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A responsabilização do agente político à luz da Reclamação nº 2.138 do STF

Agenda 03/05/2011 às 11:46

A Administração Pública está sujeita a controles internos e externos. Nesse contexto, de grande importância é a Lei 8.429, de 02 de junho de 1992, a qual teve sua gênese a partir do art. 37, §4º da Constituição Federal. Trata-se de poderoso instrumento de controle judicial sobre atos de improbidade e meio de realização do princípio da moralidade administrativa.

Para efeitos dessa lei, considera-se agente público, em conformidade com seu art. 2º, "todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades arroladas em seu art. 1º." [01]

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, a expressão agentes públicos "é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam ocasional ou episodicamente." [02]

Atualmente, assume grande relevo avaliar o tema da ação de improbidade contra agentes políticos, o qual tem sido objeto de intensa controvérsia. Enquanto alguns defendem o uso da ação de improbidade contra toda e qualquer autoridade, outros afirmam veementemente a impossibilidade do uso indiscriminado da ação de improbidade administrativa contra agentes políticos. Enfim, os agentes políticos submetem-se ao regime da Lei de Improbidade ou estariam regidos por normas especiais de responsabilidade?

Como afirma o Min. Nelson Jobim, essa questão é eminentemente jurídica e reflete a avaliação que o próprio sistema faz sobre o funcionamento de suas instituições.

In casu, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº. 2.138-6⁄DF entendeu pela absorção do ato de improbidade administrativa pelo crime de responsabilidade previsto na Lei 1.079/50, quando o sujeito ativo for o ocupante de alto escalão do governo.

A priori, é importante esclarecer que o STF entende, restritivamente, por agente político - e que, portanto, somente responderiam pelos crimes de responsabilidade tipificados em lei especial - o Presidente da República, os Ministros de Estado, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os Governadores e Secretários de estado-membro, os Governadores do Distrito Federal e Territórios, seus respectivos secretários (CF, parágrafo único do art. 85, Lei 1.079/50 e Lei 7.106/83), bem como os Prefeitos Municipais (Decreto-lei 201/67, art. 4º). Desse modo, os parlamentares não estariam sujeitos a crimes de responsabilidade.

A reclamação assenta-se sobre o fundamento de que os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei n° 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. Por isso, far-se-ia necessário distinguir os regimes de responsabilização político-administrativa, isto é, o regime de responsabilidade dos agentes políticos do regime dos demais agentes públicos, uma vez que a Constituição não admitiria a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei n° 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, "c", (disciplinado pela Lei n° 1.079/1950).

Esse posicionamento pressupõe que ocorre conflito normativo entre a Lei 8.429/92 e a Lei 1.079/50, o qual se resolve através do critério da especialidade em favor desta última. Conforme entendimento exposto em estudo do MPF, o equívoco está na falsa percepção de um conflito. Na verdade, ambas as leis são específicas, cada uma em seu âmbito de atuação. Enquanto a Lei 1.079/50 aplica-se exclusivamente aos crimes de responsabilidade das autoridades expressamente referidas, a Lei 8.429/92 aplica-se aos atos de improbidade administrativa, praticados por qualquer agente público, inclusive os agentes políticos. É a natureza jurídica da infração, se política ou jurídico-civil, que diferencia os referidos diplomas legais e não o sujeito ativo do ilícito. [03]

Segundo o Min. Joaquim Barbosa, haveria, portanto, uma dupla normatividade. As responsabilidades seriam entidades distintas, mas que não se excluem, podendo ser processadas separadamente, em processos autônomos, com resultados absolutamente distintos, embora desencadeadas pelos mesmos fatos.

A possibilidade da duplicidade de sanções aplicável aos agentes políticos resulta da autonomia dos regimes de responsabilização no sistema jurídico brasileiro, isto é, da autonomia das instâncias.

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O processo e julgamento dos agentes políticos por ato de improbidade administrativa é constitucionalmente admitido e decorre da aplicação dos princípios constitucionais da igualdade e da república. [04] Se a responsabilidade desses agentes estivesse restrita à esfera político administrativa, a Constituição teria excluído a possibilidade de aplicação das demais sanções judiciais a esses agentes.

Considerar que a regra constitucionalidade da punibilidade por improbidade administrativa (art. 37, §4º da CRFB) não seria aplicável aos agentes políticos poderia, até mesmo, conduzir à conclusão absurda de que esses agentes também não estariam sujeitos à observância dos princípios constitucionais da Administração Pública.

Como peremptoriamente afirma Marlon Weichert, o importante é destacar que não há um regime jurídico geral único e uniforme de proteção ao agente político mediante a interposição de filtros ou clivagens políticas, pois a Constituição tratou dessas questões casuística e topicamente. [05]

Por fim, como salienta o Min. Sepúlveda Pertence, "não há de temer o argumento ad terrorem de que pudesse um juiz singular suspender, preventivamente, o Presidente da República ou outro dignitário de alta hierarquia, nem dar à sua sentença força para destituí-lo imediatamente do mandato e suspender-lhe os direitos políticos", uma vez que a perda da função pública só se consuma com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Não obstante o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal nessa decisão, grande controvérsia ainda paira sobre a matéria. Há uma forte expectativa da doutrina de que esse posicionamento não se consolide na jurisprudência pátria, pois seria um lamentável retrocesso à malversação das verbas públicas e à improbidade administrativa. A votação acirrada no julgamento da Reclamação nº. 2.138-6⁄DF, a mudança na composição do Pretório Excelso durante o julgamento da Reclamação (Eros Grau, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski e Carmem Lúcia, os quais substituíram Maurício Correia, Nelson Jobim, Ilmar Galvão e Carlos Velloso), bem como a questionável constitucionalidade de seus fundamentos semeia a expectativa de que esse entendimento não se fortaleça no STF.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros, 25ª edição, 2008.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação. Usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Improbidade administrativa. Crime de responsabilidade. Agentes políticos. Reclamação 2138, Relator: Min. Nelson Jobim, Relator para Acórdão: Min. Gilmar Mendes. Tribunal Pleno. Brasília, DF, 13/06/2007.

BRASIL. Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950. Define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L1079.htm>. Acesso em: 10 out, 2008.

BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8112cons.htm>. Acesso em: 10 out 2008.

BRASIL. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L8429.htm>. Acesso em: 10 out 2008.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Estudo sobre o tema "A subsunção dos agentes políticos à Lei 8.429/92" a ser apreciado pelo excelso Supremo Tribunal Federal. Disponível em <http://ccr5.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/publicacoes-diversas/estudosubsuncaolei8429.pdf>. Acesso em 08 out., 2008.

WEICHERT , Marlon Alberto. Agentes Políticos, Improbidade Administrativa, Prerrogativa de Foro e Afastamento da Função Pública. Disponível em <http://ccr5.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/publicacoes-diversas/prerrogativa-de-foro/agentes_politicos_marlon.pdf.>. Acesso em 08 out., 2008.


Notas

  1. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros, 25ª edição, 2008.
  2. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros, 25ª edição, 2008.
  3. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Estudo sobre o tema "A subsunção dos agentes políticos à Lei 8.429/92" a ser apreciado pelo excelso Supremo Tribunal Federal. Disponível em <http://ccr5.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/publicacoes-diversas/estudosubsuncaolei8429.pdf>. Acesso em 08 out., 2008.
  4. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Estudo sobre o tema "A subsunção dos agentes políticos à Lei 8.429/92" a ser apreciado pelo excelso Supremo Tribunal Federal. Disponível em <http://ccr5.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/publicacoes-diversas/estudosubsuncaolei8429.pdf>. Acesso em 08 out., 2008.
  5. WEICHERT , Marlon Alberto. Agentes Políticos, Improbidade Administrativa, Prerrogativa de Foro e Afastamento da Função Pública. Disponível em <http://ccr5.pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/publicacoes-diversas/prerrogativa-de-foro/agentes_politicos_marlon.pdf.>. Acesso em 08 out., 2008.
Sobre a autora
Nara Lopes de Melo

Advogada. Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Nara Lopes. A responsabilização do agente político à luz da Reclamação nº 2.138 do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2862, 3 mai. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19026. Acesso em: 22 dez. 2024.

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