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Contratação de serviços advocatícios pela administração pública

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Agenda 01/11/2011 às 13:22

7 - O STJ E A LICITAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADVOCACIA

As ementas abaixo transcritas falam por si, vejam:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO E CONTADOR POR NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. ART. 25 DA LEI N.º 8.666/93. ESPECIALIDADE E SINGULARIDADE. REQUISITOS NÃO CONFIGURADOS. CONTRATAÇÃO COM O PODER PÚBLICO. OBRIGATORIEDADE DA LICITAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 11 DA LEI N. 8.429/92 .

1. Verifica-se que o acórdão recorrido analisou todas as questões necessárias ao desate da controvérsia. Logo, não padece de vícios de omissão, contradição ou obscuridade, a justificar sua anulação por esta Corte.

2. Frise-se que ao julgador cabe apreciar a questão de acordo com o que entender atinente à lide. Não está obrigado a julgar a matéria posta a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento (art. 131 do CPC). Dessarte, merece ser repelida a tese de violação do art. 535 do CPC.

3. A questão cinge-se na contratação de advogado e contador por Câmara Municipal sem licitação com fundamento no art. 25 da Lei n.8.666/93, que refere-se a inexigibilidade de licitação.

4. Conforme depreende-se do artigo citado acima, a contratação sem licitação, por inexigibilidade, deve estar vinculada à notória especialização do prestador de serviço, de forma a evidenciar que o seu trabalho é o mais adequado para a satisfação do objeto contratado e, sendo assim, inviável a competição entre outros profissionais.

5. A notória especialização, para legitimar a inexigibilidade de procedimento licitatório, é aquela de caráter absolutamente extraordinário e incontestável – que fala por si. No entanto, o acórdão ao proferir seu entendimento, posicionou-se no sentido de avaliar as condições de mercado do munípio para a contratação sem licitação. Nesse raciocínio, concluiu que apesar de inexistir notória especialização dos contratados (conclusão obtida pelo Tribunal de Contas), o município não possuia condições "mercadológicas" para contratar com licitação naquele momento.

6. Ora, o artigo mencionado traz como requisitos para a inexigibilidade da licitação, a especialidade do técnico associada à singularidade do serviço contratado. Em conclusão, envolve serviço específico que reclame conhecimento extraordinário do seu executor e ausência de outros profissionais capacitados no mercado, daí decorrendo a inviabilidade da competição. No caso em espécie, caso a Câmara Municipal não contasse, na época da contratação, com profissionais hábeis ao patrocínio de tais ações, é certo que poderia lançar-se no mercado em busca de outros. Contudo, isso jamais pode ser corroborado com o entendimento de que apenas os recorrentes sejam hábeis para tanto, pois existem no mercado vários advogados e contadores.

7. Sendo assim, merece reforma o acórdão recorrido em razão de não estarem presentes, no caso em análise, os requisitos necessários para configurar a inexigibilidade da licitação. Violando-se, portanto, os princípios da administração pública que exigem a licitação para a contratação com o Poder Público - art. 11, da Lei n. 8.429/92 .

8. Recurso parcialmente conhecido e nessa parte provido devolvendo os autos para a instância de origem para a apreciação das penalidades cabíveis.

(REsp 1210756/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 14/12/2010). Grifos nossos.

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADVOCACIA SEM LICITAÇÃO. ATO ÍMPROBO POR ATENTADO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, QUE REGE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SANÇÕES DO ART. 12 DA LEI DE IMPROBIDADE. CUMULAÇÃO DE PENAS. DESNECESSIDADE. DOSIMETRIA DAS PENAS.

1. O Ministério Público do Estado de Minas Gerais ajuizou Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa contra o ex-presidente da Câmara Municipal de Raposos/MG e advogado, que firmaram contrato para a prestação de serviços técnicos de assessoramento ao ente municipal sem realizar procedimento licitatório, nem formalizar o competente processo para justificar a inexigibilidade da licitação.

2. A inexigibilidade de licitação é procedimento administrativo formal que deve ser precedido de processo com estrita observância aos princípios básicos que norteiam a Administração Pública.

3. A contratação embasada na inexigibilidade de licitação por notória especialização (art. 25, II, da Lei de Licitação) requer: formalização de processo para demonstrar a singularidade do serviço técnico a ser executado; e, ainda, que o trabalho do contratado seja essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

4. O contrato para prestação de serviços técnicos no assessoramento à Câmara Municipal de Raposos/MG nas áreas jurídica, administrativa e parlamentar (fls. 45-46) não preenche os requisitos do art. 25, II e § 1º, da Lei de Licitação, não configurando situação de inexigibilidade de licitação.

5. A conduta dos recorridos — de contratar serviços técnicos sem prévio procedimento licitatório e de não formalizar processo para justificar a inexigibilidade da licitação — fere o art. 26 da Lei de Licitação e atenta contra o princípio da legalidade que rege a Administração Pública, amoldando-se ao ato de improbidade administrativa tipificado no art. 11 da Lei de Improbidade 6. Revela-se desnecessária a comprovação de enriquecimento ilícito do administrador público ou a caracterização de prejuízo ao Erário para que se concretize a ofensa ao art. 11 da Lei de Improbidade.

Precedentes do STJ.

7. Verificada a prática do ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/1992, consubstanciado na ofensa ao princípio da legalidade, cabe aos julgadores impor as sanções descritas na mesma lei, sob pena de tornar impunes tais condutas e estimular práticas ímprobas na Administração Pública.

8. Consoante a jurisprudência do STJ, as penas do art. 12 da Lei 8.429/92 não são aplicadas necessariamente de forma cumulativa.

Indispensável, portanto, fundamentar o porquê da escolha das penas adotadas, bem como da sua cumulação.

9. Cabe ao Juiz a tarefa de aplicar as punições previstas na lei, na proporção e graduação conforme a gravidade da modalidade de improbidade administrativa configurada.

10. Recurso Especial provido.

(REsp 1038736/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 28/04/2011). Grifos nossos.

Percebe-se que o STJ, diversamente, entende que os serviços advocatícios, em regra, devem ser licitados e, apenas em situações especificas, para contratação de atividades advocatícias não rotineiras, a Administração Pública pode lançar mão da contratação direta.

No Brasil, do ponto de vista infraconstitucional, a questão está resolvida, contrariamente ao pensamento defendido neste artigo.

Acaso se entenda que o pensamento do STJ faz tábua rasa da profissão do advogado ou mesmo que a interpretação do STJ quanto a necessidade de licitação para a contratação de serviços advocatícios entra em choque com a leitura que o STF faz do inciso XXI do art. 37 da Constituição deve-se acreditar na instituição que dá a última palavra no Direito Pátrio.


8 – OS TRIBUNAIS DE CONTAS, O MINITÉRIO PÚBLICO E A OAB

É inegável que o Ministério Público e os Tribunais de Contas, especialmente o TCU, cuja jurisprudência é irradiante para as demais Cortes de Contas, seguem, majoritariamente, a tese defendida pelo STJ.

Quanto ao posicionamento do Ministério Público basta que se observem que a maior parte das decisões do STJ quanto ao tema se deu atendendo pedidos do Parquet.

Para entendermos o pensamento do TCU basta ler os trechos das decisões abaixo transcritas:

Trecho da decisão nº 525/93-Pleno:

"...o enquadramento em situação de inexigibilidade de licitação, prevista no Estatuto de Licitações e Contratos -Lei 8666/93, art.25, caput-, exige inviabilidade de competição, ..."

Trecho da decisão 137/94-TCU:

"Com relação ao Contrato nº 028/SR-DEJUR-5, com o escritório de advocacia França e Ribas S/C, a analista refutou as alegações da entidade, que sustentava a inexigência de licitação, com base na singularidade dos serviços (singularidade objetiva), como também na notória especialização dos sócios da firma contratada (singularidade subjetiva). Demonstrou a instrução tratar-se, na realidade, de serviços rotineiros de advocacia e, portanto, passíveis de competição no mercado próprio."

SÚMULA Nº 039 – TCU

A dispensa de licitação para contratação de serviços com profissionais ou firmas de notória especialização, de acordo com alínea "d" do art. 126, $ 2º, do Decreto-lei 200, de 25.02.67, só tem lugar quando se trate de serviço inédito ou incomum, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, um grau de subjetividade, insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação.

A OAB, obviamente defende a tese diversa de que o serviço advocatício não deve ser licitado. Veja como se pronunciou a seção de São Paulo, através do seu Tribunal Ética:

"Licitação – Inexigibilidade para contratação de advogado – Inexistência de infração – Lei nº. 8.666, de 21.06.1993, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da administração pública. Inexigibilidade de licitação para contratação de advogado, para prestação de serviços ou defesa de causas judiciais ou administrativas. Condição de comprovação hábil, em face da natureza singular dos serviços técnicos necessitados, de tratar-se de profissionais ou empresas de notória especialização. Critério aceitável pela evidente inviabilidade de competição licitatória. Pressuposto da existência de necessária moralidade do agente público no ato discricionário regular na aferição da justa notoriedade do concorrente. Inexistência, na lei mencionada, de criação de hierarquia qualitativa dentro da categoria dos advogados. Inexistência de infringência ética na fórmula legal licitatória de contratação de advogados pela administração pública."

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9 – CONCLUSÃO

Há nítida divergência entre o STF e o STJ sobre a questão.

A matéria inicialmente infraconstitucional tem viés constitucional e tem grande chance de ter sua repercussão geral reconhecida.

Numa estrutura judicial piramidal, ocorrendo divergência entre as instâncias, prevalece a posição daquela que está no topo ou mais próxima dele. No caso, prevalece a jurisprudência do STF.

Noutro quadrante, em tempos onde o controle judicial penetra até no mérito administrativo, a jurisprudência do STF ganha força como fonte do direito e ameniza o poder normativo dos Tribunais de Justiça e Tribunais de Contas.

Enfim, não é a licitação que é obrigatória para contratação de serviços advocatícios, o concurso público é que é obrigatório!

O gestor que dispensa o concurso público, secundariza a escolha do melhor prestador de serviço para a administração pública e, portanto, dispõe ilicitamente de direito e interesse público, violando princípio tido por Celso Antonio Bandeira de Melo, como pedra de toque do direito administrativo, o princípio da indisponibilidade do interesse público.

A violação reiterada de um princípio tão basilar sugere a rejeição das contas pelos órgãos de controle externo.

Entende-se, pois, que o posicionamento da OAB é compatível com o entendimento esposado pelo STF.

Tendo em vista a natureza da advocacia pública, na hipótese de ausência de uma Procuradoria estruturada nos moldes Constitucionais deve ocorrer a contratação de serviços advocatícios até que a ilicitude seja extirpada.

Ocorre que esta contratação não pode se dá por via da licitação, mas por via de um procedimento de inexigibilidade, para culminar na avença com um ou alguns profissionais da advocacia que possuam notório saber jurídico, reputação ilibada, gozem da confiança da administração, prestem serviços profissionais especializados, ou seja, tenham notória especialização, experiência profissional decorrente de desempenho anterior, com preço nunca inferior ao estabelecido pela OAB e nem superior ao que ordinariamente é praticado no foro.

É certo que a tese aqui defendida não é agradável para muitos dos que se intitulam defensores da "modalidade administrativa". A esses, o meu respeito, mas termino este artigo com as palavras de Voltaire: "não concordo com nenhuma palavra que dizeis, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo".


Notas

  1. MOREIRA, José Carlos Barbosa. "Questões prejudiciais e questões preliminares". Em: Direito processual civil – Ensaios e pareceres. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971.
  2. BERGEL, Jean-Louis (2001). Teoria geral do direito. São Paulo: Martins Fontes.
  3. Atente-se, contudo, que a ausência de competição não é o único critério para o estabelecimento da dispensa ou inexigibilidade de licitação (ver AP 348 – STF).
Sobre o autor
Adir Machado Bandeira

Advogado. Fundador do escritório Adir Machado advogados associados. Foi Diretor de Controle Externo de Obras e Serviços do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe (TCE/SE), é bacharel em Direito, graduado em 1999 pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), quando aos 23 anos de idade também se tornou advogado. Como advogado atuou na defesa de diversas Câmaras Municipais e Prefeituras. Na qualidade de consultor jurídico, prestou serviços para os Legislativos junto ao Congresso Nacional e escreveu diversos pareceres, respondendo consultas de órgãos públicos e corporações privadas. No período de junho de 2009 a 2015 assessorou o Conselheiro Clóvis Barbosa, coordenando as atividades da 5ª Coordenadoria de Controle e Inspeção do TCE/SE. Entre 2008 e maio de 2009, assessorou o Governo de Marcelo Déda exercendo a função de controle interno na Secretaria de Estado da Educação, durante a gestão do Prof. Dr. José Fernandes de Lima. Em 2007, passou pela Assembleia Legislativa como assessor parlamentar. Entre os anos de 2000 e início de 2007, chefiou a Procuradoria da Câmara Municipal de Aracaju, capital do Estado de Sergipe. Durante sua trajetória como jurista lecionou Hermenêutica Jurídica, Filosofia do Direito, Ética Geral e Profissional e Introdução ao Estudo do Direito na UFS. Foi ainda professor de Direito Civil da Faculdade de Sergipe e da Faculdade de Administração e Negócios do Estado de Sergipe, com destaque para a disciplina Responsabilidade Civil. Além disso publicou diversos artigos científicos em áreas como o Direito Constitucional, Administrativo, Financeiro, Civil e Processo Civil. Durante sua fase de formação jurídica, lecionou História Geral e do Brasil em escolas particulares.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BANDEIRA, Adir Machado. Contratação de serviços advocatícios pela administração pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3044, 1 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20326. Acesso em: 12 mai. 2024.

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