5.BREVE BALANÇO DA LUTA POR SUA EFETIVAÇÃO
5.1 Iniciativa legislativa
A inércia do legislador não ocorreu por falta de anteprojetos de lei, já que, tanto na Câmara dos Deputados, como no Senado Federal, foram apresentadas, várias proposições legislativas regulamentando o aviso prévio proporcional [33].
Constata-se que a maior parte das proposições legislativas fixa um aviso prévio proporcional na base de trinta dias para cada ano de tempo de serviço. Porém, o número de proposições apresentadas diminuiu consideravelmente nos últimos anos, podendo-se dizer que, atualmente, há um evidente desinteresse em relação a essa matéria. As últimas propostas apresentadas pretendem acrescer ao aviso prévio de trinta dias apenas cinco dias por ano trabalhado, na esteira da maior parte das normas coletivas acordadas. A proposição do Sen. Paulo Paim é mais completa, já que procura diferenciar diversas situações por faixa de tempo de serviço.
De um ponto de vista prático, nenhuma das propostas apresenta reais condições políticas de aprovação, sendo duvidoso que a própria tramitação das mesmas prossiga, sendo o arquivamento o cenário mais provável.
5.2 Regulamentação pela negociação coletiva
Em face desta conjugação da inércia do legislador e limitação interpretativa do Judiciário a tornar não efetiva a norma constitucional, no caso, o inciso XXI do art. 7º, terminou-se por delegar, na prática, à negociação coletiva a regulamentação da matéria, o que restringiu a um pequeno número de categorias profissionais mais organizadas esse importante direito, que também tinha em vista diminuir as demissões imotivadas.
Cita-se, por exemplo, a categoria dos farmacêuticos do Estado de São Paulo, que, em acordo em dissídio coletivo (SDC – 132/09-8), já há alguns anos, obteve e tem mantido a vantagem pela qual, enquanto não for regulamentado o direito previsto na Constituição Federal, será devido um aviso prévio proporcional aos empregados da categoria profissional na base de um dia por ano de serviço trabalhado, sem prejuízo dos trinta previstos em lei. Além disso, neste mesmo acordo, existe outra cláusula, esta protetiva dos trabalhadores com mais idade, pela qual os trabalhadores com mais de quarenta e cinco anos e mais de dois anos de tempo de serviço na mesma empresa fazem jus a um aviso prévio em dobro.
Da mesma forma, os metroviários de São Paulo que, mediante cláusula convencional, fazem jus a mais cinco dias de aviso prévio. Também pode ser citado o exemplo dos trabalhadores em processamento de dados do Estado de São Paulo com mais de quarenta e cinco anos e mais de cinco anos de empresa que tem, como conquista normativa, o direito a um aviso prévio de mais um dia por ano trabalhado ou fração superior a seis meses, mais uma quantia correspondente a cinquenta por cento de seu salário.
No Rio Grande do Sul, também algumas categorias, por acordos que mantém a conquista anterior, conservam direito a aviso prévio proporcional, de trinta dias acrescidos de mais cinco dias indenizados por ano de serviço ou fração igual ou superior a trinta dias, como é o caso dos trabalhadores do transporte rodoviário de Pelotas, os do comércio em empresas concessionárias e distribuidoras de veículos de Viamão e os trabalhadores marítimos e fluviais no Estado do Rio Grande do Sul.
O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região adota do Precedente Normativo n°. 7, pelo qual concede, além do prazo legal de aviso prévio, mais cinco dias por ano de serviço prestado à empresa.
Também o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª. Região chegou a adotar o Precedente Normativo n°. 13, pelo qual ficava assegurado aos integrantes da categoria profissional um aviso prévio de 30 dias acrescido de mais cinco dias por ano ou fração igual ou superior a seis meses de serviço na mesma empresa. No entanto, este precedente foi cancelado (DJ 21/11/2002).
Porém o Tribunal Superior do Trabalho tem, sistematicamente, reformado decisões em dissídio coletivo de Tribunais Regionais que deferem aviso prévio proporcional, entendendo que esta somente poderia ser estabelecida em "norma coletiva consensual, em face das possibilidades ampliativas de direitos trabalhistas, por interesse mútuo". Assim, sem consenso quanto ao tema, "carece de fundamento legal a sua imposição na sentença normativa, ante a determinação constitucional que o submete à previsão legislativa". [34]
Assim, consolidou-se posição do TST no sentido de que o aviso prévio só poderia ser ampliado em acordo ou convenção coletiva. O Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido afirmou a impossibilidade de fixação de aviso prévio proporcional em sentença normativa (RE 197911/PE).
Dessa forma, presentemente, somente subsistem as conquistas normativas logradas em convênio coletivo, em acordo em dissídio coletivo ou que são deferidas pelos Tribunais Regionais como conquistas históricas da categoria.
5.3 Decisões em processos individuais sobre aviso prévio proporcional.
São inúmeras as decisões judiciais de primeiras e segundas instâncias, em todo o Brasil, que, desde 1988, como base na auto-aplicabilidade das normas fundamentais sociais prevista no art. 5º, parágrafo primeiro da Constituição, entenderam que o trabalho prestado ao longo de anos não pode ter o mesmo tratamento dispensado aos contratos de curta duração, conforme artigo 7º, inciso XXI, da Constituição e, assim, deferiram aviso prévio proporcional.
Citam-se, apenas exemplificativamente, três decisões da Justiça do Trabalho no Rio Grande do Sul: uma mais antiga, de 1989 e duas mais recentes, uma de primeira instância e outra, do TRT 4ª. Região.
A primeira, da então juíza, hoje Desembargadora VANIA CUNHA MATTOS, cujos fundamentos estão em artigo doutrinário de sua autoria [35]:
Entendo que a sistematização de tal dispositivo constitucional encontra-se prevista de forma analógica, na própria legislação trabalhista.
Partindo-se da aplicação do art. 478 da CLT, que no sistema de indenização por tempo de serviço garantia ao trabalhador um mês de remuneração por ano de serviço, entende-se que tal regramento deve ser aplicado de forma subsidiária, para efeito de cálculo do aviso prévio proporcional. Então se tem que, para efeito de tempo para garantir-se a aplicação do aviso prévio proporcional, pode-se considerar que a cada ano de serviço do trabalhador despedido, corresponderá a um mês de aviso prévio. E esse prazo será devido em dobro, se o empregado contar com mais de dez anos de serviço (art.499, parágrafo 3º. da CLT).
(MATTOS, Vania Cunha. "Aviso prévio – reflexões sobre o inciso XXI do artigo sétimo da atual Constituição Federal". In: FRAGA, Ricardo Carvalho (Coordenador). "Aspectos dos direitos sociais na nova Constituição". São Paulo: Editora LTr, 1989).
Portanto, tal decisão seguia na esteira do pensamento corrente, à época, que o aviso prévio proporcional poderia ser um sucedâneo da indenização por antiguidade prevista no art. 478 da CLT e em desuso desde a criação do FGTS em 1967.
Decisões mais recentes, em geral, fixaram o prazo de aviso prévio proporcional mais usualmente convencionado coletivamente, ou seja, o de acréscimo de cinco dias a cada ano de tempo de serviço prestado à empresa. Nesse sentido, exemplificativamente, se traz a decisão da 3ª. Turma do TRT 4ª. Região, Rel. RICARDO CARVALHO FRAGA, que se baseia no critério do revogado Precedente Normativo n°. 13 do TRT 4ª Região. [36]
Por fim, outro critério igualmente adotado é o do juiz do trabalho gaúcho RAFAEL DA SILVA MARQUES, que fixa o acréscimo de um dia por ano de tempo de serviço do empregado [37]:
No que tange ao critério de fixação da proporcionalidade, além dos trinta dias, para cada ano de serviço ou fração igual ou superior a seis meses, deve o empregado receber um dia de aviso-prévio. Isso ocorre porque, para fim de apuração da indenização prevista na Súmula 291 do TST, o cômputo do período inferior a um ano assim se faz e, quanto à fixação de um dia, porque é desta forma que se apura, contagem diária, as proporcionalidades de férias e décimo terceiro salário, sendo esta, portanto, para fim de fixação de direitos trabalhistas decorrentes da execução do contrato a menor fração. Ressalto que a lei pode fixar critério mais benéfico, o que não é o caso, por falta desta mesma lei
(Processo nº 00171-2006-003-04-00-0. 3ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Exmo. Juiz Rafael da Silva Marques. Publicação em 31.05.2007. Revista Eletrônica da Jurisprudência do TRT 4ª. Região, Ano V, num. 72, 2ª. quinzena de março de 2009).
A despeito de decisões de primeiro e segundo graus da Justiça do Trabalho reconhecendo a auto-aplicabilidade do direito ao aviso prévio proporcional, prevaleceu no Tribunal Superior do Trabalho entendimento diverso expresso na Orientação Jurisprudencial nº 84 da SDI-1 do TST:
AVISO PRÉVIO. PROPORCIONALIDADE. Inserida em 28.04.97. "A proporcionalidade do aviso prévio, com base no tempo de serviço, depende da legislação regulamentadora, visto que o art. 7º, inc. XXI, da CF/1988 não é auto-aplicável".
Consolidou-se, dessa forma, a "timidez" do Poder Judiciário Trabalhista na implementação do direito ao aviso prévio proporcional também no plano dos dissídios individuais (CAMINO, 2003, p. 543).
CONCLUSÃO
O aviso prévio proporcional ao tempo de serviço é um dos direitos sociais previstos no art. 7º da Constituição Federal brasileira e integra um conjunto de dispositivos constitucionais destinados a dar maior proteção contra a despedida imotivada, que, em nosso país, constitui um dos fatores de atraso de nossa legislação trabalhista em relação a países com o mesmo nível de desenvolvimento.
Elaborada tal norma constitucional em meio aos debates intensos que marcaram o processo constituinte brasileiro, em especial no que concerne aos direitos sociais e econômicos, o direito ao aviso prévio proporcional foi incluído no rol dos direitos sociais com a usual expressão "na forma da lei", remetendo-se sua formatação à regulamentação por lei ordinária. Por certo, esperava-se que tal regulamentação fosse feita em tempo breve, mesmo porque o mesmo legislador constituinte previu que, cinco anos após a promulgação da Constituição, haveria um processo revisional. Portanto, era de se esperar que o aviso prévio proporcional, tal como outros direitos previstos no art. 7º e que também dependiam de regulamentação legal, fossem testados pela sociedade brasileira antes do processo revisional.
Entretanto, passaram, não cinco anos, mas já há mais de vinte anos sem que o legislador desse consequencia a tais direitos sociais, deixando de elaborar normas que os regulassem. Além disso, não se vislumbram políticas públicas que venham ao encontro ao propósito do constituinte de estender aos trabalhadores com maior tempo de serviço ao empregador uma proteção reforçada contra a despedida imotivada.
As expectativas de que esse direito fosse construído pela própria sociedade civil, por meio de acordo entre sindicatos de trabalhadores e empregador, estas se mostraram pouco realistas, na medida em que somente as categorias profissionais mais fortes lograram obter, na mesa de negociação, que esse direito fosse contemplado em convênios coletivos. Também se frustraram os que pensavam que o Poder Judiciário Trabalhista, pelo seu poder normativo (mantido pelo art. 114 da Constituição Federal, ainda que mitigado pela Emenda Constitucional n°. 45/2004), pudesse tornar realidade o aviso prévio proporcional para a generalidade das categorias profissionais. Tal possibilidade foi drasticamente suprimida pelo Tribunal Superior do Trabalho, que entendeu pela impossibilidade de deferimento de pedido com este teor em julgamento de dissídio coletivo.
Recorreu-se, também, ao mecanismo do mandado de injunção, instituto criado pelo constituinte para, justamente, dar efetividade a normas que, por inércia do legislador, sofriam o risco de "cair no vazio" (tal como aconteceu com tantos outros direitos constitucionais previstos em Constituições anteriores). Mais uma vez, sem sucesso, já que o Supremo Tribunal Federal limitou-se a comunicar formalmente o Parlamento da mora legislativa, dando ao mandado de injunção o mesmo efeito da ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão.
Finalmente, o Poder Judiciário, já no âmbito de ações individuais, apesar do amplo debate doutrinário e jurisprudencial sobre a efetivação dos direitos fundamentais sociais, terminou por rejeitar a aplicação direta do direito ao aviso prévio proporcional, a despeito do contido no art. 5º, inciso 1º da Constituição Federal, tendo o Tribunal Superior do Trabalho editado a Orientação Jurisprudencial nº 84, SDI-1, que afasta a possibilidade de auto-aplicabilidade do art. 7, XXI da Constituição Federal.
Restam, assim, poucas esperanças de que este importante instrumento de proteção ao trabalhador – especialmente o mais idoso – contra a despedida arbitrária e as angústias do desemprego que lhe seguem seja, finalmente, colocado em prática: 1) a persistência dos atores sociais, no plano da negociação coletiva, em colocar em pauta o direito dos trabalhadores com maior tempo de serviço a um aviso prévio diferenciado e 2) um renovado alento quanto às novas perspectivas de utilização do mandado de injunção na regulação das omissões legislativas, em face de recentes decisões do STF, em especial quanto no julgamento do direito de greve dos servidores públicos.
Consideradas as atuais imensas dificuldades dos sindicatos de trabalhadores em obter, em negociação coletiva, direitos mínimos (como, por exemplo, aumentos reais baseados em ganhos de produtividade), parece pouco realista pensar que, em curto prazo, o panorama se altere a ponto de viabilizar que o aviso prévio proporcional conste dos pactos coletivos.
Resta, assim, persistir no caminho da judicialização da reivindicação social de mais garantias aos trabalhadores despedidos através de uma maior indenização vinculada ao tempo de serviço. Neste contexto, o direito ao aviso prévio proporcional pode ser objeto de demandas judiciais, desde que perfeitamente entendidos os limites e as possibilidades do Judiciário no processo de transformação social.
Conforme HERRERA FLORES (2009, p. 193),
"os direitos devem ser vistos e postos em prática, como produto de lutas culturais, sociais, econômicas e políticas para "ajustar" a realidade em função dos interesses mais gerais e difusos de uma formação social, quer dizer, os esforços por buscar o que faz com que a vida seja digna de ser vivida".
A instrumentalização das demandas judiciais na efetivação dos direitos sociais constitui parte do processo social de luta por este "ajuste", na medida em que possa representar a ampliação dos "espaços sociais de democracia" em que os grupos e indivíduos encontrem possibilidade de formação e de tomada de consciência para combater a totalidade de um sistema caracterizado pela reificação, pelo formalismo e pela fragmentação; ou seja, parte de um processo de construção de um "espaço público de empoderamento", onde possa surgir uma variedade de diferentes experiências e onde sobressaiam a mutabilidade e as possibilidades de modificação e de transformação (Herrera Flores, ob. cit., p. 194).
Não é demasiado lembrar que, nas democracias modernas, "os juízes aparecem instalados no imaginário da sociedade como última ratio, como garantias finais do funcionamento do sistema democrático", sendo que, por razões sistêmicas (pelas funções institucionais que lhes compete em uma sistema democrático garantista), são depositários de uma expectativa social maior do que a destinada a outros poderes da República (CÁRCOVA, 1996, p. 167).
A abertura hermenêutica propiciada pela nova leitura dos efeitos do mandado de injunção pelo Supremo Tribunal Federal pode ser utilizada pelo Judiciário Trabalhista para uma renovação da jurisprudência sobre a efetividade dos direitos sociais ainda pendentes de regulamentação por lei, no caso, especificamente sobre o direito ao aviso prévio proporcional.
Para tanto, é preciso superar tanto uma visão tímida e comodista – que reserva ao Judiciário um papel subalterno no processo democrático, incompatível com os novos tempos -, assim como uma pretensão exclusivista – que, nas palavras de GERARDO PISARELLO (2009), "pode levar a certa subordinação das garantias legais às suas definições dos órgãos judiciais, levando seu liberalismo igualitário a certa tensão com os ideais de autogoverno democrático".
Como lembra tal autor, é possível vencer a desconfiança no Poder Judiciário através de uma aposta numa "permanente circulação de contrapoderes políticos, jurisdicionais e, sobretudo, sociais", de forma que os controles jurisdicionais não se resumam a simples mecanismos contramajoritários, mas representem "vias aptas para provocar um diálogo, não necessariamente condescendente, entre órgãos jurisdicionais e políticos" sobre a devida proteção dos direitos sociais. [38]
Se a luta pela efetividade da Constituição Federal é de toda a sociedade, o que se espera do Poder Judiciário não é mais do que a justa expectativa de faça a sua parte.