adiantado por meio do ajuste de conduta, de maneira mais célere e eficaz.

Nessa esteira, verifica-se que fazer atuar o Processo Penal nesse caso, com a finalidade de aplicar o Direito Penal iria de encontro a seus postulados fundamentais, especialmente no que tange à intervenção mínima.

Ora, o Direito Penal evidentemente deve ser fragmentário e subsidiário, por todas as implicações dele decorrentes, ou seja, incide somente sobre as investidas mais insuportáveis aos bens considerados merecedores de sua tutela, bem como "[...] só tem lugar quando outros ramos do Direito não solucionam satisfatoriamente o conflito" [54], nas precisas palavras do professor Luiz Flávio Gomes.

Com efeito, cabe ao operador do Direito desmistificar a importância da atuação do Direito Penal na solução dos mais diversos conflitos sociais, especialmente nos casos em que os demais ramos do Direito são mais adequados para a proteção almejada, o que, por conseqüência, contribui de modo relevante para desonerar o Poder Judiciário e o Parquet, que poderão se ocupar com aquilo que realmente enseja sua atuação na seara em estudo.

Portanto, e ainda considerando o fenômeno da administrativização do Direito Penal ocorrido na Lei n°. 9.605/1998, que "[...] resulta em um crescente espaço de sobreposição de normas e sistemas penais e administrativos (ou civis)" [55], como alerta Helena Regina Lobo da Costa, frente a um TAC integralmente cumprido pelo ajustante, pode restar afastada a incidência do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública diante da falta de interesse de agir, consubstanciado na utilidade do provimento, como foi mencionado na seção 2 da presente obra.

Nesses termos, seria o caso de o Ministério Público, exceto se a análise do caso concreto revelar algum outro elemento que assim não o indique, promover o arquivamento do inquérito ou das peças de informação, sem que isso tenha o condão de mitigar a obrigatoriedade da ação como regra geral no sistema normativo brasileiro.

São incisivas as considerações do jurista Édis Milaré sobre o tema, motivo pelo qual merecem destaque:

Assim sendo, mesmo quando, no mundo dos fatos, houver indícios da ocorrência de uma determinada conduta, que o Direito Penal qualifica, a priori, como criminosa, o hermeneuta, à luz do princípio da intervenção mínima, deverá avaliar as circunstâncias do caso concreto e a efetiva periculosidade da situação que se lhe apresenta, antes de, com açodamento, pretender simplesmente enquadrá-la na letra fria da lei.

Por outro lado, se houver risco de dano ao patrimônio ambiental, não há dúvida de que todas as esferas de responsabilidade devem intervir de modo a evitar a sua concretização. [56]

Demais disso, conceber que aquele que comprovadamente cumpriu integralmente o TAC, seja adequando sua atividade, seja reparando o dano, possa ser criminalmente responsabilizado após assim agir, assinala o autor em apreço, tornaria a pena um fim em si mesma, além de certamente servir de desestímulo à solução consensual, e violar a "[...] segurança jurídica, em sua faceta subjetiva, ou seja, no que concerne à proteção à confiança" [57], segundo ensina Edemilson Mendes da Silva.

Gilberto Passos de Freitas, por sua vez, propõe, exceto para os danos insignificantes, em que estaria excluída a tipicidade material, que haja:

[...] uma alteração legislativa que, partindo da importância da reparação do dano ambiental prevista na Constituição brasileira de 1988 e considerando o princípio da obrigatoriedade da ação penal, proceda à adequada conjugação das soluções consagradas no nosso ordenamento jurídico e [...] preveja como causa de extinção da punibilidade a reparação integral do dano ambiental antes do recebimento da denúncia, assim como a suspensão do prazo prescricional para os casos em que a reparação do dano demande certo tempo. [58]

Fundamenta o autor sua exposição precipuamente no Direito Penal Tributário, ao citar, entre vários atos normativos, dispositivos acerca do pagamento e parcelamento do pagamento de tributos constantes nas Leis n°. 9.249/1995 e n°. 9.964/2000.

De fato, o artigo 34 da Lei n°. 9.249/1995 estipulava que o pagamento efetuado antes da denúncia ser recebida extinguia a punibilidade dos crimes tributários nele definidos, enquanto o artigo 15 da Lei n°. 9.964/2000 rezava sobre a suspensão da pretensão punitiva do Estado e do prazo prescricional enquanto o infrator estivesse incluído em programa de parcelamento do débito tributário (antes do recebimento da denúncia), e a posterior extinção da punibilidade quando do pagamento integral também antes do recebimento da denúncia.

Sem olvidar da Lei n°. 10.684/2003, não abordada pelo autor em comento, e recordando que o tema deste estudo se limita às implicações do TAC no princípio da obrigatoriedade, que vige no momento anterior à denúncia, a medida proposta parece ser adequada para o Direito Ambiental, uma vez que a reparação do dano na maior parte das vezes se estende no tempo, o que poderia acarretar prejuízos ao interesse público caso o ajustante viesse a descumprir o termo após certo período, diante da prescrição da pretensão punitiva (em decorrência das penas brandas destinadas aos crimes ambientais) que acabaria por inviabilizar a persecução penal.

A Suprema Corte já trilhou por este caminho, ao proferir o seguinte aresto, no qual se nota que, caso o agente não estivesse reiterando sua conduta infratora, o entendimento adotado seria, em tese, a extinção da punibilidade em relação a algumas das imputações, ante um TAC cumprido:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. HABEAS CORPUS PARA TUTELAR PESSOA JURÍDICA ACUSADA EM AÇÃO PENAL. ADMISSIBILIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA: INOCORRÊNCIA. DENÚNCIA QUE RELATOU a SUPOSTA AÇÃO CRIMINOSA DOS AGENTES, EM VÍNCULO DIRETO COM A PESSOA JURÍDICA CO-ACUSADA. CARACTERÍSTICA INTERESTADUAL DO RIO POLUÍDO QUE NÃO AFASTA DE TODO A COMPETÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. EXCEPCIONALIDADE DA ORDEM DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM DENEGADA.

[...]

V - Em crimes ambientais, o cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta, com conseqüente extinção de punibilidade, não pode servir de salvo-conduto para que o agente volte a poluir.

VI - O trancamento de ação penal, por via de habeas corpus, é medida excepcional, que somente pode ser concretizada quando o fato narrado evidentemente não constituir crime, estiver extinta a punibilidade, for manifesta a ilegitimidade de parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal.

VII - Ordem denegada. [59]

Assim, no caso de ser adotado esse entendimento, também deveria o órgão ministerial requerer o arquivamento do inquérito ou peças de informação, ao invés de denunciar. Se assim não procedesse o Ministério Público, entre os meios de impugnação cabíveis, há a impetração de habeas corpus, para trancamento da investigação ou da ação penal, com fundamento na falta de justa causa, que nesse remédio constitucional engloba tanto questões processuais (falta de interesse de agir) quanto de mérito (extinção da punibilidade), por isso tão freqüente essa denominação na jurisprudência sobre o tema, para o que se remete o leitor à leitura da seção 2.

Ademais, interessante posicionamento jurisprudencial do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais considera que a mera formalização do ajuste antes da denúncia já teria o condão de extinguir a punibilidade da conduta:

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME AMBIENTAL - PRELIMINARES REJEITADAS - MÉRITO - ASSINATURA DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA ANTERIOR AO OFERECIMENTO DE DENÚNCIA - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. [60]

No entanto, entende-se que ao integral resguardo do bem jurídico tutelado seria mais aprazível a previsão legal de suspensão da prescrição penal e da pretensão punitiva, nos moldes acima explicitados.

Acrescente-se, por oportuno, que Édis Milaré, amparado no princípio da adequação social, sustenta que poderia o ajustamento da conduta do compromitente, promovido pelo TAC, torná-la lícita, nos seguintes termos:

[...] a legislação ambiental tem por vocação a prevenção e a reparação do dano, que são exatamente o objeto do chamado Termo de Ajustamento de Conduta. Este instrumento, ao estabelecer condicionantes técnicas e cronograma para a execução de determinadas obrigações, definidas mediante as negociações que se realizam entre o órgão ambiental e o empreendedor, garante a regularização das atividades e, ao mesmo tempo, sua continuidade. [61]

Insta destacar que a doutrina mais moderna vislumbra nos comportamentos socialmente adequados uma exclusão da tipicidade material da conduta. É esse o sentir de Francisco de Assis Toledo:

A ação socialmente adequada está desde o início excluída do tipo, porque se realiza dentro do âmbito da normalidade social, ao passo que a ação amparada por uma causa de justificação só não é crime, apesar de socialmente inadequada, em razão de uma autorização especial para a realização da conduta típica. [62]

Ademais, o princípio da insignificância também pode vir a afastar a tipicidade da conduta em sede de crimes contra o meio ambiente, lembrando que a extensão do dano deve ser analisada atentamente pelo intérprete, segundo adverte Gilberto Passos de Freitas:

[...] considerando as conseqüências, às vezes imprevisíveis, que um dano pode causar ao meio ambiente, com repercussões futuras, somente dever-se-á adotar tal princípio, quando houver uma certeza absoluta a respeito do alcance da lesão e que ela, de fato, seja insignificante. [63]

Vale consignar que a atipicidade da conduta igualmente deve implicar em pedido de arquivamento da investigação pelo Parquet, ou acarretará as conseqüências discutidas por ocasião da análise do TAC como causa extintiva da punibilidade.

Por derradeiro, anote-se, com a devida vênia, que a oportunidade regrada tem sido tratada de maneira equivocada por alguns doutrinadores do Direito Ambiental, como se o sistema brasileiro comportasse o afastamento da ação penal por razões subjetivas ou de cunho político, apoiados na idéia de que a locução "razões invocadas", inserta no artigo 28 do Código Processual Penal, sugeriria essa prática. É nesse sentido a afirmação de Édis Milaré:

[...] tratar-se-ia do princípio da obrigatoriedade relativa ou mitigada, com base no qual o Ministério Público, na qualidade de titular da ação penal pública, pode deixar de oferecer a denúncia, alegando razões de conveniência e oportunidade, tais como a relevância da reparação do dano, aliada à do incentivo à formalização dos termos de ajustamento de conduta. [64]

Na verdade, como identificado na seção 2, no ordenamento pátrio, a oportunidade regrada nos crimes de menor potencial ofensivo está vinculada apenas e tão-somente à escolha, pelo órgão de acusação, da pena alternativa na transação penal, uma vez que esta constitui direito subjetivo do acusado, quando preenchidos os requisitos, não havendo mitigação do princípio da obrigatoriedade (que seria traduzido como dever de agir, de maneira geral, agora, dever de propor a transação, e não a ação penal).

De qualquer modo, urge destacar que o instituto em comento resta esvaziado pelo entendimento em estudo, que é compatível com todos os crimes ambientais, inclusive os de menor potencial ofensivo, especialmente quando se tem em vista que muitos autores já vislumbram a possibilidade de o TAC substituir a prévia composição dos danos, obrigatória para a proposta de transação, nos exatos termos do artigo 27 da Lei n°. 9.065/1998, como Zedequias de Oliveira Júnior:

A conjugação da composição dos danos ambientais como conditio sine qua non para a transação penal valoriza a correção preliminar dos danos provocados pela ação ou omissão lesiva e, por todos estes fundamentos, o termo de ajustamento de conduta pode perfeitamente contribuir para o alcance de análogo desiderato protecionista e função de sua conotação prevista na Lei 7.347/85 cobrar incondicionalmente a reparação [...]. [65]

Além disso, não se olvide de que até mesmo a pena restritiva de direitos ou multa a ser alcançada por meio da transação podem estar contidas no ajuste sem a necessidade de atribular o juízo criminal com referidas questões.

Em síntese, considera-se que, com base no princípio da intervenção mínima do Direito Penal, bem como na ponderação que deve haver entre liberdade e meio ambiente equilibrado, uma vez cumprido integralmente o ajustamento, seja ele preventivo ou reparador, a instauração da ação penal, em regra, deve ser afastada.

Assim, a depender da análise do caso concreto, uma vez cumprido ou em fase de cumprimento o TAC, e não existindo degradação, não há falar, na maioria dos casos, em obrigatoriedade da ação penal, por falta de interesse processual. Ainda, a conduta pode ser materialmente atípica, conforme explicitado.

Quando houver degradação, se o ajuste for integralmente cumprido e o dano reparado, e tendo em vista que o Direito Penal Tributário lida há tempos com o fenômeno da administrativização, bem como a tendência jurisprudencial, julga-se mais viável reconhecer uma causa extintiva de punibilidade supra legal. Para o caso de reparação ainda incompleta, seria ideal à preservação do bem jurídico a alteração legislativa acima transcrita, com a finalidade de suspender a pretensão punitiva e o prazo prescricional até o efetivo cumprimento.

Não obstante, seja qual for a solução tomada entre as propostas, o inegável é que o juízo criminal não deve ser assoberbado com ações desnecessárias à proteção efetiva do meio ambiente.

Sobre a autora
Ariane Maria Hasemann

Analista Judiciário - Área Judiciária

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HASEMANN, Ariane Maria. O termo de ajustamento de conduta ambiental e o princípio da obrigatoriedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2715, 7 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17990. Acesso em: 23 dez. 2024.

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