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Sobre a limitação de juros remuneratórios nos contratos bancários

Agenda 08/02/2011 às 17:01

Os juros remuneratórios, também chamados de compensatórios, são aqueles devidos ao credor com objetivo de remunerar o empréstimo do capital. Nas palavras de NELSON NERY JR: "são os interesses devidos como compensação pela utilização do capital alheio" (Código Civil Comentado. 6. Ed. São Paulo: RT, 2008. p. 483). Têm natureza distinta dos juros moratórios (devidos pela inadimplência), e podem ser classificados em convencionais (taxas pactuadas) e legais (taxas previstas em lei).

Caracterizam-se como instituições financeiras, por sua vez, todas as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros, sendo equiparadas as pessoas físicas que exerçam qualquer dessas atividades, de forma permanente ou eventual (art. 17 da Lei n. 4.595/64). São instituições financeiras as instituições bancárias, as caixas econômicas, as cooperativas de crédito, as empresas administradoras de cartões de crédito (Súm. 283. STJ), entre outras.

Nesse intróito, ainda, é importante frisar que "O STJ reconheceu haver sujeição das instituições financeiras às regras da lei consumerista, de modo a conferir aos consumidores de serviços bancários um grau maio de proteção, diante de uma relação de consumo marcada pelo uso generalizado dos contratos de massa e pela expressiva desproporção entre os polos contratuais". (FERREIRA FILHO, Roberval Rocha. VIEIRA, Albino Carlos Martins. Súmulas do Superior Tribunal de Justiça: organizadas por assunto, anotadas e comentadas. Salvador: Jus Podivm, 2009, p. 155).

Pois bem. O que nos interessa saber é se há limitação da taxa de juros remuneratórios nos contratos bancários. Em outras palavras, pode haver restrição à pactuação e/ou à cobrança dos juros compensatórios nos contratos firmados pelas instituições financeiras?

Em que pesem entendimentos contrários de que "os juros remuneratórios dos contratos bancários estão limitados" (CASADO, Márcio Mello. Proteção do Consumidor de Crédito Bancário e Financeiro. 2. Ed. São Paulo: RT, 2006. v. 15. p. 91), a regra geral estabelece que não há limitação para a pactuação e a cobrança dos juros compensatórios nos contratos bancários, ou seja, a taxa de juros pode ser livremente estabelecida pelas partes contratantes. Podem convencionar o percentual incidente pelo empréstimo do capital livremente, pois não incide o artigo 192, § 3º da CF (revogado) e as taxas previstas na Lei da Usura (Decreto nº 22.626/33) às instituições financeiras, in verbis:

Súm. Vinculante 7. A norma do parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar.

Súm. 596. STF. As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeira nacional.

Assim, vale dizer que as instituições financeiras podem fixar livremente a taxa de juros compensatórios, vez que são inaplicáveis as limitações constitucionais (de 12% ao ano), do Código Civil e/ou da Lei de Usura (6% ou 12%, conforme o caso) "aos contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, salvo nas hipóteses previstas em legislação especifica" (STJ. AgRg no REsp 920.437/RS. Rel. Paulo de Tarso Sanseverino. T3. Julg. 18.11.2010).

Nesse raciocínio, veja-se o magistério de NELSON ABRÃO (Direito Bancário. 12. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 106):

É, pois, fora de dúvida que as restrições impostas pelas leis comuns às taxas de juros não se aplicam aos bancos, que estão sujeitos às fixações pelo Conselho Monetário Nacional.

(...)

A liberdade de pactuar os juros obedece ao termômetro da economia, a solidez da instituição que contrata, a realidade da inadimplência, enfim, aos predicados objetivos e subjetivos que se mesclam em cada operação bancária.

Contudo, como toda regra, há exceções. Pode, então, haver, excepcionalmente, limitações às taxas de juros compensatórios cobradas pelas instituições financeiras, verificados de acordo com o caso concreto. São elas: a) ausência de contrato ou da fixação da taxa de juros e b) abusividade dos juros contratuais.

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Nesses casos, os juros remuneratórios serão limitados à taxa média de mercado, vale dizer, à média aritmética das taxas de juros praticados no período pelas maiores instituições financeiras do país. Essas taxas estão disponíveis no site do Banco Central do Brasil (www.bacen.gov.br).

A primeira exceção se trata da ausência de contrato ou da pactuação/previsão da taxa de juros. Inexistindo o contrato, ou não sendo juntado nos autos do processo o contrato que deu origem ao empréstimo bancário, contendo as taxas aplicáveis, ser-lhe-á fixada a taxa média de mercado, para as operações da mesma espécie, no mesmo período. Do mesmo modo, caso haja contrato nos autos, mas não tenha previsão do quantum da taxa de juros, esta também será limitada à taxa média de mercado, salvo, em ambos os casos, se a taxa praticada pelo banco for mais vantajosa (rectius menor) ao mutuário.

A propósito, confira-se o julgado do Superior Tribunal de Justiça, na parte que interessa:

(...) CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL. 1. Na falta de contrato ou não havendo pactuação e taxa de juros remuneratórios, prevalece a taxa média de mercado. (STJ. AgRg nos EDcl nos EDcl no Ag 1.059.546/SE. Rel. Vasco Della Giustina. T3. Julg. 18.11.2010).

(...) JUROS REMUNERATÓRIOS. CONTRATO QUE NÃO PREVÊ O PERCENTUAL DE JUROS REMUNERATÓRIOS A SER OBSERVADO. I – JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO – JUROS REMUENRATÓRIOS. 1. Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é imediata, o montante dos juros remuneratórios praticados deve ser os consignado no respectivo instrumento. Ausente a fixação da taxa no contrato, o juiz deve limitar os juros à média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo BACEN, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente. 2. Em qualquer hipótese é possível a correção para a taxa média se for verificada abusividade nos juros remuneratórios praticados. (STJ. REsp 1.112.879/PR. Rel. Nancy Andrighi. S2. Julg. 12.05.2010).

Como dito anteriormente, há liberdade de contratação do percentual dos juros remuneratórios, exceto, na "comprovação de abuso, configurado pela incidência de índices muito superiores às taxas médias praticadas pelo mercado financeiro" (TJPR. Ap. Civ. 652.080-3. Rel. Edgard Fernando Barbosa. 14ª C. Cível. Julg. 15.12.2010). Essa, pois, é a segunda exceção: abusividade das taxas de juros praticadas pelos bancos. No caso concreto, tendo sido juntado aos autos o contrato bancário com a previsão das taxas de juros remuneratórios, somente haverá a limitação dos juros se comprovada a abusividade das taxas pactuadas. O simples fato de os juros compensatórios serem superiores a 12% ao ano não indica a abusividade (Súm. 382 STJ). Deve ser demonstrado cabalmente nos autos de que é superior à taxa média de mercado.

Sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que "A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que, nos contratos bancários, não se aplica a limitação da taxa de juros remuneratórios em 12% ao ano, e de que não se pode aferir a exorbitância da taxa de juros apenas com base na estabilidade econômica do país, sendo necessária a demonstração, no caso concreto, de que a referida taxa diverge da média de mercado" (STJ. AgRg no REsp 789.257/RS. Rel. Maria Isabel Gallotti. T4. Julg. 26.10.2010).

Destarte, são duas as exceções a não limitação dos juros remuneratórios: ausência de contrato ou da pactuação da taxa de juros e/ou abusividade das taxas praticadas pelas instituições financeiras. Recaindo a hipótese dos autos em qualquer dessas exceções, os juros compensatórios convencionais serão limitados à taxa média de mercado, em homenagem aos princípios da boa fé e justiça contratual.

Outrossim, não há que se falar em limitação com base na Taxa Selic. Está consolidado na jurisprudência do STJ, que "a Taxa Selic não representa a taxa média praticada pelo mercado e é, portanto, inviável sua utilização como parâmetro de limitação de juros remuneratórios" (STJ. AgRg no REsp 844.405/RS. Rel. Nancy Andrighi. T3. Julg. 21.09.2010).

Por fim, uma última questão sobre a limitação dos juros nos contratos bancários refere-se à hipótese de contratos anteriores à existência da taxa média de mercado, estabelecida pelo BACEN. Qual a taxa utilizada, então, para as hipóteses excepcionais previstas acima, quando os contratos forem anteriores à existência da taxa média de mercado?

A tabela das taxas médias praticadas pelos bancos foi instituída a partir de 31 de março de 2000, pelo Banco Central do Brasil através da Circular nº 2957, da Diretoria Colegiada do BACEN. No entanto, há informação dessas taxas no site do Banco Central (www.bcb.gov.br/?txcredmes) a partir de janeiro de 1999, portanto, período limite para a incidência da taxa média.

Nesses casos, a resposta mais provável e lógica, é a limitação da taxa aos juros legais. Essa é a única possibilidade de haver a limitação dos juros à taxa legal. Se não há contratação ou mesmo de uma fonte oficial estabelecendo uma taxa média dos juros, deve-se, excepcionalmente ser limitada à taxa legal.

Corroborando com esse entendimento, eis a ementa do Tribunal de Justiça do Paraná, na parte que interessa:

LIMITAÇÃO DE JUROS. APLICAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO A PARTIR DE JANEIRO DE 1999. COM RELAÇÃO AO PERÍODO ANTERIOR, DIANTE DA INEXISTÊNCIA DE TABELA SOBRE A TAXA MÉDIA PELO BACEN, MANTÉM-SE A LIMITAÇÃO LEGAL, NOS TERMOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. (TJPR. Ap. Civ. 509.548-1. Rel. Luiz Taro Oyama. 13ª C. Cível. Julg. 15.12.2010).

Em suma: a regra é de liberdade de pactuação nos juros remuneratórios nos contratos bancários. Haverá a limitação pela taxa média de mercado nos casos de ausência de contrato ou de previsão da taxa contratual ou, ainda, constatada sua abusividade. Somente haverá a incidência da taxa legal de juros nas hipóteses supracitadas quando os contratos forem anteriores à existência da taxa média de mercado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. 12. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em www.stj.jus.br, acesso em 20 de janeiro de 2011.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Disponível em www.tjpr.jus.br, acesso em 20 de janeiro de 2011.

CASADO, Márcio Mello. Proteção do Consumidor de Crédito Bancário e Financeiro. 2. Ed. São Paulo: RT, 2006. v. 15.

FERREIRA FILHO, Roberval Rocha. VIEIRA, Albino Carlos Martins. Súmulas do Superior Tribunal de Justiça: organizadas por assunto, anotadas e comentadas. Salvador: Jus Podivm, 2009.

NERY JUNIOR, Nelson. Código Civil Comentado. 6. Ed. São Paulo: RT, 2008.

OUTRAS OBRAS CONSULTADAS

COSTA, Maria Flavia Albergaria. Responsabilidade Civil das Instituições Financeiras. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. Vol. 2.

EFING, Antonio Carlos. Contratos e Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do Consumidor. 1. Ed. São Paulo: RT, 1999. v. 12.

LUZ, Aramy Dornelles da. Negócios Jurídicos Bancários: o banco múltiplo e seus contratos. São Paulo: RT, 1996.

RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de Crédito Bancário. 4. Ed. São Paulo: RT, 1999.

SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Juros no Direito Brasileiro. 3. Ed. São Paulo: RT, 2009.

Sobre o autor
Irving Marc Shikasho Nagima

Bacharel em Direito. Especialista em Direito Criminal. Advogado Licenciado. Ex-Assessor de Juiz. Assessor de Desembargador. Autor do livro "Ações Cíveis de Direito Bancário", publicado pela Editora Del Rey. Coautor do livro "Estudos de Direito Criminal", publicado pela editora Urbi et Orbi.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Sobre a limitação de juros remuneratórios nos contratos bancários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2778, 8 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18452. Acesso em: 17 nov. 2024.

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