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Ensaio sobre a parceria público-privada (PPP) da nova arena esportiva Fonte Nova

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4. PPP EM ESTÁDIOS DE FUTEBOL

Tradicionalmente utilizada em setores de infra-estrutura, como energia, saneamento e transporte, a PPP passou também a ter aplicação em setores menos ortodoxos, tais como equipamentos esportivos (CABRAL e SILVA Jr, 2009).

A primeira questão a ser enfrentada é a tipificação do futebol como serviço público. Levando-se em consideração o conceito de serviço público, consagrado por Marçal Justen Filho, apresentado linhas acima, podemos afirmar seguramente que sim, já que não há dúvidas de que o futebol é esporte, lazer e trabalho, direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Para Sandro Cabral e Antônio Francisco Silva Júnior (2009, p.43) o futebol pode ser tipificado como um serviço de utilidade pública por sua importância cultural na sociedade brasileira e pelas externalidades positivas geradas por equipamentos esportivos. Mais um forte argumento a favor da tipificação do futebol como direito a ser protegido pelo Estado, pois, segundo a Constituição Federal (art. 23, III) é dever dos entes políticos zelar pelos bens e valores culturais e históricos.

No caso brasileiro, a escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014 gerou uma necessidade de investimentos em estádios na ordem de 5,4 bilhões de reais para obras de manutenção dos equipamentos existentes e construção de novos, conforme se demonstra na figura 2. Surge daí uma questão: sabendo-se que os recursos são limitados e há restrições à atuação direta da Administração Pública, como trasladar recursos de áreas prioritárias, concernentes à prestação de Direitos sociais pelo Estado, para viabilizar investimentos em equipamentos esportivos? A solução encontrada por muitos governos Estaduais, como é o caso da Bahia, foi a utilização de PPP.

Figura 2 – Investimentos em Equipamentos Esportivos

 

Estádio

Estado

Custo em R$ milhões

 

Estádio

Estado

Custo em R$ milhões

 

 

 

 

 

 

 

Valvidão

Amazonas

500

 

Arena da Baixada

Paraná

100

Fonte Nova

Bahia

605,5

 

Arena Capibaribe

Pernambuco

480

Castelão

Ceará

617

 

Maracanã

Rio de Janeiro

600

Mané Garrincha

Distrito Federal

700

 

Arena das Dunas

Rio Grande do Norte

400

Verdão

Mato Grosso

342

 

Beira-Rio

Rio Grande do Sul

130

Mineirão

Minas Gerais

619

 

Morumbi

São Paulo

240

Total de Investimentos Demandados em Bilhões de R$

5,335

Informações adaptadas do site: www.copa2014.org.br

Contudo, o recurso à PPP para investimento em equipamentos esportivos é arriscado na medida em que aspectos intangíveis, como a preferência por um clube em determinado lapso temporal, (CABRAL e SILVA Jr, 2009).

Os autores complementam em seguida:

na medida em que resultados ruins podem implicar em menores receitas de bilheteria, redução de exposição na mídia, diminuição das cotas de patrocínio e arrefecimento das vendas de produtos ligados ao clube (CABRAL, 2009, p.44).

Os aludidos autores apontam quatro alternativas não excludentes entre si para que este tipo de negócio dê certo quais sejam: financiamento a baixo custo; a instituição de um Fundo Garantidor; a instituição de um seguro; e a necessidades de projetos associados ao principal (CABRAL, 2009, p.52-53).


5. A PPP DA FONTE NOVA

Até o presente momento, a discussão foi travada sob ponto de vista teórico. A partir de agora, ao revés, iremos examinar um caso concreto, a PPP da Fonte Nova. Objetiva-se, com isso, contrastar o modelo teórico (ideal) ao fático, em buscas de dessemelhanças.

O Governo do Estado da Bahia mostrou-se interessado em delegar essa atividade a um particular, exonerando-se, por conseguinte, dos riscos, responsabilidades e despesas com a manutenção do Estádio da Fonte Nova que, com 59 anos de uso, estava obsoleto e em péssimas condições de conservação. Em decorrência de sua precariedade, foi palco de um grave acidente com a ocorrência de vítimas fatais em novembro de 2007, provocando sua interdição.

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Várias opções para viabilizar uma nova praça esportiva foram cogitadas, porém após discussões o governo estadual decidiu pelo uso de PPP. A projeção de receita considerada no contrato da PPP levou em consideração um "caso-base", com as seguintes premissas: a) o Estádio tem capacidade de cerca de 50.000 assentos; b) que apenas o Esporte Clube Bahia clube da capital realizará jogos na Arena, visto que o outro clube da capital, o Esporte Clube Vitoria, tem seu próprio Estádio; c) que o Bahia realizará cerca de 33 jogos por ano na Arena; c) que, adicionalmente à premissa acima, os jogos profissionais dos outros clubes de futebol do Estado da Bahia sejam realizados prioritariamente na Arena.

Após uma Proposta de Manifestação de Interesses (PMI) lançada pelo governo do Estado da Bahia em 2008 para escolha de potenciais projetos para o estádio e de um processo licitatório em 2009, em 2010, o Governo do Estado da Bahia firmou contrato de Parceria Público-Privada com o consórcio formado pelas Construtoras OAS e Odebrecht visando a demolição do antigo estádio de Futebol Octávio Mangabeira (Fonte Nova); o posterior soerguimento de uma Arena Esportiva [03] em sucedâneo, observando os padrões recomendados pela FIFA (Federação Internacional de Futebol Association); e a ulterior gestão da operação e da manutenção do Estádio.

Para resolver o problema da baixa expectativa de receita, o Governo, a partir do caso base, projetou uma expectativa de demanda. Havendo variação desta demanda acima de 100%, as receitas líquidas auferidas serão compartilhadas na proporção de 50% para cada uma das partes. Igualmente, mas em sentido oposto, havendo variação da demanda, a menor, verificada abaixo de 100%, os prejuízos serão compartilhadas entre as partes, na proporção de 50% para cada um, não ensejando a revisão do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. O compartilhamento de riscos com o operador privado foi uma das soluções encontras pelo Governo do Estado da Bahia para salvar o negócio.

O operador privado (OAS/Odebrecht) arcou com os cursos do projeto, no valor de aproximadamente R$ 2.56 milhões e deverá investir R$ 605.5 milhões para a construção da Arena-Esportiva, incluindo neste valor a despesas com a demolição do antigo Estádio. O prazo determinado para a conclusão da obra é 31.12.2012 para que o equipamento possa ser utilizado na Copa das Confederações em 2013.

O financiamento para a obra foi obtida pelo operador privado com a garantia de solvência apresentada pelo Governo Baiano [04]. O empréstimo foi concedido com taxas de juros subsidiadas, tendo sido contraído junto ao BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social e ao Desenbahia - Agência Baiana de Fomento, respectivamente no valor de R$ 591 milhões e R$ 50 milhões.

A concessão terá prazo de 35 anos. A gestão da operação e da manutenção do empreendimento terá início em janeiro de 2013 e inclui, conforme o contrato, a coordenação de sua conservação rotineira, de sua conservação preventiva e de sua manutenção de emergência, incluindo, sem limitação, conservação das estruturas de concreto e outras, da arena e do gramado do estádio, dos assentos e outras acomodações para públicos diversos, das instalações e equipamentos eletrônicos, elétricos e hidráulicos, áreas verdes, estacionamentos e outras áreas comuns. O objetivo é proporcionar que o estádio esteja em perfeito estado de conservação e funcionamento, admitido tão somente o desgaste natural que não comprometa as suas funções. Deve-se, ainda, buscar o aprimoramento contínuo de seu serviço, segundo técnicas e tecnologia que se façam disponíveis em bases comercialmente viáveis.

Os contratos de PPP possuem duas modalidades: patrocinada ou administrativa, as quais se diferenciam no que tange às fontes de financiamento. A modalidade da PPP da Fonte Nova foi a administrativa, um contrato de prestação de serviços no qual a Administração Pública será a usuária direta ou indireta (Lei de PPP, art.2º, § 2º). Esta opção também resultou da pouca atratividade do negócio. Dentre os serviços prestados ao Estado baiano, inclui-se a obrigação contratual de disponibilizar à FIFA o Estádio para a sua utilização durante a Copa das Confederações de 2013, Copa do Mundo de 2014 e Olimpíada de 2016, o que não ensejará remuneração ao operador privado, incluindo, sem limitação, obrigação de disponibilizar infra-estrutura de apoio à realização das partidas, limitada essa obrigação, no entanto, ao serviço de operação e manutenção do Estádio.

Sendo, pois, o Governo do Estado da Bahia, usuário do serviço em uma PPP na modalidade administrativa, após a conclusão da obra, a cargo do operador privado, o perador privado receberá uma contraprestação mensal do Governo Baiano, cuja soma de todas as contraprestações mensais durante os 35 anos de contrato é de aproximadamente R$ 592 milhões de reais, em valores atuais. A contraprestação mensal aludida destina-se ao atendimento das "condições operacionais mínimas" do equipamento esportivo, mas também funcionará como um sistema de incentivo, com base em medidas de desempenho, pois há uma parte variável e sua percepção dependerá de um bom desempenho. O monitoramento e controle do desempenho do agente (operador privado) será realizado por verificador independente (terceiro imparcial) cujos relatórios serão validados pelo órgão regulador estatal, a SUDESB - Superintendência dos Desportos do Estado da Bahia. O verificador independente será remunerado pelo operador privado, tendo sido o valor máximo anual do serviço estipulado contratualmente em R$ 300 mil reais. Os critérios objetivos de aferição do desempenho foram pré-estabelecidos contratualmente e deverão ser rigorosamente observados pelo verificador independente.

Há que se registrar que as atividades relacionadas à PPP da Fonte Nova são bastantes suscetíveis a erros de mensuração, como é de praxe em arranjos organizacionais marcados por incompletude contratual e pela presença de informação assimétrica entre as partes (CABRAL e SILVA Jr, 2009). Tal situação é descrita por Jonh Roberts (2010, p.3) como aquela na qual não se sabe ao certo em que medida um bom desempenho do agente é devido ao seu esforço ou a outras variáveis não observáveis. Nesse caso, o desempenho contratual pode ser potencializado pelo desempenho esportivo do clube local. Fatores externos podem contribuir negativamente, como por exemplo a diminuição de receitas por conta da dificuldade de se coibir o uso indevidos de meia-entrada, ou até mesmo pelas condições macroeconômica do país.

As receitas não se limitam à contraprestação mensal aludida acima que só serve para a operacionalização do Estádio em condições mínimas de funcionamento. As demais despesas com a operação, manutenção, amortização do investimento inicial e com o lucro que se espera do empreendimento poderão ser cobertas por outras atividades associadas ao negócio principal (receitas de bilheteria e camarote), receitas de Marketing e Publicidade, como naming rights; receitas de patrocínio; locação do estádio para clubes de futebol, outras equipes esportivas, e prestadores de conteúdo e entretenimento em geral; eventos; receitas acessórias oriundas da exploração da área do entorno, v.g., bares, lanchonetes e restaurante, lojas de artigos esportivos, etc; atividades de exploração turística do próprio Estádio, visita guiada; e estacionamento, sem prejuízo de outras compatíveis com o negócio principal. A análise do contrato firmado entre as partes permite inferir que as possibilidades de receitas adicionais a bilheteria poderiam ter sido mais altas, sobretudo em função do projeto arquitetônico escolhido, o qual não proporcionou áreas locáveis no equipamento em número suficientemente amplo de forma a mitigar as inversões governamentais.

O grande problema envolvendo a contraprestação mensal avançada é que ela pode ser utilizada pelo agente para solver a dívida contraída para realizar a parte que lhe competia no negócio, construir o Estádio. Se isso ocorrer, a PPP estará desnaturada por completo, pois o Governo, além de pagar pela parte do serviço da qual é usuário, estará financiando a construção do ativo.

Em relação aos riscos assumidos pelo Operador Privado, além da responsabilidade pela liquidação do financiamento, pode-se destacar, ainda: a responsabilidade solidária pela segurança no interior do Estádio, em colaboração com a segurança pública; angariar o maior número de eventos possíveis; responsabilidade pelos danos diretos que, por si, seus representantes ou subcontratados forem causados ao Poder Concedente, aos usuários, ou a terceiros, na execução do serviço, exceto segurança pública, cujo dever de assegurar é do Estado;e acontratação e pagamento de seguros de, no mínimo, danos materiais e responsabilidade civil.

Merece nossa atenção o fato de que o operador privado será soberano para decidir sobre suas práticas comercias, assumindo todos os riscos daí advindos. Isso é muito importante, pois como o empreendimento está sujeito à variação de demanda, sem esta previsão, qualquer insucesso seria atribuído ao Poder Concedente. Segundo o contrato, o operador privado, goza de liberdade para, segundo suas políticas comerciais, fixar, reajustar e revisar perante os usuários ou quaisquer terceiros, os preços que comporão suas receitas operacionais e praticar, se lhe convier, preços promocionais temporários em jogos, eventos e outras atividades, desde que observados preços não discriminatórios, razoáveis e consistentes com o padrão dos serviços prestados e com equipamentos esportivos e de entretenimento comparáveis.

Sobre os autores
Paulo Sérgio Souza Andrade

Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFBa.

Sandro Cabral

Doutor em Administração e Professor da Escola de Administração da UFBA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Paulo Sérgio Souza; CABRAL, Sandro. Ensaio sobre a parceria público-privada (PPP) da nova arena esportiva Fonte Nova. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2912, 22 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19385. Acesso em: 22 nov. 2024.

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