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A responsabilidade das empresas integrantes de grupo econômico

Agenda 22/03/2011 às 10:16

Os grupos econômicos, ou societários, são uma "concentração de empresas, sob a forma de integração (participações societárias, resultando no controle de uma ou umas sobre as outras), obedecendo todas a uma única direção econômica" [01]. Cuida-se de tema árduo no direito empresarial, o qual enseja diversas discussões atinentes à conceituação, identificação e responsabilização (em variados ramos do direito) dos componentes do agrupamento.

A legislação nacional possui, em seus mais diversos campos, dispositivos que tratam da responsabilidade solidária ou subsidiária das empresas integrantes de grupos econômicos. Há dispositivos na seara trabalhista, consumerista, previdenciária e concorrencial. É evidente a modernidade que os outros campos do direito tiveram em comparação com a legislação empresarial societária, principalmente a Lei do anonimato (6.404/76), a qual não possui dispositivos relacionados com a responsabilidade das empresas agrupadas.

Já na exposição de motivos da Lei 6.404/76 é possível concluir pela ausência de regras acerca da responsabilidade. Segundo a exposição, não se impôs solidariedade porque, de forma simplória, presumiu-se que os credores a exigiriam em contrato travado com o grupo econômico ou empresa agrupada, levantando também o argumento de que a imposição de responsabilidade solidária desvirtuaria o instituto do grupo econômico, pois transformaria as empresas agrupadas em "departamentos" da mesma "sociedade". [02]

A justificativa apontada pelos legisladores, na nossa opinião, é ingênua, pois não se pode esperar que os credores de um grupo econômico de fato exijam, via contrato, a responsabilidade solidária das empresas agrupadas, até porque muitas vezes não possuem conhecimento da existência de agrupamento. Por outro lado, mesmo nos grupos de direito, que são raros no Brasil, é difícil acreditar que contratos reconhecendo responsabilidade solidária seriam travados.

á quanto ao segundo argumento – departamentalização das sociedades agrupadas –, o que o legislador defendeu que desvirtuaria o grupo econômico é exatamente o que ocorre na realidade fática, primordialmente nos grupos de fato, tornando o argumento antes contrário o mais forte a favor da necessidade de previsão legislativa acerca da responsabilidade solidária ou, ao menos, subsidiária.

Portanto, a "departamentalização" das sociedades agrupadas já existe na prática. Ocorre que o legislador da Lei do anonimato só buscou admitir as situações que favorecessem a constituição dos grupos econômicos, e não as que as inibissem, como é o caso da responsabilização dos entes agrupados. [03]

Não só no campo societário existe a lacuna. Igualmente, é possível levantar a problemática da ausência de disposição expressa, no Código Tributário Nacional ou em legislação tributária (aqui entendemos por bem diferenciar a legislação previdenciária), acerca da responsabilização expressa dos componentes de grupos econômicos por dívidas tributárias.

Nos outros campos do direito onde há a previsão legislativa de responsabilidade, é imperioso reconhecer que a legislação trabalhista é a mais aplicada, inclusive em perseguida analogia em outros campos, inclusive o tributário. A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 2º, §2º, dispõe, in verbis:

"Art. 2º. (...)

§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas". (grifos nossos)

O dispositivo da CLT dispõe sobre os elementos básicos do grupo econômico (vide grifos) e ordena a responsabilização solidária das empresas agrupadas, sendo o dispositivo mais analítico existente acerca do assunto, pois os demais se limitam a determinar a solidariedade, sem discorrer os elementos que compõem os grupos econômicos.

Além do direito trabalhista, há também a previsão de solidariedade no campo do direito de defesa da concorrência (Lei 8.884/94). O dispositivo nesta Lei referiu-se expressamente à divisão doutrinária dos grupos econômicos em grupos de fato e de direito, in verbis:

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"Art. 17. Serão solidariamente responsáveis as empresas ou entidades integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, que praticarem infração da ordem econômica". (grifos nossos)

A supracitada Lei, portanto, adota os ensinamentos da doutrina e determina a responsabilização solidária dos componentes do grupo societário, seja este de fato ou de direito, tutelando a ordem econômica de maneira efetiva.

Na seara consumerista os integrantes de grupos econômicos também sofrem responsabilização. Desta feita, a solidariedade não foi adotada, tendo optado o legislador pela responsabilidade subsidiária das sociedades integrantes do grupo econômico, senão vejamos:

"Art. 28. (...)

§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código".

Importante destacar que o Código de Defesa do Consumidor, visivelmente protetivo, foi tímido em estabelecer apenas a responsabilidade subsidiária, concedendo o benefício de ordem aos infratores e, consequentemente, impedindo que o consumidor ajuíze a ação desde logo contra as demais empresas integrantes do grupo econômico, as quais podem ter saúde financeira melhor que a infratora. [04]

Por fim, no que tange à responsabilidade dos integrantes de grupo econômico em relação aos débitos previdenciários temos a previsão contida no art. 30, IX, da Lei 8.212/91, in verbis:

"Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:

IX - as empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações decorrentes desta Lei".

Pelo dispositivo acima citado, na nossa opinião, permite-se a responsabilização das empresas que integrem grupo econômico onde exista relação de controle, e não apenas direção, participação ou coligação.A hipótese é de responsabilidade direta, solidária, ou seja, as empresas do grupo possuem responsabilidade solidária ex lege por débitos previdenciários.

A Lei 8.212/91 encontrou respaldo no art. 124, II, do Código Tributário Nacional, o qual determina que são solidariamente responsáveis pelo crédito as pessoas expressamente designadas por lei.

Na seara tributária (excluindo-se os créditos previdenciários), o artigo 124, inciso I, do Código Tributário Nacional possui a seguinte redação, in verbis:

"Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal" (...).

Cuida-se de dispositivo inserido no Título II, Capítulo IX do código, que trata do sujeito passivo da obrigação tributária. O dispositivo cuida de estabelecer a solidariedade pelo adimplemento das obrigações tributárias entre as pessoas que possuem interesse comum na situação que constitui o fato gerador.

A norma do art. 124 do Código Tributário Nacional trata de responsabilidade tributária, muito embora esteja localizada entre as normas gerais do capítulo que regula a sujeição passiva tributária. [05]

Já vimos que os grupos societários são formados com o objetivo de atender às necessidades do desenvolvimento dos processos de produção e pesquisa, racionalizando a exploração empresarial, baixando custos e aumentando os lucros. Logicamente, há interesse de toda e qualquer pessoa jurídica integrante de grupo econômico nos atos de qualquer outra integrante, principalmente nos que beneficiem todo o agrupamento.

Com mais impacto ainda repetimos a afirmação final acima quando tratamos de grupos econômicos que se valem de confusão patrimonial, gerencial e financeira, e ainda os grupos de fato. Nestes grupos, os atos de um, principalmente na seara tributária, são de total interesse das outras empresas agrupadas.

Nos grupos econômicos, o interesse comum vincula as empresas agrupadas por circunstâncias externas formadoras de solidariedade, provenientes da consciência de grupo, das necessidades que interligam as empresas participantes.

Desta forma, o interesse comum é justificado pela unidade de direção ou controle, com objetivos finais idênticos de todos os entes agrupados. Há claro aproveitamento das pessoas jurídicas que formam o grupo econômico com as atividades desempenhadas por qualquer delas, pois agem por coordenação ou subordinação. [06]

Há interesse comum que justifica a responsabilidade tributária solidária quando as empresas integrantes de grupo econômico ocultam ou registram indevidamente negócios jurídicos realizados entre elas para benefício comum. Há diversas situações de fato que interligam as empresas do grupo econômico, sendo perfeitamente possível evidenciar solidariedade entre os integrantes, pois além do patrimônio comum (confusão patrimonial), há interesse comum nos negócios jurídicos realizados em benefício do grupo societário. [07]

Todavia, há julgados na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de que não caracteriza a solidariedade passiva em execução fiscal o simples fato de duas empresas pertencerem ao mesmo grupo econômico, pois a expressão "interesse comum", para o Tribunal supracitado, deve ser entendida de maneira diversa à exposta no parágrafo acima.

Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o "interesse comum" apenas resta caracterizado quando as empresas do grupo econômico desempenham a mesma atividade configuradora do fato gerador, ou seja, é imprescindível que as empresas agrupadas realizem conjuntamente a situação configuradora do fato gerador. [08]

Ainda segundo a jurisprudência do STJ, a expressão "interesse comum" é um conceito indeterminado, sendo necessário proceder a uma "interpretação sistemática" das normas tributárias, com o fito de alcançar a ratio essendi do dispositivo supracitado.

O esforço interpretativo da Corte culminou no entendimento e consolidação de jurisprudência no sentido de que o "interesse comum" previsto no art. 124, I, implica que as empresas agrupadas, para serem solidariamente responsáveis, devem ser sujeitos da relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato imponível, pois feriria a lógica jurídico-tributária a inclusão, no pólo passivo da demanda, de alguém que não tenha tido participação na ocorrência do fato gerador da obrigação, mesmo que faça parte de grupo econômico beneficiado economicamente. [09]

Para o STJ, mesmo que haja participação nos lucros entre os entes agrupados, o que reforça a idéia de interesse comum, não há solidariedade. Com a devida venia, ousamos discordar do entendimento.

Defendemos nossa posição quando recordamos, principalmente, dos casos nos quais há lucros e vantagens divididos entre as empresas agrupadas, demonstrando a clara existência de interesse comum. Não existisse a interpretação restritiva emprestada pelo Superior Tribunal de Justiça ao art. 124, I, do Código Tributário Nacional, tal dispositivo seria, no campo dos débitos tributários, equivalente ao que o art. 30, IX, da Lei 8.212/91 é no campo previdenciário.

A partir do momento em que se estabelece a relação de grupo entre sociedades, especialmente um grupo de fato, com centralização e subordinação entre os entes agrupados, diversas empresas são reunidas para formar um ente de natureza econômica destinado ao atendimento dos objetivos determinados pela empresa controladora. As sociedades dominadas, portanto, servem como mero instrumento para consecução do fim determinado pela dominante, atuando como se fossem simples prepostas. [10]

Portanto, de acordo com o atual entendimento jurisprudencial, podemos concluir que em sede de responsabilização de grupos econômicos, o art. 124, I só é servil quando estamos diante de agrupamentos onde as empresas realizam a mesma atividade, o que também entendemos aplicável naqueles grupos econômicos compartimentados, onde as pessoas integrantes realizam as diversas etapas de uma atividade singular.

Por fim, ressaltamos a necessidade de alterações legislativas societárias e tributárias, com o escopo de melhor delinear a responsabilidade das empresas integrantes de grupos econômicos, tendo em vista a carência de disposições na legislação do anonimato e a interpretação restritiva conferida ao dispositivo do Código Tributário Nacional. Ainda, pensamos ser necessária reforma no Código de Defesa do Consumidor, estabelecendo responsabilidade solidária entre os integrantes de agrupamento, tendo em vista o espírito protetivo do diploma citado.


Notas

  1. BULGARELLI, Waldírio. Manual das sociedades anônimas. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 299.
  2. COMPARATO, Fabio Konder. FILHO, Calixto Salomão. O poder de controle na sociedade anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 501.
  3. COMPARATO, Fabio Konder. FILHO, Calixto Salomão. O poder de controle na sociedade anônima. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 502.
  4. ALBERTON, Genacéia da Silva. A Desconsideração da Pessoa Jurídica no Código do Consumidor, Aspectos Processuais. Ajuris, Vol 19, N 54, p. 146-180, Março/1992.
  5. NEDER. Marcos Vinicius. Solidariedade de Direito e de Fato – Reflexões acerca de seu Conceito in Responsabilidade Tributária, Coordenadores Maria Rita Ferragut, Marcos Vinícius Neder. São Paulo: Dialética, 2007. p. 32.
  6. CAMELO. Bradson Tibério Luna. Solidariedade Tributária de Grupo Econômico de Fato. Revista Dialética de Direito Tributário. Nº 170. p. 21.
  7. NEDER. Marcos Vinicius. Solidariedade de Direito e de Fato – Reflexões acerca de seu Conceito in Responsabilidade Tributária, Coordenadores Maria Rita Ferragut, Marcos Vinícius Neder. São Paulo: Dialética, 2007. p. 46
  8. REsp 834.044/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 15/12/2008.
  9. REsp 884.845/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/02/2009, DJe 18/02/2009.
  10. HOLLANDA, Pedro Ivan Vasconcelos. Os grupos societários como superação do modelo tradicional da sociedade comercial autônoma, independente e dotada de responsabilidade limitada Dissertação mestrado, UFPR, Curitiba, 2008
Sobre o autor
Nabor Batista de Araujo Neto

Procurador da Fazenda Nacional, pós-graduado em Direito Público pela Faculdade Maurício de Nassau (Recife/PE), pós-graduando em Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO NETO, Nabor Batista. A responsabilidade das empresas integrantes de grupo econômico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2820, 22 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18739. Acesso em: 22 dez. 2024.

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