A existência de um Estado Democrático de Direito pressupõe um Poder Judiciário realmente autônomo, independente e valorizado em todos os sentidos, o que inclui, por óbvio, Magistrados independentes, isentos, vitalícios, capacitados, eticamente comprometidos, bem remunerados e inamovíveis.
Diariamente os Juízes apreciam muitas causas, das mais simples às mais complexas, das mais insignificantes sob aspecto financeiro às milionárias. Isso exige uma ação responsável, atenta, dedicada, serena, isenta e independente. Justifica, ainda, a necessidade um Poder Judiciário forte, valorizado e respeitado pela sociedade e pelos Poderes constituídos, afinal, é a última portaque o cidadão tem a bater para fazer valer os seus direitos e corrigir injustiças.
Entretanto, a Magistratura, e porque não dizer o Poder Judiciário, vive uma situação difícil e delicada!
Vivemos tempos de desprestígio e críticas infundadas, com reiterados atentados às prerrogativas e, até mesmo, à própria vida de alguns Magistrados. Enfrentamos cobranças internas e metas midiáticas impostas pelo Conselho Nacional de Justiça, quando, na verdade, o importante para a melhoria do sistema judiciário brasileiro seria a formulação de metas institucionais e estruturantes, dando condições de trabalho adequadas aos Magistrados e servidores.
Ora, a cobrança excessiva de produtividade, além de interferir indevidamente no processo de formação do convencimento pelo Magistrado, pode comprometer a sua saúde, causando doenças ocupacionais e absenteísmo, aspectos que não vem sendo devidamente considerados pelos órgãos responsáveis pelo governo judicial.
Defendemos, pois, uma prestação jurisdicional célere, mas também e principalmente de qualidade, não parecendo razoáveis metas e cobranças por produtividade que resultem em prejuízos ao valor justiça ou à violação das prerrogativas da Magistratura.
A crescente carga de trabalho foi apontada como uma das principais causas dos mais diversos transtornos à saúde física e psíquica dos Magistrados, conforme pesquisa científica realizada pela Anamatra [01].
Portanto, e diferentemente do que é divulgado, a Magistratura brasileira trabalha muito, já que o número de juízes é insuficiente para a quantidade de processos em tramitação: 85% das varas judiciais têm mais de mil processos em andamento [02].
Isso mesmo: 85% das unidades estão sobrecarregadas!
Diante desse quadro, podemos dizer que a "lenda popular" de que os Juízes trabalham pouco é, no mínimo, uma falácia. Os dados estatísticos, disponíveis a todos no anuário "Justiça em Números" do Conselho Nacional de Justiça [03], comprovam exatamente o contrário: os Juízes brasileiros trabalham muito!
Além disso, a Magistratura é uma atividade árdua que exige abnegação e renúncia do Magistrado em sua vida pessoal, tudo em prol da sociedade.
Entre outras vedações e restrições na vida privada, os Magistrados não podem exercer o comércio nem cargos em pessoas jurídicas. Conseqüentemente, um Juiz não pode ser "presidente ou diretor de Rotary, de Lions, de APAEs, de ONGs, de Sociedade Espírita, Rosa-Cruz, etc". Também não pode ser "Grão Mestre de Maçonaria; síndico de edifício em condomínio; diretor de escola ou faculdade pública ou particular, entre outras vedações" [04].
O Juiz profícuo muitas vezes é privado do convívio familiar diante do dever de atuar e morar nas mais longínquas cidades, notadamente no início de carreira. Como muitas cidades interioranas carecem de um mínimo de infra-estrutura hospitalar e educacional, alguns Juízes optam por manter as famílias nos grandes centros e nas capitais, migrando solitariamente pelos rincões.
Como se tudo isso não fosse suficiente, verificamos, ainda, algumas investidas espúrias dos demais Poderes contra a independência e autonomia do Poder Judiciário.
Ora, os Poderes da República são independentes e harmônicos entre si. Todos devem atuar em estrita observância das normas Constitucionais, cumprindo as atribuições que lhes foram conferidas pelo Constituinte. Cada Poder deve cumprir suas obrigações constitucionais e permitir a atuação e o funcionamento regular dos demais, sem o que não existirão Poderes independentes e harmônicos.
Na última semana assistimos a mais um atentado à independência e autonomia orçamentária e financeira do Poder Judiciário. O Poder Executivo Federal, a pretexto de controlar a economia e enfrentar uma crise financeira, fez um corte na proposta orçamentária que lhe foi encaminhada pelo Supremo Tribunal Federal, ato impensado e suficientemente grave para instaurar uma crise institucional.
O corte na proposta orçamentária do Poder Judiciário (ou equívoco do Poder Executivo, segundo o Ministro Cezar Peluso, Presidente do Supremo Tribunal Federal) é, sem dúvida alguma, um verdadeiro atentado ao Estado Democrático de Direito e merece a repulsa de todos os setores da sociedade.
O Poder Executivo, de maneira arbitrária e com base apenas em especulações da sua equipe econômica, violou um dos princípios mais caros à democracia brasileira, que é o da separação dos poderes.
Para o Ministro Marco Aurélio Mello [05], do Supremo Tribunal Federal, "a quadra que vivenciamos é um tanto quanto estranha. Potencializando-se o objetivo, que é evitar a inflação e caminhar para o enxugamento da máquina administrativa, se acaba atropelando a Constituição". Ainda segundo o Ministro, "o ruim é que frente ao leigo, que não percebe que acima de tudo devemos preservar a Constituição, a bandeira do Judiciário não é boa. Ao contrário, é capaz de acharem que nós somos perdulários. Não é isso. O que está em jogo não é pecúnia, não é dinheiro, não é gasto. O que está em jogo é o princípio que implica equilíbrio, que se faz ao mundo jurídico para que não haja supremacia de poderes que estão no mesmo patamar" [06].
Lamentavelmente, a discussão do assunto, de grande relevância para a sociedade, ganhou contornos políticos e midiáticos, para não falar demagógicos. Prato cheio para a "opinião publicada", foi imediatamente deflagrado mais um processo de críticas infundadas ao Poder Judiciário e à Magistratura.
De logo foi apontado que o corte atingia "apenas o reajuste" de 14,79% dos Membros do Poder Judiciário, sem qualquer referência a omissão dos demais Poderes no tocante ao cumprimento do disposto no art. 37, X, da Constituição Federal.
Não houve qualquer menção ao fato de que a Magistratura está sem recomposição do subsídio desde 2009, em manifesta violação a garantia constitucional da irredutibilidade do subsídio (art. 95, III, da Constituição Federal). E mais, silenciaram que quando da última revisão sequer foi assegurada a recomposição da inflação acumulada no período anterior.
Também não divulgaram, por questões desconhecidas, que o pleito da Magistratura é, apenas, pela recomposição da inflação acumulada desde a última atualização, sem qualquer ganho ou aumento real. Nesse momento, lutamos apenas pela a preservação do poder aquisitivo do subsídio, há muito corroído pela silenciosa inflação.
Por outro lado, não fizeram qualquer crítica ou corte no reajuste de cerca de 14% no salário mínimo, nem nas elevadas cifras destinadas aos grandes eventos esportivos que serão realizados no Brasil entre 2013 e 2016 (Copa das Confederações de Futebol em 2013, Copa do Mundo de 2014, os Jogos Olímpicos e as Paraolimpíadas de 2016).
Estamos, então, de volta à política do pão e circo?
Deixamos registrado, desde já, que o reajuste do salário mínimo é mais do que justo e merecido; entretanto, lamentamos o tratamento dispensado ao Poder Judiciário, tão relevante e importante para a República. Não nos parece razoável que apenas algumas categorias tenham as respectivas remunerações revisadas, enquanto outras são imotivadamente discriminadas.
Ora, embora a remuneração dos agentes públicos seja um tema polêmico e controvertido diante da realidade sócio-econômica do país, a sociedade não pode se furtar ao debate. Embora nenhum momento seja politicamente adequado para a discussão de matérias polêmicas, é fato que cabe ao Poder Legislativo enfrentá-las, até porque esse papel lhe foi conferido pela nossa Carta Maior.
Por essas e outras questões, a Magistratura e o Ministério Público promoverão, dia 21 de setembro de 2011, em Brasília, um ato público denominado "Dia de Mobilização pela Valorização da Magistratura e do Ministério Público", em defesa de melhores condições de trabalho.
Conclamamos, pois, o engajamento e a participação de toda a Magistratura no ato do dia 21, cuja pauta aborda saúde, previdência, segurança e política remuneratória.
Notas
- http://www.amatra13.org.br/index.php?pg=destaques&id=2751 Acesso em 03/09/2011.
- 1ª. PESQUISA SOBRE CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS JUÍZES – Janeiro de 2009. Pesquisa on line quantitativa, coordenada pela MCI Estratégia e realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, no período de 10 dezembro de 2008 a 13 janeiro de 2009, com o objetivo de investigar as condições de trabalho dos Juízes brasileiros.
- http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/eficiencia-modernizacao-e-transparencia/pj-justica-em-numeros
- CNJ – PP 775 – Rel. Cons. Marcus Faver – 29ª Sessão – j. 14.11.2006 – DJU 06.12.2006.
- http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/09/01/governo-corrige-orcamento-para-atender-stf-925274499.asp#ixzz1WvhQJN2f Acesso em 03/09/2011.
- http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/09/cortes-no-judiciario-foram-equivoco-do-governo-diz-presidente-do-stf.html Acesso em 03/09/2011.