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A quebra dos sigilos bancário e fiscal

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6. A CPMF e o Sigilo Bancário

A Lei 9.311 de 24.10.1996 instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF, dispondo no seu art. 11 o seguinte:

          "Art. 11. Compete à Secretaria da Receita Federal a administração da contribuição, incluídas as atividades de tributação, fiscalização e arrecadação.

§ 1º No exercício das atribuições de que trata este artigo, a Secretaria da Receita Federal poderá requisitar ou proceder ao exame de documentos, livros e registros, bem como estabelecer obrigações acessórias.

          § 2º As instituições responsáveis pela retenção e pelo recolhimento da contribuição prestarão à Secretaria da Receita Federal as informações necessárias à identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações, nos termos, nas condições e nos prazos que vierem a ser estabelecidos pelo Ministro de Estado da Fazenda.

§ 3º A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicada à matéria, o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para constituição do crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos. ".

(...) (Grifo nosso).

Vistos os parágrafos do art. 11, não se questiona da sua validade, pois é possível interpretar os §§ 1º e 2º consoantes com o disposto no art. 197, II do Código Tributário Nacional que, como já comentado anteriormente, obriga às instituições financeiras que informem à autoridade administrativa sobre os negócios, bens e atividades de terceiros.

Entretanto, é possível uma segunda interpretação, pois o parágrafo único do art. 197 do CTN afirma não ser aplicável o seu conteúdo "aos fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão". Ora, o caput do art. 38 da Lei 4.595/64 é claro ao vedar aos bancos e demais instituições financeiras que divulguem informações sobre as operações ativas e passivas dos seus clientes, bem como dos serviços que prestam. Além disso, também já foi mencionada a posição doutrinária e jurisprudencial reconhecendo o sigilo bancário como espécie de direito fundamental, previsto no inciso X do art.5º da CF, o que reforça a sua inviolabilidade, embora seja excepcionado nos termos dos parágrafos do art. 38 da Lei 4.595/64.

Seguindo esta última interpretação, pode-se cogitar a inconstitucionalidade do § 2º do Art. 11 da Lei 9.311, pois ao obrigar as instituições financeiras a prestarem à Secretaria da Receita Federal informações que identifiquem os contribuintes e os valores das suas operações, este parágrafo afronta o inciso X do art. 5º da CF, violando a intimidade do indivíduo. Ora, a Secretaria da Receita Federal não necessita saber os nomes dos clientes dos bancos e nem os valores que movimentam, visto que os responsáveis pelo recolhimento da contribuição são as próprias instituições financeiras. Bastaria, para efetuar a fiscalização, que fosse enviada à Secretaria da Receita Federal os valores totais recolhidos, discriminados ou não, sem, contudo, identificarem o cliente(54). Se o Fisco entender necessárias as movimentações, ainda assim seria dispensada a identificação do contribuinte, evitando que ocorresse a quebra do sigilo bancário. Em última instância, tem o Fisco a faculdade de recorrer ao poder Judiciário para tomar conhecimento das informações que julgar necessárias.

Ademais, a Lei 9.311/96 é uma lei ordinária. E o § 2º do seu art. 11, parece estar contrária ao que determina a Constituição, pois dispõe de forma contrária à Lei 4.595/64, que regula o Sistema Financeiro Nacional e foi recepcionada pela Constituição Federal vigente como lei complementar(55) – o art. 192 da CF/88 dispõe que lei complementar regulará o Sistema Financeiro Nacional. Embora não haja hierarquia entre as leis complementares e as leis ordinárias, estas não podem tratar de matéria reservada àquelas, sob pena de inconstitucionalidade.

Os §§ 5º e 6º do Art. 38 da Lei 4.595/64 são claros ao dispor que as informações que as instituições financeiras contenham só serão prestadas ao agente fiscal mediante processo instaurado e que sejam consideradas imprescindíveis pela autoridade competente, além do que, no caso de fornecidas informações, devem ser mantidas em sigilo.

Em harmonia com a parte final do § 6º do art. 38 já mencionado(56), o § 3º do Art. 11 da Lei 9.311 veda à Secretaria da Receita Federal que as informações obtidas sejam divulgadas e, ainda, utilizadas para constituir novo crédito tributário de outro imposto ou contribuição. Porém, não é possível certificar que seja essa a prática adotada pelos agentes da Secretaria da Receita Federal(57).

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7. A Lei 9.532/97 e o dever de Sigilo Fiscal

A Lei 9.532/97 altera a legislação tributária federal e sua redação suscita questionamentos no que se refere ao sigilo fiscal, o qual as autoridades fiscais devem observar.

Assim, atenta-se para o disposto no artigo 64 e parágrafos:

          "Art. 64. A autoridade fiscal competente procederá ao arrolamento de bens e direitos do sujeito passivo sempre que o valor dos créditos tributários de sua

responsabilidade for superior a 30% (trinta por cento) do seu patrimônio conhecido.

(...)

§ 5º O termo de arrolamento de que trata este artigo será registrado independentemente de pagamento de custas ou emolumentos:

I – no competente registro imobiliário, relativamente aos bens imóveis;

          II – nos órgãos ou entidades, onde, por força de lei, os bens móveis ou direitos sejam registrados ou controlados;

          III – no Cartório de Títulos e Documentos e Registros Especiais de domicílio tributário do sujeitos passivo, relativamente aos demais bens e direitos.

(...)

O arrolamento consiste na relação de todos os bens de cunho patrimonial que estejam em nome do sujeito passivo da obrigação tributária ou de seu cônjuge (independente do regime de bens). Ocorrerá sempre que o valor dos créditos tributários for superior a 30% do patrimônio e que esse percentual corresponder a, pelo menos, quinhentos mil reais(58).

Objetiva-se, com tal atitude, deixar à disposição da administração tributária as informações sobre os bens do sujeito passivo, para facilitar a penhora se eventualmente ocorrer processo de execução fiscal, evitando fraudes à execução(59). Para tanto, não é preciso que o contribuinte esteja inadimplente, basta que tenha o crédito tributário constituído.

Interessante notar que o arrolamento instituído na lei em comento não impede a alienação ou outro negócio a ser efetuado com os bens arrolados. Porém, futuramente, pode ocorrer a indisponibilidade destes, já que os adquirentes dos bens arrolados interpretarão o arrolamento como "um prenúncio de situação grave, capaz de ensejar problemas" (60).

Constitui, sem dúvida, uma forma de constranger os cidadãos a pagarem seus tributos, pois, dessa forma, o sujeito passivo fica coagido a efetuar rapidamente o pagamento do crédito tributário, já que qualquer negócio que desejar fazer em que esteja envolvido algum bem arrolado poderá ser prejudicado. Além disso, as certidões negativas de débito fiscal conterão a informação da existência de arrolamento fiscal(61), dificultando a realização de diversos negócios em que se exige a comprovação de regularidade com as obrigações tributárias.

Esclarece-se que o arrolamento em si não ocasiona ofensa alguma ao sigilo fiscal, visto não haver nada errado em a administração fazendária organizar os dados para melhor proceder às medidas necessárias quando da inadimplência de contribuintes.

Todavia, ao registrar o arrolamento em cartórios públicos, as informações também se tornam públicas. Tal fato pode ocasionar a devassa de informações acerca da vida íntima do sujeito passivo, sendo as mesmas protegidas pelo inciso X do art. 5º da CF/88(62). E, embora o § 1º do art. 145 da Constituição Federal permita que a administração tributária identifique o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, o mesmo dispositivo determina que sejam respeitados os direitos individuais e, ainda, a lei(63). Desta forma, aponta-se a inconstitucionalidade do art. 64 da lei 9.532/97 em face desses dois dispositivos constitucionais.

O art. 198 do CTN determina que a Fazenda Pública e seus funcionários não divulguem as informações acerca da situação econômica ou financeira, sobre a natureza e o estado dos negócios ou atividades dos sujeitos passivos ou de terceiros. Ora, a lei 9.532/97 ao estabelecer, no caput e § 7º do art. 64, que o arrolamento de bens ocorrerá quando o crédito tributário atingir 30% do patrimônio do sujeito passivo e corresponder a R$ 500.000,00, está determinando a publicação das informações sobre as quais a Fazenda é obrigada a observar segredo.

Assim, ao estabelecer que se deva dar publicidade ao arrolamento, há uma afronta do art. 64 da lei 9.532/97 ao artigo 198 do CTN. Está-se diante, portanto, de um conflito entre uma lei ordinária e uma lei ordinária com força de lei complementar.

Marco Aurélio Greco(64) fala de "ilegitimidade constitucional", visto que não há um caso explícito de ilegalidade; não há hierarquia entre o CTN e lei ordinária, e também não há confronto direto com a Constituição, pois não há dispositivo que disponha materialmente em sentido contrário.

Porém, entendimento diverso e mais coerente é manifestado por Hugo de Brito Machado. Para ele, como o Código Tributário Nacional possui força lei complementar, por força do art. 146, III, b da CF/88(65), estaria sendo violado um preceito constitucional, pois há dispositivo de lei ordinária versando sobre matéria reservada à lei complementar(66).


8. Conclusões

De todo o exposto, aponta-se algumas conclusões.

Os sigilos bancário e fiscal possuem respaldo constitucional por serem espécie de proteção à intimidade do indivíduo. Para tanto, invoca-se o inciso X do art. 5º da CF e não o inciso XII, por este tratar apenas da inviolabilidade da comunicação.

Entende-se por sigilo bancário o dever das instituições financeiras e dos bancos de manter em segredo as informações que recebem dos seus clientes acerca dos seus bens, negócios e atividades. É uma obrigação prevista na lei 4.595/64, que foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar. Portanto, além de o sigilo bancário ser uma garantia constitucional por se tratar de espécie de proteção ao direito à intimidade, se uma lei ordinária dispuser de forma contrária à retro referida, será inconstitucional. Embora não haja hierarquia entre leis ordinárias e complementares, somente uma lei complementar tem legitimidade constitucional para divergir de outra em virtude da matéria que lhe é atribuída.

As exceções ao sigilo bancário estão reguladas nos parágrafos do art. 38 da lei 4.595, que permitem o acesso às informações mediante requisição judicial, quando da necessidade das mesmas no processo e para vistas somente às partes.

O Poder Legislativo pode requisitar informações ao Banco Central e demais instituições financeiras públicas e não necessita observar segredo sobre elas, apenas se assim o requerer a instituição financeira que as forneceu.

As Comissões Parlamentares de Inquérito, desde que fundamentem seu pedido e obtenham o quorum necessário entre os seus integrantes, têm permissão para proceder ao exame de dados protegidos pelo sigilo bancário.

O Fisco, por sua vez, para obter das instituições financeiras as informações que entenda necessárias para o exercício da sua atividade, precisa submeter-se à autorização do juiz, que determinará, após a conclusão, da imprescindibilidade das informações.

O Código Tributário Nacional dispõe, também, sobre o sigilo bancário e o disposto no seu art. 197, inciso II obriga as instituições financeiras a fornecerem ao Fisco dados que este necessite. O parágrafo único, entretanto, do mesmo artigo, desobriga aos informantes legalmente impedidos de divulgar informações obtidas durante o exercício de suas atividades profissionais. O legislador cuidou de preservar, portanto, o sigilo bancário, mas não estabeleceu critérios para o discernimento entre os dois tipos de informações: as protegidas pelo sigilo e as não protegidas.

Diante disto, encontra-se dificuldade em definir a lei instituidora da CPMF como abrangida pelo art. 197, II do CTN ou pelo seu parágrafo único. Não obstante, os dados que o legislador permite sejam passados à Secretaria da Receita Federal para fiscalizar o recolhimento do tributo são privativos dos clientes dos bancos, além de desnecessários. Logo, o disposto no parágrafo 2º do art. 11 da lei 9.311 é inconstitucional por ferir dispositivo constitucional garantidor da inviolabilidade da intimidade do indivíduo, bem como por dispor sobre matéria de lei complementar.

A atuação do Ministério Público é objeto de controvérsias. Assim, embora a lei complementar nº 75 permita que o Ministério Público obtenha as informações que necessite sem a intervenção judicial, tem-se que por ser o sigilo bancário um direito dos indivíduos de impedir a devassa de informações concernentes à sua intimidade, não deve esse órgão proceder à requisição de dados sigilosos sem antes obter autorização judicial. Trata-se de uma garantia constitucional, e, portanto, toda exceção deve ser interpretada restritivamente. Além disso, diferente das Comissões Parlamentares de Inquérito, o Ministério Público não tem poderes judiciais, o que o exime de fundamentar seus atos. Desta forma, entende-se que o Ministério Público deve submeter sua intenção de quebrar o sigilo bancário ao Judiciário, a fim de evitar lesão a direitos fundamentais.

Além dos bancos e instituições financeiras, outros órgãos devem observar sigilo quanto às informações que obtêm durante o exercício das suas atribuições. Trata-se da Fazenda Pública e seus funcionários. O sigilo fiscal tem a função de preservar os dados que os contribuintes entreguem à autoridade tributária, porque os mesmos dizem respeito à sua situação econômica e financeira, bem como dos seus bens, negócios e atividades.

O Código Tributário Nacional, no seu art. 198 tratou de regular a matéria e, após o advento da Constituição Federal vigente, lhe foi atribuída força de lei complementar por ser desta a função de legislar sobre normas gerais de direito tributário.

Como no caso da lei 4.595, uma lei ordinária que dispuser sobre a matéria que compete ao CTN, será inconstitucional. É o que ocorre com a lei 9.532/97, que é ordinária, ao estabelecer a realização de arrolamento de bens do sujeito passivo que tenha crédito tributário no valor mínimo de quinhentos mil reais e, ainda, que este valor corresponda a 30% do valor do seu patrimônio. Nenhum problema a administração tributária possuir um arrolamento de bens dos contribuintes, contudo, o art.64 dessa lei obriga que tal ato seja registrado em cartórios, o que torna essas informações públicas. Se o CTN proíbe a divulgação por parte da administração pública de informações que tenha obtido durante o exercício de suas atribuições, não pode uma lei ordinária dispor de forma contrária.

Importante considerar, com relação aos sigilos bancário e fiscal, que são garantias constitucionais e, como tal, devem ser respeitadas como parte da segurança individual, social e econômica que são.

Sobre os autores
Renata Peruzzo

acadêmica de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade Ritter dos Reis, em Canoas (RS)

Jeiselaure R. de Souza

acadêmica de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade Ritter dos Reis, em Canoas (RS)

Roger Stiefelmann Leal

professor de Direito Constitucional na PUC/RS, doutorando em Direito pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERUZZO, Renata; SOUZA, Jeiselaure R. et al. A quebra dos sigilos bancário e fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/201. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Artigo elaborado após um ano de pesquisas, apresentado no XI Salão de Iniciação Científica da UFRGS e no I Salão de Iniciação Científica das Faculdades Ritter dos Reis

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