Transcendência dos motivos determinantes
Convém expor, brevemente, a teoria da expansão do alcance dos efeitos vinculantes. Registre-se, por oportuno, a polêmica instaurada acerca do viés expansionista da jurisdição constitucional, o fenômeno do ativismo jurisdicional, e o tema relativo ao alcance dos efeitos vinculantes no controle de constitucionalidade, denominado de "transcendência dos motivos determinantes" ou "efeitos irradiativos dos motivos determinantes da decisão tomada no controle abstrato das normas".
Trata-se da hipótese de extensão dos efeitos vinculantes, das razões de decidir a outros casos que não guardam a exata identidade com o tema central da decisão proferida na ADI ou ADC. Essa tese conturbada foi aplicada nas Recl 1923-RG , Recl 2.126-SP e Rcl 1.987-DF no sentido de que uma norma declarada inválida significa " uma exegese da norma aplicável segundo a dicção fixada pela Corte, e não o texto em sentido estrito."
Essa postura foi amplamente resistida por alguns Ministros do próprio STF, na Rcl 4219-GO, julgada em 21.09.2006, em que se retomou os debates quanto a aplicabilidade da transcendência dos fundamentos determinantes, oportunidade em que quatro Ministros externaram posição negativa à adoção da tese. Isto porque, a transcendência dos fundamentos determinantes agride a sensibilidade do julgador, como se este pudesse reconhecer a vinculatividade de uma decisão editada sob distinta moldura constitucional no tema especifico. [16]
Registre-se a atual reconfiguração do conceito da transcendência dos fundamentos determinantes, haurida do voto do Ministro Gilmar Mendes, que sob outro enfoque descarta a aplicação dos efeitos vinculantes a outros casos (leis ou atos normativos semelhantes) que não guardam perfeita identidade com a tese central da ADC ou ADI. À contrapartida, exorta a idéia de que a reclamação constitucional se apresenta como uma oportunidade a mais, um novo instrumento de controle da constitucionalidade, feita diretamente pelo STF, no caso concreto, sem a necessidade da utilização das figuras da ADI. ADC, ADIO e ADPF. Novos e acesos debates são travados na doutrina acerca da natureza da Reclamação Constitucional.
Assim, levando em conta os vários sentidos da norma, as possibilidades de exceções, as diferença fáticas, as incertezas da Corte em relação aos limites dos efeitos vinculantes e, as várias possibilidades das Reclamações Constitucionais, vis a vis, à transcendência dos fundamentos determinantes,o Ministro Gilmar Mendes na Rcl 4.987-PE, DJ 13.03.2007, explicitou:
"parece bastante lógica a possibilidade de que, em sede de reclamação o Tribunal analise a constitucionalidade de leis cujo teor já foram objeto de controle concentrado de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Como explicitado, não se está a falar, nessa hipótese, de aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes da decisão tomada no controle abstrato de constitucionalidade. Trata-se isso sim, de um poder ínsito à própria competência do Tribunal de fiscalizar incidentalmente a constitucionalidade das leis o dos atos normativos. Esse poder é realçado quando a corte se depara com leis de teor idêntico aquelas já submetidas ao seu crivo no âmbito do controle abstrato (....), poder-se-á, por meio da reclamação, impugnar a sua aplicação ou rejeição por parte da Administração ou do Judiciário, requerendo a declaração incidental de sua inconstitucionalidade ou constitucionalidade, conforme o caso."
A declaração de constitucionalidade em abstrato, no controle concentrado, não impede que, pela via do controle difuso, se declare a inconstitucionalidade no caso concreto do mesmo ato normativo, tendo em conta os vários sentidos da norma e as varias possibilidades de exceções, ou derrotabilidade, até porque o texto normativo infraconstitucional pode ser confrontado com outros dispositivos da Constituição. O confronto abstrato entre o texto da lei e a Constituição não condiciona, necessariamente, todos e quaisquer casos que envolvam a sua aplicação.
Considerando a importante e singular figura da Reclamação Constitucional e, a tendência moderna do seu papel de novo instrumento de controle da constitucionalidade incidental, no caso concreto, mister se faz traçar uma distinta abordagem ao tema:
a) uma norma declarada constitucional, no controle concentrado, poder vir a ser considerada inconstitucional em sede de controle difuso, inclusive na via da reclamação constitucional;
b) uma reclamação constitucional pode vir a ser julgada improcedente porque diverso o fundamento invocado, eis que desvinculados dos fundamentos determinantes exarados no controle abstrato, porque a decisão reclamada vem fundada em determinadas circunstâncias particulares não previstas pela norma declarada constitucional, que a princípio tida como absoluta, foi superada uma excepcionalidade, por razões não previstas pela própria regra;
c) uma reclamação constitucional pode não ser conhecida, porque a decisão reclamada vem fundada em situação concreta, no conjunto fático-probatório, cuja via não se presta ao reexame de fatos e provas.
Luiz Roberto Barroso [17] enfatiza que as situações concretas, individualizadas, determinadas, não podem prescindir da tutela jurisdicional adequada, sempre que necessário. O efetivo exercício do controle difuso de constitucionalidade deve ser compreendido como um dever de todos os juízes e tribunais, que não pode ser elidido pela existência de decisão do STF, ainda que em sede de controle concentrado, no sentido da constitucionalidade da lei ou ato estatal aplicável ao caso.
Na mesma esteira, e com mais profundidade, Lênio Streck [18] adotando o triângulo dialético de Canotilho, exorta que o controle difuso de constitucionalidade, em qualquer grau de jurisdição, exercitado pelo juízes, deve ser considerado cláusula pétrea, como direito-instrumento-garantia, tendo em conta seu papel, por excelência, de servir de instrumento de acesso à Justiça por parte do cidadão, pois:
"Importa referir, nesse contexto, pela inegável importância que assume o controle difuso de constitucionalidade no plano do acesso à justiça, que qualquer tentativa de esvaziá-lo e/ou expungi-lo do sistema jurídico brasileiro ferirá, de morte, o núcleo político da Constituição".
De fato, a declaração de constitucionalidade com expansão para além dos fundamentos determinantes decisão, pode levar à idéia absurda de que todos os sentidos da norma e as respectivas exceções, estão sob o manto dos efeitos vinculantes na ação direta de constitucionalidade. Assim, restaria subtraído o acesso ao judiciário, no caso concreto, a lesão ou ameaça de lesão à direito, e em flagrante coartação da atividade jurisdicional dos demais órgãos do Poder Judiciário, conclusões que não encontram agasalho na própria Constituição Federal.
Procede, pois a afirmativa de Lênio Streck [19] no sentido de que a decisão que acolhe a inconstitucionalidade faz coisa julgada material, não pode ser reapreciada em nenhum outro processo. Entretanto, a decisão que acolhe a constitucionalidade tem força de coisa julgada forma; logo não impede a reapreciação da questão. Nada impede, assim, que um juiz entenda, ao julgar um certo caso, que a lei "x" é inconstitucional e julgando outro caso (presentes outras circunstâncias) decida que a mesma lei "x" é constitucional.
Do exposto, pensamos que é preferível falar em "coisa julgada normativo-abstrato" e "coisa julgada in concreto", bem como, em "principio da adstrição dos efeitos vinculantes aos fundamentos determinantes". Significa dizer, em conclusão, que os efeitos vinculantes da ação declaratória de constitucionalidade estão adstritos aos fundamentos determinantes da decisão proferida em sede de controle abstrato, em um dado sentido da norma. Ainda, deve ser levado em conta as razões de excepcionalidade e as circunstâncias particulares não previstas pela própria norma.
O artigo 102, § 2º, da CF deve ser interpretado no sentido de que as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações direta de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão, no plano abstrato, eficácia contra todos e efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário é à administração pública direta e indireta nas esferas federal, estadual e municipal.
Essas conclusões podem ser hauridas dos precedentes do próprio STF, nas reclamações constitucionais, o que reforça a tese que de que a vinculatividade das decisões no controle de constitucionalidade, num dado sentido da norma, não descarta outros sentidos, á luz do modo final de aplicação do direito, no caso concreto.
Texto e contexto : precedentes do STF e estudo de casos
Nesse diapasão, a pesquisa das decisões no campo da jurisdição constitucional, mostra que o próprio Supremo Tribunal Federal já chancelou que, a constitucionalidade in abstrato não afasta, de modo categórico, a inconstitucionalidade in concreto, tendo em conta a diferenciação entre texto e contexto e o modo final de aplicação do direito.
A interpretação e a aplicação da Constituição, no caso concreto, não podem ser desconectadas das circunstâncias de fato que rodeiam a lide.Sinale-se alguns casos em que o STF considerou que os efeitos da declaração de constitucionalidade de lei, no plano abstrato, é relativo e, portanto, não impede a análise da sua inconstitucionalidade no caso concreto: ADC 4-DF; ADI 1.232-DF e respectivas Rcl 2.303-RS; Rcl 4.422-RS; Rcl 4.133-RS; Rcl 4.366-PE; Recl 4.164-RS; Rcl 4.374-6-PE; Rcl 3.805-SP [20]; e ainda, a Rcl 3.034-PB.
a)ADC N. 4-DF
O exemplo mencionado na doutrina diz respeito a ADC n.4-DF, em que o STF concluiu pela constitucionalidade da proibição da antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, estabelecida pela Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997(STF,ADC 4-MC/DF, rel. Min. Sydney Sanches,j. em 11.02.1998, publ. DJ de 21.05.1999.)
O instituto da antecipação de tutela é vocacionado a conferir celeridade e efetividade à prestação jurisdicional, antecipando, in limine, antes da decisão final de mérito, a satisfação concreta do direito do autor.Nesse diapasão, a lei proibiu o instituto da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, e o STF declarou constitucional, referida proibição, no controle concentrado e abstrato.
Entrementes, em determinado caso concreto, envolvendo direito à saúde, direito fundamental da pessoa humana conectado com o direito à vida, o próprio Supremo Tribunal Federal, diante do caso concreto reconheceu o direito de um cidadão que pleiteou, com fundamento em direitos subjetivos assegurados pela Constituição, o fornecimento, pelo Estado, de determinado medicamento, sem o qual corria o risco de morte. Assim, em sede difusa, qualquer Juiz ou Tribunal, mesmo diante da decisão do STF, não está impedido de conceder a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública, para que o autor tenha, desde logo, o seu direito satisfeito.
Veja-se que no plano abstrato, não existe inconstitucionalidade na vedação da tutela antecipada contra o Estado. Mas, no caso concreto a situação é diversa, pois seria inconstitucional justamente, o comportamento de negativa da tutela antecipada em favor do cidadão. Decorre, assim, que o acatamento da letra fria da lei, sem a perquirição das circunstâncias específicas do caso, levaria ao perecimento do direito à vida com conseqüências e danos irreversíveis.
Nesse mesmo sentido, uma decisão tomada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que serviu de paradigma para outras decisões semelhantes, que teve como Relator o Desembargador Araken de Assis:
"É vedado antecipar os efeitos do pedido perante a Fazenda Pública, consoante o art. 1 ° da Lei n° 9.494/97, proclamado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal e, portanto, de aplicação obrigatória pelos órgãos judiciários. No entanto, a contraposição entre o direito à vida e o direito patrimonial da Fazenda Pública, tutelado naquela forma, se resolve em favor daquele, nos termos do art. 196 da CF/88, através da aplicação do princípio da proporcionalidade, pois se trata de valor supremo, absoluto e universal. Irrelevância da irreversibilidade da medida. Existência de norma local assegurando semelhante prestação (art. 10 da Lei n° 9.908/93). Eventual sacrifício da vida, em nome de interesses pecuniários da Fazenda Pública, conduziria o órgão judiciário a contrariar o direito e praticar aqueles mesmos erros, recordados por Gustav Radbruch, pelos quais os juristas alemães foram universalmente condenados."(TJ-RS, 4ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento n° 598.398.600, de 25.11.1998, rel. Des. Araken de Assis). [21]
b) ADI 1.232-DF
Outro caso paradigma, trata-se da ação direta de constitucionalidade do artigo 20, § 3º, da Lei 8742/91 (LOAS- Lei Orgânica da Assistência Social). Para fins do direito ao benefício da Assistência social, previsto no artigo 203, da CF, o artigo 20, § 3º, da Lei 8742/91 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
Considerando que o artigo 7º, inciso IV, da CF estabelece que a pessoa necessita de um salário mínimo para atender as suas necessidades básicas, o Procurador Geral da Republica ajuizou a ADI 1.232-DF. Entretanto, o STF considerou constitucional o § 3º, do artigo 20., da Lei 8742/93 (LOAS). Os votos vencedores foram dos Ministros Nelson Jobim, Sepulveda Pertence, Mauricio Correa, Moreira Alves o Otávio Galotti.
No voto vencido do Ministro Ilmar Galvão, na ocasião, já restou assentado que o critério estabelecido em lei, em si, não é inconstitucional, mas poderia ser considerado inconstitucional se entendido como único meio da pessoa deficiente comprovar a sua incapacidade econômica, sob pena de exclusão de grande parte dos destinatários hipossuficientes do benefício de assistência social. Assim, não haveria problemas em se adotar o critério da renda per capita familiar de até ¼ do salário mínimo, desde que propiciado outros meios para comprovação da necessidade econômica. Registre-se, aqui uma abertura no sentido de que a declaração de constitucionalidade de lei não exclui a análise do caso concreto e suas circunstâncias e provas.
A ADI nº 1.232 foi julgada em 27.8.98 e várias Reclamações Constitucionais se seguiram (Rcl 2.303-RS Rcl 4.422-RS; Rcl 4.133-RS, Rcl 4.366-PE Recl 4.164-RS Rcl 4.374-6-PE Rcl 3.805-SP), nas quais resta demonstrada a evolução do pensamento dos membros do STF de que os efeitos da declaração de constitucionalidade, in tese, não suprime do Judiciário o poder jurisdicional de analisar o tema, na via difusa, à luz das circunstâncias do caso concreto.
b.1) Rcl 2.303-RS
Inicialmente, o STF deixou assentado,na Recl 2.303-RS, voto da Ministra Ellen Gracie, que o critério de ¼ do salário mínimo é objetivo e não pode ser conjugado com outros fatores indicativos da miserabilidade do jurisdicionado, não cabendo ao juiz criar outros requisitos para aferição do estado de pobreza. Com o que discordou o Ministro Carlos Brito, no sentido de que a decisão prolatada no caso concreto não fere a decisão da ADI 1.232, pois o objetivo da Constituição é a "promoção humana e integração na vida comunitária". Assim, ainda que a renda ultrapasse o limite legal, no caso concreto é possível " num dado instante, o idoso ou o deficiente econômico demonstrar que não possui meios de prover a própria manutenção, nem de tê-la provido pela respectiva família."
Verifica-se, ao longo dos anos, que a posição do STF veio, gradativamente, se afirmando no sentido de que, a declaração de constitucionalidade, in abstrato, quanto ao requisito da renda per capita familiar de até ¼ do salário mínimo, para fins de alcance do direito ao benefício da assistência social, não inibe a concessão do benefício no caso concreto, se provado que, embora superior a renda per capita, os gastos mensais demonstram que há hipossuficiência econômica do autor. Referidas posições podem ser extraída das decisões monocráticas ou colegiadas das seguintes Reclamações Constitucionais: Rcl 4.422-RS; Rcl 4.133-RS; Rcl 4.366-PE; Recl 4.164-RS; Rcl/MC 4.374-6-PE; Rcl 3.805-SP.
b.2) Rcl 4.422-RS; Rcl 4.133-RS; Rcl 4.366-PE
Nas Rcl 4.422-RS; Rcl 4.133-RS, Rcl 4.366-PE, os Ministros Celso de Mello, Carlos Ayres Brito e Ricardo Lewandowski, sistematicamente, têm negado seguimento às Reclamações ajuizadas pelo INSS sob o fundamento de que a via é inadequada para reexaminar o conjunto fático-probatório em que se funda a decisão reclamada.
b.3) Recl 4.164-RS
Na Recl 4.164-RS o Ministro Marco Aurélio toma posição clara nos sentido de que o critério definido de renda per capita de ¼ do salário mínimo é insuficiente para a efetividade do artigo 203, V, da CF. Portanto, é possível haurir do julgado que uma norma declarada constitucional pode ser considerada inconstitucional no caso concreto.
b.4) Rcl 4.374-6-PE
Na Rcl 4.374-6-PE, o Ministro Gilmar Mendes, analisando a liminar requerida pelo INSS, para suspender a decisão de origem que não observou a renda familiar per capita de ¼ do salário mínimo, lembrou que o artigo 20, § 3º, da Lei 8742/93 teve a sua constitucionalidade declarada, mas ponderou que a existência de legislação superveniente (Lei 10.689/2003 que instituiu o Bolsa Família e Lei 10.210/2001 que instituiu o Programa Nacional de Acesso a Alimentação) permite considerar que o próprio legislador reinterpretou o artigo 203, da CF, no que tange ao conceito de necessitado.
O Ministro Gilmar Mendes reconheceu a insuficiência do critério da renda per capita baseada em 1/4 do salário mínimo, mas assentou que "o correto não seria declarar a inconstitucionalidade do artigo 20, § 3º, da Lei 8742/93 mas reconhecer a possibilidade de que esse parâmetro objetivo seja conjugado, no caso concreto, com outros fatores capazes de indicar o estado de miserabilidade do cidadão". E ainda, fundamento que, mais cedo ou mais tarde o Plenário, inevitavelmente, deverá enfrentar o tema diante da reinterpretação que vem sendo dada ao artigo 203, CF, tanto pelo legislador quanto pelo próprio STF. Sinale-se aqui a questão da inconstitucionalidade superveniente, de lei antes declarada constitucional, pela mutação constitucional interpretativa.
b.5) Rcl 3.805-SP
Na Rcl 3.805-SP a Ministra Carmem Lucia cassou a liminar concedida, ao fundamento de que a concessão do beneficio de assistência social, em situações comprovadas de absoluta incapacidade de meios de subsistência da pessoa. Fundamentou que, ainda que não observado o critério objetivo de ¼ do salário mínimo não representa afronta ao entendimento fixado na ADI 1.232, pois " a constitucionalidade do artigo 20 da Lei 8742 não significa inconstitucionalidade dos comportamentos judiciais que, para atender ao principio constitucional da dignidade humana, tenham de conceder o beneficio assistencial diante da constatação da necessidade da pessoa com deficiência"
Ainda, com todas as letras a Ministra concluiu que "no julgamento da ADI 1.232 o SFT teve por constitucional, em tese, a norma do artigo 20, da Lei 8742, mas não afirmou inexistirem situações concretas que impusessem atendimento constitucional e não subsunção àquela norma."
c) Recl 3.034-PB
A interpretação do Supremo, ao artigo 100, § 2º, da CF, de modo uniforme, é no sentido de que só é possível o sequestro de verba pública, para pagamento de precatório, quando houver preterição do direito de precedência do credor. Entretanto, na Recl 3034-PB, em decisão de 21.09.2006, na análise do agravo regimental, o STF considerou também a hipótese de não pagamento de precatório alimentício à pessoa idosa.
O Ministro Eros Grau, no Agravo Regimental na Reclamação citada, no voto-vista, afirmou que o fato de o credor, via precatório, estar acometido de doença grave tornava a situação excepcional, pois a norma só vale para as situações normais, de sorte que as situações de anormalidades foge à regra, pois o caso não está contemplado pela norma. O Ministro Eros Grau deixou claro, no voto, que há distinção entre a norma abstrata e sua aplicação no caso concreto:
"7. Permito-me, ademais, insistir em que ao interpretarmos/aplicarmos o direito (...) porque aí não há dois momentos distintos, mas uma só operação (...) ao praticarmos essa única operação, isto é ao interpretarmos/aplicarmos o direito não exercitamos no mundo das abstrações, porém trabalhamos com a materialidade mais substancial da realidade. Decidimos não sobre teses, teorias ou doutrinas mas situações do mundo da vida. Não estamos aqui a prestar contas a Montesquieu ou a Kelsen, porém vivificamos o ordenamento, todo ele. Por isso o tomamos na sua totalidade. Não somos meros leitores de seus textos (...) para o que nos bastaria a alfabetização (....) mas magistrados que produzem normas, tecendo e recompondo o próprio ordenamento."