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A aparente derrota da Súmula 331/TST e a responsabilidade do poder público na terceirização

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14/02/2011 às 06:29
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Julgamentos do TST pós ADC n. 16

Das considerações acima articuladas conclui-se que, nada impede o Judiciário Trabalhista, independente da existência, validade, invalidade ou revogação, do item IV, da Súmula 331/TST, continuar julgando, cada caso concreto, e apurar e decidir acerca da responsabilidade do Poder Publico na terceirização.

As questões que merecem cuidado cingem-se ao : conjunto fático probatório, ônus da prova, a busca da verdade real e, o dever da fundamentação tendo em conta a necessidade de controle da racionalidade sistêmica na aplicação do Direito.

Em pesquisa recente verifica-se que o TST já se conclui alguns julgados, envolvendo terceirização no setor público, após o pronunciamento do STF na ADC n. 16, conforme ementas abaixo:

"AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ADC 16. CULPA IN VIGILANDO. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO NA FISCALIZAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. DESPROVIMENTO.

Confirma-se a decisão que, por meio de despacho monocrático, negou provimento ao agravo de instrumento, por estar a decisão recorrida em consonância com a Súmula 331, IV, do c. TST. Nos termos do entendimento manifestado pelo E. STF, no julgamento da ADC-16, em 24/11/2010, é constitucional o art. 71 da Lei 8666/93, sendo dever do judiciário trabalhista apreciar, caso a caso, a conduta do ente público que contrata pela terceirização de atividade-meio. Necessário, assim, verificar se ocorreu a fiscalização do contrato realizado com o prestador de serviços. No caso em exame, o ente público não cumpriu o dever legal de vigilância, registrada a omissão culposa do ente público, ante a constatada inadimplência do contratado no pagamento das verbas trabalhistas, em ofensa ao princípio constitucional que protege o trabalho como direito social indisponível, a determinar a sua responsabilidade subsidiária, em face da culpa in vigilando. Agravo de instrumento desprovido".(TST, Ag-AIRR - 153040-61.2007.5.15.0083 , Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 15/12/2010, 6ª Turma, Data de Publicação: 28/01/2011)

"RECURSO DE REVISTA - ENTE PÚBLICO - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ADC Nº 16 - JULGAMENTO PELO STF - CULPA IN VIGILANDO - OCORRÊNCIA NA HIPÓTESE DOS AUTOS - ARTS. 58, III, E 67, CAPUT E § 1º, DA LEI Nº 8.666/93 - INCIDÊNCIA.

O STF, ao julgar a ADC nº 16, considerou o art. 71 da Lei nº 8.666/93 constitucional, de forma a vedar a responsabilização da Administração Pública pelos encargos trabalhistas devidos pela prestadora dos serviços, nos casos de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do vencedor de certame licitatório. Entretanto, ao examinar a referida ação, firmou o STF o entendimento de que, nos casos em que restar demonstrada a culpa in vigilando do ente público, viável se torna a sua responsabilização pelos encargos devidos ao trabalhador, já que, nesta situação, a administração pública responderá pela sua própria incúria. Nessa senda, os arts. 58, III, e 67, caput e § 1º, da Lei nº 8.666/93 impõem à administração pública o ônus de fiscalizar o cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo vencedor da licitação (dentre elas, por óbvio, as decorrentes da legislação laboral), razão pela qual à entidade estatal caberá, em juízo, trazer os elementos necessários à formação do convencimento do magistrado (arts. 333, II, do CPC e 818 da CLT). Na hipótese dos autos, além de fraudulenta a contratação do autor, não houve a fiscalização, por parte do Estado-recorrente, acerca do cumprimento das ditas obrigações, conforme assinalado pelo Tribunal de origem, razão pela qual deve ser mantida a decisão que o responsabilizou subsidiariamente pelos encargos devidos ao autor. Recurso de revista não conhecido"(TST, RR - 67400-67.2006.5.15.0102 , Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 07/12/2010, 1ª Turma, Data de Publicação: 17/12/2010)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO COM A TOMADORA DE SERVIÇO - ENTIDADE PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CULPA -IN VIGILANDO-. ISONOMIA SALARIAL. OJ 383, SBDI-1/TST

. Na hipótese, o Regional consignou que a Reclamante foi contratada por intermédio de empresa terceirizada e passou a laborar como caixa, percebendo, contudo, remuneração inferior aos empregados da CEF que exerciam as mesmas funções. É entendimento desta Corte que a contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Trata-se de aplicação analógica do art. 12, -a-, da Lei 6.019, de 03.01.1974 (OJ 383, SDI-1/TST). Noutro norte, as entidades estatais têm responsabilidade subsidiária pelas dívidas previdenciárias e trabalhistas das empresas terceirizantes que contratam, nos casos em que desponta sua culpa -in vigilando-, quanto ao cumprimento da legislação trabalhista e previdenciária por parte da empresa terceirizante contratada. É, portanto, constitucional o art. 71 da Lei 8.666/93 (ADC 16, julgada pelo STF em 24.11.2010), não implicando, porém, naturalmente, óbice ao exame da culpa na fiscalização do contrato terceirizado. Evidenciada essa culpa nos autos, incide a responsabilidade subjetiva prevista nos arts. 186 e 927, -caput-, do CCB/2002, observados os respectivos períodos de vigência. Assim, em face dos estritos limites do recurso de revista (art. 896, CLT), não é viável reexaminar a prova dos autos a respeito da efetiva conduta fiscalizatória do ente estatal (Súmula 126/TST). Agravo de instrumento desprovido". (TST, AIRR - 71240-34.2009.5.13.0006 , Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 01/12/2010, 6ª Turma, Data de Publicação: 10/12/2010)

CONCLUSÃO

A conclusão que se extrai do presente estudo é a de que, os casos paradigmáticos acima, por si sós, explicam a ressalva feita pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, na ADC n.16, no julgamento da constitucionalidade do artigo 71, §1º, da Lei 8666/93, no sentido de que tal "não impedirá o TST de reconhecer a responsabilidade, com base nos fatos de cada causa" , pois o "STF não pode impedir o TST de, à base de outras normas, dependendo das causas, reconhecer a responsabilidade do poder público".

Em suma, é possível concluir, que segundo entendimento do STF, na ADC nº 16-DF :

1. Ao admitir a possibilidade de fixação da responsabilidade da Administração Pública, à vista do caso concreto e, ou fundado em outras normas, o STF assumiu o papel que lhe cabe, de guardião da Constituição, de fazer valer prevalência dos princípios constitucionais fundantes do Estado Democrático e assegurar caminhos para a efetivação dos direitos fundamentais.

2. É totalmente inapropriado impedir o Judiciário Trabalhista de reapreciar a constitucionalidade ou não do artigo 71, § 1º, da Lei 8666/93, anteriormente declarada válida, à vista de novos argumentos e das circunstâncias fáticas-probatórias, que só acontece no contato da norma com a realidade, qual seja, no caso concreto, qual seja, no modo final de aplicação do direito

3. É no momento da interpretação, no caso concreto, e à luz das suas circunstâncias reais, que o enunciado normativo adquire vida e significado e passa a determinar condutas, quer estatais, quer dos particulares.

4. A constitucionalidade do artigo 71, da Lei 8666/93, não significa inconstitucionalidade dos "comportamentos judiciais" que, no caso concreto, à luz dos fatos e provas, venham a decidir pela responsabilidade da Administração Pública, para atender ao principio constitucional da dignidade humana.

5. Assim, a proteção social do trabalhador, que presta serviços em favor da Administração Pública e acaba por não receber seus créditos trabalhistas, não pode conduzir à consideração de responsabilidade objetiva do Poder Público pelo indébito causado por terceiro. Nada obsta, contudo, a perquirir se o agente público agiu com culpa para a ocorrência do inadimplemento dos débitos trabalhistas. Se não for evidenciada, de qualquer modo, ação ou omissão, direta ou indireta, na modalidade culposa, do agente público em detrimento do contrato administrativo para a prestação de serviços terceirizados, não há como emergir responsabilidade da Administração Publica em relação às obrigações trabalhistas da empresa contratada, à luz do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993. Essa é a linha do entendimento pacificado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal.

6. Se a Administração Pública "deu causa" ao inadimplemento das verbas trabalhistas, na terceirização, seja por ato comissivo ou por omissão, conjunto de direitos ligados à manutenção da própria vida humana, é defensável a sindicabilidade judicial da conduta estatal em prol da tutela da dignidade da pessoa humana.

7. Isto porque, não é possível olvidar que há normas constitucionais, de larga envergadura, têm implicações sociais, políticas e econômicas, a exemplo dos princípios fundamentais positivados no art. 1º, tais como a dignidade da pessoa humana , o valor social do trabalho e da livre iniciativa; bem como os direitos fundamentais que se afirmam através de princípios ligados aos direitos sociais ( art. 6º e 7º) à ordem econômica (art. 170), à seguridade social (art. 194), à saúde (art. 196), à assistência social (art. 203) e à cultura (art. 215), entre tantos outros dispositivos constitucionais.

8. O mesmo raciocínio pode ser aplicado a outras situações envolvendo direitos fundamentais, dotados de um núcleo mínimo irredutível, ligados à manutenção do mínimo existencial, consistente no direito às condições mínimas de existência humana digna" e que exigem do Estado prestações positivas e ou que vinculam os particulares nas relações privadas.

9. As questões que merecem cuidado cingem-se ao : conjunto fático probatório, ônus da prova, a busca da verdade real e, o dever da fundamentação, tendo em conta a necessidade de controle da racionalidade sistêmica na aplicação do Direito. Assim, é exigida maior investigação e, não apenas a presunção ou mera consideração de dever de eleição ou de vigilância em relação à execução do contrato administrativo. Resulta, pois a exortação do: uso da tópico, foco na solução do caso concreto, cuidado com as provas e, da questão do convencimento motivado juiz, demonstrado cabalmente pela argumentação-fundamentação adequada (art. 93, IX, CF).

10. Enfim, houve uma derrota meramente aparente da Súmula 331/TST. Não houve um discreto retorno à teoria da irresponsabilidade estatal dos idos do Estado autoritário, interpretação que não se coaduna com o texto constitucional, sob pena de desconstrução do Estado Democrático de Direito, máxime na vertente da responsabilidade do Estado.

Doravante, o Judiciário Trabalhista deve redirecionar a questão para a análise do caso concreto, com base no conjunto fático-probatório posto a seu julgamento, centrado no nexo causal, culpa e dano, para fixar a co-responsabilidade da Administração Pública, pelos serviços terceirizados contratados, à luz das regras e princípios, diante de um caso concreto. Trata-se, pois da atividade de ponderação da regra e suas exceções, ou ponderação das razões ou razões excepcionais, ou teoria de excepcionalidade, ou " aptidão para cancelamento (defeasibility) das regras".

O artigo 71, § 1º, da Lei 8666/93, trata da regra geral que isenta de responsabilidade a Administração Publica, mas não cuida da hipótese em que a mesma deu causa ao inadimplemento. A leitura do texto é no sentido de que a inadimplência do contratado, sem o concurso da Administração Pública, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere a responsabilidade por seu pagamento.

Logo, a regra comporta exceções previstas na ordem jurídica, pois cumpre à Administração Pública fiscalizar o procedimento licitatório de terceirização, no ato da contratação e na fase de execução, máxime no que tange a regularidade trabalhista e fiscal. Se por sua omissão culposa resultar dano, todo aquele que ação ou omissão, causar dano, comete ato ilícito e deve reparar (art. 37, XXI, CF e arts. 27, IV, 58, III, e 67 caput e § 1º, da Lei 8666/93 e art. 186, CC). Assim, há outras razões calcadas em outras normas, para afastar a regra geral (overrling) fundada em exceção prevista no próprio ordenamento jurídico. O requisito de apresentação de certidão de regularidade trabalhista e fiscal e outros documentos comprobatórios da quitação mensal das verbas trabalhistas, na terceirização, durante a execução do contrato, previne lesões e responsabilidades.

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Na tarefa do modo final de aplicação da norma, o correto não será declarar a inconstitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei 8666/91. É inapropriado, também, falar em negativa de vigência do referido texto legal, tendo em conta a sua inespecificidade ao caso concreto. O correto é apenas, reconhecer, pela técnica da ponderação, que há possibilidade de que o artigo 71, § 1º, da Lei 8666/93 seja conjugado, no caso concreto, com outros fatores e normas, que trazem as exceções, tais como as previstas no art. 37, XXI, CF, e arts. 27, IV, 58 III e 67 caput e § 1º, da Lei 8666/93, e demais regras da responsabilidade civil encravadas no Código Civil.


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Sobre a autora
Ivani Contini Bramante

Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Mestre e Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Relações Coletivas de Trabalho pela Organização Internacional do Trabalho. Professora de Direito Coletivo do Trabalho e Direito Previdenciário do Curso de Graduação do Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Coordenadora do Curso de Pós Graduação em Direito das Relações do Trabalho da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Ex- Procuradora do Ministério Público do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAMANTE, Ivani Contini. A aparente derrota da Súmula 331/TST e a responsabilidade do poder público na terceirização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2784, 14 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18479. Acesso em: 18 dez. 2024.

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