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A função social do advogado público e a educação em direitos humanos

Agenda 13/11/2011 às 10:02

No plano federal, a política de educação em direitos humanos é proposta pelo MEC e Ministério da Justiça. Nos estados foram criados comitês de educação em direitos humanos. Contudo, a efetivação das ações depende de envolvimento da OAB e dos advogados públicos.

A educação em direitos humanos é essencialmente a formação de uma cultura de respeito à dignidade humana através da promoção e da vivência dos valores da liberdade, da justiça, da igualdade, da solidariedade, da cooperação, da tolerância e da paz. Portanto, a formação desta cultura significa criar, influenciar, compartilhar, e consolidar, mentalidades, costumes, atitudes, hábitos e comportamentos que decorrem, todos, daqueles valores essenciais citados – os quais devem se transformar em práticas. (Maria Vitória Benevides)

José Cláudio Rocha [01]

1. Introdução

Está se tornando cada vez mais forte a idéia de que não respeitar, proteger ou atender aos direitos humanos são obstáculos importantes e fundamentais ao desenvolvimento econômico e à justiça social.

De maneira geral, os Estados democráticos reconhecem o imperativo moral de enfrentar as violações aos direitos humanos, principalmente, em suas políticas sociais. Na prática, contudo, ainda estamos tentando compreender o que significa essa importante mudança social.

Expressões como políticas públicas, direitos humanos, cidadania e democracia tornam-se tão familiares às pessoas e ficamos inclinados a concluir antecipadamente que elas são bem compreendidas pela maioria da população. Contudo, isso não é verdade, ainda existe um longo caminho a ser percorrido na defesa da cidadania e dos direitos humanos no Brasil.

A presente tese apresentada ao 15º Congresso Brasileiro de Advocacia Pública e ao 3º Congresso Sul Americano de Direito do Estado tem como objeto defender a idéia do envolvimento dos advogados públicos na efetivação da Educação em Direitos Humanos no Brasil, como proposto no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), nas três versões do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) e no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, como realização de sua função social.

Os advogados públicos gozam não só de prestigio junto à comunidade como estão à frente de decisões importantes dentro da administração pública. Como profissionais ligados à área da justiça e segurança figuram como público alvo do PNEDH. Nesse sentido, cabe não somente as instituições investir em um amplo processo de formação em educação em direitos humanos, como a construção de uma doutrina que inclua essa visão nos processos e procedimentos administrativos, fortalecendo assim uma cultura de respeito e promoção aos direitos humanos.


2. A Educação em Direitos Humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) enquanto marco teórico, jurídico, político e educacional de construção de uma cultura universal de respeito aos direitos humanos implicou historicamente em processos múltiplos culturais e políticos direcionados as gerações futuras e todos os povos.

No campo político institucional, a DUDH resultou em um conjunto de responsabilidades por parte dos Estados-membros em assumir medidas progressivas internacionais e nacionais de promoção e defesa dos direitos humanos permeados e atravessados por práticas culturais, educativas e pelo reconhecimento social, cultural ético e político (ZENAIDE, 2008).

No mesmo prisma, o Congresso Internacional sobre Educação em prol dos Direitos Humanos e da Democracia, realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em março de 1993, instituiu o Plano Mundial de Ação para a Educação em Direitos Humanos que foi referendado na Conferência Mundial de Viena de 1993, visando promover, estimular e orientar compromissos em prol da educação em defesa da paz, da democracia, da tolerância e do respeito à dignidade da pessoa humana.

Entre outras políticas, o programa aprovado em Viena consagrou questões como erradicação do analfabetismo, a inclusão de direitos humanos nos currículos de todas as instituições do ensino formal e não-formal, assim como a necessidade de promover a realização de programas e estratégias educativas visando ampliar o máximo a educação em direitos humanos (ROCHA, 2009).

Tendo como objetivo reiterar a importância de uma educação em direitos humanos a ONU declara em dezembro de 1994 a década da educação em direitos humanos, através da Resolução 49/184, equivalendo ao período de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2004. Com isso a ONU reconhece e defende o direito de toda pessoa humana à educação em todos os níveis com o pleno exercício das liberdades fundamentais e o respeito aos direitos humanos.

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Dessa forma, o acesso à instrução é posto como um meio de potencialização dos sujeitos para participarem e tomarem decisões na defesa dos seus direitos, a educação enquanto bem e direito é que vai dinamizar todo um conjunto de compromissos em relação à educação em e para os direitos humanos.

O Pacto Internacional dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) corrobora com uma educação voltada para os direitos humanos como uma condição indispensável a um desenvolvimento econômico e social sustentado, justo e solidário, voltado para a construção da cidadania em relação ao indivíduo e da democracia em relação à sociedade (ROCHA, 2009a).

A Declaração e Plano de Ação Integrado sobre Educação para a Paz, os Direitos Humanos e a Democracia ratificada pela Conferência Geral da UNESCO em 1995, afirma o compromisso em dar prioridade a educação de crianças, adolescentes e jovens face às formas de intolerância, racismo e xenofobia (UNESCO, 2001).

Nessa linha de raciocínio, a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância (CMR) realizada em Durban, África do Sul, em 2001, indicou para os Estados o compromisso com a luta contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância religiosa, a implementação de programas culturais e educacionais que incluam componentes antidiscriminatórios e anti-racistas, a realização de campanhas públicas de informação, programas de educação em direitos humanos em todos os níveis, produção de material didático e programas de educação pública formal e informal que promovam a diversidade cultural e religiosa e a implementação de políticas de promoção da igualdade de oportunidades (ONU, 2001).

Para realização dos objetivos e metas da década passada o Alto Comissariado para os direitos humanos da ONU elaborou o plano de ação internacional que pretende, entre outras coisas, avaliar necessidades e definir estratégias no campo da educação em direitos humanos; criar e reforçar programas de educação em matéria de direitos humanos a nível internacional, regional, nacional e local; coordenar a elaboração de materiais didáticos em matéria de direitos humanos; reforçar o papel dos meios de comunicação social; promover e divulgar a DUDH a nível mundial (2001).

Ao analisar os maiores problemas mundiais, a ONU estabeleceu 8 (oito) Objetivos do Milênio (oito Jeitos de Mudar o Mundo) na Declaração do Milênio, ratificada no ano 2000. Essa Declaração reúne os planos de todos os Estados-Membros da ONU para melhorar a vida de todos os habitantes do planeta no século XXI.

Até 2015 todos os 191 Estados-membros assumiram o compromisso de: erradicar a extrema pobreza e a fome; atingir o ensino básico e fundamental; promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; combater o HIV/AIDS, a malaria e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental e estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.

Muitas têm sido as contribuições referentes aos dispositivos, medidas e instrumentos específicos dos direitos humanos aos quais os Objetivos do Milênio podem se alinhar, mas todas possuem como característica comum o fato de suas conexões serem amplas e óbvias. Como a Declaração do Milênio considera o desenvolvimento sob a perspectiva dos direitos humanos, podemos dizer que são relevantes todas as medidas estabelecidas em convenções e tratados internacionais como a DUDH e o PIDESC e em medidas nacionais como o PNEDH e seus respectivos planos estaduais.

Com a Constituição Federal de 1988 que instituiu o Estado Democrático e de Direito, o Brasil ampliou processos de ratificação criando, no nível interno, importantes mecanismos nacionais de proteção aos direitos humanos.

Em 1996, o Estado Brasileiro em resposta a pressões sociais cria o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) buscando transformar os direitos humanos como eixo articulador e transversal de programas e projetos de promoção, proteção e defesa dos direitos humanos.

O PNDH estabelece como uma das linhas de ação do governo brasileiro a implementação do PNEDH atendendo a compromissos firmados no plano internacional com a Década da Educação em Direitos Humanos. A terceira versão do PNDH traz ainda mais forte esse compromisso.

Só em 2003, todavia, é que a SEDH através da Portaria nº 98/09 de julho de 2003 cria o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos com o propósito de conceber políticas públicas no campo da educação em direitos humanos.

A inclusão da educação em direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente, na legislação educacional também é feita após a Constituição Federal de 1988 a exemplo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), do Plano Nacional de Educação (PNE), dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), do Plano Nacional de Extensão Universitária e das Diretrizes Nacionais Curriculares para os cursos de graduação.

O marco legal desse processo, entretanto, foi a elaboração do PNEDH, o qual situa a educação em direitos humanos como um processo multidimensional que propõe articular o debate sobre os direitos humanos e a formação para a cidadania no Brasil.

Essa concepção de direitos humanos incorpora a compreensão de cidadania democrática, cidadania ativa e cidadania planetária, embasadas nos princípios da liberdade, da igualdade, da diversidade, e na universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos. A democracia, ao ser entendida como regime alicerçado na soberania popular e no respeito integral aos direitos humanos, é fundamental para o reconhecimento, a ampliação e a concretização dos direitos (PNEDH, 2006).

Nesse entendimento, o processo de construção da cidadania ativa requer, necessariamente, a formação de cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres, e protagonistas da materialidade das normas e pactos que os regulamentam, englobando a solidariedade internacional e o compromisso com outros povos e nações.

A educação é tanto um direito humano em si mesmo, como um meio indispensável para realizar outros direitos, constituindo-se em um processo amplo que ocorre na sociedade e ganha maior importância quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e às suas potencialidades e a elevação da auto-estima dos grupos socialmente excluídos, de modo a efetivar a cidadania plena para a construção de conhecimentos, no desenvolvimento de valores, crenças e atitudes em favor dos direitos humanos e da justiça social (2006).

A LDB estabelece que educar em direitos humanos é fomentar uma prática educativa inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, com a finalidade do pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 2008).

A partir desses pressupostos, o PNEDH foi concebido com o objetivo de contribuir para a vigência de um estado brasileiro democrático, embasado em uma proposta que prioriza as políticas públicas em busca da melhoria das condições de vida da população. O PNEDH, na condição de política pública, apresenta-se como um instrumento orientador e fomentador de ações educativas, no campo da educação formal e não-formal e nas esferas pública e privada.

Para efetivar a implementação do PNEDH a SEDH criou em 2005 a Coordenação Geral de Educação em Direitos Humanos vinculada a Subsecretaria de Promoção e Defesa responsável pela implementação dos programas projetos e ações.

Em 2007 a SEDH, o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério da Justiça (MJ) durante o Congresso Interamericano de Educação em Direitos Humanos lançaram a versão ampliada do PNEDH. Durante a Reunião de altas Autoridades de Direitos Humanos do MERCOSUL, atendendo a recomendações da ONU, foram aprovadas as Diretrizes para formulação de Planos Nacionais de Educação em Direitos Humanos que estão sendo discutidos em conferências territoriais e estaduais de direitos humanos.

Nos dias atuais, no plano federal, a política de educação em direitos humanos vem sendo proposta pela Secretaria para a Diversidade do MEC (SECAD) e pela Secretaria de Direitos Humanos (SEDH). Nos estados foram criados comitês estaduais de educação em direitos humanos. Contudo, a efetivação das ações previstas no PNEDH depende de um maior envolvimento de atores como a OAB e os advogados públicos.

Compreendemos, portanto, que a relação do advogado, sobretudo, o advogado público com os direitos humanos e a EDH diz respeito a sua função social e os fins que a OAB assumiu no Brasil em defesa do Estado democrático e de direitos e na radicalização da democracia participativa para atingir a igualdade e a justiça social, tomando a proteção aos direitos humanos como o principal objetivo do Estado democrático no Brasil.


REFERÊNCIAS

BENEVIDES, Maria Vitória. A Cidadania Ativa. São Paulo: Ática, 1991.

BRASIL. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos; Ministério da Educação, 2003. 52 p.

______ Programa Nacional de Direitos Humanos. Brasília: SEDH-MEC-MJ-UNESCO, 2006.

_____. Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Rio de Janeiro: Lamparina, 2006. 288p.

BRITO, Graça et. al. (Org.). Educando para a cidadania. Pelotas: UFPEL/Projeto Tribunos da Cidadania, 2002.

DORNELLES, José Ricardo. Sobre a fundamentação histórica e filosófica dos Direitos Humanos. Revista Direitos Humanos, Recife: GAJOP, p. 44-53,1999.

ONU. Declaração e programa ação. In: Conferência mundial contra o racismo discriminação racial, xenofobia e intolerância correta.

World Conference Against Racism. Durban, 31 ago. a 08 set. / 2001. Disponível em: < http://www.lpp-uerj.net/olped/documentos 1693.pdf >. Acesso em: 20 de out. 2010.

Ordem dos Advogados do Brasil. 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 – 1998: Conquistas e Desafios. Brasília: OAB, 1998.

ROCHA, José Cláudio. Teoria do Estado Democrático, EDUNEB ,Salvador, 2009.

ROCHA, José Cláudio. Guia de Educação em Direitos Humanos, UNEB, Camaçari, 2009a.

ROCHA, José Cláudio. Metodologia de Extensão em Educação em Direitos Humanos. UNEB, Camaçari, 2009b.

UNESCO. Declarácion de México sobre educación en derechos humanos en América Latina y Caribe.

México, 2001. Mimeografado

ZENAIDE, Maria de Nazaré Tavares. Educação em Direitos Humanos. In: Educação e Direitos Humanos: fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Editora Universitária, p. 15-25, 2007.


Notas

  1. Sócio do IBAP, advogado e professor universitário e pró-reitor de pesquisa e ensino de pós-graduação da UNEB e professor do Centro Universitário Estácio FIB. É militante de direitos humanos com diversos livros e artigos publicados na área.
Sobre o autor
José Cláudio Rocha

Advogado, economista, analista e desenvolvedor de sistemas e professor pleno da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Docente na graduação presencial e EAD e pós-graduação (mestrado e doutorado) é pesquisador público com base na Lei Federal 13.243/2016 e Lei Estadual 14.315/2021. É coordenado do Centro de Referência em Desenvolvimento e Humanidades (CRDH/UNEB) Portaria 231/2023. É expert em Direitos Da Natureza para a Organização das Nações Unidas (ONU), Programa Harmony With Nature.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, José Cláudio. A função social do advogado público e a educação em direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3056, 13 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20423. Acesso em: 22 dez. 2024.

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