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Métodos alternativos de resolução de conflitos sob a ótica do direito contemporâneo

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Agenda 15/09/2011 às 08:15

4.EQUIVALENTES JURISDICIONAIS

Fredie Didier Júnior [30] define os equivalentes jurisdicionais como formas não jurisdicionais de solução de conflitos que funcionam como técnica de tutela de direitos, resolvendo conflitos ou certificando situações jurídicas.

Humberto Dalla Bernardina Pinho e Karol Araújo Durço [31] associaram a atividade jurisdicional e a presença dos equivalentes jurisdicionais como reflexos dos modelos de Estado dos Séculos XVIII ao XX. Dessas ilações, foi possível observar que a presença dos equivalentes jurisdicionais era incompatível tanto no Estado Liberal quanto no Estado Social por diferentes razões. No primeiro, a presença do formalismo positivista e sua lógica dedutiva através do silogismo subsuntivo da norma não deixavam espaço para os equivalentes jurisdicionais, eis que a Jurisdição era a única forma de solução da lide. O Estado Social, por sua vez, inviabilizou o desenvolvimento dos equivalentes jurisdicionais, em razão do agigantamento da figura prestacionista e paternalista do juiz na garantia e exercício de direitos.

Com o advento do Estado Democrático de Direito, os equivalentes jurisdicionais passaram a exercer um papel de maior destaque no ordenamento jurídico, pois iniciou-se uma efetiva participação dos consorciados jurídicos na realização dos fins estatais. A figura mítica do juiz foi paulatinamente superada e a prestação jurisdicional passou a conceber uma lógica baseada no discurso e racionalidade comunicativa.

Neste diapasão, destacam-se como principais exemplos de equivalentes jurisdicionais a autotutela, autocomposição, mediação e o julgamento de conflito por tribunais administrativos (solução estatal não jurisdicional de conflitos) [32]. Para alguns juristas, a arbitragem não detém esta classificação, em razão de tratar-se de jurisdição por autoridade não estatal, o que será abordado mais à frente. Para fins didáticos, serão contempladas neste trabalho, as vias alternativas de autotutela, autocomposição e arbitragem. [33]

4.1) AUTOTUTELA

Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves (2007,p.358) [34] autotutela "é a forma mais antiga de solução de conflitos, constituindo-se, fundamentalmente, pelo sacrifício integral do interesse de uma das partes envolvida no conflito em razão do exercício da força pela parte vencedora" . Apesar de não ser uma forma prestigiada em um Estado Democrático de Direito, o jurista considera a autotutela como um equivalente jurisdicional excepcional em nosso ordenamento, eis que existem raras previsões legais admitidas, como por exemplo, a legítima defesa (art.188,I do CC), apreensão do bem com penhor legal (art.1467,I do CC) e desforço imediato no esbulho (art.1210 §1° do CC).

Ademais, por se tratar de um meio de solução de conflitos exercido de forma imediata por um dos envolvidos, eis que não há a possibilidade de atuação do Estado naquele momento para dirimir o conflito, pode ser amplamente revista pelo Poder Judiciário, em razão de não possuir atributos de definitividade.

4.2) AUTOCOMPOSIÇÃO

A autocomposição é a forma de solução do conflito pelo consentimento espontâneo de um dos contendores em sacrificar, no todo ou em parte, em favor do interesse alheio [35]. Considerada um eficaz meio de pacificação social judicial ou extrajudicial, ela põe fim ao litígio mediante a primazia da autonomia da vontade das partes ao invés de se impor uma decisão jurisdicional para a solução do conflito.

São espécies da autocomposição, a transação, submissão e renúncia. Na renúncia e submissão, a solução decorre de um ato unilateral da parte, sendo que na primeira, o titular do pretenso direito abdica do mesmo, fazendo desaparecer o conflito gerado, enquanto na submissão, o sujeito se submete à pretensão contrária, ainda que fosse legítima sua resistência.

A transação, por sua vez, trata de um sacrifício recíproco entre os envolvidos no conflito, e demonstra-se, sobretudo, um meio especial de pacificação social, eis que as partes resolvem o conflito e abdicam de parte de seu direito mutuamente, gerando, na maioria das vezes, satisfação entre os envolvidos.

Cabe salietar que, quando ocorre em processo judicial, a autocomposição deverá ser homologada por sentença de mérito com formação de coisa julgada material, conforme previsão do art. 269,II, III, V, do CPC. Nesse caso há uma hibridez substancial entre o equivalente jurisdicional da autocomposição e da sentença judicial homologatória do exercício da jurisdição [36].

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São instrumentos da autocomposição a Negociação, a Conciliação e a Mediação.

4.2.1) Negociação

Para Humberto Dalla Bernardina Pinho (2007, p.363) [37]

a negociação é um processo bilateral de resolução de impasses ou de controvérsias , no qual existe o objetivo de alcançar um acordo conjunto, através de concessões mútuas. Envolve a comunicação, o processo de tomada de decisão (sob pressão) e a resolução extrajudicial de uma controvérsia.

Como anteriormente explanado, trata-se de uma via alternativa pura para dirimir controvérsias, destacando-se na solução de litígios de natureza comercial em razão de evitar incertezas e os custos de um processo judicial, bem como preservar o relacionamento das partes envolvidas de maneira discreta e sigilosa. Para o jurista, é normalmente a primeira forma de compor litígios, e caso não seja bem sucedida, é possível partir para outra forma alternativa ou até mesmo para a jurisdição tradicional.

4.2.2) Mediação

Para Fredie Didier Júnior (2009, p.78) [38]

A mediação é uma técnica não-estatal de solução de conflitos, pela qual um terceiro se coloca entre os contendores e tenta conduzi-los à solução autocomposta. O mediador é um profissional qualificado que tenta fazer com que os próprios litigantes descubram as causas do problema e tentem removê-las. Trata-se de técnica para catalisar a autocomposição.

A Mediação diferencia-se da negociação pelo simples fato da presença do terceiro mediador , eis que este terá como função auxiliar as partes para resolver o conflito. Segundo Humberto Dalla Bernardina de Pinho, a mediação pode ser classificada como passiva e ativa, sendo que, na primeira, o mediador figura apenas como um facilitador na resolução do litígio, enquanto na segunda, mais conhecida como "Conciliação" em nosso ordenamento, o conciliador além de facilitar o diálogo entre as partes, apresenta propostas e soluções para o litígio.

Daniel Amorim Assumpção Neves [39] assevera que a postura do terceiro é que diferencia a conciliação da mediação, eis que na primeira há o oferecimento de alternativas de sacrifício mútuo entre as partes, enquanto na segunda, o mediador estabelece um diálogo entre os envolvidos, de forma que os mesmos possam resolver o conflito, sem necessariamente abdicar de parcela de direito. [40]

Ao distinguir a mediação da conciliação, Humberto Dalla Bernardina Pinho [41] complementa que a mediação é atividade privada, mesmo que paraprocessual e visa resolver abrangentemente o conflito entre as partes, enquanto a conciliação trata de uma atividade inerente ao Poder Judiciário e contenta-se em solucionar o litígio conforme as posições apresentadas pelos envolvidos .

O Jurista afirma que, via de regra, a mediação é utilizada antes da adjudicação [42] ,ou seja, ela possui um procedimento extrajudicial e pode ser adotada até como forma de prevenção. Ele aponta que o ordenamento jurídico brasileiro comporta dois tipos de mediação, quais sejam, as previsões do art. 331 e 447 do CPC, em que o juiz atua como conciliador em audiência ou designa um auxiliar para tal qualidade e o art. 265,II, c/c § 3º do CPC, em que as partes requerem a suspensão do processo para efetivação das tratativas de conciliação fora do juízo. Ademais, o acordo obtido da mediação dispensa o ajuizamento de processo cognitivo, eis que o art. 585,II CPC possibilita que qualquer acordo extrajudicial possa ser convertido em título executivo extrajudicial, desde que assinado pelas partes na presença de duas testemunhas.

Por fim, o autor conclui que as vias alternativas têm o intuito de complementar e não disputar com a adjudicação, sendo a mediação mais adequada para tratar de relacionamentos interpessoais continuados, (aqueles que vão subsistir independentemente da vontade das partes), como os casos de direito de família, vizinhos e associados.

Nenhuma área de conflito reflete melhor as vantagens e desvantagens da negociação de acordos, feitos através da mediação, do que a familiar. Conflitos de família ocorrem entre pais e filhos adolescentes, ou entre cônjuges em separação, sobre guarda de filho, ou propriedade, e são configurados por questões especialíssimas e extremamente interligadas. Por isso vêm desafiando as decisões judiciais, pelo retorno sem fim de seus processos, às salas dos tribunais. As famílias, geralmente, operam de acordo com suas próximas leis e são rebeldes à imposição de padrões de terceiros. Quando são pressionadas, tomam a justiça em suas próprias mãos e ignoram decisões, sejam profissionais ou judiciais (...)(SERPA, 1998, p.17) [43].

Além das previsões legais supracitadas, a disciplina normativa da mediação se destaca, ainda, pelo Projeto de Lei nº 4827/98, o Anteprojeto do Código de Processo Civil nos arts.134 e seguintes e a Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça. Por questões didáticas, os dois últimos pontos serão tratados no tópico seguinte, eis que envolvem questões pertinentes à Conciliação e Mediação.

Sobre o Projeto de Lei 4827/98 [44], é necessário ressaltar que se trata de um grande avanço legislativo da mediação passiva em nosso ordenamento, pois institucionaliza e disciplina esta via alternativa, como método de prevenção e solução consensual de conflitos no Brasil. Entretanto, a referida medida vem gerando certa preocupação dentre os juristas, no que tange a forma como será empregada. Humberto Dalla Bernardina Pinho afirma que há um grande equívoco do Projeto 4827/98 quanto à crença da mediação como remédio para a solução de todos os litígios. Para o jurista, a mediação não deve ser utilizada indiscriminadamente em todos os procedimentos civis, pois exige voluntariedade e boa-fé das partes litigantes.

4.2.3) Conciliação

A conciliação, ou mediação ativa, tem como objetivo o acordo, sendo o conciliador o agente capaz de conduzir, sugerir e opinar acerca dos direitos e deveres legais das partes. [45] Pode-se observar que há um prestígio da autocomposição no ordenamento jurídico pátrio como forma de resolução de conflitos. Para Keith Rosenn [46], isto se justificaria em razão do brasileiro agir com sentimentalismo, ou seja, ele aceita e tolera solidariamente as debilidades humanas. Por esta razão, o autor entende que a conciliação é um "jeito" em nossa cultura jurídica.

Todavia, tal argumento deve ser revisto, na medida que a conciliação figura como um efetivo instrumento de pacificação social, como ocorre, por exemplo, na "Semana da Conciliação" promovida pelo Conselho Nacional de Justiça. [47] As críticas do referido autor devem ser levadas em consideração, no que tange à forma como a conciliação está sendo empregada pelos juristas e demais operadores do Direito. Isto significa dizer, que para a conciliação não se tornar uma forma de "jeito" de resolver os litígios, é necessária a criação de estruturas capazes de garantir a efetividade dos direitos com celeridade e técnica.

Apesar de não possuir uma lei específica, a conciliação está prevista em legislação esparsa no direito brasileiro. No âmbito do Direito Processual do Trabalho, Carlos Henrique Bezerra Leite [48] dispõe que o princípio da conciliação, apesar de ter sido suprimido do art. 114 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45, continua sendo amplamente previsto no plano infraconstitucional, como ocorre nos arts. 625-A, 764, 831, 846, 847 850, 852-E, 862 e 863 da CLT. Tamanha é a importância da conciliação, que uma vez não observada nos procedimentos ordinário e sumário, poderá haver nulidade absoluta dos atos posteriores, sob a justificativa de que a mesma trata de matéria de ordem pública.

O Código de Processo Civil, por sua vez, prevê a possibilidade de conciliação em seus artigos 125, IV e 331. Importa ressaltar que o art. 475-N, III, V, do CPC elege a sentença homologatória de conciliação ou de transação e o acordo extrajudicial homologado judicialmente como títulos executivos judiciais. A conciliação está prevista, ainda, nos arts. 2, 20 e 26 da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (Lei 9.099/95). Ademais, a referida lei prevê a possibilidade da transação penal, conforme previsão do art. 76 da Lei 9.099/95.

A Seção V, Capítulo III, Título VI, do Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil [49] disciplina a conciliação e à mediação judiciais, e atribui ao mediador e conciliador o status de auxiliares de justiça. Para reger a atuação e conduta dos operadores destas vias alternativas, o referido anteprojeto observa os princípios da independência, neutralidade, autonomia da vontade, confidencialidade, oralidade e informalidade. Ademais, há uma inovação normativa no que diz respeito à pretensão de profissionalizar os operadores das vias alternativas de resolução de litígios, como por exemplo, a remuneração, cadastro de registro, e cursos de formação de mediadores e conciliadores.

Em consonância com este entendimento, o Conselho Nacional de Justiça, órgão reponsável pelo controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, editou a Resolução [50] nº 125 para instituir Política Pública de Tratamento Adequado de Conflitos de interesses no âmbito do Judiciário. A referida resolução visa estimular, apoiar e difundir a sistematização e o aprimoramento das práticas de pacificação social, destacando-se a conciliação e a mediação. Além disso, pretende vincular os órgão judiciários para criação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos e Juízos de Resolução Alternativos de Conflitos. Para isso, estabelece conteúdo programático mínimo para cursos de capacitação de conciliadores e mediadores, conforme anexo I da resolução. Destaca-se, ainda, o anexo III da referida norma, que versa acerca do Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judicias, dispondo acerca de princípios que norteiam a prática e conduta dos operadores destes meios de pacificação social.

4.3) ARBITRAGEM

Carlos Alberto Carmona (1998,p.43) [51] define arbitragem como

meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial – é colocada à disposição de quem quer que seja para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor. Trata-se de um meio heterocompositivo de solução de controvérsias, diferenciando-se da conciliação e mediação em razão da imposição da solução arbitral perante as partes.

Ao tratar da incorporação da arbitragem no Brasil, o jurista afirma que a falta de tradição e a negativa idéia de que esta via alternativa defendia interesses estrangeiros em detrimento dos nacionais, dificultou a implementação deste meio de solução de controvérsias no país. Ademais, antes do advento da Lei Federal 9.037/96, era necessário a homologação do laudo arbitral em juízo, o que inviabilizava o sigilo, custo e celeridade inerentes à arbitragem.

Com a nova Lei de Arbitragem, a intervenção estatal nesse instituto se restringiu à declaração de nulidade nos casos previstos do art. 32 do referido diploma legal. Sendo assim, a arbitragem passou a ser dotada de mais autonomia e privilegiou a vontade das partes, desde que os interessados fossem capazes e o objeto da controvérsia versasse sobre direitos disponíveis, como ocorre na previsão do art. 26 e 33 da Lei 9037/96.

Havia, ainda, questionamentos acerca da natureza jurídica do instituto. Para a corrente privatista [52], representada por Paulo Furtado e Francesco Carnelutti, a jurisdição não poderia ser exercida pelos árbitros, em razão dos mesmos não possuírem os atributos de coerção e execução inerentes à jurisdição. Sendo assim, o laudo arbitral seria vinculativo, por força do princípio da obrigatoriedade dos contratos. Os doutrinadores publicistas, por sua vez, defendiam o aspecto processual da arbitragem, considerando os árbitros como jurisdição, eis que aplicam a lei em caso concreto.

Segundo Humberto Dalla Bernardina de Pinho, a nova Lei de Arbitragem deixou transparecer inequivocamente a natureza jurisdicional da arbitragem, reconhecendo aos árbitros a possibilidade de realizar funções jurisdicionais, como o art. 8º da Lei 9307/96. Neste diapasão, entende Fredie Didier Júnior que a arbitragem não é encarada como equivalente jurisdicional, mas como exercício de jurisdição por autoridade não-estatal.

Sobre a autora
Larissa Affonso Mayer

Advogada graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora, com aproveitamento de créditos pelas faculdades de Direito e Criminologia da Universidade do Porto - Portugal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAYER, Larissa Affonso. Métodos alternativos de resolução de conflitos sob a ótica do direito contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2997, 15 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19994. Acesso em: 23 dez. 2024.

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