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A aparente derrota da Súmula 331/TST e a responsabilidade do poder público na terceirização

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14/02/2011 às 06:29
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ADC 16 – (art. 71, § 1º, da Lei 8666/93)

Com efeito, o artigo 1º, da Lei de Licitações 8.666/1993, trata da contratação de obras e serviços, incluídos os contratos de prestação de serviços terceirizados, e expressamente disciplina sua aplicabilidade à Administração Pública Direta e Indireta federal, estadual, distrital e municipal, verbis:

"Art. 1º. Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (...)"

O artigo 71, caput e parágrafo 1º, da mesma lei, à seu turno, trata da responsabilidade do Poder Público nas licitações, verbis:

"Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (...)"

A seu turno a Sumula 331/TST, que trata da Terceirização, traz a seguinte diretriz jurisprudencial:

"IV- o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações publicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial ( art. 71 – da Lei n. 8.666, de 21.6.1993).

Em março de 2007, o governador do Distrito Federal ajuizou ação direta de Declaração de constitucionalidade do artigo 71, da Lei 8666/93. Fundamentou que o comando legal apontado tem sofrido ampla retaliação por parte de órgãos do Poder Judiciário, em especial o Tribunal Superior do Trabalho na aplicação a da Sumula 331. Apontou que a Sumula 331/TST nega vigência ao parágrafo 1º, do artigo 71, da Lei 8666/93, eis que responsabiliza, subsidiariamente, a Administração Pública, Direta e Indireta, pelos aos débitos trabalhistas na contratação de qualquer serviço de terceiro especializado. Ingressaram na ação de constitucionalidade, como amicus curiae (amigos da corte), a União, a maioria dos Estados e muitos Municípios.

O Relator Ministro Cezar Peluso, diante da complexidade da matéria, entendeu necessária uma decisão colegiada e, assim , negou a liminar pretendida. Iniciado o julgamento em setembro de 2008, o Relator votou pelo não conhecimento da ação. O Ministro Menezes Direito (falecido) pediu vista dos autos. O Ministro Marco Aurélio votou pelo conhecimento e julgamento do mérito.

Em 24 de outubro de 2010, o julgamento foi retomado. O Presidente do STF e Relator Ministro Cezar Peluso, manteve a posição pelo arquivamento da ação, à míngua de controvérsia, na medida em que, no seu entendimento, ao editar o Enunciado 331, o TST não declarou a inconstitucionalidade do artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666/93.

Entretanto, a Ministra Cármen Lúcia (sucessora do Ministro Menezes Direito) apresentou divergência; votou pelo conhecimento da ação e julgamento pelo mérito, tendo em conta a discussão acerca da constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei 8666/93 . Apontou a existência de inúmeros questionamentos das decisões do Tribunal Superior do Trabalho e demais Tribunais Regionais do Trabalho, bem como, considerável numero de ações pendentes de julgamento e de Reclamações Constitucionais (RcLs), junto ao Supremo, todas atacando a Sumula 331/TST.

O Ministro Marco Aurélio asseverou que a Súmula 331 foi editada com base no artigo 2º, da CLT, que demarca a figura do empregador e no artigo 37, parágrafo 6º, da CF, que responsabiliza as pessoas de direito público por danos causados por seus agentes a terceiros.

O Ministro Ayres Britto lembrou que só há três formas constitucionais de contratação pessoal no setor público: por concurso, por nomeação para cargo em comissão e por contratação por tempo determinado, para suprir necessidade temporária. Assim, embora amplamente praticada, a terceirização não tem previsão constitucional. Portanto, na hipótese de inadimplência das obrigações trabalhistas do contratado, atrai a responsabilidade civil do Poder Público.

O Ministro Dias Toffoli, que atuou na ação como Advogado Geral da União, deu-se por impedido.

Enfim, por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações) . O comando legal prevê que o inadimplemento das obrigações trabalhistas na terceirização não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento.

A questão, doravante, radica em perquirir sobre: os efeitos da declaração de constitucionalidade, bem como os efeitos do julgamento das Reclamações Constitucionais frente a Sumula 331/TST; como deve se posicionar o Judiciário Trabalhista na análise das ações que envolvem a terceirização no setor público.


A derrota aparente da Súmula 331/TST na ADC 16-DF

Face ao entendimento fixado na ADC 16, o Pleno do STF deu provimento a inúmeras Reclamações (RCLs) contra decisões do TST e de Tribunais Regionais do Trabalho fundamentadas na Súmula 331/TST, dentre elas as RCLs 7517 e 8150.

O Presidente do STF, entretanto , ressalvou que isso "não impedirá o TST de reconhecer a responsabilidade, com base nos fatos de cada causa" , pois o "STF não pode impedir o TST de, à base de outras normas, dependendo das causas, reconhecer a responsabilidade do poder público".

Ressalvou, ademais, que o fundamento utilizado pelo TST é a responsabilidade pela omissão culposa da Administração Pública, em relação à fiscalização da empresa contratada, quanto a idoneidade e cumprimento ou não dos encargos socais nos contratos de licitação de prestação de serviços.

Houve um consenso no julgamento no sentido de que o TST não poderá generalizar os casos. Portanto, o Judiciário Trabalhista deverá primar pela busca da verdade real, qual seja, investigar, com rigor, se a inadimplência dos direitos trabalhistas pelos contratados, fornecedores de mão de obra, teve como causa principal, direta ou indireta, a inexecução culposa ou a omissão culposa na fiscalização do cumprimento do contrato de licitação, pelo órgão público contratante.

No neoconstitucionalismo, o sentido das normas constitucionais já não pode ser mais designada a priori, pela simples leitura do seu enunciado abstrato. Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, asseveram que :

"Em diversas situações, inclusive e notadamente nas hipóteses de colisão de normas e de direitos constitucionais, não será possível colher no sistema, em tese, a solução adequada: ela somente poderá ser formulada à vista dos elementos do caso concreto, que permitam afirmar qual desfecho corresponde à vontade constitucional. ( ... ) É preciso saber se o produto da incidência da norma sobre o fato realiza finalisticamente o mandamento constitucional." [22]

Deste modo, o conteúdo da norma é revelado por ocasião da interação entre o texto normativo e as circunstâncias do caso concreto. Dessarte, "a norma, na sua dicção abstrata, já não desfruta da onipotência de outros tempos. Para muitos, não se pode sequer falar da existência de norma antes que se dê a sua interação com os fatos, tal como pronunciada por um intérprete." [23]

A constatação de que uma norma pode ser constitucional em tese, in abstrato, mas não exclui a possibilidade de ser inconstitucional in concreto, à vista da situação submetida a exame, é corolário do raciocínio tópico.

Conclui-se, pois, que a declaração de constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei 8666/93 não impede a fixação da responsabilidade da Administração Publica na terceirização, no caso concreto, á luz das circunstâncias e provas, visando resguardar os princípios da dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho (art. 1º, III, IV da CF), sendo plenamente compatível com a decisão do STF na ADC nº 16.


A cláusula de reserva de plenário e a Sumula 331/TST

Diante do comando do artigo 97, da Constituição, temos que:

"Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público".

A polêmica acerca da aplicação da Sumula 331/TST com relação à Administração Pública teve novo direcionamento, por conta de outro fundamento (noticia TST 13/12/2010). A Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal (STF), cassou quatro decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) baseadas na Súmula 331 (inciso IV) que impõe a responsabilidade subsidiária da Administração Publica aos contratos de terceirização, com base na cláusula da reserva de plenário nos recursos (agravos regimentais) das Reclamações Constitucionais dos Estados de Amazonas (Rcl 7901-AM), Rondônia (Rcl 7711 e 7712) e Sergipe (Rcl 7868).

Segundo a Súmula Vinculante n. 10 viola a cláusula de reserva de plenário (artigo 97, CF) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

Anteriormente, a Ministra havia negado seguimento às reclamações, contra julgados do TST, ajuizadas sob alegação de descumprimento da Súmula Vinculante n. 10, do Supremo. A Ministra redirecionou a sua decisão, tendo em vista que, em sessão plenária realizada no dia 24 de novembro de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n. 16, declarou constitucional o artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666/93 (Lei das Licitações) que proíbe a transferência de responsabilidades por encargos trabalhistas para os entes públicos.

Entendeu, que ao afastar a aplicação do § 1º, do artigo 71, da Lei n. 8.666/93, com base na Súmula 331, inc. IV, o Tribunal Superior do Trabalho descumpriu a Súmula Vinculante n. 10, do Supremo Tribunal Federal. A Ministra ressaltou que ao analisar a ADC nº 16, o Supremo decidiu que os Ministros poderiam julgar monocraticamente os processos relativos à matéria, "na esteira daqueles precedentes".

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Nota-se que a derrota da Súmula 331/TST no caso, é de ordem formal, e não material: inobservância da reserva de plenário. Não se discute aqui o fato de a Súmula 331/TST ter sido aprovada pelo Pleno do TST, mas sim o fato de que o item IV, na sua aprovação, não foi precedida de debates acerca da (in)constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei 8666/93.

Nesse contexto, a melhor interpretação da Súmula Vinculante n. 10 é a de que a negativa de vigência de uma norma, no caso concreto, não conduz, necessariamente, a conclusão de que, direta ou indiretamente, foi reconhecida a sua inconstitucionalidade, no todo ou em parte. A inconstitucionalidade que se equipara à negativa de vigência é aquela em que o juiz deixa de aplicar a norma porque a incidência do enunciado normativo, na hipótese concreta, produz um resultado (uma norma) inconstitucional.


(Re) posicionamento do Judiciário Trabalhista

Dos debates em torno da aplicação da Súmula 331/TST, em relação a Administração Pública, exsurge que: houve o deslocamento da questão para o contexto fático- probatório.

Verifica-se, por conseguinte, que a derrota da Sumula 331/TST à mais aparente que real. Isto porque a Súmula citada comandava a responsabilidade do Poder Público, na terceirização, fundada na presunção absoluta da culpa, ou seja, responsabilidade objetiva, bastando tão só o inadimplemento das obrigações trabalhistas.

Nesse sentido, o Excelso Pretório salientou não haver possibilidade de invocar-se o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, que trata da responsabilidade objetiva, porque o inadimplemento de verbas trabalhistas se perfaz pela empresa prestadora dos serviços terceirizados, contratada administrativamente, e não pela Administração Pública na condição de contratante.

Logo, a Corte Constitucional sinalizou que não é possível aplicar as regras da responsabilidade objetiva ou, fundada na mera presunção de culpa in vigilando. Desta feita, a questão foi deslocada para o caso concreto, para o contexto fático- probatório, com relevo para: o raciocínio tópico, com foco no problema a ser resolvido; o ônus da prova, na analise das provas coligidas dos fatos, do nexo causal, da culpa, e do dano e sua extensão (art. 333, CPC e 818, CLT); tudo legitimado pela ônus da argumentação-fundamentação adequada (art. 93, IX, CF), que desempenha um papel destacado na atualidade, para viabilizar o controle da aplicação racional e razoável da Constituição.

Mister, pois, a prova da ilicitude, fraude, inexecução culposa, ou omissão ou imperfeição na fiscalização do contrato de licitação. Assim, a partes e o Juiz devem cuidar das provas, da efetiva atuação culposa, subjetiva, do agente publico, no sentido de causar, direta ou indiretamente, o indébito trabalhista para os empregados que lhes tenham prestado serviços intermediados. O Juiz decidirá de acordo com o livre convencimento motivado, cujo ônus é expor o raciocínio e as razões de decidir fundamentadamente.

A declaração de constitucionalidade Lei de Licitações (Lei nº 8.666/1993), artigo 71, parágrafo 1º, pelo Supremo Tribunal Federal (ADC 16) foi feita in abstrato, desvinculado de qualquer caso concreto, na consideração de um processo de licitação em condições de legalidade e normalidade. Portanto, não constitui salvo conduto ou incondicional ausência de responsabilidade pelos danos à que deu causa a Administração Publica, por meio de contratação precedida de procedimento licitatório. Se restar provado que a Administração Pública, por seu agente público, de qualquer modo, concorreu com descumprimento da legislação trabalhista, atrai a responsabilidade pelos débitos trabalhistas.

Por outras palavras, há no caso uma aparente derrota da Súmula 331, do TST, pois o seu conteúdo não foi suplantado, mas sim o seu modo de aplicação final. As conclusões aqui externadas não são incompatíveis com a idéia de nova redação para a Súmula 331, agora firmada na esteira dos debates travados no STF.

O artigo 71, § 1º, da Lei 8666/93, não trata da hipótese em que o inadimplemento das obrigações trabalhistas decorre, direta ou indireta, da conduta culposa da Administração Pública. Havendo nexo causal, não obsta o reconhecimento da responsabilidade do Poder Público, ainda que subsidiária, por conta da aplicação de outras normas previstas no ordenamento jurídico. Nesse sentido, o artigo 37, XXI, da CF/88 determina a exigibilidade de o Poder Público, observar o procedimento licitatório para celebrar contratos com particulares e, nos termos da lei geral que regula as licitações. A seu turno o artigo 27 da Lei 8666/93 comanda....... e, ainda os artigos arts. 58, III e 67, caput e § 1º, da Lei 8666/93, comandam a responsabilidade na fiscalização da execução do contrato de licitação. Se o administrador Público não cumpre as obrigações constitucionais e legais a seu cargo, no dever de fiscalizar o contrato firmado, seja em sua celebração, bem como durante todo o período de execução , qualquer lesão daí oriundo, acarreta a sua responsabilização, por danos causados a terceiros.

O dever do Administrador de fiscalizar, tanto na celebração do contrato, como em sua execução, razão porque sua ação ou omissão gera, inexoravelmente, como conseqüência, o dever de reparar os danos decorrentes de sua incúria no cumprimento do dever constitucional e legal imposto.

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Sobre a autora
Ivani Contini Bramante

Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Mestre e Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Relações Coletivas de Trabalho pela Organização Internacional do Trabalho. Professora de Direito Coletivo do Trabalho e Direito Previdenciário do Curso de Graduação do Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Coordenadora do Curso de Pós Graduação em Direito das Relações do Trabalho da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Ex- Procuradora do Ministério Público do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAMANTE, Ivani Contini. A aparente derrota da Súmula 331/TST e a responsabilidade do poder público na terceirização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2784, 14 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18479. Acesso em: 24 abr. 2024.

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