RESUMO
A Lei n.º 11.382/2006 introduziu no Código de Processo Civil o artigo 745–A, autorizando o devedor a requerer o parcelamento do débito, em até seis parcelas mensais, no prazo dos embargos, caso ele reconheça o crédito do exequente e comprove o depósito mínimo de 30% (trinta por cento) do valor total da execução, incluindo as custas e os honorários advocatícios. A aplicação desse instituto deve ser prestigiada, pois ele representa um incentivo ao pagamento espontâneo da dívida e confere, por conseguinte, uma maior celeridade ao processo de execução. No entanto, há no âmbito doutrinário e jurisprudencial divergências acerca da natureza jurídica do direito do devedor ao parcelamento e da sua aplicabilidade ao cumprimento de sentença. Diante disso, aborda-se no artigo em apreço os referidos pontos controvertidos, defendendo-se que o parcelamento constitui um direito potestativo do devedor, cujo exercício não está condicionado à aceitação do credor nem à discricionariedade do magistrado. Expõem-se, ainda, as razões pelas quais não se pode aceitar a aplicação do parcelamento judicial do débito à fase processual do cumprimento de sentença.
Palavras-Chave:
Parcelamento Judicial do Débito; Direito Potestativo do Devedor; Inaplicabilidade ao Cumprimento de Sentença.
ABSTRACT
The Law n.º 11.382/2006 introduced in the Code of Civil Process the article 745–A, authorizing the debtor to require the division of debt, within six monthly payments, in the term of embargoes, if he recognizes the amount charged by the execution creditor and proves the minimum deposit of 30% (thirty percent) of the total debt, including the costs and the lawyer's fees. The application of this institute should be valued because it represents an incentive to volunteer payment of debts and gives, consequently, more celerity to the process of execution. However, there are divergences in the doctrinaire and jurisprudential sweep about the legal nature of the debtor's right to pay the debt in instalments and about its applicability to execution of sentence. Therefore, this article discusses those points and supports that the debtor's right has a potestative nature, whose exercise is not conditioned to acceptance of the creditor or to discretionary power of the judge. This article also exposes the reasons why is not acceptable the use of this institute in the procedural stage of execution of sentence.
Keywords: Judicial Division of Debt; Potestative Right of the Debtor; Inapplicability to the Execution of Sentence.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO 1. Requisitos para a concessão do parcelamento e outros aspectos procedimentais. CAPÍTULO 2. Natureza jurídica do direito do executado ao parcelamento. CAPÍTULO 3. Limites ao exercício do direito potestativo do devedor de propor o parcelamento judicial do débito. CAPÍTULO 4. Aplicação subsidiária do art. 745-A do CPC ao cumprimento de sentença. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
A Lei n. º 11.382, de 06 de dezembro de 2006, com o intuito de incentivar o pagamento espontâneo da dívida e, por conseguinte, conferir uma maior celeridade e efetividade ao processo de execução de título extrajudicial, introduziu no Código de Processo Civil o art. 745-A, por meio do qual o devedor fica autorizado a requerer o parcelamento judicial do crédito exequendo, mediante o preenchimento de alguns requisitos.
Trata-se, então, de um importante instrumento criado pelo legislador com vistas à rápida solução do litígio e que beneficia todas as partes envolvidas na relação jurídico-processual.
O parcelamento judicial do débito, nos moldes previstos pelo art. 745-A, é vantajoso para o devedor, pois ele terá a oportunidade de saldar a dívida em melhores condições. É também benéfico para o credor, uma vez que ele terá ao seu dispor, de forma imediata, ao menos trinta por cento do valor total do débito, além de obter do devedor o reconhecimento da dívida e a consequente renúncia ao direito de opor embargos à execução.
A análise desse instituto tem revelado, porém, a existência de uma série de pontos controvertidos, entre os quais se destacam os questionamentos acerca da natureza jurídica do direito do devedor ao parcelamento e da sua aplicabilidade ao cumprimento de sentença.
Quanto à natureza jurídica, há de se ressaltar que a sua controvérsia consiste em saber se o parcelamento constitui um direito potestativo do devedor ou se a sua concessão está condicionada à aceitação do credor ou, ainda, se há discricionariedade do magistrado para deferi-lo ou denegá-lo.
No que diz respeito ao segundo ponto, indaga-se se o parcelamento judicial do débito é, ou não, compatível com as normas que regem o cumprimento de sentença de obrigação de pagar quantia certa, já que esse instituto foi originalmente concebido pelo legislador para ser aplicado às execuções de título extrajudicial.
São esses, portanto, os principais questionamentos que serão enfrentados ao longo deste trabalho, com o qual se pretende contribuir para que haja uma melhor compreensão do instituto do parcelamento judicial do crédito exequendo.
Para tanto, serão analisados, inicialmente, os requisitos legais que devem ser cumpridos pelo devedor para obter a concessão do parcelamento do débito e os aspectos procedimentais a ele inerentes.
Na sequência, será abordada a questão atinente à natureza jurídica do direito do devedor ao parcelamento.
No capítulo subsequente, serão expostos os limites que devem ser observados pelo devedor em relação à propositura do parcelamento judicial do débito.
Em seguida, será estudada a controvérsia concernente à aplicação subsidiária do art. 745-A do Código de Processo Civil à fase processual do cumprimento de sentença.
Por fim, serão apontadas, a título conclusivo, as respostas aos questionamentos motivadores da realização do presente artigo científico.
1 REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO PARCELAMENTO E OUTROS ASPECTOS PROCEDIMENTAIS
O parcelamento judicial em estudo encontra-se regido pelo art. 745-A do Código de Processo Civil (CPC), que dispõe que devedor poderá requerê-lo, no prazo dos embargos, mediante o reconhecimento do crédito do exequente e a comprovação do depósito mínimo de 30% (trinta por cento) do valor em execução, incluindo as custas e os honorários advocatícios.
Eis a redação do aludido dispositivo legal:
Art. 745-A. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de 30% (trinta por cento) do valor em execução, inclusive custas e honorários de advogado, poderá o executado requerer seja admitido a pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% (um por cento) ao mês. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
Como se vê, para que o executado possa beneficiar-se do parcelamento em questão, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: a) comprovação do depósito prévio de, no mínimo, 30% (trinta por cento) do valor em execução, inclusive custas e honorários de advogado; b) reconhecimento do crédito do exequente; c) apresentação do pedido no prazo dos embargos, qual seja, prazo de 15 (quinze) dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação (art. 738 do CPC); d) proposta de parcelamento do restante do débito em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% (um por cento) ao mês.
Em relação ao quantum a ser depositado, discute-se se ele deve ser obtido aplicando-se o percentual de 30% (trinta por cento) sobre o total da dívida, já englobando as custas e os honorários advocatícios [01]; ou aplicando-se o referido percentual apenas sobre o valor principal do débito para, só então, acrescer o valor integral das custas e dos honorários advocatícios [02].
Entre as duas correntes doutrinárias acima citadas, deve prevalecer a que considera, como base de cálculo para a incidência dos 30% (trinta por cento), o valor total da dívida exequenda, já incluindo, portanto, o valor correspondente às custas e aos honorários advocatícios.
Entende-se dessa forma, pois, caso fosse da vontade do legislador que o executado efetuasse o depósito integral das custas e dos honorários advocatícios, tal exigência teria sido feita de forma expressa.
Alem do mais, essa é a interpretação que melhor se coaduna com o princípio de que a execução deve ser conduzida pelo modo menos gravoso para o devedor, esculpido no art. 620 do CPC [03].
Por oportuno, é cabível salientar que, na hipótese do art. 745-A do CPC, não há a aplicação da redução de 50% (cinquenta por cento) da verba honorária estipulada no parágrafo único do art. 652-A do CPC [04], ainda que o depósito dos 30% (trinta por cento) do valor executado seja efetuado no prazo de três dias após a citação, pois este dispositivo legal somente tem incidência no caso de pagamento integral, o que não ocorre na situação em apreço [05].
No que concerne ao reconhecimento do crédito do exequente, cumpre asseverar que não é imprescindível que ele seja realizado de forma expressa, já que se trata de uma decorrência lógica do próprio pedido de parcelamento judicial do débito.
A previsão legal desse requisito serve apenas para que o devedor tenha a ciência de que a apresentação da proposta de parcelamento necessariamente implicará o reconhecimento da dívida, de sorte que ela não mais poderá ser rediscutida, seja por meio de embargos, seja por meio de exceção de pré-executividade, seja por meio de ação autônoma.
Sendo assim, há de se concluir que o reconhecimento do crédito do exequente encontra-se implícito no requerimento de parcelamento formulado pelo devedor.
Nesse sentido, veja-se o ensinamento de Renato Castro Teixeira Martins [06]:
O executado deve reconhecer o crédito do exequente no momento em que apresenta o requerimento. Quer nos parecer que não se exige o reconhecimento expresso. Assim, basta uma petição simples requerendo o parcelamento e o depósito de 30% da dívida em execução, caso em que haverá o reconhecimento tácito, restando preenchido o requisito legal.
Na mesma linha, encontra-se a lição do doutrinador Welder Queiroz dos Santos:
Não há necessidade de constar expressamente na petição do executado que requerer o parcelamento do débito que ele reconhece do crédito do exequente, pois, em nosso modo de ver, este reconhecimento é implícito e inerente ao pedido de parcelamento.
Ainda sobre o reconhecimento do crédito do exequente, é oportuno esclarecer que ele deverá ser feito de forma integral, ou seja, não é cabível que o devedor reconheça como incontroversa apenas parte do débito, para obter o parcelamento judicial dessa parte, e, ao mesmo tempo, possa discutir a exigibilidade do valor remanescente [07].
Isso porque, como um dos objetivos que se almeja alcançar com a concessão do parcelamento é a eliminação do tempo gasto com a discussão judicial da dívida, para que a execução ocorra de forma mais célere e efetiva, não há sentido em se admitir que o devedor se beneficie tanto do parcelamento, em relação à parte incontroversa; quanto do direito de opor embargos, no que se refere ao restante do valor executado.
Como afirma Oscar Valente de Sousa, se o art.745-A do CPC foi criado para motivar o reconhecimento do crédito, sem que haja a oposição de embargos, não pode ser aplicado de modo parcial [08].
Pois bem. Proposto o parcelamento do débito por parte do executado, que deve ser feito por meio de petição simples, interposta nos próprios autos do processo executivo, deverá o credor ser intimado, em obediência ao princípio constitucional do contraditório, para sobre ele se manifestar [09].
Caso a proposta seja deferida pelo juiz, será o credor autorizado a proceder ao levantamento da quantia depositada e serão suspensos os atos executivos (art. 745-A, § 1º, do CPC [10]).
Nesse contexto, é relevante salientar que não são necessárias a comprovação da capacidade financeira do devedor nem a garantia do juízo para se obter o parcelamento do débito [11], tendo em vista que não há exigência legal nesse sentido.
Cumpre ressaltar, porém, que a penhora que eventualmente já tenha incidido sobre os bens do devedor não será desconstituída com o deferimento do parcelamento [12], pois a lei fala apenas em suspensão dos atos executivos, não fazendo ressalva alguma acerca do desfazimento dos atos até então realizados.
Dessa forma, não se procederá à constrição de novos bens, mas se a penhora já tiver sido realizada anteriormente ao deferimento da proposta de parcelamento, será ela mantida e somente após a satisfação integral do débito é que o gravame poderá ser liberado.
Por outro lado, não sendo deferida a proposta de parcelamento pelo magistrado, dar-se-á prosseguimento aos atos executivos, mas o depósito será mantido, conforme preconiza o art. 745-A, § 1º, do CPC.
Diante do indeferimento do pedido, também não poderão mais ser oferecidos embargos para discutir o mérito da execução, ainda que haja tempo disponível para tanto, pois, como visto, a apresentação da proposta de parcelamento implica, necessariamente, o reconhecimento do crédito exequendo [13].
Assim sendo, terá sido consumada a preclusão lógica, pois não é cabível que o executado, após ter reconhecido ser devedor da quantia cobrada judicialmente pelo exequente, com vistas à obtenção do parcelamento da dívida, possa impugná-la posteriormente, por meio de embargos.
Então, sendo a proposta de parcelamento judicial do débito incompatível com o desejo do demandado de discutir a existência, a validade e a eficácia do título executivo e/ou o montante da dívida, deverá ele sopesar bem os prós e os contras da sua escolha, cujas consequências serão sentidas mesmo se o parcelamento for indeferido ou se os embargos forem rejeitados.
Por oportuno, registre-se que o parcelamento será automaticamente revogado, caso o devedor deixe de efetuar o pagamento de qualquer das prestações ou o efetue em valor inferior ao devido.
Além disso, o fim do parcelamento acarretará o vencimento antecipado de todas as parcelas ainda em aberto e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executivos.
O executado será sancionado, ainda, com a aplicação de multa de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações não pagas, que será revertida em proveito do credor, e não mais lhe será possível a oposição de embargos.
É evidente que se está tratando aqui dos embargos de primeira fase (previsto no art. 736 do CPC), uma vez que os embargos de segunda fase (regulado pelo art. 746 do CPC) pressupõem a expropriação do patrimônio do executado [14], na medida em que se destinam a impugnar eventual nulidade da execução e/ou apontar a existência de causa extintiva da obrigação que surjam em momento posterior à penhora.
São essas as conclusões que se extraem do art. 745-A, § 2º, do CPC, que adiante segue transcrito:
§ 2º O não pagamento de qualquer das prestações implicará, de pleno direito, o vencimento das subseqüentes e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executivos, imposta ao executado multa de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações não pagas e vedada a oposição de embargos. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).
Por fim, é válido ressaltar que as consequências jurídicas previstas no artigo supracitado tem por escopo assegurar o cumprimento da proposta de parcelamento e, ao mesmo tempo, inibir a sua utilização por aqueles que não têm condições financeiras de honrar o seu compromisso ou pretendem apenas protelar o início dos atos executivos [15].
2 NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DO EXECUTADO AO PARCELAMENTO
Como visto no item precedente, não há no dispositivo legal em estudo qualquer exigência quanto à necessidade da obtenção da anuência do credor para que o parcelamento seja concedido ao devedor.
Diante disso, questionam os estudiosos do direito se a aceitação do credor em receber parceladamente seu crédito é, ou não, requisito para a concessão dos benefícios do art. 745-A do CPC ao executado.
Pois bem. Para que se possa ter uma reposta satisfatória a esse questionamento, é necessário compreender, em primeiro lugar, qual a natureza jurídica do direito do devedor ao parcelamento judicial do art. 745-A do CPC.
Para uma corrente doutrinária [16], o parcelamento do débito constitui um direito potestativo do devedor, caso o seu requerimento atenda aos requisitos previstos no art. 745-A do CPC, de sorte que, ainda que haja discordância do credor, não poderá o juiz indeferi-lo.
Além disso, sendo o parcelamento judicial do crédito exequendo um direito potestativo do devedor, também não há espaço para que o juiz atue de forma discricionária.
O papel do juiz, nesse caso, restringe-se a averiguar o preenchimento dos requisitos legais, devendo conceder o parcelamento, se tais pressupostos estiverem presentes, ou denegá-lo, caso contrário.
Nesse contexto, é oportuno consignar a lição proferida por Cássio Scarpinela Bueno [17]:
Em função do que escrevi até agora é que me parece a melhor interpretação para o art. 745-A a de entender a iniciativa do executado como vinculante para o exequente e para o próprio juízo, é dizer: desde que sejam observados os pressupostos da lei, não há como o exequente não aceitar a moratória que não poderá ser recusada pelo juízo, que deverá ser deferida.
Para outra corrente [18], porém, é imprescindível a concordância do credor quanto ao pedido de parcelamento da dívida, já que a cobrança do débito integral constitui um direito subjetivo do credor, nos termos dos artigos 313 e 314 do Código Civil que estabelecem, respectivamente, que "O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa" e que "ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou".
Uma terceira corrente [19] defende que há discricionariedade do magistrado para conceder, ou não, o parcelamento.
Os defensores dessa teoria baseiam-se na literalidade da redação do parágrafo primeiro do artigo 745-A, que prevê que a proposta de parcelamento poderá ser "deferida" ou "indeferida" pelo juiz.
Para essa última corrente doutrinária, a recusa do devedor poderá ser levada em conta pelo juiz em sua decisão, mas ela não representa necessariamente um óbice à concessão do parcelamento, já que a anuência do credor não constitui um pré-requisito para que o devedor tenha seu pleito deferido.
Nessa linha, Ricardo Schneider Rodrigues [20] assevera que:
Da redação do dispositivo legal se extrai que cumpre ao magistrado analisar o requerimento e deferir o benefício, se for o caso. É possível concluir que o legislador conferiu ao magistrado o poder-dever de avaliar se, nas circunstâncias concretas, o parcelamento atende ao interesse das partes e a necessidade de resolver a lide rapidamente.
(...)
Ao magistrado, diante do pedido do devedor e das informações do credor, caberá decidir, sem se vincular à manifestação de vontade do exequente, que tem direito apenas a ser ouvido previamente.
Como se vê, há bons argumentos em cada uma das teses acima explicadas, mas a que deve prevalecer é a teoria que defende que a natureza jurídica do direito do devedor ao parcelamento do art. 745-A do CPC é a de direito potestativo.
Essa é a melhor interpretação que se pode extrair da leitura do art. 745-A, pois, como o instituto em apreço representa um incentivo para que o devedor, ao invés de apresentar embargos à execução, reconheça a existência da dívida e efetue o depósito de 30% (trinta por cento) do seu valor total, não é admissível que ele tenha de se submeter a um ato discricionário do juiz ou à vontade do exequente, que poderá imotivadamente negar-se a aceitar o seu requerimento.
Em outras palavras, deve-se ter em conta que não se pode querer que o executado abdique do seu direito de apresentar embargos e reconheça a existência do débito se ele não tiver a mínima garantia de que o seu pleito será deferido, caso ele cumpra todos os requisitos legais.
É certo que o Código Civil prevê expressamente que o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida ou de modo diferente do que foi previamente avençado (artigos 313 e 314).
No entanto, tais dispositivos não devem ser interpretados isoladamente, mas sim em consonância com as normas e princípios que regem o processo executivo, visto que é nessa esfera que o parcelamento será efetuado.
Assim, diante do princípio de que a execução deve ser conduzida pelo modo menos gravoso para o devedor (art. 620 do CPC), é imperioso concluir que a referida regra do Direito Civil deve ser mitigada quando aplicada no âmbito do processo executivo.
Ademais, como bem lembra Athos Gusmão Carneiro, o Código Civil e o Código de Processo Civil são normas de mesma hierarquia, de sorte que a regra geral de que o credor não é obrigado a receber por partes se assim não se ajustou é excepcionada nos casos e sob as condições previstas no art. 745-A, que é lei posterior [21].
Frise-se, ainda, que o requerimento de parcelamento em estudo destina-se à obtenção da celeridade e efetividade processual, que interessa, não apenas ao credor, mas também ao executado e ao próprio Poder Judiciário.
Não se pode admitir, então, que a recusa infundada do credor possa ser motivo para o juiz indeferir o pedido de parcelamento ou que o pleito do executado seja submetido a um ato discricionário do magistrado.
Entender de forma diferente significa transformar em letra morta o art. 745-A do CPC, que não passará de uma simples "sugestão" legal de um acordo a ser celebrado entre as partes litigantes.
Dessa forma, se o dispositivo legal em estudo representasse apenas a possibilidade de o executado apresentar uma "proposta" de parcelamento, como sustenta Alberto Caminã Moreira [22], não teria sentido algum a sua existência, pois tal requerimento pode ser formulado em qualquer fase processual e sem a necessidade do cumprimento dos demais requisitos previstos no art. 745-A do CPC, bastando para a sua concessão a concordância do credor.
Por tais considerações, é que se defende que a natureza jurídica do direito do devedor ao parcelamento do art. 745-A do CPC é a de direito potestativo, que, como tal, pode ser exercido independentemente da concordância do credor e a sua concessão não constitui um ato discricionário do magistrado, mas sim um ato vinculado.