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A taxa de preservação ambiental do Distrito de Fernando de Noronha (PE) e sua (in)constitucionalidade

Agenda 06/09/2011 às 11:11

A norma é inconstitucional, por instituir taxa cujo fato gerador é um serviço público geral e indivisível, além de limitar o tráfego de pessoas por meio de tributo.

Sumário: 1. Sumário 2. Introdução 3. A Taxa de Preservação Ambiental do Distrito de Fernando de Noronha, PE – Suas características legais 4. A instituição da Taxa de Preservação Ambiental do Distrito de Fernando de Noronha-PE e sua (in)constitucionalidade 5. Conclusão 6. Referências Bibliográficas


Introdução

Neste singelo trabalho sobre a Taxa de Preservação Ambiental do Distrito de Fernando de Noronha-PE (TPA), abordaremos, inicialmente sobre suas características legais, em seguida analisaremos, ainda que sucintamente, sobre sua (in)constitucionalidade, ante a ausência/presença dos requisitos de especificidade e divisibilidade da referida taxa, a possibilidade de admitir-se um fato gerador tão genérico como o adotado nesta exação, e por fim, confrontaremos sua existência com o art. 150, V, da Constituição Federal, e emitiremos nossa opinião sobre a (in)constitucionalidade deste tributo no seio do ordenamento jurídico pátrio.


A Taxa de Preservação Ambiental do Distrito de Fernando de Noronha-PE – suas características legais

A taxa de preservação ambiental (TPA) do distrito estadual de Fernando de Noronha, Pernambuco, foi instituída pela lei estadual nº 10.430, de 29 de dezembro de 1989, modificada pela Lei 11.305, de 28 de dezembro de 1995. Sua finalidade é assegurar a manutenção das condições ambientais e ecológicas do Arquipélago de Fernando de Noronha, incidente sobre o trânsito e a permanência de pessoas naquelas ilhas. Conforme o estatuído no art. 84 do supracitado dispositivo legal, o fato gerador da indigitada taxa é a " utilização, efetiva ou potencial, por parte das pessoas visitantes, da infra-estrutura física implantada no Distrito Estadual e do acesso e fruição ao patrimônio natural e histórico do Arquipélago de Fernando de Noronha." Será cobrada a "todas as pessoas, não residentes ou domiciliadas no Arquipélago, que estejam em visita de caráter turístico," com exceção das que estiverem a serviço, ou realizando pesquisas de caráter científico relativas à fauna e flora locais, quando vinculadas ou apoiadas por instituições de pesquisa; pessoas que estejam visitando seus parentes consanguíneos, limitada a isenção até 30 dias de permanência ou a visita a parentes afins, cuja isenção está limitada aos primeiros 15 dias de estadia.

A cobrança da TPA poderá ser feita antecipadamente, ou no momento do desembarque aéreo ou marítimo, ou no momento do retorno do contribuinte ao continente, quando excedido o limite de permanência inicialmente autorizado. A base de cálculo da referida taxa será obtida em razão da quantidade de dias de permanência do visitante ou turista, devendo o valor dos dias excedentes ao período inicial ser cobrado em dobro, se a a permanência do visitante ou turista não estiver devida e previamente agendada e autorizada pela Administração Geral. A destinação dos recursos provenientes da referida exação deverá ser a estabelecida no art. 88 do já mencionado diploma legal, que assim dispõe, in verbis:

"Art. 88 - A receita proveniente da cobrança da Taxa de Preservação Ambiental deverá ser aplicada nas despesas realizadas pela Administração Geral na manutenção das condições gerais de acesso e preservação dos locais turísticos e dos ecossistemas naturais existentes no Arquipélago de Fernando de Noronha, bem como para a execução geral de obras e benfeitorias ou benefício da população local e dos visitantes."


A instituição da Taxa de Preservação Ambiental do Distrito de Fernando de Noronha-PE e sua (in)constitucionalidade

A autorização constitucional da instituição das taxas pelos entes federados encontra-se ínsita no art. 145, II, da Constituição Federal, que dispõe, verbis:

"Art. 145. A União, Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I - (…)

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição; " (grifos nossos)

A taxa de utilização ou taxa de serviço será cobrada em razão da prestação estatal de um serviço público específico e divisível. Analisando-se o artigo acima transcrito, podemos perceber que os requisitos são cumulativos. Assim, o serviço público prestado deve ser "singular" (ou ut singuli), destacado em unidades autônomas de utilização, de modo a permitir-se identificar exatamente o sujeito passivo ou discriminar o usuário, não podendo ser cobrada por um serviço prestado à coletividade de um modo geral, ou dito de outra forma, um serviço prestado difusamente, uti universi. Quanto à sua divisibilidade, serviço divisível "é aquele passível de individualização ou 'susceptível de utilização individual do contribuinte', ou seja, o serviço quantificável, que traz um beneficio individualizado para o destinatário da ação estatal" (Sabbag, 2010).

Analisando-se a cobrança da Taxa de Preservação Ambiental (TPA) do Distrito de Fernando de Noronha-PE, notamos o seguinte: se a referida taxa foi instituída para "manutenção das condições ambientais e ecológicas do Arquipélago de Fernando de Noronha", (art. 83), e se o dispositivo constitucional autorizou a instituição da exação ora em análise, sobre serviços específicos e divisíveis prestados pelo ente público, temos alguns questionamentos a fazer, quais sejam:

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- Quais as condições ambientais que hão de ser mantidas pelo poder público: a qualidade do ar, a qualidade das águas das praias, a temperatura, ou o somatório de tudo?

- E as condições ecológicas quais são: a reciclagem dos resíduos orgânicos e inorgânicos, a preservação das matas e das trilhas, ou quais mais?

De plano observa-se que não está delimitado especificamente o tipo de serviço para o qual a taxa foi criada e pelo qual o contribuinte está pagando. Tendo sido instituída para a manutenção de serviços de uma forma genérica não atende à determinação da legislação da divisibilidade do serviço, pois que impossível aquilatar o quanto o contribuinte está sendo beneficiado pelo serviço "prestado" pelo poder público; pois nem de uma forma estimada é possível se mensurar o benefício usufruído desses serviços (leia-se manutenção das condições ambientais e ecológicas) por cada visitante-contribuinte. Na esteira deste mesmo entendimento está o posicionamento de Daniel Moretti, quando afirma, verbis:

...os serviços públicos específicos, individuais ou uti singuli e divisíveis devem ter usuários determinados. Devem ser individualizados de modo que seja possível identificar e avaliar a parcela do serviço eventualmente utilizado por determinado contribuinte, podendo sua utilização, além de identificada em relação ao usuário, ser quantificada ou medida, por exemplo, no caso de prestação de serviços de água e esgoto.

Quanto ao seu fato gerador, como sendo "a utilização, efetiva ou potencial, por parte dos visitantes, da infra-estrutura física implantada no Distrito Estadual e do acesso e fruição do patrimônio natural e histórico do Arquipélago de Fernando de Noronha", temos a observar o seguinte: Se possível fosse cobrar-se pela utilização, ainda que potencial, da infra-estrutura física implantada naquele Distrito Estadual, também sê-lo-ia possível cobrarem-se taxas semelhantes pela utilização das vias públicas (ressalva se faça da instituição dos pedágios nesses casos, que são autorizados constitucionalmente), dos viadutos, das pontes, das praças, etc., em quaisquer cidades do País; que o mesmo se diga em relação à utilização e fruição do patrimônio natural, histórico e até cultural e artístico, de inúmeros municípios brasileiros, onde existem tais atrações, tais como Ouro Preto-MG, Rio de Janeiro, RJ, o Pantanal, a Ilha de Itamaracá-PE. A prevalecer a admissão desse tipo de fato gerador no ordenamento jurídico brasileiro, o turismo no Brasil estaria inexoravelmente prejudicado, pois os municípios que possuíssem uma das atrações acima mencionadas não hesitariam, se o desejassem, em instituir a indigitada taxa, ainda que com denominação diferente, ou mesmo semelhante.

Ao nosso sentir, como previsto no dispositivo constitucional, como também no CTN, a TPA só poderia prevalecer sob a forma de taxa pelo exercício do poder de polícia (como no caso de fiscalização e controle de atividades dos particulares, principalmente das que possam vir a causar poluição,a exemplo da criada pela Lei n. 547/2007, que cria a Taxa de Preservação Ambiental – TPA do município de Ilhabela-SP); e não simplesmente pelo trânsito e permanência (!) das pessoas nas ilhas, e nunca para "a execução geral de obras e benfeitorias" (art. 88), o que poderia ser o caso da instituição de uma contribuição de melhoria, que jamais poderia ser exigida de visitantes.

Por outro lado, quanto à liberdade de locomoção e de tráfego de pessoas, analisemos a indigitada taxa sob as luzes dos artigos 150, V e 5º, XV, ambos da Constituição Federal. Inicialmente vejamos o que dispõe o art. 150, V, verbis:

" Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos

Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios

(…)


V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias públicas conservadas pelo Poder Público." (grifos nossos)

Ora, pelo estatuído no supracitado artigo, está expressamente vedada a limitação de tráfego de pessoas e de bens por meio de tributos sejam estaduais ou municipais em todo o território nacional.

Incidindo a TPA de Fernando de Noronha sobre o trânsito e a permanência de pessoas na ilha está afrontando abertamente a vedação constitucional, porque, à medida que onera a entrada e a permanência, e isto com uma taxa progressiva em razão do número de dias de permanência; se o visitante-contribuinte quiser permanecer X dias, o valor da taxa a ser pago poderá se configurar numa verdadeira proibição (muito mais que uma limitação, que já é inconstitucional) ao acesso à ilha. Note- se que tal incidência não é apenas em relação ao trânsito das pessoas, como também à sua permanência. O visitante-contribuinte, ainda que turista brasileiro, deverá pagar para permanecer no território nacional!!! Logo, é de uma clareza meridiana que tal taxa não poderá subsistir, por afrontar o princípio da trafegabilidade das pessoas e bens, o qual está em corroboração plena com a liberdade de locomoção constitucionalmente protegida, conforme disposto no art. 5º, XV, da Constituição Federal, in verbis:

"Art. 5º.

(…)

XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; (...)" (grifo nosso).

Note-se que é livre a locomoção, a entrada, a permanência e a saída de qualquer pessoa, conforme o supracitado artigo, o que, combinando com a vedação de instituição de quaisquer tributos que limitem o tráfego de pessoas e bens já referidos no art. 150, V, da CF, fica demonstrado evidentemente o caráter inconstitucional da indigitada TPA, e a sua inevitável retirada do ordenamento jurídico pátrio por constituir-se numa verdadeira anomalia jurídica num Estado Democrático de Direito, cuja prevalência dos direitos fundamentos individuais deve ser buscada e assegurada por todos, mormente pelos entes políticos da Federação.


Conclusão

O território brasileiro é uno e indivisível, não sendo permitida sua segregação a qualquer título ou pretexto, sendo dever de todos preservar sua integração cultural, étnica, econômica e geográfica. Nenhum tributo poderá ser causa de qualquer impedimento nesse sentido, até porque este é o sentido teleológico das vedações constitucionais já explicitado nos artigos 150,V e 5º, XV da Carta Magna, donde se conclui que a integração nacional ampla deve ser a tônica que todos devem admitir, sob pena de, não o fazendo, estarmos contribuindo para a perpetuação das diferenças regionais (no sentido negativo, obviamente) e da discriminação sócio-econômica, em benefício dos mais abastados.

Como se vê, a norma analisada apresenta-se maculada pelo vício insanável da inconstitucionalidade por instituir taxa cujo fato gerador é um serviço público geral e indivisível, além de limitar o tráfego de pessoas por meio de tributo e por conta disso deve ser extirpada do ordenamento jurídico brasileiro por não subsistir aos ditames da Lei Maior, que deve ser reverenciada por todos, e muito mais pelos entes políticos por ela mesma criados, e portanto, sujeitos obviamente aos seus determinantes objetivos.


Referências Bibliográficas

Sabbag, Eduardo. Manual de Direito Tributário, 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.

Moretti, Daniel. Direito Tributário: São Paulo, Saraiva, 2009.

Chimenti, Ricardo Cunha. Direito Tributário: com anotações de Direito Financeiro, direito orçamentário e lei de responsabilidade fiscal, 13ª edição reform., São Paulo, Saraiva, 2010.

Vade Mecum, obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 3ª edição. atual. e ampliada, São Paulo, Saraiva, 2007.

Sobre o autor
Emanuel Rosa do Monte

Técnico Judiciário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, Licenciado em Pedagogia, pela UFPE, e pós-graduado em Direito Público, pela Escoal Superior da Magistratura de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTE, Emanuel Rosa. A taxa de preservação ambiental do Distrito de Fernando de Noronha (PE) e sua (in)constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2988, 6 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19932. Acesso em: 21 nov. 2024.

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