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A garantia da razoável duração do processo do trabalho

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Agenda 27/09/2011 às 10:37

3.A morosidade processual é um fenômeno brasileiro?

É comum ouvirmos que um dos maiores problemas da Justiça brasileira é a sua morosidade. O próprio Ministro Carlos Veloso ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, reconheceu que a Justiça no Brasil é lenta [34]. Mas será que apenas o Judiciário brasileiro padece desse mal?

Com efeito, em Portugal, por exemplo, uma simples ação de despejo leva, aproximadamente, 11 (onze) anos, para se chegar ao fim, apenas em primeiro grau de jurisdição. [35] [36]

Na Itália, a seu turno, as ações duram, somente na primeira instância, em média, 04 (quatro) anos. No Japão, antes da edição do novo Código de Procedimentos, ocorrida em 1998, para percorrer todas as instâncias e chegar até à Suprema Corte do Japão, não se levava menos do que uma década. [37]

Não significa que se deva, acomodadamente, utilizar de dados estatísticos de outros países para justificar a morosidade excessiva dos nossos processos. Mas trata-se de uma realidade da qual não se pode ignorar.

O tempo serve de medida para tudo. Sua importância se dá não apenas para considerarmos o que vamos, temporalmente, gastar com uma simples refeição, perpassando por um tratamento de saúde, ou com os processos judiciais. A lógica, por conseguinte, é bastante simples, pois se o tempo é a dimensão fundamental da vida humana, e se o que se busca no processo judicial interfere diretamente na felicidade do litigante, não há como negar que a demora na solução do processo gera uma infelicidade pessoal, uma angústia, para não dizer outras coisas. Portanto, não faz sentido deixarmos de valorar o que se passa na vida das partes envolvidas em um litígio. É preciso não perder de vista que atrás de cada processo, há um drama de uma vida e não simplesmente uma capa, sem rosto!

Não é justo que o cidadão tenha o seu direito, suas angústias e os problemas para os quais não contribuiu, desprezados pela Administração da justiça. Como escreve Cândido Rangel Dinamarco, ao tratar da instrumentalidade do processo, 'falar dela como algo posto à disposição das pessoas com vistas a fazê-las mais felizes (ou menos infelizes), mediante a eliminação dos conflitos que as envolvem, com decisões justas' [38]. É evidente que somente se pode conseguir uma decisão justa, começando por observar um tempo razoável de duração do processo.

Dessa forma, não obstante o Judiciário brasileiro, se comparado a alguns outros, não seja tão lento assim; entrementes, há muito para se fazer, no sentido de melhorar o tempo de duração processual.


4.O Poder Judiciário trabalhista e a necessidade de se resolver os conflitos que lhe são colocados com tempestividade. Um breve escorço histórico.

Para se ter uma melhor compreensão da necessidade de se resolver os conflitos trabalhistas, com a máxima brevidade de tempo possível, e das razões que fizeram o seu processo diferenciado, quando comparado com o processo comum, faz-se necessário um breve escorço histórico a respeito do nascimento da Justiça do Trabalho, sua importância política e social.

No século retrasado, quando, em virtude de lutas sindicais na Europa e nos Estados Unidos da América, começaram a florescer as conquistas sociais dos trabalhadores, consagrando os ideais daqueles que, anteriormente, clamaram por uma legislação de proteção ao trabalho, o Brasil ainda possuía uma economia preponderantemente agrícola, empreendida nos moldes quase primitivos e alicerçada no trabalho escravo. As associações que, no Império, congregaram trabalhadores urbanos tinham caráter mais beneficente do que reivindicatório.

Mesmo nas primeiras décadas do século passado, o nascimento de uma indústria incipiente em alguns pontos do nosso imenso território, não ensejava, senão excepcionalmente, a coligação de trabalhadores, em virtude do isolamento das pequenas comunidades industriais e da arraigada falta de espírito associativo.

Por seu turno, na campanha para as eleições presidenciais, o candidato Getúlio Vargas comprometeu-se a adotar adequada legislação social-trabalhista e promover a ratificação de convenções aprovadas pela Organização Internacional do Trabalho.

No período de 1930 a 1942, sob o comando de Getúlio Vargas, as relações de trabalho foram marcadas por três fases distintas, a saber:

a) de 26 de novembro de 1930 (data da criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio) a 15 de julho de 1934, em que os Ministros do Governo Provisório, Lindolfo Collor e Salgado Filho, obtiveram a adoção de diversos decretos legislativos, como, por exemplo, o que tratou, pela primeira vez, da organização sindical brasileira [39]; da Carteira Profissional [40]; da jornada de trabalho de 08 (oito) horas diárias [41]; que criou as comissões mistas de conciliação [42]; as normas coletivas de trabalho [43]; às férias anuais [44] e ao seguro obrigatório de acidentes do trabalho [45];

b) de 16 de julho de 1934 a 9 de novembro de 1937 (vigência da Constituição de 1934, período do qual Agameno Magalhães dirigiu o Ministério do Trabalho), tivemos a Lei no. 62, de 1935, que dispôs sobre a rescisão do contrato de trabalho, assegurando aviso prévio e indenização de antiguidade ao empregado despedido sem justa causa, ao mesmo tempo que estendeu o direito de estabilidade, após 10 (dez) anos de serviço, aos industriários e comerciários e a Lei no. 185, de 1936, que instituiu as Comissões de Salário Mínimo;

c) de 10 de novembro de 1937 a 31 de dezembro de 1941 (período compreendido na vigência da Constituição de 1937), em que o Ministro Waldemar Falcão, com auxílio dos juristas Oliveira Vianna e Luiz Augusto de Rego Monteiro, preparou os decretos-leis que reorganizaram o sistema sindical, com o objetivo de preparar as corporações que elegeriam os membros do Conselho de Economia Nacional previsto na Constituição Federal de 1937. Essa legislação, a partir do Decreto-lei no. 1.402, de 1939, impôs a unicidade sindical por categoria ou profissão, aprovo um rígido enquadramento sindical hierarquizado para cada ramo da economia nacional e criou o imposto sindical devido por todos os integrantes das diversas categorias ou profissões. Demais disto, merece registro especial a instituição da Justiça do Trabalho [46].

Foi esse o contexto legislativo que Alexandre Marcondes Filho encontrou, em 2 de janeiro de 1942, quando assumiu o cargo de Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. Logo percebeu, dessa forma, que havia uma multiplicidade de normas no campo do trabalho, sancionadas ou decretadas em distintas fases da nossa história, confundindo os seus destinatários, intérpretes e aplicadores, o que levava a uma necessidade de ordenar as respectivas disposições legais em um único texto normativo.

Vinte e sete dias após a sua posse, Marcondes Filho, devidamente autorizado pelo Presidente Getulio Vargas, designou comissão de 10 (dez) membros para, sob sua presidência, elaborar o anteprojeto de Consolidação das Leis do Trabalho e de Previdência Social. [47]

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Não demorou muito, contudo, para que houvesse um desdobramento, separando-se, pois, as matérias. Assim, passou a existir 02 (dois) anteprojetos: um para o Direito do Trabalho e o outro para as questões previdenciárias.

Em 5 de novembro de 1942 o anteprojeto de Direito do Trabalho, já elaborado, foi encaminhado para o Ministro e, posteriormente, submetido à apreciação do Presidente Getúlio Vargas.

Em 31 de março de 1943 a referida Comissão entregou o projeto final ao Ministro, sendo que no dia primeiro de maio do mesmo ano (1943), a CLT foi aprovada pelo Decreto-lei no. 5.452, tendo sido somente publicada no Diário Oficial do dia 9 de agosto, para entrar em vigor 03 (três) meses depois, ou seja, em 10 de novembro de 1943.

É interessante notar que já naquela época, em que nos domínios do Processo comum vigorava o Código de Processo Civil de 1939, a Consolidação das Leis do Trabalho regulava, expressamente, institutos processuais, não só extremamente inovadoras para o seu tempo, como procedimentos que muitas décadas depois vieram a ser adotados por outros sistemas legais, como, por exemplo, a despersonalização do empregador; a conciliação como regra procedimental obrigatória; a oralidade em sua mais larga extensão; a concentração dos atos processuais; a flexibilização do sistema de preclusão processual; a fungibilidade para além do sistema recursal; a gratuidade da justiça, entre tantas outras matérias.

A Consolidação das Leis do Trabalho, enfeixando num único texto todas as normas disciplinadoras das relações individuais e coletivas do trabalho, além das concernentes a procedimentos administrativo e processuais, bem como da própria Justiça do Trabalho, teve em mira não só proporcionar o conhecimento global dos direitos e obrigações trabalhistas, mas sobretudo, no que diz respeito as regras processuais, a busca de uma solução rápida das lides trabalhistas, uma vez que o crédito do trabalhador deve receber tratamento diferenciado e privilegiado. Dessa forma, submeter os processos trabalhistas as normas contidas no processo comum, levaria ao fracasso todo esse ideário.

Carlos Maximiliano ao comentar a Constituição Federal de 1946, na Seção destinada ao Judiciário trabalhista [48], lembra que:

' A existência de um fôro especial para dirimir as questões trabalhistas justifica-se, por diversos fundamentos: a) os conflitos do trabalho apresentam caráter econômico e social, embora em parte jurídico também, e em geral os juízes de direito não possuem os conhecimentos técnicos indispensáveis para solver tais contendas; precisariam ser assessorados pela perícia, o que retardaria ae complicaria os processos; b) os dissídios entre empregados e empregadores reclamam célere solução. Pois repercutem sobre a economia geral, paralisam por algum tempo as atividades industriais ou comerciais; tendem a alastrar-se, generalizando a perturbação na harmonia social, avivando a luta entre o capital e o trabalho; tudo isto contribui para tornar imperativo um rito sumário, de contextura toda especial; c) a própria natureza das questões suscitáveis demanda o concurso de magistratura de equidade, mais do que de direito estrito; uma orientação larga e desembaraçada, particularmente compreensiva, conciliatória e humana; d) a situação precária do litigante assalariado torna-o inapto para enfrentar e custear pleitos longos e dispendiosos, como os habituais na justiça comum. [49]'

A capacidade que sempre teve a Justiça do Trabalho para resolver os conflitos que a ela são apresentados, fez despertar, nos últimos tempos, um maior interesse pelo seu processo judicial.

A maior prova da capacidade de velocidade da Justiça do Trabalho para julgar, está depositada no contínuo aumento de sua competência material, pois desde sua criação foi ocorrendo um acréscimo na quantidade de matérias que a ela podem ser submetidas. A mais recente expressão dessa assertiva, encontra-se depositada na Emenda Constitucional no. 45, de 2004.

A referida reforma constitucional impôs um aumento ainda maior de competência material para a Justiça do Trabalho, pois agora é a mesma competente para processar e julgar ações que envolvam não só a relação de emprego; mas a relação de trabalho; as ações que envolvam os entes de direito público externo ainda continuam com o Judiciário trabalhista; assim como os entes da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em matéria de relação de trabalho; as ações que envolvam o exercício do direito de greve, bem como as ações correlatas a esse direito, como os interditos proibitórios, as ações entre terceiros,com base no direito de greve; as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores e entre sindicatos e empregadores; os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à jurisdição da Justiça do Trabalho; as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no artigo 195, I, a, e II, da Constituição Federal; as ações que envolva diretamente os acidentes de trabalho decorrentes da relação de trabalho; além de tantas outras ações oriundas da relação de trabalho. [50]

Isso tudo sem falar em inúmeros Projetos de Emendas à Constituição, nos quais visam aumentar ainda mais a competência material da Justiça do Trabalho, inclusive, para ações penais cujas infrações delituosas sejam decorrentes da relação de trabalho.

Não tenho dúvida em afirmar que a ampliação da competência da Justiça do Trabalho foi uma forma maior de servir ao povo. Todavia, servir ao povo é servir bem, com eficiência, máxime quando há, na própria Constituição Federal, uma regra principiológica que exige o tempo razoável de duração dos processos. É necessário, desta forma, que a Justiça do Trabalho esteja à altura de sua nova missão, que os tempos contemporâneos colocaram sobre seus ombros.


5.Conclusão

A preocupação na solução das lides trabalhistas deve ser um objeto de maior atenção do legislador. É mais cômodo ser devedor trabalhista do que ser devedor junto ao Fisco Municipal, Estadual ou Federal, já que as restrições legais para o inadimplente trabalhista são infinitamente menores, sem falar nos juros trabalhistas que estão em patamares bem distantes da taxa SELIC cobrada pela Fazenda Pública Federal [51].

Com efeito, a defesa da dignidade da pessoa humana do trabalhador e a proteção dos valores sociais do trabalho são fundamentos da República Federativa do Brasil [52], sendo, pois, dever do Estado promover medidas que visem a atingir esses elevados postulados da República.

De nada adianta enunciar direitos e garantias fundamentais se não adotamos instrumentos eficazes para traduzi-las em ação e políticas públicas voltadas à proteção e a valorização de tais fundamentos.

A moderna Teoria da Constituição não mais se contenta com a inserção de temas relevantes no chamado conteúdo positivo da Carta Política. Hoje, espera-se muito mais, não somente dos Poderes Públicos, mas do próprio Poder Judiciário.

Quando a Constituição Federal enuncia, no rol de direitos fundamentais, o princípio do amplo acesso à justiça, a inafastabilidade da jurisdição [53], bem como o tempo razoável de duração do processo [54], ela o faz, não na perspectiva da retórica ou da disponibilização estrutural da Justiça, mas, sobretudo, pela necessidade de que os direitos sejam efetivamente observados e concretizados.

O que sucede em nosso País, no entanto, é uma considerável distância entre o direito anunciado e a sua realização.

Tem sido difícil ao Judiciário trabalhista – como de sorte todas os demais ramos do Judiciário – levar a cabo, no prazo razoável, a conclusão dos feitos. É muito comum que o jurisdicionado espere tanto pela solução de seu processo, que essa demora acabe por se transformar em mais uma frustração em sua breve vida terrena.

O tempo razoável de duração dos processos judicias é, por força da Emenda Constitucional no. 45, de 2004, uma exigência superior, da qual não podem os operadores do direito se olvidar. Todavia, estabelecer, com segurança, o que seria o tempo razoável de duração processual é algo quase enigmático, posto que ninguém consegui estabelecer, com precisão, o alcance da referida expressão.

A seu turno, muito se lê na doutrina que o princípio do tempo razoável de duração do processo é uma expressão aberta, um conceito indeterminado, devendo, pois, ser tarefa do Judiciário dizer o alcance conceitual da expressão em apreço.

A dificuldade acerca do alcance do que poderia ser tempo razoável de duração do processo aumenta, quando numa breve pesquisa não consegue se encontrar dados confiáveis do tempo de duração dos processos. Os próprios Tribunais não conseguem estabelecer um padrão para medir o tempo razoável de duração de seus processos. As pessoas, quando chamadas a dizer o que seria tempo razoável de duração do processo, também não conseguem estabelecer um padrão.

De outro lado, foi possível se depreender que a lentidão da Justiça, dentro de um critério de razoabilidade, não é um fenômeno brasileiro. Todavia, a preocupação se potencializa quando verifico que a Justiça do Trabalho, que sempre deixou um sentimento de maior celeridade na resolução de seus processos, ao menos no espírito do cidadão, se comparada com os demais ramos do Judiciário, agora já não tem mais despertado o mesmo sentimento.

Com isso, é importante dizer que o discurso que historicamente favoreceu a criação, a manutenção e até mesmo o aumento da competência material da Justiça do Trabalho, corre o risco de se tornar inócuo, passando a ser um mero exercício de raciocínio argumentativo acadêmico, se não houver uma mudança de hábitos dos operadores do direito. Mudam as leis, mas não se muda a forma de pensar! Também é possível dizer que problema do Judiciário trabalhista brasileiro não está na reforma da sua Constituição, mas na necessidade de se uma lei que complemente essa reforma, principalmente de natureza processual.

A lei é um pensamento dialético que se sustenta na discussão e na escolha de quem as faz. Trata-se, por conseguinte, de uma opção entre valores que se encontram à disposição dos legisladores. A utilidade prática de novas leis não é obra só do legislador. Lei alguma tem a capacidade de operar qualquer mudança sozinha. A transformação efetiva é obra de toda a sociedade, por intermédio dos operadores e dos destinatários da norma, máxime quando importa numa alteração das estruturas sociais.

A falta dados empíricos acerca do que realmente é necessário para se levar à efeito o princípio fundamental do tempo razoável de duração do processo, não romperá com já tão conhecido ciclo vicioso de transferência de responsabilidade, ou seja, a população reclama pela falta de solução rápida e segura de seus problemas; os juízes, por sua vez, culpam o legislador por não lhes ter dado os meios adequados para atender os anseios sociais; ao legislador, falta a vontade política para encarar as mudanças exigidas pela sociedade, e por aí vai... É preciso, portanto, compreender melhor esse embricado sistema.

Sobre o autor
Leonardo Dias Borges

Magistrado no Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORGES, Leonardo Dias. A garantia da razoável duração do processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3009, 27 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20080. Acesso em: 23 dez. 2024.

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