INTRODUÇÃO
É consenso entre os operadores do direito a necessidade inarredável de se adotar medidas que busquem resgatar a agilidade e eficiência do processo.
As recentes transformações vividas pelo mundo, em especial o Brasil e a sua estabilidade constitucional, têm provocado mudanças drásticas nos padrões das relações pessoais e, consequentemente, nas demandas apresentadas perante o Poder Judiciário, tornando-se inviável a utilização de mecanismos processuais elaborados há décadas.
Desde o seu surgimento, a informática tem provocado inegáveis mudanças nos mais diferentes aspectos da vida humana. Inicialmente, sinônimo de enormes equipamentos e restrita às searas militares, seu uso se estende cada vez mais, atuando perante as mais básicas atividades cotidianas até as complexas operações em outros planetas.
Como o Direito trata-se de uma ciência humana, todas as alterações ocorridas na sociedade lhe afeta diretamente, sendo uma de suas maiores características o acompanhamento, ainda que tardiamente, das evoluções sociais.
Contudo, esta influência recebida pelo Direito não se limita às matérias discutidas por estudiosos ou perante as demandas submetidas ao crivo do Poder Judiciário, mas também atinge os meios como esta ciência é posta em prática.
Entretanto, as mudanças sempre são vistas, inicialmente, com desconfiança e receio. Deste modo, o primeiro resultado provocado pela inovação é uma natural resistência ao desconhecido, mas, historicamente, tal posicionamento conservador tem se mostrado superável. Exemplo pitoresco ocorreu na década de 40, onde alguns doutrinadores criticaram a inovação apresentada pelo novel Código de Processo Penal (CPP), que possibilitava o uso da datilografia para as sentenças, sob o argumento de que isto colocaria em dúvida a autenticidade e o sigilo do ato.
Na recente história, pode-se apresentar as seguintes inovações postas em prática e que têm surpreendido positivamente até mesmos os mais entusiastas: Páginas Eletrônicas dos órgãos do Poder Judiciário; Consulta processual eletrônica; Lei nº 11.419/2006 (Processo Eletrônico); Sistema push; Clipping de Legislação; Certificação digital; TV e Rádio Justiça; Revista eletrônica de Jurisprudência; Penhora online; Leilão eletrônico; Peticionamento eletrônico e vários outros projetos cuja citação tomaria quase uma página completa.
Dentre estas ferramentas, encontra-se a videoconferência, meio de comunicação remota que permite iteração visual e auditiva entre dois ou mais participantes, cuja constitucionalidade da utilização tem sido questionada.
Todavia, todos os obstáculos apresentados pelos que defendem sua inaplicabilidade vêm sendo tranquilamente superados. E com razão, pois esta ferramenta é capaz de racionalizar diversos atos processuais que são de reconhecida morosidade.
Perante esta realidade, este estudo pretende demonstrar os aspectos mais importantes deste instrumento revolucionário de comunicação e esclarecer as ainda restritas aplicações práticas perante o processo penal.
Inicialmente, são apresentados os aspectos históricos de sua ruidosa implementação perante o Poder Judiciário brasileiro e a sua aplicabilidade interna em alguns países estrangeiros e perante a comunidade internacional.
Logo depois, são trazidos à baila conceitos inerentes à videoconferência e que ajudarão a compreender o restante deste estudo.
Por fim, é apresentada a aplicação prática deste instrumento sob a ótica da Lei Ordinária nº 11.900/2009, norma que regulamentou a matéria em âmbito nacional. Esta abordagem é dividida em três segmentos, de acordo com o destinatário: interrogatório do réu, declarações do ofendido e inquirição de testemunhas.
Portanto, esta estruturação didática torna o presente estudo capaz de abordar, na medida do possível, os fatos e características inerentes a este interessante tema que certamente muito terá a adicionar à busca da eficiência do processo penal brasileiro.
1.ASPECTOS HISTÓRICOS
Historicamente, o primeiro uso da videoconferência no âmbito judicial deu-se em 27/08/1996, quando o juiz Edison Aparecido Brandão utilizou meios de som e vídeo para, em tempo real e sem sair de sua Vara em Campinas/SP, comunicar-se com o acusado, que se encontrava em local distante (na prisão) e efetuar o seu interrogatório.
Ainda que neste período inexistisse normatização específica, o citado magistrado acertadamente adotou medidas de garantia aos direitos fundamentais do acusado, concedendo-lhe um advogado para acompanhá-lo na sala de prisão onde se encontrava e outro patrono para acompanhar o ato processual presencialmente na sala do fórum onde ocorreu a audiência.
Poucos dias depois, na manhã de 09/09/1996, mais um interrogatório à distância foi realizado. Permanecendo na 26ª Vara Criminal da capital paulista, o juiz Luiz Flávio Gomes, ao lado de membro do Ministério Público, utilizou-se dos meios disponíveis à época para, por meio da internet, enviar e receber mensagens de texto de dois réus (que se encontravam há aproximadamente 15 quilômetros), em tempo real, mas sem interação visual ou auditiva.
É interessante notar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, já em 1995, admitia a utilização de meios informatizados para a realização de atos processuais de forma mais célere, conforme pode ser observado no Acórdão proferido no RHC nº 4.788/SP, de relatoria do Min. Jesus Costa Lima, abaixo colacionado:
PROCESSUAL PENAL. EXCESSO DE PRAZO NA INSTRUÇÃO. PECULIARIDADES.
I. Impetração alegando excesso de prazo para concluir a instrução. O tema implica em se considerar a época em que foi elaborado o código de processo penal, as mudanças ocorridas no país e, especialmente, em se cuidando de processo incluindo vários réus, as dificuldades por eles opostas para serem citados ou a demora na apresentação ao juízo, a fim de serem interrogados, o que não depende do poder judiciário. Reconheço que, se poderia caminhar com o emprego da informática para agilizar o andamento processual, utilizando-se a teleconferência para se interrogar réus e testemunhas residentes em outras comarcas, com o que se evitaria, no caso dos réus, as comuns fugas. No caso, por evidente, se não esta demonstrado que a coação decorre de ato provocado pelo Ministério Publico e nem pelo juízo da causa, a demora encontra-se justificada. em oportunidade anterior salientei que se trata de réu de acentuada periculosidade, tendo agido com mais doze "colegas", interceptando um carro forte com rajadas de metralhadoras e disparos de revolveres e fuzis subtraindo apreciável quantidade em dinheiro.
II. Recurso conhecido, mas improvido pelos próprios fundamentos do julgado.
(RHC 4788/SP, Rel. Ministro Jesus Costa Lima, Quinta Turma, julgado em 23/08/1995, Dj 25/09/1995, p. 31118)
(n. g.)
A partir de então, a videoconferência foi utilizada nos mais diversos Estados brasileiros e cada vez com mais frequência [01]. Ante a omissão do Poder Legislativo Federal, aos poucos foram surgindo normatizações para reger a matéria, sendo a mais conhecida delas a Lei Estadual nº 11.815/2005, do Estado de São Paulo, que assim dispõe em seu primeiro dispositivo:
Art. 1º Nos procedimentos judiciais destinados ao interrogatório e à audiência de presos, poderão ser utilizados aparelhos de videoconferência, com o objetivo de tornar mais célere o trâmite processual, observadas as garantias constitucionais.
Assim, a questão foi apresentada perante o Poder Judiciário e surgiram esporádicos julgados que constatavam a nulidade do uso da videoconferência para a realização do interrogatório do acusado. Buscando pacificar a divergência criada nas sedes ordinárias, a matéria foi levada ao Supremo Tribunal Federal por meio do HC 88.914/SP, tendo sido decidido em 14/08/2007 que tal forma de interrogatório, sequer prevista no ordenamento federal, violava a publicidade dos atos processuais e que o prejuízo seria intuitivo, assim como afetaria o direito à autodefesa, razão pela qual sua validade foi recusada, de acordo com a ementa apresentada abaixo.
EMENTA: AÇÃO PENAL. Ato processual. Interrogatório. Realização mediante videoconferência. Inadmissibilidade. Forma singular não prevista no ordenamento jurídico. Ofensa a cláusulas do justo processo da lei (due process of law). Limitação ao exercício da ampla defesa, compreendidas a autodefesa e a defesa técnica. Insulto às regras ordinárias do local de realização dos atos processuais penais e às garantias constitucionais da igualdade e da publicidade. Falta, ademais, de citação do réu preso, apenas instado a comparecer à sala da cadeia pública, no dia do interrogatório. Forma do ato determinada sem motivação alguma. Nulidade processual caracterizada. HC concedido para renovação do processo desde o interrogatório, inclusive. Inteligência dos arts. 5º, LIV, LV, LVII, XXXVII e LIII, da CF, e 792, caput e § 2º, 403, 2ª parte, 185, caput e § 2º, 192, § único, 193, 188, todos do CPP. Enquanto modalidade de ato processual não prevista no ordenamento jurídico vigente, é absolutamente nulo o interrogatório penal realizado mediante videoconferência, sobretudo quando tal forma é determinada sem motivação alguma, nem citação do réu.
(HC 88914, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 14/08/2007, DJe-117 DIVULG 04-10-2007 PUBLIC 05-10-2007 DJ 05-10-2007 PP-00037 EMENT VOL-02292-02 PP-00393 RTJ VOL-00202-03 PP-01154 RT v. 97, n. 868, 2008, p. 505-520)
Não bastando o afastamento do uso da videoconferência, a Excelsa Corte anulou todos os atos processuais praticados a partir do interrogatório.
Além disto, a utilização da videoconferência para a realização do interrogatório sofreu outro duro golpe. A doutrina e a jurisprudência nunca viram com bons olhos a disposição de matéria processual através de lei estadual, vindo tal discussão a ser pacificada em 30/10/2008 mediante o julgamento do HC 90.900/SP, cuja transcrição se faz abaixo:
EMENTA HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. INTERROGATÓRIO DO RÉU. VIDEOCONFERÊNCIA. LEI Nº 11.819/05 DO ESTADO DE SÃO PAULO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE MATÉRIA PROCESSUAL. ART. 22, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A Lei nº 11.819/05 do Estado de São Paulo viola, flagrantemente, a disciplina do art. 22, inciso I, da Constituição da República, que prevê a competência exclusiva da União para legislar sobre matéria processual.
2. Habeas corpus concedido.
(HC 90900, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 30/10/2008, DJe-200 DIVULG 22-10-2009 PUBLIC 23-10-2009 EMENT VOL-02379-04 PP-00747)
(n. g.)
É importante notar que o entendimento adotado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal foi no sentido de declarar a citada lei paulista inconstitucional em razão de vício formal por violação ao art. 22, I, da Constituição Federal de 1988, que aponta ser competência privativa da União legislar sobre direito processual. Como bem assevera Lenza [02], neste julgado não foi analisado o mérito da questão, "qual seja, se a videoconferência poderia caracterizar violação aos princípios do devido processo legal, contraditório, ampla defesa, publicidade, isonomia, etc."
Como é de costume, após esperar a manifestação do Excelso Tribunal acerca de um tema polêmico, o Congresso Nacional promulgou em 08/01/2009 a Lei Ordinária nº 11.900/2009, inserindo no bojo do Código de Processo Penal (CPP) disposição expressa acerca da videoconferência.
Desde então, a temática tem ganhado contornos mais uniformes perante a doutrina e a jurisprudência, inexistindo, até o momento, posicionamento da Corte Maior acerca de sua constitucionalidade, ou não. Entretanto, ao se lembrar que este Areópago já se posicionara outrora em matéria similar no HC 90.900/SP e a única razão para a inconstitucionalidade apresentada foi o vício formal de competência, é muito provável que esta Lei Federal seja declarada constitucional e prevaleça válida a utilização deste instrumento direto da aplicação do Princípio da Eficiência no sistema processual penal.
Contudo, apesar da atual e expressa previsão legal admitindo a utilização do sistema de videoconferência no processo penal para o interrogatório do réu, da oitiva das testemunhas e da possível colheita das declarações do ofendido, a divergência permanece ferrenha em sede doutrinária e jurisprudencial.
1.1.VIDEOCONFERÊNCIA NO DIREITO COMPARADO
Ao redor do mundo, a videoconferência é aplicada em diversos países, de modo mais ou menos restrito, de acordo com seus ordenamentos jurídicos. Podem-se citar exemplos como Austrália, Canadá, Cingapura, Chile, Espanha, França, Holanda, Índia, Itália, Reino Unido e Timor Leste. Como bem cita Aras [03]
"Nos Estados Unidos da América, tanto a legislação processual federal quanto a de muitos dos 50 estados-federados permitem a utilização de videoconferência em ações criminais.
Já a partir de 1983, passou-se a adotar o sistema de vídeo-links para a coleta de depoimentos de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, de movo a evitar o traumático confrontamento do ofendido, com o ofensor, numa sala de audiência. Um dos primeiros casos em que isto ocorreu foi sem dúvida o do terrorista apelidado de Unabomber"
Em terras portuguesas, a videoconferência foi utilizada no retumbante processo de pedofilia por lá conhecido como "Escândalo da Casa Pia" com o intuito de preservar as diversas vítimas menores do constrangimento durante a ação penal após manifestação favorável da Procuradoria-Geral da República. Além disto, a legislação portuguesa, como a de outros países da Europa, admite o uso de equipamentos audiovisuais para capturar depoimentos de vítimas, as chamadas declarações em conserva.
É muito importante ser observado que a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 5.015/2004, assim como outros instrumentos de mútua cooperação internacional [04], prevê, de forma expressa, em seu artigo 18, 18, hipóteses de uso da videoconferência no plano internacional. Veja-se:
Artigo 18
Assistência judiciária recíproca
(...)
18. Se for possível e em conformidade com os princípios fundamentais do direito interno, quando uma pessoa que se encontre no território de um Estado Parte deva ser ouvida como testemunha ou como perito pelas autoridades judiciais de outro Estado Parte, o primeiro Estado Parte poderá, a pedido do outro, autorizar a sua audição por videoconferência, se não for possível ou desejável que a pessoa compareça no território do Estado Parte requerente. Os Estados Partes poderão acordar em que a audição seja conduzida por uma autoridade judicial do Estado Parte requerente e que a ela assista uma autoridade judicial do Estado Parte requerido. (n. g.)
Assim, tanto em sede interna, quanto externa, diversos países, dentre eles o Brasil, admitem em seus planos normativos a adoção da videoconferência para a consecução de atos processuais penais, mais notadamente do interrogatório do réu, da oitiva das testemunhas e de eventuais esclarecimentos do ofendido.
É de se notar que, embora seja norma internacional, após a sua aprovação perante o Congresso Nacional e a expedição de decreto presidencial, advém a sua integração normativa, no plano legislativo pátrio, como Lei Ordinária.
2.CONCEITO DE VIDEOCONFERÊNCIA E INTERROGATÓRIO ONLINE
De acordo com conceito apresentado pela International Telecommunication Union [05], videoconferência é um serviço audiovisual de conversação interativa que prevê uma troca bidirecional e em tempo real, de sinais de áudio (voz) e vídeo (imagem) entre grupos de usuários em dois ou mais locais distintos.
Fioreze [06] apresenta uma interessante distinção entre teleconferência, audioconferência e videoconferência: enquanto a primeira "é uma comunicação a distância de uma maneira combinada, compreendendo a telefonia e a televisão, através de uma comunicação via satélite", comumente ocorrendo "na maioria dos ensinos ministrados a distância", a segunda configura-se na "realização de uma conferência através de áudio (telefone ou celular)".
Já a terceira, que é a que mais interessa, é apontada por esta doutrinadora como a união dos dois conceitos anteriores, "a comunicação interativa nos dois sentidos, utilizando áudio e vídeo".
Por sua vez, o interrogatório online
"Trata-se de um interrogatório realizado a distância, ficando o juiz em seu gabinete no fórum e o acusado em uma sala especial dentro do próprio presídio, onde há uma interligação entre ambos, por meio de câmeras de vídeo, com total imagem e som, de modo que um pode ver e ouvir perfeitamente o outro
Numa sala, dentro do próprio complexo penitenciário, ficam o preso, agentes penitenciários, oficial de justiça, advogado, uma impressora, monitores de vídeo, um microfone, e uma câmera conectada ao computador. No outro lado, ligados por cabos de fibra ótica, ficam instalados os mesmos equipamentos, à disposição do juiz, no Fórum ou Tribunal, que conduzirá a audiência. O Ministério Público também pode (e deve) participar [07]".
3.A VIDEOCONFERÊNCIA NO PROCESSO PENAL DE ACORDO COM A LEI ORDINÁRIA Nº 11.900/2009
O advento da Lei Ordinária nº 11.900/2009 trouxe enormes mudanças à estrutura do art. 185, assim como incluiu o § 3º ao art. 222, ambos do CPP, passando o ordenamento jurídico processual penal brasileiro admitir, de modo expresso, a utilização de videoconferência para o interrogatório do réu, para a obtenção das declarações do ofendido e para a oitiva das testemunhas.
Estas sáo cada uma destas hipóteses e as inovações apresentadas pela citada Lei Ordinária logo abaixo:
3.1.O INTERROGATÓRIO DO RÉU
3.1.1.CONCEITO (ATUALIZADO) DE INTERROGATÓRIO
Inicialmente, é importante compreender que o interrogatório é "ato judicial, presidido pelo juiz [08], em que se indaga ao acusado sobre os fatos imputados contra ele, advindo de uma queixa ou denúncia, dando-lhe ciência, ao tempo em que lhe oferece oportunidade de defesa", como aponta Bezerra [09].
Apesar da vetusta redação originária do CPP considerar o interrogatório apenas como meio de prova, a doutrina e a jurisprudência há tempos vislumbram neste ato processual um mecanismo de defesa para uso do réu. Portanto, é possível atribuí-lo caráter híbrido, tanto como meio de prova, como meio de defesa [10].
Em razão deste último caráter, o interrogatório também consiste em meio de acesso à justiça. Como aduzido por Bonato [11], "garantir o acesso à Justiça significa, primordialmente, no Processo Penal, possibilitar ao acusado ou indiciado todos os meios de exercer as garantias fundamentais que a Constituição lhe confere, tornando efetiva a sua defesa perante os órgãos estatais".
Adentrando na análise dos dispositivos legais pertinentes, é possível constatar, segundo tipifica o art. 185, caput e § 1º, do CPP, que existem duas regras para a realização do interrogatório.
A primeira delas diz respeito ao réu solto que comparece, durante o tramitar do processo, perante a autoridade judiciária. Nesta hipótese, será realizada a sua qualificação e interrogatório perante defensor constituído ou, na falta deste, defensor nomeado pelo juízo.
A segunda hipótese regular ocorre em relação ao réu que se encontra preso. Neste caso, o interrogatório realizar-se-á no estabelecimento prisional, em sala específica para tal fim, desde que sejam garantidas condições de segurança para o juiz, membro do Parquet, dos auxiliares, assim como a presença do defensor e da publicidade do ato, sendo visível a omissão legislativa em relação à testemunha e aos auxiliares da justiça. Porém, como aponta Nucci [12],
"tal sistemática ficou bastante prejudicada com a edição da Lei 11.719/08, que inseriu o interrogatório no final da instrução, em audiência única, na maioria dos procedimentos, pouco antes da realização dos debates e julgamento. Logo, é inviável que todos os participantes do ato processual uno se dirijam ao presídio para que, nesse local, colham-se os depoimentos. Aliás, essa medida não está prevista em lei"
Até então, foram apresentadas, superficialmente, as regras do interrogatório.
3.1.2.INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA
Excepcionalmente, e é neste ponto em que se encontra o cerne da presente abordagem, "poderá o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real", conforme dispõe o § 2º, do art. 185, do CPP. Note-se que, conforme as sábias palavras de Bechara & Campos, apud Lenza [13]
"o que deve autorizar o uso da técnica, contudo, é o fundado receio de comprometimento da eficiência do processo, seja por razões de segurança ou ordem pública, seja porque o processo guarda certa complexidade, e a participação à distância resulte necessária para evitar o atraso no seu andamento". (n. g.)
Para que o interrogatório seja realizado por videoconferência, é imperioso que tal medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:
a)Prevenir risco à segurança pública (art. 185, § 2º, I, do CPP): Caso o magistrado tenha fundadas suspeitas de que o réu integre organização criminosa ou que possa proporcionar, de outro modo (v.g. crimes praticados com violência ou grave ameaça), risco de fuga durante o seu deslocamento à audiência, a adoção do interrogatório por videoconferência se demonstra perfeitamente cabível.
Todavia, a redação dada ao dispositivo é deveras ampla ao utilizar o termo "fundada suspeita", devendo o magistrado, para cumprir o requisito da fundamentação da decisão e não vulgarizar a exceção, indicar a existência de elementos concretos que levem a crer ser o réu participante de organização criminosa ou que possa fugir durante o deslocamento ao Fórum.
b)Dificuldade de comparecimento do réu em juízo (art. 185, § 2º, II, do CPP): Esta interessante hipótese aduz que, caso o réu possua condição especial que lhe impeça ou torne dificultoso o seu comparecimento perante o juízo, o seu interrogatório poderá ser realizado por videoconferência. Tal situação pode ser vislumbrada, por exemplo, caso o réu esteja sofrendo de doença infecto-contagiosa que colocaria em risco os policiais que o escoltariam, o magistrado e os demais participantes da audiência presencial.
Outra ocasião possivelmente autorizadora do interrogatório por videoconferência, talvez uma das principais inspirações para a elaboração deste novo sistema, pois reduziria custos e tempo, é a longa distância do estabelecimento penal em que o réu estiver cautelarmente preso. Entretanto, alguns doutrinadores, dentre eles Trigueiros Neto & Monteiro [14], sustentam não "ser tal motivo razoável para ensejar a supressão do direito presencial de audiência do réu, sob pena de recursos financeiros serem mais relevantes do que o exercício efetivo da ampla defesa".
c)Possibilidade de influência do réu no ânimo da(s) vítima(s) e/ou testemunha(s) (art. 185, § 2º, III, do CPP): Em algumas situações, a presença do réu é capaz de despertar os mais profundos sentimentos de temor nas vítimas, por rememorarem os fatos ocorridos, ou nas testemunhas, por receio de sofrerem represálias.
Conforme citado no próprio dispositivo sob comento, a sua aplicação deve ocorrer em observância à previsão do art. 217, do CPP, que assim dispõe:
Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.
Assim, caso o magistrado entenda que a presença do réu será capaz de afetar o ânimo da vítima e/ou da testemunha e que isto pode alterar a veracidade do(s) depoimento(s), em regra, deverá efetuar a inquirição destas por meio de videoconferência. Caso isto seja impossível, abrir-se-á oportunidade para a realização do interrogatório por meio de videoconferência [15].
d)Resposta à gravíssima questão de ordem pública: Esta hipótese, de concepção demasiadamente ampla, deve ser compreendida como uma cláusula genérica, semelhante como ocorre com a interpretação analógica trazida pelo legislador penal. Todavia, seu caráter genérico é criticado até mesmo pela doutrina favorável ao uso da videoconferência em interrogatórios judiciais, como é exemplo Pacelli [16], ao dizer que
"...não se pode aceitar a possibilidade de interrogatório por videoconferência prevista no inciso IV, do § 2º, do art. 185, que se refere a uma inexplicável gravíssima questão de ordem pública... Mas, o que deve ser rejeitado é a abertura (conceito indeterminado) incontrolável da expressão (ordem pública) para fins de aferição da situação de cautela. O núcleo legitimador da medida (videoconferência) já vem expresso no inciso I: segurança pública e risco de fuga. Nada mais é preciso e tudo o mais será desnecessário."
Adotada a videoconferência para o interrogatório, as partes deverão ser intimadas com no mínimo dez dias de antecedência, segundo dispõe o art. 185, § 3º, do CPP. De certo, a finalidade desta escorreita previsão legal visa evitar quaisquer surpresas às partes envolvidas [17].
Além disto, as recentes alterações que a Lei nº 11.719/2009 trouxe ao CPP, dentre elas a unificação da audiência de instrução e julgamento, fez com que o interrogatório do réu constituísse o último ato desta. Por tal razão, o art. 185, § 4º, do aludido Código, afirma que, "antes do interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento". Mais uma vez, é de se louvar tal atenção do legislador federal, pois, do contrário, o processo invariavelmente estaria infectado por nulidade, pois o Princípio da Ampla Defesa garante ao réu o direito de presença em todos os atos processuais, principalmente aqueles de cunho instrutório.
Continuando as garantias à ampla defesa do réu, o art. 185, § 5º, do CPP, garante o importante direito de prévia e reservada entrevista com o defensor para qualquer modalidade de interrogatório. E não se restringe a isto. Caso este ato processual seja realizado por videoconferência, será obrigatória a constituição de dois advogados: um que permanecerá ao lado do réu, no presídio, e outro que estará na sala de audiência do Fórum. Para permitir a comunicação entre os patronos e entre aquele que se encontra na sala de audiência e o réu, é garantida a disponibilização de canais telefônicos reservados.
Como meio de atestar a adequação da sala do estabelecimento prisional em que se realizarem as videoconferências, haverá fiscalização por parte dos corregedores dos Tribunais, dos juízes das causas, pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil (art. 185, § 6º, do CPP).
Por fim, o art. 185, § 7º, do CPP, prevê uma situação duplamente excepcional: caso o réu preso não possa ser interrogado no estabelecimento prisional e por meio de videoconferência, a sua presença será solicitada perante o juízo e o interrogatório efetuar-se-á de modo presencial.
3.2.DECLARAÇÕES DO OFENDIDO
Além de seu uso para a realização do interrogatório do réu, a videoconferência pode ser utilizada para a colheita das declarações do ofendido, a pessoa titular do direito lesado ou colocado em perigo no crime, ainda que este seja cometido contra a Administração Pública.
Cabe notar que, "sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações", como informa o art. 201, do CPP.
Caso o ofendido seja intimado para tal finalidade e não comparecer por justo motivo, a autoridade judiciária ordenará a sua condução coercitiva ao juízo, segundo dispõe o art. 201, § 1º, do CPP.
É importante esclarecer que o ofendido não é testemunha, recebendo tratamento completamente diferenciado. De início, não presta compromisso de dizer a verdade em razão de, em regra, ter interesse na condenação do réu, além de ser afetado por sentimentos de ódio e vingança, o que apenas potencializa a parcialidade de suas declarações.
Neste viés, o ofendido presta declarações e não depoimento, não sendo a sua mentira em juízo configurada como a prática do crime de falso testemunho previsto no art. 342, do Código Penal Brasileiro (CPB). Entretanto, tal ardil pode, eventualmente, ser configurada como a prática dos crimes de comunicação falsa de crime ou contravenção penal (art. 339, do CPB) e/ou denunciação caluniosa (art. 340, do CPB).
Conforme observado reiteradamente na prática forense, em alguns delitos, sendo um grande exemplo os crimes sexuais (por geralmente serem praticados às escondidas), as declarações do ofendido são dotadas de enorme poder probatório. Todavia, esta característica não lhe torna uma prova absoluta para a condenação do réu, devendo sê-las analisadas em conjunto às demais.
Feitas estas considerações iniciais, além da prática habitual da colheita das declarações do ofendido por meio presencial na audiência de instrução e julgamento, tal ato processual também poderá ser efetuada através de videoconferência, conforme dispõe a parte final, do § 8º, do art. 185, do CPP, abaixo transcrito e destacado:
Art. 185 ...
(...)
§ 8º Aplica-se o disposto nos §§ 2º, 3º, 4º e 5º deste artigo, no que couber, à realização de outros atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa, como acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirição de testemunha ou tomada de declarações do ofendido. (n. g.).
Este dispositivo também apresenta a utilização da videoconferência como forma excepcional para a colheita de prova, pois limitada à hipótese do ofendido encontrar-se preso no momento da colheita de seus depoimentos, cabendo ao caso todas as disposições e observações concernentes ao art. 217, do CPP, conforme outrora apresentado.
Porém, este entendimento ultrapassa esta fronteira. Apesar do uso da videoconferência ser restrito à citada hipótese (ofendido preso), é a expectativa que, com a difusão dos meios eletrônicos no Poder Judiciário, a videoconferência também seja utilizada em casos em que seja exigida a expedição de carta precatória para oitiva de pessoas, dentre elas o ofendido, que estejam localizadas fora da jurisdição do juízo competente, por aplicação analógica do art. 222, § 3º, do CPP, cuja análise se dará posteriormente. Tal raciocínio busca efetivar a recente adoção do Princípio da Identidade Física do juiz no processo penal.
Por derradeiro, mais uma vez é de se reiterar que o legislador federal buscou condicionar a utilização da videoconferência ao respeito às garantias ao exercício da ampla defesa do réu. Caso o ofendido preste suas declarações por este modo, "ficará garantido o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor", segundo a clara disposição do art. 185 § 9º, do CPP.
3.3.INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS
Como última hipótese de expressa previsão legal para a utilização da videoconferência no processo penal encontra-se a inquirição de testemunhas.
Conceitualmente, testemunha
"é todo homem, estranho ao feito e equidistante das partes, chamado ao processo para falar sobre fatos perceptíveis a seus sentidos e relativos ao objeto do litígio. É a pessoa idônea, diferente das partes, capaz de depor, convocada pelo juiz, por iniciativa própria ou a pedido das partes, para depor em juízo sobre fatos sabidos e concernentes à causa" [18].
Ademais, a declaração da testemunha deve ser objetiva, apenas cabendo suas manifestações pessoais quando intrínsecas à narrativa do fato, como aponta o art. 213, do CPP, sem olvidar o que apresentado no item anterior no que tange ao seu compromisso de dizer a verdade, sob pena de cometimento do crime previsto no art. 342, do CPP.
Como levado à lume ao tratar da terceira hipótese de utilização da videoconferência para o interrogatório do réu (art. 185, § 2º, III, do CPP), caso o magistrado verifique ser a presença deste uma possível causa de influência no ânimo da testemunha, de modo que prejudique a veracidade dos depoimentos a serem prestados, tal ato processual se promoverá por meio de videoconferência e, caso impossível, mediante a retirada temporária do réu do recinto, permanecendo o seu defensor (art. 217, do CPP).
Além desta, poderá ocorrer a aplicação da videoconferência para a oitiva da testemunha na hipótese desta encontrar-se presa, caso em que se aplicam as mesmas disposições atinentes à colheita de depoimentos do ofendido.